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Dossiê Halloween

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Texto de G. B. Marian. Traduzido por Caio Ferreira Peres.

[Os textos abaixo foram originalmente publicados sem série e estão aqui agrupados para comodidade do leitor.]

Halloween (1978) de John Carpenter

Como um simples “filme slasher” deplora o patriarcado e evoca o folclore celta.

Feliz Samhain! Feliz Hallowtide! Para marcar essa abençoada ocasião festiva, os próximos episódios desta série apresentarão minhas análises da franquia de filmes de terror Halloween, com foco especial nas minhas cinco partes favoritas.

Se eu tivesse que classificar meus cinco melhores filmes de Halloween na situação atual em 2020, a contagem regressiva (do quinto ao primeiro favorito) seria a seguinte:

Acho difícil discutir esses filmes em uma contagem regressiva e, em vez disso, prefiro discuti-los em ordem cronológica. Mas, ao contrário da maioria das outras franquias de filmes populares, a série Halloween não segue uma única linha do tempo coerente. Em vez disso, ela inclui várias continuidades alternativas e até mesmo um universo cinematográfico completamente diferente no caso de Halloween III (que diverge tematicamente de todos os outros filmes). Dito isso, acho que faria mais sentido se eu discutisse primeiro minhas entradas favoritas da história do “enredo A” da série (a saga de Michael Myers) e depois concluísse com uma análise da história do “enredo B”. Portanto, os primeiros quatro episódios dessa pequena minissérie apresentarão meus quatro filmes favoritos de Myers em ordem cronológica de lançamento; depois, terminarei discutindo Halloween III.

É noite de Halloween, 1963, na pacata cidadezinha de Haddonfield, Illinois. Vestido de palhaço, um garoto de seis anos chamado Michael Myers esfaqueia sua irmã adolescente, Judith, até a morte—e sem nenhum motivo aparente. Depois disso, ele não se move nem fala e é internado em um hospital psiquiátrico estadual, onde é tratado pelo Dr. Samuel Loomis (Donald Pleasence). Depois de algum tempo, Loomis afirma que Myers é o paciente mais perigoso que ele já observou e faz de tudo para que o garoto seja transferido para uma prisão de segurança máxima, apesar do fato de Michael ficar sentado, imóvel, sem reagir a nenhum estímulo externo. Os colegas do médico acham que Loomis está louco, mas ele parece entender algo sobre Michael que a psiquiatria moderna simplesmente não está preparada para explicar. Para o horror de todos, Loomis se mostra 100% correto sobre seu paciente 15 anos depois, quando um Myers adulto fica com um cabelo na bunda e foge da prisão na véspera do Halloween. As autoridades continuam a insultar o Dr. Loomis e a ignorar o que está acontecendo, achando que provavelmente encontrarão Michael sentado em um parque em algum lugar com suas roupas de hospital. Mas Loomis sabe que seu paciente está realmente tramando algo terrível, então ele segue sua única pista: a possibilidade de Myers retornar ao local do crime de sua infância, a antiga Myers House, em Haddonfield.

É aqui que conhecemos Laurie Strode (Jamie Lee Curtis), uma adolescente mansa e solitária que mora em Haddonfield. Ela tem boa índole e é muito inteligente, mas suas “amigas” mais próximas, Annie e Lynda (Nancy Loomis e P.J. Soles), a tratam constantemente como lixo, tirando sarro de suas boas notas e de sua timidez com os rapazes. No entanto, Laurie, de fato, atrai um “homem” quando passa pela Casa dos Myers a caminho da escola naquela manhã de Halloween em 1978. Pois uma Forma [N. T.: No original, “Shape”, termo usado para se referir ao assassino Michael Myers no roteiro original, dando a ideia de que Michael não é um ser humano mas sim uma entidade sobrenatural, uma força da natureza] misteriosa dentro da propriedade abandonada a percebe e se fixa nela, seguindo-a para onde quer que ela vá a partir daquele momento. Laurie continua vislumbrando a Forma enquanto está sentada na sala de aula, caminha da escola para casa e vai tomar conta de seu amigo pré-adolescente Tommy Doyle (Brian Andrews) durante a noite. Mas a Forma continua aparecendo e desaparecendo como um fantasma, e Laurie não acredita realmente no que vê no início, achando que deve ser apenas uma brincadeira de feriado ou talvez seus olhos estejam pregando peças. Tommy se refere à Forma como “o Bicho-Papão” sempre que a vê à espreita do lado de fora das janelas, e o Dr. Loomis insiste que essa coisa é realmente o próprio diabo. No momento em que Laurie é forçada a se defender e Loomis chega para atirar seis vezes no peito da Forma à queima-roupa, o espectador não consegue contestar Tommy ou Loomis em nenhuma dessas teorias. Na verdade, não existe nenhum “Michael Myers”, ou pelo menos não em qualquer sentido humano; existe apenas a Forma imortal, que agora abandonou qualquer pretensão de ser um homem mortal.

Essa história pode parecer não ter nada a ver com magia ou ocultismo, mas há um paralelo curioso com a mitologia e o folclore celtas que raramente é notado. A tradição celta fala de changelings, ou filhos de fadas que são trocados por bebês humanos (sem o conhecimento ou consentimento dos pais humanos). No início, um changeling parece e se comporta exatamente como um bebê humano, mas, por fim, começa a exibir poderes sobre-humanos estranhos, e o infortúnio o segue aonde quer que vá. Parece-me que Michael Myers se encaixa perfeitamente nesse motivo; seus pais parecem não ter ideia do que realmente estavam criando e, assim como os espíritos malignos da religião popular celta, ele só fica livre durante o festival de Samhain. Além disso, as tradições apotropaicas do Halloween que antes nos mantinham a salvo de entidades como a Forma—usar fantasias, esculpir abóboras, fazer doces ou travessuras etc.—foram completamente secularizadas, tornando-as impotentes. O mal pode perseguir e cortar o quanto quiser agora, já que o povo de Haddonfield não está nem mesmo disposto a reconhecer sua existência.

O fato de Myers usar uma máscara branca pálida e perseguir mulheres jovens indefesas também é significativo. Myers é o Homem Branco Raivoso supremo, e é tão difícil de matar quanto o terrível patriarcado em que todos vivemos. A insistência das autoridades em minimizar sua maldade é paralela à forma como nossa sociedade continua a banalizar questões como a misoginia sistêmica e a masculinidade tóxica nos dias de hoje. Acho que a maioria das pessoas concordaria comigo que, mesmo quando esses males são expostos em plena luz do dia para que todos vejam, a reação comum é ignorar o problema e fingir que nada de ruim está realmente acontecendo. Aqui em 2020, os Estados Unidos inteiros ainda estão respondendo aos homens maus da mesma forma que Haddonfield respondeu à Forma em 1978: ignorando-os e deixando-os fazer a porra que quiserem.

Halloween (1978) de John Carpenter é incrível e belo em muitos níveis diferentes. É, de fato, meu filme favorito de todos os tempos. Pode ser um filme “slasher” (e o modelo para muitos slashers futuros), mas, para mim, parece muito mais uma história de fantasmas à moda antiga. O objetivo não é criar uma contagem de corpos ou enojar o público com sangue, mas criar um suspense implacável, fazer com que gritemos com os personagens do filme e deixar todos nós nos perguntando: “O que acontecerá em seguida?” quando os créditos terminarem. O fato de esse filme ter sido feito com um orçamento inexistente por talentos desconhecidos (muitos dos quais fizeram vários trabalhos no set de graça, inclusive Curtis) só aumenta a impressão que ele deixa no espectador. A parte mais cara de toda a produção foi, provavelmente, a contratação de Donald Pleasence para interpretar o Dr. Loomis em algumas cenas importantes, e até mesmo ele (sendo o profissional fantástico que era) admirou toda a dedicação dedicada ao projeto. Esse também foi o primeiro grande sucesso de Jamie Lee Curtis, que brilha como Laurie Strode, a garota tímida que nunca procura problemas, mas que acaba sendo muito mais durona e descolada do que ela ou seus colegas pensam. E, para que eu não me esqueça, a música eletrônica sinistra do diretor John Carpenter é uma verdadeira obra de arte por si só. A trilha sonora é o meu álbum favorito número 1, o que deve ser óbvio para qualquer pessoa que já tenha ouvido minha música.

Halloween 4: O Retorno de Michael Myers (1988)

Por que Halloween 4 (1988) é um dos meus filmes favoritos para assistir na temporada do Samhain.

