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Barbie®: Do estilo de vida ideal à customização escatológica

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Shirlei Massapust

No ano 1999 o mais próximo de uma rede social gratuita e de grande adesão que os brasileiros poderiam acessar era um serviço de arquivo de e-mails chamado eGroups. Foi lá que Cid Vale Ferreira criou as listas de discussão [sepiazine] e [carcase-staff], com temática focada na cultura gótica, romantismo e afins. Quem planejou a retomada do uso de espartilhos femininos no Brasil foi a grife Madame Sher que expunha seu belíssimo trabalho nas festas góticas do clube Madame Satã, e cujo pessoal pertencia ao [sepiazine].

O ator Alisson Gothz foi outra figura de bom gosto presente na lista. Durante um show com efeitos pirotécnicos ele acidentalmente incendiou suas calças de courino e precisou ser hospitalizado. Gastou o tempo da recuperação realizando pesquisa sobre modificação de fashion dolls, após o que decidiu apresentar aos brasileiros uma nova tendência no meio underground californiano. Então iniciou um debate virtual na intenção de nos motivar a participarmos da primeira exposição de bonecos modificados no Brasil, promovida por ele em 25/02/1999, no clube A Loca, em São Paulo.

Alisson Gothz intentava reunir expositores especializados em arte grotesca, mas, no Brasil, até os customizadores comuns – que anos atrás abundavam em grandes centros urbanos – haviam evaporado feito pingo d’água caído na chapa quente. No fim creio que compareceu apenas ele mesmo, que aparentemente havia acabado de entrar no hobby e neste não permaneceu por mais de um semestre.

O resultado foi um acumulo de motivos pouco complexos, porém tão impactantes quanto um lenço de nariz assoado pelo Michael Jackson. Por exemplo, um dos destaques na exposição seria a Barbie® em pose simulando o ápice da coreografia de Carla Perez dançando o sucesso É o Tchan (1995) do grupo Gera Samba. Carla Perez foi a primeira dançarina a rebolar descendo até o chão, algo que causava asco em puritanos e viria a se tornar passo obrigatório nas coreografias femininas dos futuros bailes funk.

Será que o simples nojo ou repelência justificaria a desclassificação do hobby nas mãos de quem não o pratica? Nunca ter pego uma boneca na vida não impediria ninguém de expor, sobretudo porque, se a ocasião faz o ladrão, ela também faz um customizador escatológico. O lugar do tosco é um paraíso para amadores, pois nesta modalidade é difícil cometer falhas críticas. Qualquer um pode modificar bonecos. Um monstro disforme deve apenas ser feio ou estranho porque inexistem parâmetros para comparação. Isto não parece com nada conhecido! No entanto, se a maquilagem duma diva borrasse, o defeito gritaria aos olhos. Enquanto a confecção da veste glamorosa requer perícia técnica, uma cena de enforcamento só necessita de um boneco, uma corda e um galho seco. Uma cena de acidente automobilístico utiliza um carrinho de brinquedo, uma boneca quebrada e tinta vermelha jogada a esmo. Enfim, impactar pela decadência seria muito mais fácil.

Claro que posteriormente, pesquisando a coisa real, eu perceberia algo de podre no reino de Passárgada. É verdade que um artista estadunidense comercializou um icônico ensaio de fotos de Barbie® desnuda congelada em um fundo preto montado dentro da sua geladeira. No entanto uma customização raramente é uma arte escatológica e geralmente não é tão pouco onerosa e fácil de criar quanto a Comedian de Maurizio Cattelan.

Entenda: Uma Barbie® pode ser modificada por customização, modificada por destruição e/ou modifica pelo mero desvio em sua função social. Em todos estes casos a personagem pode perder sua identidade e se transformar num elemento que habita um novo mundo de fantasia. Contudo isso não é sempre desejável, podendo o artista implicar a marca do objeto de bricolagem (assumindo risco de ter de responder judicialmente).

Seria contraproducente pedir licença de uso de múltiplas marcas e direitos de imagem antes de criar qualquer besteirol. Vejamos o exemplo da escultura “Gene Simmons Begs Barbie for a Kiss”, da artista Lavonne Salle, exibida na sétima edição do evento Altered Barbie, em 2009. Essa arte foi vendida por $ 400,00 USD. Neste caso nem a Mattel poderia autorizar o uso do nome e da imagem do cantor Gene Simmons, nem o cantor teria o direito de autorizar o uso da boneca. Então nada foi licenciado, mas tudo acabou dando certo porque ninguém restou ofendido nem agiu para impedir a composição.

Escultura “Gene Simmons Begs Barbie for a Kiss” da artista Lavonne Salle.

Em 1999 eu não compreendia essas diferenças. Estava com a pulga atrás da orelha pois sabia que, de 1937 até 1994, a fábrica paulista Estrela S.A. foi a principal produtora de bonecos de aparência adulta no Brasil, detendo direitos autorais sob as patentes das marcas Susi®, Sissi®, Kate®, Barbie®, etc. Foi a própria Estrela S.A. quem gerenciou a filial brasileira do Fã Clube da Barbie® (1982-1994) e imprimiu o jornalzinho periódico para os associados. No RJ havia promoção de eventos para encontro entre membros, etc.

Na minha infância a Estrela S. A. já incentivava a customização de bonecas. Por exemplo, quando ela lançou a coleção Lingerie Exclusiva (1990), composta de duas bonecas Barbie®, uma delas vestia camisola; a outra trajava apenas um penhoir (conjunto de calcinha e sutiã). Essa coleção existia para que os brincantes costurassem roupinhas adequadas para a personagem. Tal é a forma mais simples e primária do hobby.

No Brasil o INMETRO classifica bonecas como itens descartáveis por uma boa razão: A maioria delas não são feitas para ficarem nas caixas. Na prática, a brincadeira com bonecas consiste basicamente na combinação de itens de vestuário e cenários a fim de representar interações entre personagens onde ações e diálogos são encenados a gosto.

Mudanças radicais de penteado e pintura facial são sempre bem vindas, mas é aí que reside o perigo de desperdício. Crianças não tem independência financeira nem capacidade civil para adquirir materiais de customização. Crianças não podem mexer em máquina de costura, não tem estoque de mechas de cabelo sintético nem agulha para reroot (implante de cabelo em boneca). Os inocentes e deslumbrados são mais propensas a acreditar em histórias de brinquedos velhos que foram fervidos e saíram da panela com cabelos novos e poses de modelo, ao invés de virarem pastas desbotadas e retorcidas.

Quando o novato está disposto a realizar uma customização de verdade o primeiro conselho dos especialistas é empapar uma boneca com pomada Acnase (um remédio para cravos e espinhas de uso humano) e embrulhar durante três dias para remover a pintura. Isso não deixará a peça tão limpinha quanto um Dollfie® ou Obitsu recebido sem pintura, mas funcionará melhor que solvente porque não corrói plástico nem borracha. O próximo passo é repintar com materiais bons e duráveis. Faz-se necessário investir em tintas, pincéis, vernizes, solventes, etc. As crianças só dispõem de tesoura sem ponta, crayon a base de óleo, canetinha e outras inutilidades que danificam brinquedos.

Eu cresci ouvido sonhadores contando histórias de leilões épicos onde o lixo de alguém foi arrematado por uma fábula após um duelo de pródigos. Quando o imperito vê o trabalho executado por artistas profissionais tudo lhe parece possível. Ele quer fazer igual e as primeiras tentativas fatalmente resultam na destruição da matéria-prima. O treino do artista amador implica num círculo vicioso de consumo e descarte. Daí a queixa dos críticos que apontam a brincadeira com bonecos como algo prejudicial à economia doméstica. Porém o fato é que existem pessoas obtendo sucesso onde outras fracassam. De tanto tentar e persistir, alguns brincantes acabaram criando trabalhos memoráveis.

Isso ocorre mesmo dentro do ramo da customização escatológica, um nicho dentro de nicho. A artista californiana Lavonne Salle ficou famosa por transformar bonecas Barbie® em figuras anatomicamente corretas adicionando mamilos de borracha e pelos pubianos pintados. Ao mesmo tempo Tina Amantula se especializou em abrir a boca da Barbie® com um bisturi e inserir dentes de vampiro. Algumas de suas obras ainda podem ser vistas na galeria virtual Tina Dolls <http://www.tinadolls.com/>. Para produzir a boneca Lilith, por exemplo, Tina Amantula efetuou sua técnica vampirizante, tingiu o corpo, repintou o rosto, adicionou asas de morcego de borracha nas costas com pistola de cola quente, costurou roupinhas, etc. Até uma caixa ela fez. Lilith foi arrematada por trezentos e cinquenta e cinco dólares americanos no site de leilão Ebay, dia 04/07/2005.

A boneca Lilith feita pela artista Tina Amantula é um exemplo de customização bem sucedida.

Você verá vários outros vampiros ao longo deste trabalho. Isso não significa que o vampirismo seja o tema favorito dos modificadores e produtores de bonecos. Acontece que isto que estás a ler é um capítulo de um e-book sobre difusão de bonecos vampiros.

