Leia em 5 minutos.
Este texto foi lambido por 195 almas esse mês
Uma breve pesquisa deixa claro que o Natal, a festa, não tem raízes históricas na doutrina cristã; antes, é uma convenção estabelecida com a finalidade estratégica de facilitar a conversão dos pagãos nos primeiros séculos do cristianismo. Era como fornecer um fundamento “lógico” para justificar a adesão da Igreja, guardados os devidos limites morais, à festa pagã. Ao mesmo tempo, os bárbaros, com sua mentalidade simplória, poderiam, enfim, acreditar que Jesus era uma espécie de reedição corrigida e atualizada [ou medievalizada] de deuses mais antigos. Jesus era o novo Mitra, o novo Hórus, o novo Apolo, o novo Odin, enfim, da divindade solar que dominava a religiosidade dos povos da Antiguidades.
As tradições natalinas também foram herdadas das mesmas fontes: cultura popular. O único elemento relativamente não-pagão é o Papai Noel, que tem parte de sua origem no folclore cristão sobre a figura de Santa Klaus [São Nicolau]. Ainda assim, o saco do “bom velhinho”, entufado de presentes, é uma imagem hiperbolizada [porque o que era uma troca de lembranças singelas transformou-se no pesadelo financeiro das compras de fim de ano].
Trata-se de uma mistura da a lenda de Santa Klaus, do episódio das oferendas dos três reis magos em honra ao menino Jesus e, mais uma vez, de costumes pagãos. Mesmo os Magos que, relembrando, têm sua origem no relato da natividade do deus persa Mitra, tem sua nuance herege. Entre os cristãos, há dúvida sobre a veracidade histórica da visita destes magos: nos evangelhos canônicos somente o de Marcos registra o fato. Além disso, nas orgiásticas Saturnálias romanas, era costume a troca de presentes que, entre pobres e escravos, geralmente era um objeto manufaturado pelo próprio ofertante.
Outras tradições folclóricas européias reforçaram o costume de presentear além de contribuir na composição estética do Papai Noel: na Itália as crianças, na época natalina, mais precisamente em 6 de janeiro, recebiam presentes de uma fada chamada Befana, que visitava os pequenos à noite recheando suas meias com caramelos e chocolates. A fada era descrita com uma velhinha que voava em uma vassoura, como uma bruxa mesmo, mas uma bruxa sorridente que leva os presentes em um saco.
Na Espanha, nas regiões de Aragon e Catalunha dizia-se que as prendas e doces surgiam de uma árvore mágica que era golpeada com varas de madeira enquanto eram entoadas canções tradicionais [ou seja, os presentes eram obtidos “na tora”…]. Ainda na Espanha entre os bascos e os navarros o carvoeiro chamado Olentzero, personagem mitológico, distribuía os presentes. É um homem do povo, sempre sujo de fuligem, glutão, gordo, barrigudo. Vive solitário nas montanhas e somente no inverno desce aos vilarejos para cumprir sua missão de “Papai Noel”. Em outros lugares do velho mundo, acreditava-se que os presentes de Natal eram distribuídos por duendes de barbas brancas, botas altas e gorro de pele de arminho.
Arvore de Natal
Quando os primeiros cristãos chegaram à Europa descobriram que o população local, os chamados bárbaros, na época da Natividade cristã celebravam o nascimento de um dos deuses de seu panteão, Frey, associado ao sol e à fertilidade. Ali, adornava-se um carvalho, representando o Yggdrasil, árvore colossal localizada no centro do Universo. O carvalho também era local de homenagens a Odin e Thor e em suas raízes eram depositadas oferendas para as divindades, uma espécie de ebó europeu.