Halloween (1978), de John Carpenter, rendeu muito mais dinheiro do que todos apostavam que renderia, e aquele final gritava por uma continuação. Carpenter nunca teve a intenção de fazer nenhuma continuação, mas foi legalmente forçado a fazer uma por motivos contratuais. O resultado misto foi Halloween II (1981), que se passa na mesma noite que o original. A Forma ainda está à solta em Haddonfield, em 1978, com o Dr. Loomis e a equipe de policiais em sua perseguição. Laurie Strode é levada ao hospital local para tratar de seus ferimentos e a Forma a segue até lá, perseguindo-a e cortando-a durante todo o turno da noite. Enquanto isso, Loomis passa a suspeitar que Michael Myers é levado a matar por algum tipo de “maldição druídica”. O ato final começa quando é revelado que Laurie é, na verdade, a irmã mais nova de Michael, que ele aparentemente pretendia matar em 1963 junto com sua irmã mais velha, Judith. O inferno começa quando o Dr. Loomis aparece no hospital para salvar Laurie e explodir a si mesmo e à Forma em pedacinhos.

Halloween II quebrou alguns recordes de bilheteria, então era apenas uma questão de tempo até que outra sequência fosse autorizada. Carpenter insistiu em levar a série em uma nova direção, transformando-a em uma antologia como The Twilight Zone. Por isso, Halloween III: A Noite das Bruxas (1982) não tem nada a ver com a história de Michael Myers. Deixarei minha análise de Halloween III para mais tarde, mas basta dizer que, por enquanto, o filme não foi muito bem recebido pelo público na época, tornando inevitável a ressurreição da Forma.

Jason Voorhees e Freddy Krueger estavam fazendo muito sucesso em meados e no final da década de 1980, e o produtor executivo Moustapha Akkad estava determinado a fazer o mesmo com Michael Myers. Ele procurou John Carpenter para pedir sua opinião sobre um possível Halloween 4, mas os dois simplesmente não se entendiam. Carpenter apresentou um roteiro muito estranho do romancista de terror Dennis Etchinson, no qual a Forma retorna dos mortos como um tipo de fantasma que altera a realidade. Na verdade, é bem legal, mas Akkad só queria “voltar ao básico” (ou “copiar o original”, de acordo com Carpenter), e Carpenter vendeu sua participação na franquia. Akkad então montou sua própria equipe criativa, liderada pelo diretor Dwight H. Little, e produziu Halloween 4: O Retorno de Michael Myers em 1988. O produto final não é tão interessante quanto o que Dennis Etchinson preparou para nós, mas ainda assim ficou muito bom, na minha opinião.

Halloween 4 ignora seu predecessor imediato e começa 10 anos após os eventos dos dois primeiros filmes, o que, tecnicamente, torna essa a segunda matança de Michael Myers. Ele também reescreve o final de Halloween II, de modo que a Forma e o Dr. Loomis não foram imolados na explosão do hospital; eles foram queimados e desfigurados, mas sobreviveram. Myers está em coma em uma prisão de segurança máxima desde então, e o Dr. Loomis nunca mais saiu de seu lado. Presumivelmente, a equipe da prisão está cansada do fato de Loomis sempre exigir que seu paciente seja retirado do suporte de vida, pois eles providenciam a transferência de Myers para outra instalação em outro estado sem o conhecimento do médico. Isso poderia não ter sido tão ruim, mas eles decidem fazer isso na noite de 30 de outubro. Para piorar a situação, os paramédicos que transportam o prisioneiro discutem estupidamente o fato de que Laurie Strode, embora já falecida em um acidente de carro, tinha uma filha chamada Jamie Lloyd (belo toque), que atualmente vive com uma família adotiva em Haddonfield. É nesse momento que o “comatoso” Michael Myers entra em ação e mata todos os filhos da puta que estavam na ambulância; depois, ele retorna a Haddonfield e persegue implacavelmente sua sobrinha na noite de Halloween seguinte.

Embora seja extremamente derivado do original de 1978, Halloween 4 é, na verdade, um filme fantástico, e há dois motivos principais para isso. Primeiro, Donald Pleasence realmente brilha como Dr. Loomis neste filme. Na verdade, ele é praticamente um herói de filme de ação aqui, fazendo todos os tipos de acrobacias malucas (a sequência do posto de gasolina explodindo é uma das minhas cenas favoritas em toda a franquia). Não deve ter sido fácil para um veterano da Segunda Guerra Mundial de 69 anos fazer essa merda, mas Donald Pleasence fez mesmo assim, e eu o adoro por isso. Não consigo enfatizar o suficiente o fato de que seu personagem foi o que me fez voltar para ver mais desses filmes quando eu era jovem. Ver o Dr. Loomis enfrentando as autoridades e arriscando sua vida e reputação para resgatar uma menina de 9 anos assustada e indefesa sempre faz meu coração vibrar! Além disso, praticamente tudo o que ele diz no Halloween 4 é uma frase clássica. Penso no Dr. Loomis como um avatar de Set nesses filmes: o pária sombrio e condenado que persegue o mal, independentemente de receber agradecimentos ou ser reconhecido por isso, e que é tão implacável nessa busca quanto Michael Myers ao perseguir sua sobrinha.

O que nos leva ao segundo motivo pelo qual o Halloween 4 é tão incrível: Danielle Harris, a talentosa jovem que interpreta Jamie Lloyd. Simplesmente não havia melhor atriz infantil nos anos 80 do que Harris. Se eu não soubesse (e eu sei), pensaria que os cineastas estavam tentando matá-la. Definitivamente, esse não foi o caso, pois todos os esforços foram feitos para que Harris se sentisse totalmente à vontade com George P. Wilbur, o dublê que interpreta a Forma. Ela também teve a oportunidade de conviver com Donald Pleasence entre as filmagens, e ele lhe contava todo tipo de histórias malucas (o que deve ter sido incrível). Mas quando Harris grita ou foge da Forma no filme, ela realmente CONVENCE, fazendo com que eu queira saltar pela tela da TV e salvá-la eu mesmo!

Há algo a ser dito sobre o fato de Myers perseguir uma criança nessa aventura. Outras sequências de terror populares na época estavam se tornando autoparódias, com assassinos como Jason e Freddy fazendo todo tipo de travessuras (como ir para Manhattan ou aparecer em videoclipes da banda de hair metal Dokken). O fato de a Forma ter como alvo uma garotinha realmente aumenta os riscos em comparação, especialmente quando lembramos que Laurie Strode era uma adolescente em 1978 e podia realmente lutar contra Michael. Mas Jamie depende dos adultos que a cercam para lutar por ela e, quando a maioria desses adultos NÃO é o Dr. Loomis, a situação se torna ainda mais tensa.

Halloween 4 é superior a Halloween II por vários motivos importantes. Embora alguns aspectos desse último filme sejam clássicos e icônicos por si só (como o cenário do hospital e a ideia de que ele se passa na mesma noite do primeiro filme), o filme tem um ritmo terrível (o segundo ato inteiro é uma sonolência total), há muito sangue absurdo e as partes sobre a religião celta são especialmente perturbadoras (já que são pura bobagem). A premissa de “vingança familiar” anula a ideia do primeiro filme de que Myers é completamente arbitrário em suas ações (o que é uma ideia muito mais assustadora para mim, pessoalmente). E, embora seu motivo recém-descoberto pareça dar a Laurie um papel de importância central, Halloween II dá pouco uso a sua personagem, deixando-a drogada, silenciosa e impotente até o final. Mas aqui no Halloween 4, o ritmo é perfeito, a quantidade de sangue é significativamente reduzida e não temos que assistir a nenhuma daquelas besteiras antidruídicas. Além disso, a atuação de Danielle Harris como Jamie é tão intensa que me faz esquecer a estupidez da história de “vingança familiar” do Halloween II.

Halloween 4 assume um grande risco, não apenas por presumivelmente matar Michael Myers de uma vez por todas, mas por passar sua maldição para Jamie, levando-a a reencenar o assassinato original de seu tio em 1963, esfaqueando sua mãe adotiva até a morte. O filme termina com o Dr. Loomis descobrindo o que Jamie fez e gritando histericamente, entendendo imediatamente que a Forma agora assumiu uma nova encarnação. Com esse cenário, Halloween 5 parecia pronto para começar em 2003 (15 anos depois), com uma Forma feminina adulta aterrorizando todo mundo no Halloween daquele ano. Algo assim poderia ter sido muito legal, mas, em vez disso, acabamos com um monte de besteira.

Halloween 6: A Última Vingança (1995)

Como um dos filmes mais idiotas de Halloween me ensinou a pensar além das representações do paganismo em Hollywood, com uma breve homenagem a Donald Pleasence.