Inexistem regras impressas sobre quem pode modificar bonecos ou sobre como os usuários devem proceder durante a brincadeira. Há inadequação quando pessoas encenam temas não recomendados para as suas respectivas faixas etárias (por exemplo, meninos mutilando ou atropelando figuras de ação com caminhãozinho de brinquedo). Todavia, embora exista classificação de faixa etária mínima para o início do manuseio de quaisquer brinquedos, não há idade máxima para o colecionismo ou modificação de bonecos. Isso significa que nada nunca impediu adultos de brincarem e exporem criações artísticas.

Essa era a realidade tanto no Brasil quanto nos EUA, pois, desde a década de sessenta, a Mattel gerenciava seu próprio fã clube cuja sede esteve situada na Califórnia. Quando o fórum Barbie Collector se tornou virtual os consumidores cadastrados seguiram podendo efetuar a divulgação comedida de OOAK (one of a kind)[5] ali mesmo, entre as peças originais, sempre que a arte fosse recriada a partir de bonecas produzidas pela Mattel e não retratasse cenas apologéticas de ato ilícito ou cenas inadequadas para menores.

O grande diferencial da exposição de Alisson Gothz e do evento Antered Barbie seria a temática politicamente incorreta. Ou seja, o objetivo foi apontar os holofotes sobre o nauseabundo “lixo escatológico”, tal como cenas sexualmente apelativas, violência, mutilações, aberrações, sugestão de comportamento doentio, prática de crimes, acidentes, suicídio, bulimia, terror e horror, com um pouquinho de infiltração de espada e feitiçaria.

Aliás, lixo verdadeiro era a matéria prima desejada por Alisson Gothz para sua composição artística. Sem poder pagar por bonecas novas das marcas de renome, o organizador solicitou doação de brinquedos brincados, semidestruídos. Ele se alegrou por encontrar um saco cheio de bonecas genéricas à venda no atacado por R$ 1,99 a unidade. E pareceu impactado ao receber notícias de San Francisco sobre uma minoria no hobby que gastou fortunas para montar bonecos importando peças do Japão.

Afinal, que bonecos absurdos eram aqueles? Seriam os famosos Dollfie®, feitos para concorrer com a Barbie®? Ou será que a Volks já havia aberto o prazo de pré-venda do kit de montagem da Super Dollfie® Sara (modelo F-01), lançada em 28/02/1999? Nesta época, na Califórnia, alguém já estava customizando bonecas com dentes de vampiro. Imagino que essa pessoa era Tina Amantula. Porém eu já vi Super Dollfie® Sara vampirizada nos EUA. Ela tinha a boca semiaberta, muito boa para inserir dentes caninos.

Se, por uma questão de gosto pessoal, um maior de dezoito anos decidir crucificar sua Barbie® e fazer com ela bizarrices dignas da lascívia dum cenobita, ninguém poderá impedi-lo. Ele só não conseguirá expor inadequações em locais e/ou mídias frequentadas por menores de idade, como é o caso do fórum Barbie Collector. Também não seria fácil obter autorização dum preposto da indústria de brinquedos detentora dos direitos autorais para dar publicidade ou comercializar peças contendo inadequações. Daí a necessidade de desvincular a natureza jurídica do item original daquela do produto final modificado.

Antes de expor sua arte grotesca, Alisson Gothz cuidou da preservação dos direitos autorais lixando ou cobrindo todos os logotipos e logomarcas das bonecas customizadas; mas, no fim de tudo, não foram os fabricantes de brinquedos que restaram incomodados. Na apostila A Bela Face do Mal, a autora missionária Elizabete Marinho, militante da batalha espiritual, fez um resumo do evento e concluiu que, na intenção de questionar padrões tradicionais de beleza pela arte subversiva, “algumas pessoas destroem a imagem da beleza perfeita das bonecas e as transformam em objetos degenerados e repulsivos”.[6]

Barbie®, ícone da emancipação da mulher

Eu não fui à exposição no clube A Loca, embora haja meditado bastante sobre seus acertos proféticos e dificuldades técnicas. Na infância tive alguns originais da Mattel e da Estrela S.A. Eu conhecia pouco sobre colecionismo, porém sabia o mínimo que precisava saber. Entre os anos de 1955 até 1964 uma indústria alemã produziu bonecas da personagem protagonista da série cômica Bild Lilli, com roteiro e desenho de Reinhaed Beuthin.[7] A boneca Lilli não tinha mamilos ou genital, só movia as pernas para frente ou para trás e vinha vestida com roupas iguais às que as mulheres alemãs mais elegantes usavam naquela época. Sendo assim ela foi a primeira modepuppe (isto é, fashion doll).

Embora o público alvo fosse os fãs da série, inúmeras pessoas que não liam o jornal gostaram daquilo e compraram bonecas para suas filhas. Tendo reclassificado a função social da pornochanchada como mero brinquedo infantil, os consumidores conseguiram convencer o fabricante a fazer mobília em tamanho proporcional para casinha de bonecas.

Neste meio tempo o casal Ruth e Elliot Handler, proprietários da Mattel Toys, contratou o designer de brinquedos Jack Ryan para criar um novo protótipo de boneca realizando engenharia reversa em três exemplares alemães. Eles apresentaram a versão estadunidense como Barbie® Doll no evento American Toy Fair, em 09/03/1959, em NY.

A boneca de 20 cm com rosto adulto, maquiada e trajada com roupas de moda, chocou os puritanos. Mas seu sucesso foi instantâneo. Mais de trezentos e cinquenta mil unidades foram vendidas no primeiro ano. Rapidamente Barbie® se tornou a franquia de brinquedos mais bem sucedida da História. Para não haver concorrência, a Mattel Toys comprou os direitos autorais da Lilli em 1964 e desvinculou a patente da personagem dos quadrinhos. A ideologia de inclusão da Mattel sempre foi liberal e eclética; ao ponto de figurar bonecas tatuadas, surfistas, ciclistas, motoristas de carro e moto, etc., entre os itens de fabricação serial. A personagem já foi representada trajando uniformes de mais de oitenta profissões, constituindo importante inspiração em prol da emancipação da mulher e do empoderamento feminino. Deste modo Barbie® foi uma parceira improvável do movimento feminista nos anos 60 e 70, ao se apresentar como uma mulher independente.

Muito cedo já existia a opção de casa ampla ou de um humilde trailer para a Barbie® morar. Para ela não fizeram somente cenários domésticos, mas também ambientes de trabalho tais como salão de beleza, sorveterias, academias, etc. A Barbie já foi roqueira, atleta, astronauta e até candidata à presidência dos EUA, vendendo sonhos e estilos de vidas. Todavia sua principal função é atuar como modelo e atriz. Aliás, se uma boneca inanimada só pode ser uma dentista ou uma astronauta de mentirinha, nada impediu que Barbie® se transformasse numa modelo de fato, pois a Mattel sempre buscou contratar profissionais de renome no ramo da alta costura para desenhar as roupas de suas coleções.

Versões da personagem já usaram modelitos assinados por Yves Saint-Laurent, Dior, Kenzo, Cardin e Courrèges, etc. A Barbie® não tem etnia fixa. A Mattel ousou criar bonecas negras lindíssimas desde 1967 sem medo de prejudicar sua fama e reputação. Sobretudo, no ano 2009, uma edição especial da respeitada revista de moda Vogue, da Itália, celebrou os cinquenta anos da Barbie® com um ensaio de fotos de bonecas negras.

No Brasil infelizmente nossa fabricante licenciada caiu na armadilha do racismo estrutural ao não produzir Francie e Chiristie (amigas negras da Barbie), Whitney (amiga asiática da Brabie), nem outras diversidades necessárias sempre presentes nos catálogos da Mattel. Mesmo assim a Estrela S. A. teve sua fase de rebeldia sadia. Dentre os principais lançamentos da Mattel, na segunda metade do século XX, constava a coleção Barbie and the Rockers (1986) que ganhou vida no primeiro filme em desenho animado Barbie & The Rockers (EUA, 1989), onde a personagem protagonista fazia shows ao redor do mundo, cantando sucessos de John Lennon, Paul McCartney e doutras estrelas do rock.

A Estrela S.A. também surpreendeu com uma sucessão de coleções nomeadas Barbie & Bob em Ritmo de Rock (1986), Barbie e os Roqueiros (1987), New Wave (1988) e Rock Star (1989). Apesar do cenário com bateria e outros instrumentos ser vendido separadamente, alguns músicos de vestuário exótico já vinham equipados com microfone ou guitarras. Cabelo colorido, botas de cano longo, correntes e calças de couro sintético preto decoravam peças oficiais. Nesse interim o boneco Bob virou Ken.

Parece que a franquia assumiu o compromisso tácito de ensinar às crianças a respeitar as pessoas que usavam vestuário alternativo e gostavam de escutar o polêmico rock n’ roll. Mais que isso, ela demonstrou que a paixão pela música poderia resultar numa profissão lucrativa. O sucesso é mágico. A dublagem brasileira de Barbie e os Roqueiros (1989), da Videolar, exibida nos cinemas, afirmava expressamente que magia “pode te ajudar a tornar as coisas bem mais fáceis”. Isso foi mudado no disco da BMG Ariola onde as traduções são mais literais. Menções a beijos também foram suprimidas.[8]

Fotos oficiais dos catálogos da Estrela S.A. exibindo as coleções Barbie e os Roqueiros (1987), New Wave (1988) e Rock Star (1989). Depois dessas nunca mais foram lançadas bandas de bonecos no Brasil.