Tirando proveito do costume local e seguindo política de adaptação das tradições no processo de conversão, São Bonifácio [680-754], um evangelizador que atuava na Alemanha, passou o machado na árvore dos germanos e em seu lugar plantou um pinheiro [não se sabe como o Santo escapou de um linchamento…]. O pinheiro, por sua perenidade, representava o amor de Deus e foi adornado com maçãs, lembrando o pecado original, as tentações e velas, uma referência a Jesus, “luz do mundo”. Mais tarde foi acrescentada a estrela de Belém no alto do conjunto e hoje temos a profusão de enfeites que todos conhecem: as bolas de vidro colorido, pequenos objetos, como guirlandas, anjinhos e lacinhos e, para evitar incêndios, com o advento eletricidade, as velas foram substituídas pelo pisca-pisca.
Presépio
A concepção do presépio como arranjo decorativo-representativo do Natal ou da Natividade é atribuída a São Francisco de Assis que, em 1223, resolveu, com a aprovação do Papa, celebrar o Natal na floresta de Greccio onde fez o arranjo para reconstituir a cena do nascimento de Cristo; uma forma de explicar o Natal de forma que as pessoas mais simples pudessem entender o relato bíblico e o significado da data. O presépio de São Francisco era singelo: feito de palha, tinha uma imagem do menino Jesus, um boi e um jumento vivos. A idéia se popularizou na Europa e a representação foi crescendo em elemento. Em 1567, a Duquesa de Amalfi montou um presépio com 116 figuras. No século XVIII virou tradição entre nobres e plebeus; do velho continente, o presépio foi exportado para o resto do mundo onde, em cada país ganhou características e personagens das culturas regionais.
o modelo minimalista de São Francisco foi enriquecido com todos os elementos descritos na Natividade bíblica e muitos outros. Materiais como barro, palha, gesso, resina e muitos outros são empregados na confecção das imagens. Adições curiosas são tipos humanos regionais, como na Catalunha [Espanha] onde aparece o caganer e o pixaner [dispensamos tradução]: são dois camponeses, um defecando, outro urinando [praticamente um presépio punk…]. Na França, em Provença, figuras de argila chamadas santóns representam todos os ofícios e profissões tradicionais da região.
A Ceia
Nem só de peru vive a ceia de Natal. O cardápio varia de país para país, incluindo iguarias típicas de cada lugar. A tradição é outro elemento natalino de origem pagã posto que os grandes banquetes eram oferecidos sinalizando a fartura da época, logo depois das colheitas. Entre os quitutes natalinos regionais podem ser encontrados itens pouco comuns e que não constam da ceia brasileira: as pamonhas recheadas, doces e salgadas, no México; o marzipã, doce árabe feito com pasta amêndoas, açúcar e clara de ovos, na Espanha; em Porto Rico, freqüentemente, o leitão assado substitui o peru, acompanhado de pastéis; no Peru, além de, obviamente ter peru a ceia se completa com purê de maçã, chocolate quente e champanhe; sopa de peixe acompanhada de salada de batatas, na República Tcheca e na Eslováquia; sete tipos de pratos de frutos do mar, na Itália; e na modesta Bulgária, o simbolismo cristão contempla a parcimônia dos pratos frugais como sopa de feijões, lentilhas e amêndoas acompanhados da rakia, uma bebida alcoólica similar ao conhaque, de vários sabores, produzido com frutas diversas.
Peru
Na Europa, até o final do século XV, ninguém conhecia o Peru. Foi através de Cristovão Colombo que o peru foi introduzido… nos grandes banquetes e na ceia de Natal. Naquele tempo os espanhóis o chamavam de galo ou galinha das Índias [porque Colombo confundiu América com Índia].Na França era o coq d’Índe ou dinde e na Alemanha, calecutischerhahn, referência a Calcutá. Em 1549, uma centena dessas aves foram preparadas e oferecidas à rainha Catarina de Médicis [1519-1589, de origem italiana, rainha da França por laço matrimonial]; agradou tanto que tornou-se prato obrigatório nas grandes refeições comemorativas e, por conseguinte, no Natal. A tradição se espalhou por todo o mundo ocidental.
por Ligia Cabús
Alimente sua alma com mais:
Conheça as vantagens de se juntar à Morte Súbita inc.