Embora Halloween 4 tenha conseguido dar uma nova vida à franquia Halloween, a série quase morreu de novo com Halloween 5 (1989), que foi produzido às pressas assim que Halloween 4 fez sucesso. A produção não tinha nem mesmo um roteiro completo quando as filmagens começaram, e isso é visível. Halloween 5 é uma bagunça sórdida, com personagens que se comportam de maneiras desprezíveis que não fazem o menor sentido e com várias linhas de enredo sem objetivo que foram claramente incluídas apenas para aumentar o entusiasmo pelo próximo filme. O mais óbvio desses erros é o Homem de Preto, um misterioso imbecil que usa botas de caubói e que entra e sai do filme, aparecendo no final para tirar a Forma da cadeia e sequestrar sua sobrinha, Jamie Lloyd. E, embora Halloween 5 tenha dado a entender que o próximo filme seria lançado o mais rápido possível, não recebemos Halloween VI: A Última Vingança [N. T.: Título original, Halloween: The Curse of Michael Myers, “Halloween: A Maldição de Michael Myers”] (também conhecido carinhosamente como Halloween 6) até cerca de meia década depois.

Na abertura de Halloween 6, ficamos sabendo que o Homem de Preto lidera um culto que parece adorar Michael Myers e que forçou Jamie a ter um filho (falaremos mais sobre isso em breve). Um dos cultistas parece ter mudado de ideia e ajuda Jamie a fugir com o bebê recém-nascido, mas a Forma os persegue de volta à cidade de Haddonfield, dando início a mais uma onda de assassinatos no feriado.

Na verdade, há duas versões de Halloween 6—a versão teatral de 1995 e a versão original do produtor (que não seria lançada oficialmente até a década de 2010). Os dois cortes são radicalmente diferentes um do outro. A versão do produtor é a que foi originalmente montada antes do falecimento de Donald Pleasence, logo após o término das filmagens em 1995. O diretor, Joe Chappelle, então refilmou todo o final e reeditou o resto do filme sem motivo aparente. Assim, ficamos com dois filmes muito singulares que contam histórias completamente assíncronas. Ambas as versões são sobre Michael Myers perseguindo sua sobrinha, o bebê dela e uma família que se mudou para a Myers House (parentes de Laurie Strode, na verdade). Mas a versão do produtor explica que Myers é apenas um fantoche para o Homem de Preto, que parece ser movido por crenças pagãs (fanáticas). Na versão teatral, os motivos do Homem de Preto são revelados como sendo mais pseudocientíficos do que ocultos, e ele acaba não tendo a Forma sob seu controle.

Ambas as versões do Halloween 6 apresentam um culto dos chamados “druidas” que adoram um demônio teórico chamado “Thorn”. Ambas as versões também afirmam que Michael Myers está possuído por esse demônio, explicando assim sua imortalidade e sua vontade de matar. O símbolo de Thorn é, na verdade, a runa nórdica Thurisaz (a terceira letra do Futhark Antigo), e não tem nada a ver com os druidas ou com o politeísmo celta. Ela representa o Mjollnir, o martelo do deus do trovão Thor, e é usada para controlar magicamente as energias destrutivas e caóticas para fins de proteção. Seu princípio é semelhante ao de Khepesh, o ferro estrelado de Set, e ao uso de gárgulas na decoração de igrejas cristãs; não se trata de glorificar o mal, mas de repeli-lo. Portanto, quando certos personagens afirmam que “Thorn” exige que uma família em Haddonfield seja ritualmente assassinada de vez em quando—e que Michael é simplesmente o atual portador dessa maldição—posso confirmar que isso é uma completa besteira. Essa história não se baseia em nenhum paganismo autêntico; o roteirista, Daniel Farrands, simplesmente tirou isso da bunda para preencher todos os buracos de enredo que sobraram do Halloween 5.

Embora a versão dos produtores ainda siga a fórmula comprovada e verdadeira do slasher (“assassino assustador persegue os protagonistas um a um”), ele também segue a fórmula do Pânico Satânico (“a comunidade é cercada por bruxas assassinas e estupradoras”). É aqui que voltamos ao assunto do bebê de Jamie Lloyd, que acaba recebendo o nome de Stephen. O parentesco dessa criança é extremamente controverso. No roteiro original, Stephen é o resultado do estupro de Jamie pelo Homem de Preto, que a engravida para que mais um membro da família Myers possa ser oferecido a Thorn. Enquanto o filme estava sendo rodado, o roteiro era reescrito quase que diariamente e, por alguma razão profana, alguém achou que era uma boa ideia fazer com que Stephen fosse filho de Michael. Na verdade, há um flashback que sugere que o Culto de Thorn amarrou Jamie em um altar e forçou a Forma a estuprá-la. Há tantas coisas erradas com essa ideia que nem sei por onde começar. Em primeiro lugar, os filmes de Halloween geralmente não são conhecidos por usar o estupro como um dispositivo de enredo conveniente. A Forma é uma máquina de matar brutal, e o assassinato sempre foi seu único imperativo biológico; ela nunca demonstrou qualquer tipo de interesse sexual em suas vítimas. E a ideia de que alguém poderia “forçar” a Forma a estuprar alguém—considerando que esse filho da puta pode rasgar o crânio das pessoas com as próprias mãos—é simplesmente ridícula.

Aqueles de nós que cresceram assistindo a ela no Halloween 4 e 5 realmente admiram a personagem de Jamie Lloyd; portanto, quando Halloween 6 ainda estava em andamento, estávamos todos ansiosos para ver como essa poderosa e jovem guerreira venceria a Forma mais uma vez. E todos nós ficamos prontamente com o coração partido. Já é ruim o suficiente o fato de que eles não quiseram pagar a Danielle Harris o salário que ela merecia e, em vez disso, escalaram uma mulher mais velha (J.C. Brandy) para o papel. (Jamie deveria ter cerca de 15 anos ou mais em 1995; mas J.C. Brandy estava claramente na casa dos 20 ou 30 anos quando Halloween 6 foi feito). No entanto, é ainda pior o fato de terem decidido excluir Jamie de qualquer continuação futura, fazendo com que ela fosse estuprada e morta. Sim, esses são filmes de terror, é compreensível que coisas perturbadoras aconteçam. Mas isso foi uma coisa horrível, impensada e totalmente mesquinha de se fazer com uma personagem amada e querida. A verdade é que estou feliz por Danielle Harris não ter participado desse filme, porque eu não conseguiria assisti-lo se tivesse que ver a verdadeira Jamie Lloyd sofrer um destino tão cruel.

Na versão teatral, o bebê Stephen é fortemente sugerido como sendo um produto de inseminação artificial. Ambas as versões terminam no Sanatório Smith’s Grove, que é a base de operações do Culto de Thorn; e ambas as versões revelam que o Homem de Preto é o Dr. Terence Wynn (interpretado por Mitch Ryan, também conhecido como o pai de Will Riker), que é o diretor do hospital. Mas é aqui que as semelhanças terminam. A versão dos produtores termina com o Dr. Loomis e companhia interrompendo uma cerimônia de sacrifício e paralisando a Forma com “o poder das runas”. O clímax da versão teatral é quando nossos heróis descobrem que o Culto de Thorn não é realmente um culto, mas um grupo de cientistas loucos conduzindo um experimento de laboratório macabro. O sanatório está cheio de fetos humanos em tubos de ensaio, e o Dr. Wynn menciona algo sobre Stephen ser “um bebê muito especial” que representa “o início de uma nova era”. Também ficamos sabendo que a Forma vem assassinando mulheres grávidas no hospital que parecem estar relacionadas aos bebês de proveta de alguma forma. Os cientistas da Thorn não parecem estar cientes das atividades de Michael no momento, talvez pensando que o prenderam em segurança. É nesse momento que a Forma invade a operação e mata todos os cientistas que encontra pela frente. Depois disso, Paul Rudd esmaga Myers com um grande cano de chumbo em uma sala cheia de fetos (e, acredite, é tão espetacular quanto parece!).