Bonecas grávidas deram muito o que falar aos puritanos espavoridos. A boneca Barbie® e seus amigos não possuem articulações esféricas nas coxas que as permitam abrir as pernas como um BJD, não tem órgãos sexuais nem mamilos; tudo para não estimular a sexualidade precoce. Ainda assim um batalhão de gente a define como símbolo sexual.

Certa vez a missionária Elizabete Marinho viu fotos de uma boneca grávida vestida e ficou horrorizada, imaginando que o bebê sairia por entre as pernas, com vagina dilatada, sendo assistida por uma criança inocente. Em seu delírio criativo haveria de ser simulado um parto realístico com sangue, placenta, etc. Eu penso que seria ótimo se acontecesse exatamente desse jeito, para educar e desencorajar a gravidez na adolescência. Porém tive uma destas bonecas em mãos e vi que era assexuada. A barriga grávida se destaca e existe outra barriga magra por baixo. O bebê fica acomodado no espaço oco, sai limpo, sem cordão umbilical, não se vê sangue falso nem útero aberto no parto por cesariana.

Nos EUA a boneca fashionista grávida se chama Midge®, é amiga da Barbie® e foi produzida pela Mattel. No Brasil existiu a variante Mãe Coração que vinha com aliança no dedo, tinha esposo, avós, etc., todos anunciados pela Estrela S.A. em um catálogo independente e totalmente desvinculado da franquia Barbie®. Ironicamente, as coleções Happy Family e Família Coração foram feitas atendendo ao pedido de militantes de direita desejosos de brinquedos úteis para ensinar valores tradicionais às suas filhas.

Bonecas fashionistas grávidas: Midge® da Mattel e Mãe Coração da Estrela S.A.

Em 1990 o catálogo brasileiro anunciou uma coleção literalmente chamada Estilo Rosas, onde a loirice cor-de-rosa imperava na praia feliz. Em 1991 tudo parecia mais do mesmo. Loiras se destacavam entre brancas com levíssimas pintas de sarda ou bocas protuberantes que se humilhavam em azuis amenos na condição de “amigas” coadjuvantes.

Eu não estava bem disposta a desistir das bonecas, porém era óbvio que a Estrela S. A. tinha desistido de mim. Não havia mais nada lá para uma ogra que cresceu ouvindo rock ’n roll. Parei de comprar bonecos e quase não percebi quando a Estrela S. A. encerrou a linha de produção de Barbie®, pondo fim ao fã clube brasileiro. Oito anos passaram e eu não conseguia provar a relevância da produção e da customização de Barbie® previamente existente no Brasil para Alisson Gothz. A realidade atual não me ajudava em nada. Mas ele havia observado pessoas desarrazoadas importarem bonecos vampiros dos lugares mais longínquos no planeta, rasgando dinheiro num ato absurdo de dispêndio conspícuo. Claro que eu precisava ter um desses. Procurei e cai em desalento por não localizar uma migalha.

Uma bola de neve de prejuízo e ressentimento

Em 1988 uma indústria anônima sediada em Hong Kong produziu milhares de cópias da Barbie® Doll Garden PartyTM. As réplicas não dobravam os joelhos, não tinham mãos articuladas nem a marca em baixo relevo nas costas. O produtor da primeira Barbie pirata variava o comprimento, cor e material com o qual fazia os cabelos. Com o tempo o rosto das bonecas embranquecia em relação desproporcional ao corpo e alguns cabelos caiam. As juntas das coxas quebravam com facilidade. Somente a minoria das réplicas era vestida com trajes idênticos aos da peça original pirateada. Todas as demais trajavam vestidos longos que reproduziam valores de séculos passados. A caixa parecia com a norte-americana, exceto pela troca do nome Barbie® Doll Garden PartyTM por “Connie”.

Quando o carregamento aportava no Paraguai os sacoleiros cruzavam fronteiras, colavam adesivos com o nome Barbie® e revendiam para toda a América Latina, enchendo os camelôs de mercadoria barata. Isso entrava até nos EUA e noutros países onde a Mattel possuía filiais. Sendo impossível impedir a difusão da pirataria, a empresa reagiu contra a concorrência desleal eliminando pontos de articulação nos produtos originais. Depois reduziu o custo da mão de obra se aliando aos chineses e interrompendo a produção na sede da fábrica em Hawthorne, na Califórnia. As novas peças passaram a ser fabricadas em Hong Kong e montadas nos navios fábrica da China National Arts & Crafts.

Isso causou um choque na economia californiana. O Estado deixou de arrecadar uma fábula em impostos e muitos funcionários estadunidenses foram demitidos. No Brasil a venda de Barbie® pela Estrela S. A. prosperou durante todo o tempo em que produziu sob licença da Mattel, pois a fábrica tinha o apoio das crianças que faziam pirraça exigindo produtos originais, choravam quando ganhavam réplicas, hostilizavam as possuidoras de genéricos nas escolas, etc. Porém o quadro se complicou quando a própria Mattel passou a concorrer contra a Estrela S. A. introduzindo bonecas chinesas e indonésias no mercado brasileiro. Com este revés o último catálogo brasileiro do milênio foi datado de 1994.[9]

Esta foi uma época prolifera e sombria para o mercado de fashion dolls. O boicote, talvez incitado por partidos políticos, foi tal que a customização virou hobby de nicho. Na Califórnia cada vez mais pessoas se reuniam para modificar bonecos como ato de protesto. Artistas deram asas à imaginação fazendo as coisas mais diversas com tanta frequência que vários pequenos eventos se conglomeraram para consolidar o Altered Barbie, atração da galeria Shotwell 50 Art Space, em São Francisco, que teve doze edições anuais de 2002 até 2014, mais uma expansão em 2017 focada na alteração de figuras de ação de heróis.

A mesma experiência de vida se desdobra em muitas variantes. Quem escutou narrativas de artistas estrangeiros explicando suas razões de alterar Barbie®, sabe que a motivação de muitos deles era a vingança. Um exemplo: Determinada expositora, filha de pais pobres, sofria bullying por parte de colegas de escola por não ter bonecas nem roupas boas. Depois de adulta a artista expurgou sua raiva “matando” a Barbie® de várias formas. Assim acreditava promover a humilhação pública de um importante símbolo cultural.

Um olhar sobre o teto da exposição Altered Barbie no ano 2010.

A motivação de outros homicidas de bonecos veio de experiências desagradáveis envolvendo raparigas esbeltas, com cabelo louro, que usam roupas de moda, parecidas com bonecas. Após se indisporem com mais de uma barbie girl eles atribuíam o fado a uma coletividade. Era preciso desconstruir e destruir fashion dolls de várias formas para ferir os sentimentos daqueles que as amam. O ato de transformar bonecas em objetos obscenos ou repulsivos implica em fazer delas um ícone de representação coletiva.

Deste modo, protestando contra a falta de empatia e contra diferenças entre classes sociais, os artistas encontravam uma válvula de escape para sentimentos reprimidos. Para tais pessoas esculachar a Barbie® seria tão satisfatório quanto alfinetar um boneco vodu; como um irmão despedaçando o brinquedo da irmãzinha chata mergulhada em prantos.

Boneca brincada: Arte exposta no evento Altered Barbie.[10]

Alguns customizadores se infiltraram no movimento que deveria estar focado na crítica social, de modo que os primores da moda se misturaram ao bestial e ao bizarro.  Entre os adultos que aderiram à variante escatológica do hobby também existiam aqueles que amam bonecas e desejavam realizar um sonho de infância. Sempre aparecia alguém dizendo que a mãe costumava proibir de brincar porque, sendo menina, uma “mocinha” deveria começar a se comportar como mulher e descartar suas bonecas; ou porque, sendo menino, não deveria ter coisas de meninas; ou porque, sendo rebento de família religiosa, não deveria idolatrar; ou porque, sendo pobre, não poderia consumir supérfluos.

Talvez o melhor exemplo de crítica construtiva no século XX seja o videoclipe Barbie Girl, dirigido por Peder Pedersen e lançado em 1997. Nele o ator que interpreta o boneco Ken acaba dançando com um braço solto de sua amasia durante uma festa artificial numa casinha de bonecas onde até a bebida é de plástico.[11]

Outro exemplo memorável de customização foi o conjunto de trinta e três bonecas representando religiões históricas, preparados pelos artistas argentinos Mariianela Perelli e Emiliano Pool Paolini, como parte integrante da exposição Barbie, The Plastic Religion, realizada na Popa Galerian de Arte, em Buenos Aires. Tal exposição foi anunciada em 11/10/2014 e inaugurada somente em 17/10/2015, devido ao atraso provocado por ações de religiosos e ativistas de direita.[12] Para os artistas, antes de ganhar a causa e poder expor suas bonecas, foi necessário alegar a intenção de homenagear símbolos religiosos e reservar um par de peças figurando temas católicos para presentear o Papa Francisco.[13]

BarbieTM Kali ॐ, customizada em 2014 por Mariianela Perelli e Emiliano Pool Paolini, como parte da exposição Barbie, The Plastic Religion, na Popa Galerian de Arte, inaugurada em 17/10/2015.