Nenhum desses eventos é explicado de forma coerente, e a interpretação dos eventos por um fã é tão boa quanto a de outro. Mas, se vale de alguma coisa, eis o que eu acho que a versão teatral de Halloween 6 está tentando dizer com toda essa loucura. O Dr. Wynn e seus comparsas nunca acreditaram em Thorn; eles simplesmente fingiam adorar a força que possuía Michael para que ele permitisse que eles se aproximassem dele. Eles realmente não acreditam no Bicho Papão, mas reconhecem a força sobre-humana de Michael. Seu verdadeiro objetivo é clonar o DNA da Forma; talvez eles trabalhem para os militares ou talvez apenas queiram um exército de Formas que possam controlar. Eles inseminaram artificialmente todas as suas “pacientes”, inclusive Jamie, com pequenos clones de Myers, e Stephen provou ser um tipo de avanço. Mais do que qualquer outra coisa, eles querem Stephen de volta para que possam continuar seus experimentos com ele; por isso, liberam Michael para encontrá-lo, com planos de recapturar a Forma antes que ela possa realmente matar sua presa. Depois de conseguir fazer isso, o Dr. Wynn deixa de lado qualquer pretensão de ser um “druida”, achando que enganou a Forma. Mas, na verdade, Michael Myers estava no controle de toda a situação o tempo todo, mantendo o “Culto de Thorn” perto de si para seus próprios fins. E é aí que esses outros vilões que se acham tão ruins descobrem que o Bicho-Papão é MUITO real, de fato!

Dada essa interpretação dos eventos, prefiro muito mais a versão dos cinemas de Halloween 6 do que a versão dos produtores. O primeiro é essencialmente um episódio de Arquivo X que, por acaso, apresenta Michael Myers, com toneladas de coisas bizarras acontecendo e nenhuma delas sendo explicada (guardando material para futuras edições). Embora ainda seja um filme ridículo com muitas falhas, isso deixa um gosto muito melhor na minha boca do que a alternativa. A versão dos produtores é mais parecido com um filme gótico da Hammer, o que eu normalmente acharia atraente, exceto pelo seguinte: ele reduz a Forma a pouco mais do que Kharis, a Múmia, com o Dr. Wynn como seu Mehemet Bey. Eu também me ressinto muito com a adição de toda aquela bobagem do Pânico Satânico, que é simplesmente desnecessária. A ideia de pessoas sendo estupradas por bruxaria pode ser essencial para uma história como O Bebê de Rosemary, mas nunca fez parte do Halloween de John Carpenter. Com todo o respeito a Ira Levin, eu simplesmente não quero ver nada disso quando assisto a um filme de Halloween. A ideia de criar geneticamente uma raça de clones de Michael Myers é igualmente maluca quando comparada ao filme original de 1978; mas pelo menos é o meu tipo de maluquice, caramba!

No entanto, há algumas coisas na versão do produtor que eu prefiro. Por um lado, há muito mais Donald Pleasence nessa versão, o que é sempre bom (especialmente porque essa foi sua última aparição antes de morrer). Por qualquer motivo blasfemo, a maioria de suas cenas foi bastante cortada ou completamente removida da versão teatral, e isso é um insulto. Meu principal motivo para assistir ao Halloween 6 foi ver como o Dr. Loomis está se saindo e o que ele fará para deter a Forma dessa vez. A remoção da maior parte de sua presença do filme deixa uma sensação muito vazia, como se parte da alma do filme tivesse sido perdida. Ajuda o fato de o Dr. Loomis passar a tocha para Tommy Doyle (interpretado por Paul Rudd), que testemunhou a primeira matança de Michael como um dos personagens infantis em 1978. Mas a última cena com Donald Pleasence na versão dos cinemas (“Tenho um pequeno assunto a tratar aqui…”) nunca deixa de me fazer chorar um pouco.

Halloween 6 pode ser mais bobo do que qualquer outra coisa (não importa qual das duas versões você prefira assistir), mas assisti-lo foi um passo importante para que eu chegasse ao paganismo quando era adolescente. Donald Pleasence também é meu ator favorito de todos os tempos, e fiquei muito triste quando seu falecimento foi anunciado pela primeira vez em fevereiro de 1995. Sempre achei que a runa Thurisaz seria muito mais adequada para representar o Dr. Loomis como um protetor contra a Forma, em vez de representar a própria Forma; por isso, decidi incluir uma música em meu novo álbum de 2020, Summer’s End, que homenageia o conceito de Thurisaz e que também é dedicada à memória de Donald Pleasence. Espero que goste dessa oferta, bom senhor!

 

Halloween (2018) de David Gordon Green

Por que a “requela” de 2018, com o retorno de John Carpenter e Jamie Lee Curtis, é a melhor sequência direta ao clássico original de 1978.

Na década de 2010, David Gordon Green apareceu e apresentou uma ideia a John Carpenter. Green propôs fazer um novo filme para a série Halloween que estabeleceria uma linha do tempo totalmente nova, mas com uma reviravolta extra. Esse novo filme seria uma sequência direta apenas do original de 1978, ignorando todas as outras entradas da série (bem como os remakes). Green propôs ainda a eliminação da subtrama dos “irmãos” que Carpenter introduziu pela primeira vez em Halloween II (1981), restabelecendo que Michael Myers e Laurie Strode são estranhos sem nenhuma relação. Jamie Lee Curtis também se tornaria “a nova Loomis” e tomaria o lugar de Donald Pleasence como o caçador de bicho-papão residente em Haddonfield. Muitas pessoas não gostariam dessa sugestão, pois a ideia de que Michael e Laurie são irmãos já é considerada “canônica” há décadas. Mas John Carpenter, que sempre se sentiu um pouco envergonhado por causa de Halloween II, adorou a ideia de Green e assinou contrato para ser produtor executivo, consultor criativo e compositor do filme (seu primeiro envolvimento com a franquia desde que Halloween 4 ainda estava em pré-produção em 1988). Era quase bom demais para ser verdade!

Não me lembro quem foi, mas quando o filme Halloween (2018), de David Gordon Green, foi lançado pela primeira vez, algum crítico de cinema idiota criticou a noção de que “os diretores aparentemente podem mudar o cânone a qualquer momento”. Quem fez essa afirmação não deve ser um historiador de cinema muito bom, caso contrário, saberia que esses filmes já estão mudando seu próprio “cânone” há décadas (veja Halloween H20: Vinte Anos Depois, de 1998, como um bom exemplo). Halloween também não é a primeira franquia a fazer isso. Basta olhar para a Hammer Films e a Toho Studios, que criaram linhas do tempo alternativas para o Conde Drácula e o Godzilla nas décadas de 1970 e 1980, respectivamente. A assim chamada “requência” não é novidade, e trazer a Forma de volta para uma nova versão do que aconteceu depois de “A Noite em que Ele Voltou para Casa” não é diferente de deixar Christopher Nolan dar uma chance ao Batman. Os filmes de Halloween não são para todo mundo, mas também não é essa ideia tola de que todos os filmes de uma série devem necessariamente se passar no mesmo universo cinematográfico.

Dito isso, Halloween de 2018 começa com dois repórteres de podcast (Jefferson Hall e Rhian Rees) que estão visitando o Sanatório Smith’s Grove em Illinois para ver o Dr. Ranbir Sartain (interpretado por Haluk Bilginer) e seu paciente, Michael Myers (James Jude Courtney). Ficamos sabendo que, logo após os eventos de Halloween de John Carpenter, o Dr. Loomis rastreou Myers pela vizinhança e estava prestes a acertá-lo com mais seis balas no peito quando a polícia local apareceu e “desescalonou” a situação. Myers foi levado sob custódia e devolvido ao sanatório, e Loomis teve sua licença para exercer a medicina revogada, e foi assim que Sartain assumiu o controle. Agora, 40 anos depois, Loomis já faleceu e Myers está prestes a ser transferido para uma prisão de segurança máxima, onde se espera que ele apodreça. Os repórteres tentam provocar uma reação de Michael tirando a estranha máscara branca e sem rosto que ele usava quando perseguia suas vítimas em 1978. Myers não lhes dá nada, mas todos os outros pacientes do sanatório ficam subitamente raivosos, e isso nos diz que esses repórteres idiotas cometeram um erro muito grave.

DROGA, Jamie Lee, você está mais linda do que nunca!

Em seguida, os repórteres vão a Haddonfield para visitar Laurie Strode, a única adolescente entre as vítimas de Michael que sobreviveu—a única que lutou e sobreviveu. Ficamos sabendo que, nos últimos 40 anos, Laurie teve uma filha chamada Karen (interpretada na forma adulta por Judy Greer); mas Laurie continua a apresentar um terrível TEPT e também se tornou uma louca por armas de sobrevivência. Na verdade, seu comportamento cotidiano é tão alarmante que o estado acabou tirando Karen de sua custódia. Desde então, mãe e filha se afastaram, e Laurie agora vive em uma casa velha e solitária na floresta, com um arsenal digno do Armagedom. Ela sempre soube, no fundo de seu coração, que Michael Myers escaparia novamente um dia e que a misteriosa Forma voltaria a perseguir as ruas de Haddonfield. E quando isso acontecer, Laurie pretende terminar de uma vez por todas o que a polícia local impediu o Dr. Loomis de fazer há tantos anos.

Os repórteres não vão muito mais longe com Laurie do que foram com Michael; eles a desrespeitam, sugerindo que ela é apenas uma velha histérica e que ninguém deve acreditar nela ou ouvi-la. Mas, em vez de ser silenciada, Laurie os expulsa e volta a se preparar para o Big Blow-Up. Em seguida, ela vai visitar sua neta, Alyson (filha de Karen, interpretada por Andi Matichak), que está passando por sua própria experiência de distanciamento materno. Parece que a Karen Strode adulta ainda carrega todos os seus demônios de infância, pois cresceu sob o comando de Laurie; embora seja muito mais estável e capaz de criar uma família do que a Strode mais velha, ela também conseguiu alienar sua filha. Ela restringiu tanto o acesso de Alyson à avó que as duas precisam se encontrar em segredo se quiserem interagir uma com a outra. E enquanto Karen acha que Laurie é apenas uma profeta da desgraça em busca de atenção, Alyson sabe que o trauma e a dor de sua avó são completamente autênticos.

É apenas uma questão de tempo, é claro, para que as profecias de Laurie sobre Michael Myers se tornem 100% verdadeiras. De alguma forma, o paciente consegue escapar de um ônibus da prisão enquanto está sendo transferido para uma instalação de segurança máxima na véspera do Halloween. Em seguida, ele localiza os dois repórteres do podcast em um posto de gasolina local para recuperar sua máscara dos pertences deles. Tenho que admitir que essa é a sequência mais emocionante que já vi em um filme de Halloween desde o final dos anos 1980. De alguma forma, Michael Myers é ainda mais intimidador quando está sem fantasia, andando em plena luz do dia, sem que todos ao seu redor percebam. Essa parte do filme também me fez perceber o quanto Myers se assemelha a um vilão do Batman, como o Espantalho—completo com a fuga de uma prisão psiquiátrica e vestindo um traje que parece realçar (em vez de esconder) sua verdadeira personalidade. Quando Michael finalmente recupera sua máscara e a usa mais uma vez, ele volta à sua verdadeira identidade como “a Forma”.

(Alerta de spoilers!)

Assim, a Forma retorna a Haddonfield e se convida a entrar nas casas de pessoas aleatórias, esculpindo os moradores como lanternas de abóbora. Ele então cruza com Alyson quando ela está voltando para casa depois de um baile da escola, mas ela consegue escapar e encontrar o Policial Hawkins (Will Patton), que está patrulhando o bairro com o Dr. Sartain. Hawkins, Sartain e Alyson encontram a Forma novamente e, quando Hawkins se prepara para matá-la, o Dr. Sartain enlouquece e mata o policial. Em seguida, ele joga a Forma inconsciente no banco de trás do carro de polícia de Hawkins (junto com Alyson) e sai dirigindo em direção à casa de Laurie Strode. Ele explica que está obcecado em descobrir os segredos dos verdadeiros motivos de Michael e que acredita que pode descobrir esses segredos forçando um confronto entre Laurie e a Forma. Mas quando eles estão quase chegando à casa dos Strode, a Forma desperta novamente e despedaça o carro da polícia com suas próprias mãos. Alyson consegue escapar por um triz, mas as coisas não vão tão bem para o Dr. Sartain, que a Forma logo elimina. Então, a Forma vê a casa de Laurie no fim da rua e começa a grande confusão entre Strode e Myers.

Algumas pessoas reclamam muito dessa reviravolta na trama com o Dr. Sartain, alegando que ela “saiu do nada” ou “não serviu para nada” na história; mas eu achei que foi absolutamente brilhante, e por vários motivos. Em primeiro lugar, fica claro que, embora Laurie e Sartain acreditem que a Forma quer pegá-la, a própria Forma tem ideias muito diferentes. Enquanto Laurie nunca deixou de pensar naquela fatídica noite de Halloween em 1978, a Forma parece nem se lembrar de quem ela é. Imagine que alguém o atacou e traumatizou há vários anos, a ponto de tudo o que você faz em sua vida ser moldado e ditado por essa experiência terrível. Agora imagine que você finalmente terá a chance de confrontar seu atormentador vários anos depois, apenas para descobrir que ele nem mesmo se lembra de você ou das coisas que fez com você! Não porque ele tenha sido “reabilitado” ou porque tenha se esquecido, mas simplesmente porque você é insignificante para ele de todas as formas possíveis. Embora Laurie tenha concentrado toda a sua energia na destruição da Forma nos últimos 40 anos, a Forma não pensou nela nem uma vez desde 1978, e isso é uma merda muito sombria.

Se parece estranho que um filme de Halloween apresente outro vilão além da Forma, basta lembrarmos do Halloween 6. Acredito que o personagem Sartain seja, na verdade, uma homenagem ao Dr. Terence Wynn, o “Homem de Preto”. De acordo com o Halloween 6, há outras pessoas em Haddonfield que sabem o que a Forma realmente é, além do Dr. Loomis, mas que querem “controlar” ou “entender” a Forma em vez de destruí-la. O Dr. Wynn e seu “Culto de Thorn” aprenderam da maneira mais difícil que isso é impossível, e a Dra. Sartain aprende exatamente a mesma lição aqui. Há várias homenagens a filmes anteriores nesse filme, portanto, tenho certeza de que essa semelhança entre Wynn e Sartain é intencional. Acho que a ideia de a Forma ter “fãs” ou “ajudantes” não é apenas interessante do ponto de vista narrativo, mas também bastante assustadora e realista. Basta ver como as pessoas idolatram monstros como Charles Manson ou John Wayne Gacy na vida real.

Também há várias pistas na primeira metade do filme de que a reviravolta na trama de Sartain está chegando. O Dr. Sartain é a pessoa que deliberadamente permite que os repórteres do podcast provoquem Michael com sua máscara no início do filme. (Que tipo de médico deixa a imprensa mexer com seu paciente dessa forma? O Dr. Loomis não teria aprovado!) Ele também insiste em acompanhar Myers no ônibus da prisão e é o único sobrevivente que vemos no ônibus após a fuga de Michael. (Será que Michael realmente matou todos aqueles guardas—ou Sartain fez isso?) O médico também diz um monte de coisas asininas sobre ter empatia por Michael, como se ele não desse a mínima para nenhuma das vítimas. Por fim, quando Laurie Strode e o Dr. Sartain se encontram pela primeira e única vez no filme, Laurie se refere a ele como “o novo Loomis”, devido ao seu papel herdado como psiquiatra de Michael Myers. Essa frase é absolutamente carregada de ironia, considerando que Sartain, mais tarde, acaba se tornando cúmplice da Forma e que a própria Laurie acaba sendo um Loomis muito melhor do que Sartain jamais poderia ser!

Também gosto da reviravolta na trama de Sartain porque, sinceramente, não a esperava; apesar de todas as pistas, David Gordon Green faz um trabalho magistral ao esconder a surpresa, e ela realmente me pegou desprevenido quando assisti ao filme pela primeira vez. Não sei dizer quantas vezes me sento e assisto a um novo filme de terror que nunca vi antes, apenas para adivinhar corretamente tudo o que vai acontecer ao longo do filme. Tenho expectativas ainda mais baixas quando se trata de sequências de filmes slasher, que tendem a seguir uma fórmula muito rígida. Portanto, o fato de essa sequência ter me surpreendido tanto quanto surpreendeu não é nada menos que incrível. E considerando a importância de Sartain para a história (lembre-se, ele é a única razão pela qual Michael e Laurie se cruzam), ele agora se tornou um dos meus personagens favoritos da franquia. (Pena que ele não aparecerá em mais nenhuma sequência, a menos que seja em um flashback!)

Cada um dos personagens masculinos desse filme é indefeso (como o policial Hawkins), indigno de confiança (como o namorado de Alyson, Cameron) ou totalmente maligno (como Myers e Sartain). Há um tema recorrente sobre as mulheres não serem ouvidas e não acreditarem nelas (não apenas pelos homens, mas também por outras mulheres). Depois que Michael foi preso em 1978, ninguém além de Laurie e do Dr. Loomis parece tê-lo considerado responsável por suas próprias ações. O Estado de Illinois simplesmente o prendeu novamente e todos seguiram em frente. Quando os repórteres do podcast questionam Laurie sobre isso, eles parecem ficar do lado de Michael por algum motivo, desculpando-o por suas ações em 1978 porque “ele é louco” e “isso aconteceu há muito tempo”. Portanto, Laurie não está apenas lutando contra a Forma aqui; ela está lutando contra todo o patriarcado, que se preocupa mais com o lado da história de seu atormentador do que com o seu próprio. Dessa forma, Halloween de David Gordon Green é realmente a única sequência de toda a franquia que aborda um dos temas mais importantes do filme original de 1978: como a sociedade protege e até ajuda monstros como Michael Myers ao manipular suas vítimas. Quando as mulheres Strode finalmente se unem no final para enfrentar a Forma, elas não estão apenas derrubando um homem com uma máscara; elas estão derrubando toda a narrativa tóxica que sua sociedade patriarcal usou para mantê-las sem poder por tanto tempo.