Uma Barbie® crucificada foi exibida sem mais delongas na sétima edição do evento anual Altered Barbie, em 2009, em São Francisco, CA (EUA). Ninguém nunca tentou customizar bonecas com foco na mitologia cristã no Brasil. Porém aqui a exposição de arte com temas religiosos é alvo costumeiro da censura. O caso com maior relevância histórica seria a cobertura do Cristo Mendigo com plástico preto no carro abre-alas da escola de samba Beija-Flor, durante o desfile no sambódromo, em 1989. O Cristo Redentor vestido em farrapos e chamuscado por um incêndio real tivera sua exibição pública proibida por liminar assinada pelo juiz Carlos Davidson de Meneses Ferrari, da 15ª Vara Cível do Rio, a pedido da Cúria Metropolitana.[14]

A artista plástica brasileira Márcia X (1959-2005) era frequentemente expulsa de eventos públicos ao insistir na execução da performance “Desenhando em Terços”, que consistia em arrumar inúmeros terços em formato de desenho de pênis. Em 2006 um quadro com dois de seus terços foi retirado da exposição “Erótica – Os Sentidos na Arte”, no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), porque o ex-deputado Carlos Dias (PTB) registrou notícia-crime na 1ª DP, por considerar a obra uma “afronta à fé católica”. Carlos Dias foi o autor da lei que institui o ensino religioso nas escolas do Estado de São Paulo.[15]

A era das bonecas vivas

No início a Barbie® representava uma personagem feminina adulta que pesava 49 quilos[16]. Críticos alegaram que indivíduos que não se viam representados nestes padrões de beleza poderiam sentir vergonha dos próprios corpos. Meninas robustas e bochechudas ficariam deprimidas e poderiam desenvolver anorexia na esperança de virem a parecer com suas bonecas. O filósofo Jean Baudrillard dedilha o fenômeno ao descrever um dos ideais do transhumanismo e da transexualidade em fins do século XX:

O corpo sexuado está entregue hoje a uma espécie de destino artificial. (…) Hoje, em que o destino do corpo é tornar-se prótese, é lógico que o modelo da sexualidade se torne a transexualidade, e que esta se torne em toda parte o espaço da sedução. (…) Os longos cabelos loiros, os seios moldados em concha, as formas ideais de boneca inflável, o erotismo liofilizado de história em quadrinhos ou de ficção científica e, principalmente, o exagerado discurso sexual (nunca perverso, nunca devasso), transgressão total sob controle.[17]

Jornalistas frequentemente sustentavam que, de transcendente, a preocupação com a aparência se tornou exorbitante. Eles apelidaram a esteticista inglesa Sarah Burge de “Barbie da vida real” por ela haver gasto uma herança de cento e oitenta mil libras esterlinas em cirurgias plásticas, tendo narrado sua experiência na autobiografia The Half a Million Pound Girl, editada pela Apex Publishing Ltd em julho de 2011.[18] Certa vez o apresentador de televisão Anderson Cooper a expulsou de seu programa ao vivo quando a entrevistada confessou ter aplicado toxina botulínica em sua filha de quinze anos, porque a menina não queria suar.[19] Isto se tornou o click bait da temporada e atraiu tanta atenção que a busca por bonecas vivas virou rotina para jornalistas sensacionalistas.

Foi mencionada a extraordinária beleza da jovem ucraniana Valeria Lukyanova, que jura nunca ter feito plásticas, bem como o caso do modelo brasileiro Celso Santebañes (1995-2015), nascido em Araxá (MG), cujo sonho de lançar seu próprio boneco o levou a realizar sete cirurgias para tornar sua imagem mais comercial. Quando estava prestes a formalizar o registro legal de abertura da empresa Celso Dolls, ele morreu de leucemia.[20]

Celso Santebañes com seu protótipo e Valeria Lukyanova posando com uma Barbie.

Transformações mais radicais fazem parte da natureza humana. Uma lenda urbana afirma que garotos mudam de orientação sexual após furtar e/ou despir as bonecas das irmãs para ver calcinhas. Na vida real não é bem assim que tudo começa. A atriz Laverne Cox, primeira mulher trans a inspirar uma boneca Barbie, contou à revista People que, na infância, era proibida de brincar com bonecas por ter nascido como um menino.

Quando eu estava nos meus 30 anos, eu estava em terapia e disse ao meu terapeuta que me foi negada a oportunidade de brincar com bonecas Barbie. E meu terapeuta disse: “nunca é tarde demais para ter uma infância feliz, e o que você deve fazer por sua criança interior é sair e comprar uma boneca Barbie”. Então, estar completando 50 anos e ser transgênero e ter uma Barbie na minha vida, isso parece um momento de cura de círculo completo.[21]

Cabe notar que esta boneca, lançada em 25/05/2022, não foi o primeiro exemplo histórico de representatividade LGBTQIA+. Em 1977 o designer estadunidense Harvey Rosenberg teve o bom gosto de criar um fashion doll homossexual, chamado Gay Bob, fabricado por sua companhia Gizmo Development. Bob vinha numa caixa em forma de closet, tinha brinco na orelha e era anatomicamente correto. A companhia vendia roupinhas alternativas para este modelo que, francamente, era muito bonito e estiloso.[22]

A atriz negra transsexual Laverne Cox, colecionadora de Barbie® Doll, e a boneca oficial feita em sua homenagem.  (Foto: © 25/05/2022, Elizabeth Braunstein/Mattel)

Os monstros politicamente corretos da Mattel

Há coisas que simplesmente não inspiram alto engajamento. Nunca vi um gótico colecionar BegothTM da Bleeding Edge. A Mattel receava semelhante destino.

Drácula foi um sucesso literário desde 1897 e campeão de bilheteria desde 1931. O gênero horror, em geral, seguiu sendo bastante apreciado, ao ponto de deixar de ser um entretenimento exclusivamente adulto e cair no gosto do público adolescente. Então os membros da Comics Magazine Association of America (CMAA) restaram temerosos de que obras artísticas abrissem uma Janela de Overton, glamourizando atos de violência e inspirando a imitação de personagens criminosos. Em 1954 eles julgaram necessário estabelecer padrões de censura prévia para os gibis infanto-juvenis estadunidenses. Nesta ocasião foram vetadas representações de mortos-vivos, canibalismo e horror em geral.[23]

Quando a boneca Barbie® surgiu, cinco anos depois, a Mattel não homenageava os clássicos do horror do mesmo modo que apoiava ou tolerava quase tudo relacionado à cultura pop, sobretudo porque monstros supostamente não eram do gosto das meninas. O sobrenatural foi evitado durante quarenta e dois anos. Então lançaram uma Barbie® com chapéu de bruxa, vassoura e tudo. Isto foi produzido pela Mattel em 2001 como tributo à personagem Samantha (Elizabeth Montgomery) do seriado Bewitched.

Em 2008 o impossível aconteceu: A Mattel começou a perder mercado dentro dos EUA para a concorrência inexpressiva de Robert Tonner. Acontece que, vendendo caixas a $ 159,99 USD a unidade, a Tonner® Doll obteve licença para produzir vinte e três mil bonecos dos personagens da Saga Crepúsculo (2008-2012)[24] mais quatro mil e quinhentos bonecos dos personagens da franquia The Vampire Diaries (2009-2012).[25] Por mais onerosos que fossem esses colecionáveis, os jovens tiravam dinheiro da cartola para tê-los e nenhuma pessoa de bom senso estava imitando monstros.

Geralmente, quando A Mattel homenageia um filme ou série com a produção de Barbie® temática, faz-se somente um ou dois bonecos dos personagens principais. Não foi isso que aconteceu com a Saga Crepúsculo. Entre 10/01/2009 e 11/15/2015 foram lançados quinze bonecos, dentre os quais nada menos do que quatro versões da Bella e três do Edward. No triênio seguinte surgiram até bonecos de personagens secundários e coadjuvantes. Jacob, Victoria, Alice, Rosalie, Emmett, Jasper, Esme e Carlisle. Foram vendidos trezentos e setenta e cinco mil bonecos no total, a preços que variavam de $ 19,96 USD a $ 23,96 USD[26]. Claro que isso só foi possível porque os vampiros não eram mais os mesmos de antigamente. Os personagens protagonistas criados pela escritora mórmon Stephenie Meyer são éticos, discretos e integrados à sociedade humana.

Desde que a Mattel se tornou capaz de mesurar em números exatos o poder de atração dos monstros desconstruídos sobre os consumidores do século XXI, ela não parou de inovar nesta linha. No início desta trilha de passos lentos nenhum monstrinho tinha aparência feroz ou assustadora. O máximo que os caçadores de gafes conseguiram criticar foi o tórax desnudo do bonito lobisomem da Mattel e a perna engessada duma edição da boneca Bella, da Tonner® Doll, reproduzindo uma cena importante do primeiro filme.

Nessa época a diretoria da Mattel compreendeu que monstros são demandáveis, mesmo que sejam vampiros em trajes sociais, de bocas fechadas. A clientela queria mais e, desta vez, pedia por bocas abertas. Então lembraram que, em 23/10/2007, um funcionário do setor de embalagens chamado Garrett Sander se juntou com a desenhista Kellee Riley e patenteou o projeto da franquia Monster High®. Tal projeto permaneceu engavetado até julho de 2010, quando a Mattel aceitou a proposta de iniciar a produção.

Essa etapa consistiu em adicionar leves traços monstruosos – como transparência de fantasmas, dentes de vampiro, costura de cicatrizes, etc. – na criação dum universo alternativo habitado por monstrinhos adolescentes preocupados com problemas comuns da vida estudantil. A continuidade dos lançamentos da franquia Monster High®, que representa os filhos dos monstros clássicos do cinema, superou à sucessora Ever After HighTM, onde os filhos dos personagens dos contos de fadas têm lugar.[27]

Monster High® fez tanto sucesso entre as crianças que houve quem passasse a preferi-la à Barbie® Doll. Monster High® chegou a ser extraoficialmente considerado o primeiro passo no colecionismo de fashion doll. Eu não vi a animação televisiva, mas sei que é bem infantil. Os bonecos de Garrett Sander e Kellee Riley são tão estilisticamente magros que os corpos passam a impressão de não serem muito mais do que esqueletos, mortos como enfeites de Halloween. Ainda assim, são formas tão graciosas que acabaram copiadas. Em 2012 a boneca californiana Mystixx Vampires, com design similar, foi lançada pela concorrente Playhut Inc. Sua cabeça tem um rosto humano e outro rosto de vampira. Ao girá-la o brincante escolhe qual rosto será coberto pela peruca colorida.

Entenda a diferença de status entre as bonecas da marca Barbie ® e seus amigos, da Mattel: Além dos brinquedos infantis, mais simples e pouco articulados, feitos para a algazarra, existem bonecos colecionáveis divididos por selos Pink Label®, Black Label®, Gold Label® e Platinum Label®. Há também edições limitadas da Disney vendidas como souvenir na loja física da Disneylândia dentro do parque temático em Orlando, na Flórida.

O selo rosa é o mais barato e costuma retratar atores e atrizes famosos, bem como trajes típicos de várias culturas ao redor do globo. Caixas com selo rosa ou preto são limitadas em vinte e cinco mil exemplares não numerados. Caixas com selo dourado podem ser limitadas na mesma quantidade, mas cada certificado tem um número de série. O selo de platina é limitado em no máximo mil exemplares numerados, podendo haver menos, e estes só são vendidos para quem paga pela assinatura do fórum Barbie Collector.

Monster High® e Ever After HighTM não possuem selos, pois são outras linhas de produção. Todos os bonecos da Saga Crepúsculo e Monster High® foram destinados à faixa etária de 9 a 12 anos. Além de bem aceita por meninas que gostam de monstros alegres, a coleção Monster High® faz sucesso entre colecionadores e customizadores com afã de humanizar os monstrinhos. A primeira menina-vampiro foi a meiga Draculaura®, com indumentária em traços cor-de-rosa e tatuagem de coraçãozinho na bochecha. Depois lançaram o primo Draculogan® e a prima Elissabat®, que sempre veste preto.

Considerando que os outros monstros não tem tanta parentela, eu imagino que possivelmente está a se repetir um fenômeno recorrente nas antigas antologias de romances gráficos de horror, as quais vendiam mais exemplares quando continham histórias do Conde Drácula e menos quando focavam no monstro de Frankenstein.

A aceitação pública da exposição de caricatas cicatrizes, fantasmas, caveiras, etc., na coleção Monster High®, motivou a Mattel a dar o próximo passo na representação de mitologemas relacionados à temática do sobrenatural, fantasia e ficção científica. Era chegado o momento de fazer qualquer coisa mais agradável ao gosto dos veteranos. Vários lançamentos como estes foram aparecendo, dentre os quais se destaca a Haunted Beauty Collection (2012-2015), coleção destinada a adultos que apresenta a Barbie® nas versões fantasma, noiva cadáver, vampira e senhora da casa mal assombrada.

A primeira Barbie® Doll com dentes de vampiro cinematográfico foi a Contess Dracula da coleção Bob Mackie®, com design de Ann Driskill, lançada dia 10/04/2011. A segunda foi a Vampire™Barbie® Doll, da coleção Haunted Beauty, com design de Bill Greening, que também esgotou em pouco mais de um mês depois do lançamento em 10/03/2013. Ambas eram edições do selo Gold Label®, limitadas em 3.200 exemplares sequencialmente numerados. O selo Platinum Label® também teve outras duas figuras ambíguas na coleção La Reine de La Nuit™, lançada em 07/10/2013.

Nas primeiras décadas do século XXI estávamos vivendo tempos de distopia e desconstrução de personagens consagrados em todos os ramos das artes, orientadas pela filosofia do materialismo dialético. Experimentava-se aquele tiro no escuro temido e evitado desde os primórdios da empresa porque criar vilãs inspiradas nos clássicos do horror – sem qualquer filtro ou suavização, com atributos deletérios extrapolados pela glamourização da coisa em si – desviava a orientação da linha produtiva. Repare que a novidade aqui não é a representatividade de figuras de péssimo caráter como a Malévola e a Rainha de Copas[28], mas duma linha de vilões sem heróis que os combatam e vençam.

Enfim, a Condessa Drácula não era mais um OOAK exposto por um artista no evento Altered Barbie. Ela era manchete da capa do catálogo da Mattel do ano 2011.

Apesar de tudo, a diretoria da Mattel não estava convencida de que temas de monstros venderiam bem in natura. Nos EUA todos já se vestiram de monstro ao menos uma vez na vida, ao elaborar fantasias de Halloween. Pelo bem da diversidade foi satisfeita a vontade daqueles que se queixavam da excessiva descaracterização de mitologemas. Contudo, quando a Mattel limitou as coleções Bob Mackie® e Haunted Beauty em apenas três mil e duzentos exemplares por personagem, a diretoria estava presumindo que os cinéfilos veteranos dispostos a obter fashion doll por $ 100 USD são muito poucos. Logo, a função primordial dessas bonecas foi a propagandística viabilização do direito de vitrine.

Haunted Beauty – Vampire™Barbie® Doll. Foto © Mattel, 2013.

Impossível ver uma Haunted Beauty Vampire™Barbie® Doll e não lembrar do saudoso escritor diagramador e colecionador paulista Adriano Siqueira (17/04/1965-02/11/2022) que levava uma delas para onde quer que ia, tendo aparecido em programas de TV e inúmeros eventos com seus livros, gibis, bonecos e parafernália de vampiros.[29]

Outras bonecas fashionistas

Na Alemanha comerciantes anunciam todas as bonecas de tamanho adulto em escala 1/6 como sendo modepuppe. Isso inclui todas aquelas fabricadas pela Mattel e até a coleção Sailor Moon Pupen (1999) da Igel, composta pelos itens de plástico oco e gosto duvidoso mais polêmicos entre os colecionadores da franquia.[30] Em dado momento a própria Mattel nos lembrou que a palavra fashion significa “moda” em inglês e lançou uma linha de produção denominada Fashionists aparelhada para os tempos modernos.

Nesta linha o objetivo dos brinquedos seria visibilizar corpos que são notoriamente apagados dentro de uma sociedade ainda preconceituosa, como uma forma de construir um futuro melhor e mais igualitário, que respeite as diferenças.[31] Foi nela que, em 28/01/2016, a empresa passou a oferecer modelos inclusivos – com menos maquilagem, mais robustos, mais baixos, etc. – somando quatro tipos de corpos, sete tons de pele e vinte e quatro tipos de cabelo.[32] Antes do lançamento oficial duma Barbie® careca (nº 150) produzida para o comércio, já existia uma Barbie® sem cabelos que a Mattel não vendia, mas fabricava para doar às crianças com câncer na esperança de que assim elas fossem consoladas pela perda dos cabelos durante o tratamento por quimioterapia.

Posteriormente veríamos moldes cada vez mais distantes do icônico padrão caucasiano mais conhecido, a exemplo da peça nº 135 que é uma Barbie® negra com vitiligo e da peça nº 157, que representa um corpo no limiar entre o sobrepeso e a obesidade, com cabelo lilás e vestido xadrez. Barbie® sentada em cadeira de rodas se tornou comum. Nos EUA, na coleção do ano 2023, lançaram Barbie® com Síndrome de Down (nº 208, HJT05), Barbie® com ceratose (nº 206, HJT03), Ken® com perna mecânica (nº 212, HJT11), etc. Ainda que a intenção humanitária por traz de tudo isso seja muito bela, o comércio anda mal. Até o ano 2009 era vendida, no mundo, uma Barbie a cada dois segundos. Hoje as pessoas não as desejam mais como antigamente.