Outra coisa que adoro nesse filme é o fato de que o elemento “babás em perigo” da história se limita apenas ao segundo ato. Já vimos Michael Myers perseguir babás por 90 minutos seguidos (várias vezes, na verdade); há muito mais que ele pode fazer como personagem. David Gordon Green prova isso ao usar o primeiro e o último atos para elaborar coisas que nunca vimos em nenhum filme de Halloween antes. O primeiro ato faz um trabalho fantástico ao nos colocar na cabeça de Laurie, explorando sua complexidade à medida que ela alterna entre a preparação para o dia do juízo final e sua luta contra o TEPT. E o último ato é uma verdadeira potência, elevando a conclusão do original de 1978 a proporções de filme de ação. Agora que Green está filmando não um, mas dois outros filmes de Halloween (a serem lançados em outubro de 2021 e 2022, respectivamente), estou muito animado para ver em que outras situações novas ele poderá colocar esses personagens. (Eu mesmo sempre quis ver a Forma enfrentando uma equipe inteira da SWAT!)

Sem dúvida, Halloween de David Gordon Green ganha meu voto de “Melhor sequência direta absoluta do original de 1978” (um título anteriormente ocupado por Halloween 4). Esse não é apenas um filme de terror comum; é um exemplo de como uma noite de violência terrível ainda pode afetar as pessoas várias décadas depois (mesmo que elas nem tivessem nascido na época!). E, embora a série Halloween sempre tenha apresentado protagonistas femininas fortes, a versão de 2018 merece reconhecimento especial por levar esse tema a um nível totalmente novo. Eu realmente não posso recomendá-la o suficiente, especialmente para os espectadores que gostam de ver mulheres poderosas dando uma surra em homens maus (como eu!).

Halloween III: A Noite das Bruxas (1982)

Um Flautista de Hamelin sobrenatural transforma as pessoas em seres assustadores com suas mercadorias maléficas, seus assassinos andróides e seus supercomputadores de Stonehenge.

Halloween III: A Noite das Bruxas (1982) é o meu segundo filme favorito de todos os tempos, logo após o Halloween original de 1978. Embora seja comercializado como uma “sequência” do último filme, na verdade é algo completamente diferente. Não tem nada a ver com Michael Myers, Laurie Strode, Dr. Loomis ou a cidade de Haddonfield, Illinois. Pelos deuses, não é nem mesmo um “filme slasher”, mas algo mais parecido com um híbrido britânico de ficção científica/folk horror!A Noite das Bruxas é a história do Dr. Dan Challis (interpretado por Tom Atkins) e Ellie Grimbridge (Stacey Nelkin), que decidem investigar um assassinato brutal que a polícia local decidiu ignorar. Ao fazer isso, Dan e Ellie se deparam com uma trama macabra arquitetada pelo primeiro e único Conal Cochran (Dan O’Herlihy), fundador e CEO de uma grande empresa de fabricação de brinquedos chamada Silver Shamrock Novelties.

Acontece que a Silver Shamrock, Inc. roubou uma dessas rochas monolíticas de Stonehenge e a quebrou em inúmeros pedaços microscópicos. Eles inseriram esses detritos em suas mundialmente famosas máscaras de Halloween, que as crianças de todo o país estão comprando em massa. Eles também desenvolveram um comercial de TV com uma “abóbora mágica” que pisca e ativa os pedaços de Stonehenge dentro das máscaras. Isso converte as máscaras em talismãs amaldiçoados e mortais, que transformam seus usuários em cobras e insetos (de dentro para fora!). Mais louco ainda, a maioria dos funcionários da Silver Shamrock parecem ser androides assassinos com força sobre-humana, e toda a conspiração de Cochran está de alguma forma ligada ao fato de que os planetas do nosso sistema solar estão atualmente alinhados.

Você deve estar se perguntando por que Halloween III não tem nada a ver com nenhum dos outros filmes de Halloween. Quando John Carpenter e Debra Hill foram abordados para outra sequência após o sucesso de bilheteria de Halloween II (1981), eles aproveitaram a oportunidade para realizar um experimento cinematográfico fascinante. A partir de Halloween III, a série passaria a ser uma antologia como The Twilight Zone, apresentando uma história diferente com o tema Samhain a cada novo episódio. Há tantas coisas diferentes que associamos ao dia 31 de outubro, incluindo fantasmas, bruxas, fadas e druidas; por que, então, uma franquia chamada Halloween deveria se limitar a apenas um assassino em fuga?

Tom Atkins, que interpreta o Dr. Challis, é o que se chama de “ator de personagem”. Isso significa que ele geralmente interpreta papéis de apoio e é mais ou menos o mesmo personagem em cada um deles. Até hoje, A Noite das Bruxas ainda é o único filme em que ele conseguiu ser o protagonista.

Normalmente, esperamos que nossos protagonistas masculinos de ficção científica/horror sejam jovens, arrojados e atléticos; mas o Dr. Challis é de meia-idade, visivelmente cansado e muito fora de forma. Aparentemente, ele vive e dorme no hospital onde trabalha e é um alcoólatra divorciado que não suporta a ex-mulher nem os filhos (e que parece ter um histórico de evitá-los sempre que possível). Se tiver que escolher entre (1) passar um tempo com seus filhos afastados ou (2) investigar um mistério de assassinato com uma jovem gostosa que mal conhece, ele nem para para pensar; escolhe a segunda opção imediatamente. Mas, apesar de todos os seus defeitos, Challis é tudo menos repreensível. Seja o que for que ele possa ser, ele é um médico do começo ao fim e leva essa função muito a sério. Seu objetivo é fazer com que as pessoas melhorem e, quando as coisas estão ruins, ele faz tudo o que pode para salvar o mundo (inclusive sua família).

Tom Atkins pode não ser um Christopher Lee ou um Peter Cushing, mas ele realmente brilha nesse papel. Se você gostou de seu desempenho aqui tanto quanto eu, confira Noite dos Arrepios (1986). Ele interpreta o detetive Cameron, um policial alcoólatra cuja namorada foi assassinada por um serial killer na década de 1950. Quando Noite dos Arrepios começa, Cameron está prestes a se matar, mas quando descobre que sua cidade está sendo invadida por lesmas comedoras de cérebros vindas do espaço sideral, ele pega uma espingarda e começa a abrir buracos em todo mundo!

Tom Atkins como “Detetive Cameron” em Noite dos Arrepios (1986).

Ellie Grimbridge, interpretada por Stacey Nelkin, parece preferir homens mais velhos; ela se afeiçoa ao Dr. Challis quase que imediatamente e, assim que chegam ao motel na misteriosa cidadezinha de Santa Mira (onde fica a sede da Silver Shamrock), ela não o larga. Mais tarde, Ellie é sequestrada pelos capangas robôs de Conal Cochran e é aprisionada em algum lugar da fábrica da Silver Shamrock. Challis invade o local para resgatá-la, sendo capturado no processo. Em seguida, ele descobre a verdade sobre o esquema covarde de Cochran, foge, encontra Ellie e incendeia a fábrica. Challis e Ellie saem dirigindo pela noite, tentando planejar como podem impedir que aquele comercial maluco da Silver Shamrock passe na TV e cause o apocalipse——e é aí que Ellie subitamente tenta matar Challis, revelando ser um maldito robô!

Os fãs estão divididos quanto ao fato de Ellie ser (1) humana durante a maior parte do filme (e substituída por uma duplicata robótica por Cochran durante o ato final) ou (2) um robô o tempo todo. Não faz sentido para mim por que Cochran enviaria um robô para seduzir Challis a investigar sua própria conspiração; mas a ideia de não saber que se está dormindo com um robô assassino é bastante perturbadora. Tudo o que sei com certeza é que essa sequência me assustou muito quando a vi pela primeira vez quando era criança. Pensar que você acabou de resgatar alguém que ama, mas descobrir que essa pessoa foi substituída por uma imitação sem alma que quer destruí-lo? Isso é combustível de pesadelo de grau A para mim!

Stacey Nelkin como “Ellie Grimbridge.”

Stacey Nelkin também foi escalada para interpretar a sexta replicante Nexus-6 em Blade Runner (1982), de Ridley Scott, que foi lançado no mesmo ano. Seu papel foi cortado do filme durante a fotografia principal devido a cortes no orçamento. (Os fãs de Blade Runner devem se lembrar de que, em pelo menos uma versão do filme, o Capitão Bryant recruta Deckard para rastrear seis replicantes fugitivos; no entanto, há apenas cinco que são contabilizados em todo o filme, e esse é o motivo). É estranho pensar que Nelkin foi escalada para interpretar dois androides assassinos em dois filmes diferentes no mesmo ano, não é?

 

Conal Cochran, o antagonista de Halloween III, é interpretado por Dan O’Herlihy, um ator irlandês de tal estatura que é de se perguntar como diabos alguém o convenceu a fazer esse filme. Ao contrário de Tom Atkins, O’Herlihy estava acostumado a atuar em filmes como a versão de Orson Welles Macbeth (1948), Robinson Crusoé (1954) de Luis Bunuel, e Waterloo (1970) de Sergei Bondarchuk. Ele até enfrentou Marlon Brando no Oscar uma vez. (Brando venceu, mas O’Herlihy lhe deu uma corrida pelo seu dinheiro!) Considerando o orçamento de Halloween III, duvido muito que O’Herlihy tenha recebido muito dinheiro por seu trabalho. Então, o que diabos havia em A Noite das Bruxas que fez esse lendário ator dizer: “Tudo bem, eu faço isso”?

Dan O’Herlihy como “Conal Cochran.”

Debra Hill contou certa vez que Dan O’Herlihy sabia muito sobre as verdadeiras origens do Halloween. Ele contou todos os tipos de histórias populares sobre o Samhain para o restante do elenco e da equipe do filme. Aparentemente, essas histórias eram tão cativantes que todos passaram a chamar O’Herlihy de “Mister Halloween”. É lamentável que Hill não tenha se lembrado de nenhum detalhe específico dessas conversas, mas certamente posso imaginar como elas devem ter sido. Afinal de contas, Halloween III é um dos poucos filmes já feitos em que a palavra Samhain é pronunciada corretamente, e é o próprio O’Herlihy que a pronuncia em sua língua nativa, o gaélico.

Tenho um palpite de que Dan O’Herlihy estava interessado em Halloween III principalmente por suas referências à cultura irlandesa. Considerando a longa lista de filmes em que ele participou, é interessante notar que quase nenhum deles tem algo a ver com a Irlanda (seja culturalmente, historicamente, miticamente, etc.). Sinto que esse homem tinha muito orgulho de sua herança e que, quando seu agente lhe entregou o roteiro de Halloween III, ele reconheceu o projeto como uma oportunidade de finalmente representar essa herança na tela de alguma forma.

O roteiro original de Halloween III foi escrito por Nigel Kneale, criador dos filmes e seriados de TV britânicos Quatermass. O primeiro rascunho incluía muito mais ficção científica do que o filme finalizado. Conal Cochran acaba sendo uma espécie de daemon ou alienígena; ele simplesmente se faz passar por um ser humano com seu conhecimento de fabricação de máscaras. Ele também transporta o monólito de Stonehenge para a América por meios interdimensionais, e há muito mais especulações sobre o que Stonehenge é realmente feito (e por que ele se torna tão volátil sempre que os planetas estão alinhados). Mais do plano genocida de Cochran também é explicado. John Carpenter e o diretor Tommy Lee Wallace sentiram que parte desse material não seria muito bem traduzido para o público americano, então se revezaram na reescrita do roteiro para “americanizá-lo” um pouco. Isso fez com que Nigel Kneale exigisse que seu nome fosse removido dos créditos, mas me parece que suas ideias originais ainda estão presentes (e quase intactas) no filme.


Em The Quatermass Conclusion, de 1979, Stonehenge e outros lugares pré-históricos são revelados como “locais de pouso” de uma força alienígena hostil. É difícil ter certeza sem ler o roteiro original de Kneale, mas me parece plausível que A Noite das Bruxas e The Quatermass Conclusion tenham sido concebidos para serem tematicamente ligados de alguma forma. As séries de Quatermass também tiveram uma influência direta em Doctor Who, que explora muitas ideias e temas semelhantes. Talvez não seja por acaso, então, que Conal Cochran se assemelhe a um vilão clássico de Doctor Who, como Davros, o Mestre ou até mesmo o Guardião Negro. Consigo vê-lo totalmente como um Time Lord renegado e maligno, disfarçado de irlandês.

A Terceira Lei de Arthur C. Clarke afirma que “Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia”, e a cena em que Cochran explica sua trama ao Dr. Challis é um ótimo exemplo. “Avançada…”, diz ele, apontando para uma sala cheia de computadores, “…e tecnologia antiga”, finaliza, apontando para o monólito que ele roubou de Stonehenge. Suas máquinas estão todas dispostas em uma grande formação circular que é claramente modelada em Stonehenge; uma dica visual de que o monumento original pode ser algum tipo de “supercomputador” antigo. As implicações desse fato são surpreendentes: quem ou o que construiu essa máquina pré-histórica e com que finalidade? Halloween III nunca responde a essas perguntas, mas suspeito que Cochran saiba. E se apenas uma peça desse “supercomputador” é suficiente para devastar todo o continente norte-americano de uma só vez, o que diabos aconteceria se todo o Stonehenge fosse subitamente “ligado”?

No final do filme, Conal Cochran é atingido por um grande laser azul que sai do monólito de Stonehenge roubado (e recentemente reativado). Quando isso acontece, as feições de Cochran ficam momentaneamente distorcidas, como se seu rosto fosse na verdade apenas uma máscara. Em seguida, ele desaparece no ar, para nunca mais ser visto. Muitos espectadores acham que essa é a “cena da morte” de Cochran, mas eu discordo. A novelização de Halloween III por Dennis Etchinson (escrevendo como “Jack Martin”) deixa claro que esse momento da história é, na verdade, apenas o início da maldade de Cochran. Ela também entra em detalhes sobre como Cochran não é apenas um fabricante de brinquedos maluco, mas algo que transcende o tempo e o espaço como costumamos entender essas coisas.

Aqui está um trecho do romance, no qual o Dr. Challis considera a verdadeira natureza cósmica de Cochran:

Cochran não era novidade, independentemente de seu último disfarce. Ele e as forças das trevas que representava estavam presentes, de uma forma ou de outra, desde o início dos tempos; não havia nenhuma boa razão para acreditar que algo tão antigo tivesse sido realmente destruído em uma explosão de fogos de artifício em uma pequena cidade em uma noite fria de outono. A aventura sombria deste ano foi como uma reprise do programa Late, Late, Very Late Show, um loop infinito que reencenava os últimos rolos da mesma perseguição implacável do coração do sonho americano. Sempre foi assim… Ele aparecia nos cinemas e nas telas de TV repetidamente, em incansáveis reprises, enquanto as pessoas se recusavam a vê-lo e fingiam que ele não estava realmente lá, pois essa mesma recusa lhe dava entrada livre em suas vidas mais íntimas. Nada jamais impediu sua vinda e nada jamais a impediria, não enquanto as pessoas adiassem a questão de sua existência para o reino da fantasia fictícia, aquele elaborado sistema de mitologia popular que fornecia a essência de seu acesso… Por enquanto, ele ainda estava avançando, apenas mudando de um campo de visão para outro, maior, de uma única tela de televisão para as psiques televisionadas de uma nação. Challis estremeceu.

Antes de fazer seu truque de desaparecimento, Cochran diz “nós” muitas vezes. Isso sugere que ele realmente tem colegas; no entanto, ninguém que trabalha para ele na Silver Shamrock parece realmente se qualificar como tal (especialmente porque a maioria ou todos os seus funcionários são robôs, de qualquer forma). O “nós” de Cochran deve, portanto, estar se referindo a algum outro grupo de colegas que nunca chegamos a ver. Ele também menciona “aqueles que vieram antes” dele e fala de seres humanos como se achasse que somos todos insetos. Parece claro para mim, de qualquer forma, que Conal Cochran não é um “ser humano”, mas uma criatura sobrenatural que visita nosso mundo desde os tempos antigos. Isso é sustentado não apenas pela novelização, mas também pelo que se sabe sobre o roteiro de Nigel Kneale. De fato, suspeito que Conal Cochran seja, na verdade, o que o folclore celta chama de “Fadas da Corte Unseelie”.