No Brasil já aconteceu de a moderação de fóruns temáticos passar a restringir menções à marca Barbie®. As comunidades do hobby só classificam como fashion doll aquelas bonecas articuladas nos pulsos, cotovelos, cintura, joelhos, ancas e pescoço, estando incluídas entre elas Monster High® e Ever After HighTM, mas não qualquer Barbie®. Ou seja, o nome nas caixas supostamente não faz com que bonecas da coleção Fashionists sejam necessariamente fashion dolls. E o motivo é que a moda saiu de moda devido à perda de funcionalidades havida durante o processo de barateamento do produto.

Conforme exposto, no hobby do colecionismo e customização ficaram excluídas da lista de fashion dolls quaisquer bonecos de plástico oco e os exemplares sem pontos de articulação nos joelhos e cotovelos, tais como Bratz da MGA, Belinda da Shantou Chenghai New Element Toys, Vamp Girls da Five Star Toy Factory, Baby Brink articulada da Bbra, etc. Na minha época de infância havia uma boneca original articulada até nos tornozelos, chamada Betty Teen Skiing Fun, da M&C (China); mas ninguém a respeitava por ser um brinquedo bastante vendido em barracas de camelô. Será que hoje isso aconteceria? Marina Rabiruchi explica por que a Groove produz colecionáveis:

Apesar de ser uma “boneca”, é necessário ter em mente que ela não é um “brinquedo” feito para uma “criança”. As palavras estão entre aspas porque boneca, brinquedo e criança não podem ser excluídos da definição dela, apesar das Pullips serem itens mais frágeis (e mais caros) do que aqueles que você gostaria para dar para uma criancinha brincar. Na própria caixa das Pullips tem um aviso de que não são itens destinados para crianças. As fashion dolls são bonecas voltadas para colecionadores (assim como aquelas Barbies mais caras e limitadas que você as vezes vê por aí) e demandam um cuidado especial.[33]

Entendemos que o hobby é vivo e seus critérios relativamente fluidos porque nunca vi queixas sobre a semelhança entre Barbie® e Bild Lili nem da semelhança entre bonecos da Integrity Toys e Tonner® Doll com Barbie® e seus amigos. Pelo contrário, o capricho e a menor quantidade de unidades produzidas os fizeram ainda mais desejáveis. Noutro extremo a Ashton-Drake cansou de produzir fashion dolls trajando o primor da alta costura de séculos passados, pois não cativou o público alvo e acabou consagrando sua fama como produtora de bebês de silicone e suprimentos para o nicho de colecionismo de reborn.

Hoje, neste hobby, os brincantes entendem que são fashion dolls bonecas com corpos de poliméricos sintéticos mesmo que produzidas na Ásia, tais como Momoko Doll de Sekiguchi Co., Ltd. Elas podem vir até incompletas como é o caso dos bonecos produzidos pelos próprios compradores a partir de peças para montagem de Dollfie® da Volks (Japão), de Pure Neemo da Azone International (Japão) e de Obitsu produzidas pela divisão de bonecos da Obitsu Plastic Manufacturing Co., Ltd. (Japão, <https://obitsu.co.jp/doll-division/>). É normal fashion dolls terem cabeças de borracha. Mesmo assim, quando o assunto é VINDOLL da Granado (Coréia do Sul, <https://www.doll-granado.com/shop>) ou Smart Doll de Danny Choo (Japão, <https://shop.smartdoll.jp/>) ninguém enxerga que essas coisas com esqueleto plástico revestido sejam obviamente fashion dolls em escala de tamanho 1/3. Neste caso, custo e tamanho pesam mais que a lógica e tudo acaba misturado com BJD.

Um elo perdido: Corpo de Resina PU para híbridos com cabeça de PVC de Neo Blythe (Takara). Foto promocional do New Blubbley Body. © 12/04/2016, Heart Strung.

Antes de brasileiros especialistas em produtos originais abrirem uma lojinha virtual chamada Ichigo-Toys <https://www.ichigo-toys.com.br/> o meio de consegui-las era um mistério. Com sorte a clientela lograva êxito ao contratar serviço de tradução e importação do Celga (Japão), Rinkya (Japão), Bhiner (China), etc. Se tudo falhasse seria necessário achar uma “cegonha” que viajasse ao Cafundó do Judas e trouxesse a encomenda. Todavia, hoje, vários fabricantes facilitam a exportação mantendo lojas virtuais bilíngues.

Quando o assunto são bonecas com cabeça de balão, os primitivos critérios sobre a qualificação de fashion dolls derretem e escorrem pelo ralo. A pioneira BlytheTM foi criada em 1972 por Allison Katzman, mas só encontrou seu lugar no coração dos customizadores e colecionadores no século XXI.[34] Atualmente seu principal produtor é Takara Tomy, que também fabrica a graciosa boneca Licca. Existem duas categorias de Blythe genéricas: As chamadas factorys são produzidas com peças originais e refugo da produção oficial.

Uma BlytheTM factory tornam-se uma boneca híbrida e sem modelo definido. Já as chamadas TBL são customizações produzidas a partir de réplicas não licenciadas de corpos produzidos na China. Ou seja, TBL são mera pirataria. Diz a lenda que uma nuvem escura chove incessantemente sobre a consciência pesada de quem as coleciona.

Certa vez um espírito de porco sugeriu que, por necessidade econômica, “Neo Blythe é o que todos compram, mas os bonecos da Groove são o que todos querem[35]”. Bizarro, não? Detalhe: À época seria redundante tentar desconstruir in pejus uma linha de produção contendo artes oficiais como a coleção de vampiros do designer Suemomo.

Vampiros. Foto © 2010, Cheonsang cheona.[36]

Colorindo a dor: novas marcas, novos protestos

Sob a orientação de psicólogos palestrantes, o brasileiro Osmundo Góis, designer da grife de roupas para bonecas Mundo Ara, produziu uma fotografia e duas bonecas modificadas para a abertura da exposição itinerante Colorindo a Dor, recebida e promovida pela Coordenaria da Mulher do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE) e pelo cerimonial do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe (TCE/SE), dia 21/03/2014.

A mostra foi realizada no Espaço Cultural Ayres de Britto, localizado no hall do TCE, para comemorar o mês da mulher exibindo quadros de sete fotógrafos do Estúdio D; todos com o tema “violência contra a mulher”. Durante o evento a juíza Adelaide Moura ressaltou a importância da abordagem de assuntos de cunho social:

A arte alcança o sentimento, atinge o ser humano de forma que outras ações buscam se aproximar, mas, por não possuírem tal sensibilidade e sutileza não têm o apelo artístico. Embora de forma exteriorizada a violência contra a mulher seja algo brutal, o assunto mexe muito com o íntimo das pessoas, lida com autoestima, sensibilidade, visão de mundo e a arte sabe tratar disso.[37]

Numa conversa informal Osmundo Góis afirmou haver feito o que lhe foi pedido, embora parecesse existir um déficit no argumento da campanha. A violência doméstica é um problema que aflige pessoas de todos os gêneros. Existem casos de culpa concorrente e até mesmo de mulheres agredindo homens. Portando, a violência motivada por distinção de gênero é um assunto que deveria ser tratado de forma mais abrangente e imparcial.

Outro problema seria o fato de certas pessoas discriminarem os artistas por causa do conteúdo de obras com temática adulta, sem distinguirem a ficção da realidade: “Na vida há uma correnteza que tenta nos levar para traz e como que acorrentados temos que lutar contra ela, e não só ela, também temos aqueles que puxam nosso tapete pelo simples prazer de nos ver no chão”.[38]

Bonecas da Groove modificadas por customização, expostas na abertura da exposição itinerante “Colorindo a Dor”, no Espaço Cultural Ayres de Britto. (Fotos © 21/03/2014, Osmundo Góis).

Bonecos derretidos

Em séculos passados, à época dos “soldadinhos de chumbo”, alguns brinquedos causavam saturnismo (retardamento mental devido a intoxicação por chumbo) ao liberar partículas absorvidas por osmose através do contato com a pele. Atualmente as indústrias de brinquedo tomam precauções para que seus produtos não contenham quaisquer traços de chumbo. Contudo ainda existe um medo de exsudações. Dizem que figuras de ação e colecionáveis com superfície de plástico só devem ser limpos com álcool isopropílico.

Uma lenda urbana fala que fashion dolls em geral liberam doses fatais de cloro (Cl2) cancerígeno. Entretanto sabemos que a desinfecção da água é feita por meio da cloração, cloraminação ou da aplicação de dióxido de cloro. Logo, pessoas ingerem diariamente mais cloro bebendo água tratada do que o fariam mascando bonecos insanamente.

O derretimento de sapatos e outras peças de plástico é uma realidade que assombra todos os colecionadores de fashion dolls. O contato direto entre material plástico com qualquer base envernizada com laca nitrocelulose causa fusão instantânea. Outras substâncias reagem lentamente. Um infortúnio recorrente decorre do habito das pessoas que removem grandes cabeças de plástico de policloreto de polivinila (PVC) dos pequenos corpos de bonecos da Groove. Elas tentam corrigir a desproporção encaixando isso em grandes corpos de acrilonitrila butadieno estireno (ABS), da Obitsu, mesmo sabendo que o contado dos materiais causa uma reação química que fez os bonecos derreterem a miúdo.

Outro ato falho é a substituição de olhos pintados por olhos de vidro quando não há necessidade de reforma. Os olhos da BlytheTM mudam de cor. Isso não acontece com os bonecos da Groove que tem três alavancas atrás da cabeça (duas para piscar as pálpebras e uma para mover os olhos). Quando eu comprei meu primeiro BJD e estava aguardando a chegada, minha amiga Ana Paula Costa tinha acabado de adquirir uma Pullip Rozen Maiden Shinku. Ela revelou que pretendia trocar o corpo “stock” por outro maior. Depois narrou estórias sobre plástico derretido, justificadas pelo blog da Marina Rabiruchi:

A Pullip é feita de (…) um plástico que reage com outros plásticos. Quando eu digo “reage” significa que, em contado com outros plásticos, ele “derrete” – gruda ou amolece e sai do formato original. – Mas (…) não estou dizendo que se você encostar sua Pullip numa coisa de plástico ela vai virar mingau. O problema acontece com o contato contínuo (…), por exemplo, se você vestir uma roupa ou acessório na sua Pullip que seja de plástico, com o tempo a reação pode acontecer. (…) Já houve relatos de Pullips que tiveram as mãos grudadas ao rosto por terem sido guardadas nessa posição. Mas no geral, o que mais preocupa os donos (…) é no caso da troca do corpo da Pullip por um corpo alternativo (Obitsu e Pure Neemo são nomes das marcas dos corpos mais usados para substituir o original das Pullips), pois o plástico da cabeça da boneca reage com o plástico do corpo e a cabeça derrete.[39]

Após passar o dia temendo pelo futuro inglório da pobre Shinku tive um pesadelo onde recebi um Taeyang Nosferatu da Groove, com o pescoço cheio de pinos empilhados de aspecto quebradiço. Aquilo foi crescendo e parecia que iria envergar com o peso da cabeça, igual uma BJD chamada Rokurokubi (ろくろ首) apresentada por Daria Rejn, artesã do ateliê Vertales, no evento Dollism New York, em agosto de 2014. Para minha estupefação achei relatos de três outras pessoas alegando ter sonhado algo parecido.

Uma brasileira sonhou com um BJD derretido. Na vida real, no mesmo dia, aquele boneco caiu e quebrou. Um colecionador da Flórida passou por todo tipo de situação desagradável na vida real, incluindo a compra de itens defeituosos e um caso de furto. Ele recuperou as perdas e danos, mas passou a ter pesadelos com Resina PU derretendo como se fosse plástico comum submetido à reação química ou variação climática adversa.

Tenho medo de derretimento. Sei que não é um medo razoável, mas isto é um pesadelo recorrente. (…) Acho que meu cérebro cria uma situação impossível porque não tenho muitos medos legítimos com relação a bonecos. Não há como salvar um boneco transformado numa poça de gosma![40]

Outro colecionador residente em Las Vegas teve pesadelos com o encolhimento e desvalorização progressiva da sua primeira boneca de Resina PU:

Ultimamente tenho tido um sonho recorrente com minha “garota” parcelada em prestações. Continuo sonhando com o dia do recebimento e que alguma coisa está terrivelmente errada, como ela ter tamanho 1/4 ao invés de 1/3. Noutro sonho a face dela estava deformada, parecendo derretida. Noutro ainda ela havia se transformado numa Barbie® barata. Acho que estou apavorado com a espera e ansioso pela aquisição.[41]

Todos os bonecos de PVC e ABS foram banidos dos fóruns específicos sobre BJD, tais como Den of Angels, Resin Reality, Men of Resin, etc. Mesmo assim o medo ainda irrompe como pesadelo para muita gente. Restou o receio de comprar objetos fragilizados por velhas técnicas de restauração… Ferver Resina PU em panela de água quente faz o verniz protetor do BJD esbranquiçar. Após um minuto de exposição ao calor é possível mudar a posição dos dedos da figura humana (algum amassamento será visível) ou quebra-los permanentemente por acidente. É possível amenizar trincados pelo derretimento. Entretanto o aquecimento não faz nenhum boneco danificado voltar a ser como era antes, retornando ao estado original como se tal objeto houvesse sido forjado em ligas metálicas com memória de forma. Ainda não existem polímeros nem materiais cerâmicos sólidos que se regeneram. Não há meios de burlar a entropia. Quando bonecos se tornam lixo o único ser vivo capaz de digeri-los é o fungo Pestalotiopsis microspora.

Notas:

[1] VALENTINE, Tina. Barbie Joins the Forces of Evil. Em: ALTERED BARBIE. Acessado em 27/05/2023. URL: <http://alteredbarbie.com/artwork/barbie-joins-forces-evil-0>.

[2] WOULD YOU WEAR JEWELRY MADE OUT OF DISEMBODIED PIECES OF BARBIE DOLLS? Em: Pinterest. Acessado em 27/05/2023. URL: <https://br.pinterest.com/pin/416160821788485330/>.

[3] DETOUR: ALTERED BARBIE SAN FRANCISCO. Em: Cat Cutillo. Posto online em 16/09/2010. URL: <https://catcutilloweddings.com/detour-altered-barbie-san-francisco/>.

[4] BEALE, Scott. Photos and Video: Altered Barbie Exhibition 2010. Posto online em 21/09/2021. URL: <https://laughingsquid.com/photos-video-altered-barbie-exhibition-2010/>.

[5] São OOAK bonecas modificadas para compor peças originais que variam desde motivos ordinários de luxo e moda até a arte subversiva que aborda contextos tabus como religião, sexo, violência e fantasia.

[6] MARINHO, Elizabete Venceslau. A Bela Face do Mal. Paraná, Editora Deus é Fiel, p 35-36.

[7] No enredo das tiras diárias, publicadas no jornal Die Bild-Zeitung, a personagem estabeleceu para si mesma a meta de casar com um homem rico. Lilli tentava de tudo para arrumar marido, posava de mulher fatal e passava por situações ridículas.

[8] A versão em VHS não traduziu literalmente a letra da canção Do You Believe in Magic, de John B. Sebastian, tal como ela é ouvida no disco de vinil Barbie: A Estrela do Rock, lançado pela BMG Ariola. A versão em VHS diz: “Você acredita em magia? Em todo lugar, a música sempre há de começar. É magia! Ela pode te ajudar a tornar as coisas bem mais fáceis. Se algo parecer um tanto impossível, nada nesse mundo é incrível. É só você querer”. Outra música modificada no VHS foi a versão brasileira de Do You Wanna Dance de Johnny Rivers: “Você quer dançar sobre o luar e a noite toda me beijar? Baby, você quer dançar? Você quer dançar sobre o luar e a noite toda me abraçar? Baby, você quer dançar? (…) Baby, me compreenda. Baby, você quer dançar?”

[9] Só em abril de 2012 a Mattel voltaria a firmar uma nova parceria com a indústria de brinquedos paulistana Grow para a retomada da produção de Barbie® no Brasil.

[10] MASON, Laura. 8th Annual Altered Barbie Exhibition Kicks off @ 50 Shotwell Studios This Month. Posto online em ssetembro de 2010. URL: <https://www.7×7.com/8th-annual-altered-barbie-exhibition-kicks-off-50-shotwell-studios-thi-1779489064.html>.

[11] Barbie Girl é uma canção da banda dinamarquesa Aqua, composta por Claus Norreen e Søren Rasted, lançada em 06/06/1997. Foi o lançamento mais famoso do grupo, chegando ao primeiro lugar de músicas mais pedidas nos rádios e na MTV em mais de quinze países. A Mattel entrou com ação judicial contra o uso da marca, mas o processo acabou arquivado.

[12] BELL, Vanessa. Controversial religious Barbie doll exhibition opens in Buenos Aires. Em: THE GAURDIAN. URL: <https://www.theguardian.com/travel/2015/oct/21/barbie-and-ken-religious-art-exhibition>. Posto online em 21/10/2015 13h06.

[13] “BAPHOMET BARBIE” DOS ARTISTAS ARGENTINOS MARIANELA PÉRELLI E PULLA PAOLINI. Publicado por Insanity gallery. Posto online em 05/05/2022. URL: <https://vk.com/wall-144198820_486578?lang=pt>.

[14] MOTA, Aydano André. Há 25 anos, lixo revolucionário da Beija-Flor reinava no Sambódromo: Em 1989, mestre Joãosinho Trinta exibia sua grande obra na Sapucaí. Publicado no jornal O GLOBO. URL: <https://oglobo.globo.com/rio/ha-25-anos-lixo-revolucionario-da-beija-flor-reinava-no-sambodromo-11406236>. Posto online em 25/01/2014 – 18h00, última atualização em 26/01/2014 – 11h43.

[15] FIGUEIREDO, Talita. Banco proíbe “terço erótico” em exposição: A obra “Desenhando em Terços”, da artista plástica Márcia X., foi retirada da exposição no CCBB, no Rio, após críticas. Em: FOLHA, São Paulo, 20/04/2006. URL: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2004200601.htm>.