A imagem popular das fadas como “Tinkerbells fofinhas” é uma grande besteira. As histórias mais antigas retratam essas criaturas como sendo muito mais sombrias e sinistras do que qualquer filme da Disney nos faria acreditar. O folclore celta está repleto de fae benignos que estão dispostos a viver em equilíbrio com seus amigos e vizinhos humanos; mas também está repleto de fae malévolos (a “Corte Unseelie”) que só querem cometer atrocidades horríveis, como sequestrar bebês ou enganar as pessoas para que canibalizem umas às outras. Essas entidades também podem se parecer com qualquer coisa, incluindo animais, árvores, móveis… ou até mesmo Dan O’Herlihy!

The Bunworth Banshee, de Fairy Legends and Traditions of the South of Ireland, de Thomas Crofton Croker (1825).

O uso de máscaras no Halloween começou como um ritual apotropaico para manter as fadas unseelie afastadas. Mas, como Cochran observa em A Noite das Bruxas, as pessoas hoje em dia não pensam “além do estranho costume de fazer com que as crianças usem máscaras e peçam doces”. Ele diz que “o último grande” Samhain foi há mais de 2.000 anos, “quando as colinas ficaram vermelhas com o sangue de animais e crianças”. Isso é curioso, já que os irlandeses têm celebrado o Samhain todos os anos até os tempos modernos. Há também uma discrepância histórica na afirmação de Cochran, já que as primeiras referências literárias registradas ao Samhain datam do século X d.C. (que foi há apenas 1.000 anos). Sabemos que os celtas também não sacrificavam crianças ou animais dessa forma; então, do que Cochran está realmente falando aqui?

Se você quer saber, Conal Cochran estava realmente presente na Irlanda há 2.000 anos; ele e seus companheiros unseelie vagavam pela terra, assassinando crianças; e ele foi provavelmente o que motivou os druidas a desenvolverem suas tradições de Samhain em primeiro lugar. Isso explicaria o fato de não haver um 31 de outubro do agrado de Cochran há 2.000 anos; toda essa magia de qualidade do Halloween era forte demais para criaturas malignas como ele. Mas agora que estamos em 1982 e o Halloween foi completamente banalizado, a magia não é mais eficaz. Agora, fadas unseelie como Cochran podem se intrometer no reino mortal o quanto quiserem e podem até mesmo usar como arma as coisas que antes nos mantinham seguros, como Cochran faz com suas máscaras mortais de Silver Shamrock.

Embora John Carpenter não tenha escrito nem dirigido Halloween III, ele fez a trilha sonora. Seu parceiro de crime nessa tarefa foi Alan Howarth, um designer de som de Hollywood que co-escreveu a maioria das trilhas sonoras dos filmes de Carpenter da década de 1980, incluindo: Fuga de Nova York (1981), Halloween II (1981), Christine: O Carro Assassino (1983), Aventureiros do Bairro Proibido (1986), Príncipe das Sombras (1987), Eles Vivem (1982) e a música incidental de O Enigma de Outro Mundo (1982). Howarth também fez a trilha sonora de Halloween 4 (1988), Halloween 5 (1989) e Halloween 6 (1995), tecendo ele mesmo a familiar melodia de piano em tempo 5/4 de Carpenter em algumas paisagens sonoras realmente impressionantes.

John Carpenter e Alan Howarth em 1982.

Carpenter e Howarth formavam uma excelente equipe; gosto de ouvir suas músicas sozinhas tanto quanto gosto de assistir aos filmes para os quais foram compostas, e A Noite das Bruxas apresenta alguns de seus melhores trabalhos em conjunto. Como o objetivo era se distanciar dos dois primeiros filmes, o tema de piano 5/4 mencionado anteriormente não aparece em lugar algum (exceto quando os personagens de Halloween III vislumbram o primeiro Halloween na TV!) Em vez disso, recebemos uma série de novas músicas originais, todas executadas em sintetizadores e sequenciadores Moog clássicos. “Chariots of Pumpkins” pode muito bem ser considerada o tema principal de Halloween III, e é uma das minhas músicas favoritas já compostas.

Então, devido ao seu enredo fascinante, às ótimas atuações e à excelente trilha musical, por que diabos Halloween III: A Noite das Bruxas foi um fracasso nos cinemas?

Bem, é tudo uma questão de marketing. Embora John Carpenter e Debra Hill tenham tentado deixar bem claras suas intenções criativas, essa informação só foi transmitida ao público em geral por publicações como a revista Fangoria. Considerando que, em 1982, a Fangoria não tinha metade da base de fãs que tem hoje, isso significa que o plano de Carpenter e Hill passou completamente despercebido pela maioria do público. Ao mesmo tempo, a Universal Pictures considerou perturbadora a noção de um Halloween “sem a Forma”, e seu departamento de publicidade tentou esconder o fato de que Halloween III seria diferente. Nada sobre a nova direção artística foi mencionado em nenhum trailer ou comercial de TV do filme. Como resultado, a maioria do público em outubro de 1982 estava basicamente entrando no filme às cegas.

Observe que Jamie Lee Curtis está incorretamente apresentada como a estrela neste anúncio de jornal para Halloween III.

Pelo menos na minha experiência, as pessoas que preferem filmes slasher geralmente não “entendem” outros tipos de terror, e os espectadores que preferem outros subgêneros tendem a achar os slashers de mau gosto. Assim, por um lado, todos os fãs de slasher do mundo foram ver Halloween III e ficaram muito decepcionados; por outro lado, os fãs de outros subgêneros evitaram o filme justamente por acharem que seria um slasher. Uma década inteira se passaria até que A Noite das Bruxas finalmente começasse a encontrar seu público em VHS e durante as maratonas de filmes de monstros à noite.

Halloween III faz uma participação especial no filme Broadway Danny Rose (1984), de Woody Allen.

Assisti a A Noite das Bruxas pela primeira vez em 1995. Eu sabia que não seria um filme slasher, mas acho que provavelmente estava esperando algo mais parecido com Pumpkinhead (1988), de Stan Winston, com velhas bruxas conjurando bestas infernais medievais na floresta. Eu com certeza não estava esperando ver um Flautista de Hamelin alienígena, transformando crianças em bichos rastejantes com sua mercadoria maléfica, seus assassinos androides e seus supercomputadores de Stonehenge. Tudo isso FOI demais para o meu cérebro de 13 anos processar em apenas uma sessão. A coisa toda era, de certa forma, ridícula e aterrorizante ao mesmo tempo, e me manteve acordado à noite por semanas.

A capa original do VHS do Halloween III.

A cena em que Conal Cochran menciona o Festival de Samhain foi um completo mistério para mim no início. Foi só quando assisti novamente ao filme com legendas que percebi que ele estava falando de Samhain, porque eu ainda não sabia a pronúncia correta desse termo. Ao ler sobre o Samhain na vida real, descobri que as pessoas ainda o celebram hoje, inclusive muitos pagãos. Passariam mais alguns anos até que eu conhecesse os setianos, mas A Noite das Bruxas facilitou minha conscientização de que existe uma comunidade pagã em geral. E, embora eu nunca tenha me sentido atraído pelo panteão celta em qualquer aspecto religioso, o Samhain ou Hallowtide sempre foi muito importante para mim. Portanto, de uma forma estranha, Halloween III não apenas expandiu minha mente sobre como as pessoas podem contar histórias; expandiu minha mente sobre como as pessoas podem acreditar e viver sua fé também.

Considero Halloween III: A Noite das Bruxas a melhor continuação do Halloween original (1978) que já foi feita, e é improvável que seja superada nesse aspecto. Nenhuma das sequências ou refilmagens com Michael Myers se compara a esse filme, porque até mesmo as melhores são essencialmente cópias do primeiro filme, uma história que nunca foi planejada para ser continuada. E, embora as continuações de Myers tenham sido motivadas principalmente pela avareza das bilheterias, A Noite das Bruxas é uma história única e original que exigia ser contada, assim como seu antecessor temático de 1978. A proposta de John Carpenter e Debra Hill para uma antologia é igualmente interessante, mas acho que teria sido legal ver Conal Cochran mais algumas vezes antes de Dan O’Herlihy falecer em 2005. Um dos motivos pelos quais gosto tanto dos filmes de Halloween é o fato de essa série apresentar não um, mas dois dos supervilões de filmes de terror mais assustadores que já vi. Apenas um deles usa visivelmente uma máscara e persegue as pessoas, esfaqueando-as com utensílios de cozinha. O outro usa uma máscara muito menos óbvia—um belo sorriso humano—e engana as pessoas para que comprem suas próprias mortes.

 

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