[16] Peso marcado no adesivo da balança cenográfica dos “Complementos do Banheiro” da coleção Barbie Estilo Rosas, lançada pela Estrela S.A. sob licença da Mattel em 1990.

[17] BAUDRILLARD, Jean. A Transparência do Mal: Ensaio sobre os fenômenos extremos. Trad. Estela dos Santos Abreu, São Paulo, Papirus, 1992, p 27-28.

[18] Sarah Burge nunca teve a intenção de parecer uma boneca. Ela posteriormente deu várias entrevistas alegando que investiu tanto na valorização da própria aparência porque ela é esteticista e se apresenta como mostruário vivo do seu negócio, assim como os tatuadores que se cobrem de tatuagens.

[19] VÍDEO! APRESENTADOR EXPULSA BARBIE HUMANA DE PROGRAMA. Publicado em O Fuxico, posto online em 23/05/12 às 14:40. URL: <https://www.ofuxico.com.br/noticias/video-apresentador-expulsa-barbie-humana-de-programa/>.

[20] FIM TRÁGICO DO GAROTO QUE SONHAVA SER BONECO. Em: EXTRA. Rio de Janeiro, 05/06/2015, caderno Cidade, p 3.

[21] CAIXETA, Izabella. Mattel lança primeira Barbie trans, inspirada na atriz Laverne Cox: Edição de tributo da Barbie é lançada em comemoração ao aniversário de 50 anos da atriz e segue a tendência da empresa em expandir a diversidade das bonecas. Em: Estado de Minas, posto online em 26/05/2022 13h48. URL: <https://www.em.com.br/app/noticia/diversidade/2022/05/26/noticia-diversidade,1369196/>.

[22] GAY BOB. Em: WIKIPEDIA. URL: <https://en.wikipedia.org/wiki/Gay_Bob>. Acessado em 28/05/2023 11h51.

[23] COMIC CODE AUTHORITY. Verbete na Wikipedia consultado em 24/05/2023 16h01. URL: <https://en.wikipedia.org/wiki/Comics_Code_Authority>.

[24] Lista de bonecos da Saga Crepúsculo fabricados pela Tonner® Doll: Ano 2008: 3000 bonecos Edward Cullen de roupa casual, 1500 bonecos Edward Cullen de terno e gravata. (Escultura Ref. T9TLDD02). 200 bonecos San Diego Comic-Con Exclusive Hungry Edward. (Escultura Ref. T9TLSD04). 3000 bonecas Bella Swan (Escultura Ref. T9TLDD01). 1000 bonecas “Turn Me” representando Bella Swan com roupa de baile e perna quebrada (Escultura Ref. T9TLSD03). 3000 bonecos Jacob Black (Escultura Ref. T10TLDD06). 1000 bonecas Alice Cullen (Escultura Ref. T10TLDD01). 1000 bonecos Jasper Hale (Escultura Ref. T11TLDD01). Ano 2009: 2000 bonecas Bella’s Birthday (Escultura Ref. T9TLDD01). 2000 bonecos Distant Devotion – Edward (Escultura Ref. T9TLDD02). 1000 bonecas Jane (Escultura Ref. T11TLDD02). 1000 bonecas Victoria (Escultura Ref. T9TLDD04). 1000 bonecos Laurent (Escultura Ref. T9TLDD05). 1000 bonecos James (escultura sem referência). Ano 2011: 500 bonecos Forever Edward (Escultura Ref. T9TLDD02). 500 bonecas Forever Bella (Escultura Ref. T9TLDD01). 500 bonecas Bella Cullen (Escultura Ref. T9TLDD01). Ando 2012: 500 bonecas Renesmee (Escultura Ref. T14TLDD01).

[25] Lista de bonecos da série televisiva The Vampire DiariesTM fabricados pela Tonner® Doll: Primeira edição de mil bonecas de Elena Gilbert (Escultura Ref. T11VMDD03), mil bonecos de Damon Salvatore (T11VMDD01) e mil bonecos de Stefan Salvatore (T11VMDD02). Segunda edição de quinhentos bonecos Damon (T11VMDD01) e quinhentos bonecos Stefan (T12VMDD02). Quinhentas bonecas de Katherine Pierce (T12VMDD01).

[26] Lista de bonecos da Saga Crepúsculo fabricados pela Mattel® na coleção Barbie® Doll, selo Pink Label® (neste selo são eitos 25.000 exemplares não numerados de cada peça): Bella Doll e Edward Doll, com design de Sharon Zuckerman, laçados em 10/01/2009. Boneco Jacob lançado em 02/08/2010. Boneca Victoria lançada em 06/17/2010. Boneca Alice lançada em 02/01/2011. Segunda versão de Edward Doll e Bella Doll lançada em 02/01/2012. Edição de casamento Bella & Edward Giftset com design de Linda Kyaw lançada em 12/01/2012. Linda Kyaw também criou os bonecos Bella Doll, Rosalie Doll, Emmett Doll, Jasper Doll, Esme Doll e Carlisle Doll, todos lançados em 11/15/2012.

[27] O encerramento de Ever After HighTM se deu em 2018.

[28] O esgotamento da coleção de Vilãs Disney, lançada de 1996 a 1998, limitada em treze mil exemplares, provou a aceitabilidade de figuras como Maleficent, Queen of Hearts, Cruella de Vil, Evil Queen, etc.

[29] SIQUEIRA, Adriano. Haunted Beauty Vampire Barbie Doll by Barbie Collector – coleção Adriano Siqueira. Em: Blog Coleção de Vampiros, posto online em 10/12/2014 14h53. URL: <http://vampiroscolecionador.blogspot.com/2014/12/haunted-beauty-vampire-barbie-doll-by.html>.

[30] Bandai é a quarta maior produtora de brinquedos do mundo. Em 1999 o governo alemão interferiu na livre-concorrência tomando uma medida protetiva à reserva de mercado, que proibiu a entrada no país dos brinquedos da série Sailor Moon (美少女戦士セーラームーン), contemporaneamente produzidos numa fábrica chinesa e montados pela grande companhia japonesa, que os exportava para vários países. A Bandai contornou o problema licenciando a produção de bonecas temáticos pela fábrica alemã Igel. Editoras alemãs também receberam licença para imprimir livros de fãs (fambutch) e criaram até baralho de tarô da franquia, coisa que inexistia no Japão. O material substituto acabou demandado por fãs de toda parte, inclusive por japoneses que desejavam as duas coleções.  A Bandai também licenciou a fábrica de brinquedos canadense Irwin Toy a produzir réplicas autorizadas das bonecas da série Sailor Moon, porém estas não tinham o brilho da originalidade, sendo tecnicamente iguais às japonesas.

[31] CAIXETA, Izabella. Mattel lança primeira Barbie trans, inspirada na atriz Laverne Cox: Edição de tributo da Barbie é lançada em comemoração ao aniversário de 50 anos da atriz e segue a tendência da empresa em expandir a diversidade das bonecas. Em: Estado de Minas, posto online em 26/05/2022 13h48. URL: <https://www.em.com.br/app/noticia/diversidade/2022/05/26/noticia-diversidade,1369196/>.

[32] BARBIE GANHA NOVAS FORMAS DE CORPO, TONS DE PELE E CORES DE OLHOS. Em: G1. Posto online em 28/01/2016 12h15 – Atualizado em 28/01/2016 19h11. URL: <https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2016/01/barbie-ganha-novas-formas-de-corpo-tons-de-pele-e-cores-de-olhos.html>.

[33] RABIRUCHI, Marina. FAQ sobre Pullips. Publicado no blog do Grupo Bonequeiros em 15 de fevereiro de 2014. URL: http://grupobonequeiros.blogspot.com.br/2014/02/gpi-parte-2-faq-sobre-pullips.html

[34] Veja mais detalhes em <https://blythe.com.br/>.

[35] A Goove produz bonecos de 31 cm nas coleções Pullip, Dal, Byul, Isul, Taeyang e Yeolume.

[36] SUE. Vampires. Em: Flickr. Posto online em 27/05/2010. Acessado em 03/06/2023 15h35. URL: <https://www.flickr.com/photos/suemomo/4644727749>.

[37] EXPOSIÇÃO SOBRE A VIOLÊNCIA DE GÊNERO MARCA MÊS DA MULHER NO TCE. Publicado no portal de serviços do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe (TCE/SE), em 21/03/2014. URL: <http://www.tce.se.gov.br/sitev2/conteudo.ler.php?id=6350>.

[38] Legenda do quadro “Viver” representado um homem imobilizado e agredido por uma mulher sem cabeça, postada na galeria virtual da grife Mundo Ara, no Flickr, em 01/12/2003. URL: <https://www.flickr.com/photos/49862579@N03/11149983754/>.

[39] RABIRUCHI, Marina. FAQ sobre Pullips. Publicado no blog do Grupo Bonequeiros em 15 de fevereiro de 2014. URL: <http://grupobonequeiros.blogspot.com.br/2014/02/gpi-parte-2-faq-sobre-pullips.html>.

[40] Resposta postada por Sandwich em 06/02/2014 no fórum Den of Angels.

[41] Resposta postada por Skai em 17/01/2014 no fórum Den of Angels.


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