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Neste texto faremos algumas reflexões sobre Thor, um deus do panteão nórdico anterior ao cristianismo, sob o prisma psicológico e filosófico. Thor é um deus da antiga cultura nórdica, de tradição oral. Atualmente, este personagem mitológico tem ganhado espaço nos meios de massa como um herói. Os heróis, frequentemente, são figuras singulares que fazem parte do imaginário de diversas culturas. Quando falamos de heróis na atualidade, nos referimos aos personagens que, de modo geral, são produzidos pelos meios de massa: quadrinhos, vídeo games e filmes. Neste texto relembraremos o deus Thor da mitologia e faremos uma incursão por alguns dos contos de Thor como uma forma de delinear os seus contextos históricos e psíquicos. Vamos analisar como os contos de Thor podem influenciar nossa psique.
No passado, na Irlanda, um dos nomes dados aos Vikings era “O Povo de Thor”, devido à coragem e a força deste povo nos campos de batalha. Os Vikings habitavam a Escandinávia em época anterior ao surgimento cristianismo. Os Vikings, porém, não eram povos primitivos ou bárbaros como muitos acreditam; mesmo que algumas histórias desta gente tenham aspectos um tanto sombrios. Aquele povo não se diferencia em nada dos povos contemporâneos quanto à organização da sociedade. Cornélio Tácito, senador e historiador romano falecido em 120 d.C. revelou que os antigos povos nórdicos tinham uma forma de organização social compatível com aquela que era considerada civilizada. Segundo Michael Howard, pesquisador das raízes espirituais e históricas dos Vikings, esta organização social era invejada até por alguns romanos. Os Vikings obtiveram sucesso na dominação de inúmeros lugares, como o norte e o sul da Inglaterra, o norte da França e outros. Isto também se deve à eficiente organização social que os Vikings possuíam. Podemos ver algumas semelhanças entre a organização social dos Vikings e a nossa civilização contemporânea ocidental; entretanto, os Vikings não tinham uma visão compartimentada do mundo tal como a nossa. Para eles a dimensão espiritual e a dimensão material da vida não estavam separadas; os mitos e a realidade estavam integrados em um modo orgânico.
O erudito islandês Snorri Sturluson, em sua obra The Golda publicada em 1220 d.C. também escreveu sobre estes povos da Europa setentrional. Sturluson retrata suas divindades como personagens semelhantes aos super-heróis atuais. Não sabemos a que atribuir o ponto de vista de Snorri Sturluson, tão diferente dos pontos de vista existentes em sua época. Um dos possíveis motivos seria que algumas divindades em sua origem podem ter sido homens de carne e osso, que teriam praticado feitos extraordinários em vida e divinizados após a morte. Como exemplo, podemos citar o Deus da poesia, Bragi, que originalmente teria sido um poeta do século IX, chamado Bragi Boddason. Alguns diziam que este poeta teria tido as runas (o alfabeto mágico e sagrado dos povos nórdicos) gravadas na sua língua pelo próprio Odin. Existem diferentes histórias sobre a natureza divina de Odin; em uma história ele já nasce como um ser divino; em outra história, ele é um homem que se torna divino após sacrificar-se, pendurando-se de cabeça para baixo na árvore Yggdrasil com uma espada empalada em seu próprio peito. Um outro exemplo é o do deus Thor. Sobre este deus, há indícios que sugerem ter sido ele um corajoso herói de guerra, tendo se tornado uma figura importante nos contos mitológicos escandinavos. Na cultura nórdica, a mitologia e a vida parecem se misturar resultando em um novo valor para a vida das pessoas, para suas escolhas e para a manifestação dos seus talentos intrínsecos. Nesta cultura, os seres humanos podiam ser “deificados”, mas isto não significava um tipo de canonização, nem as pessoas buscavam obsessivamente gravar o seu nome na história. Ter sua própria imagem divinizada não era um projeto de vida em especial; isto acontecia como conseqüência de talentos pessoais demonstrados.
Para os povos da Europa setentrional na época pré-cristã, o estrondo das tempestades estava associado ao deus Thor viajando pelo céu numa carruagem puxada por duas cabras. O medo que os trovões provocava nas pessoas era atenuado pelos contos míticos que ajudavam a organizar e dar sentido ao seu mundo. Segundo o “Dicionário de Símbolos”, de Jean Chevalier & Alain Gheerbrant, os povos celtas entendiam os raios como um desequilíbrio das ordens cósmicas, expressado na cólera dos elementos da natureza. Para os povos gauleses, os trovões traziam o medo de que o céu caísse sobre suas cabeças. Os raios e trovões eram muitas vezes entendidos como um tipo de castigo infligido pelos deuses. Neste sentido, os trovões evocavam a responsabilidade humana para aqueles povos. Thor era um deus que representava uma força da natureza, o trovão, mas que também combatia outras ameaçadoras forças da natureza, os gigantes, uma representação do frio daquela região gelada do globo. Podemos supor que Thor foi “criado” pelo povo nórdico como uma forma de proteger a “psique” coletiva de sucumbir diante do temor das forças da natureza. Atualmente os humanos não mais vêem Thor, o deus dos raios e dos trovões, nas descargas elétricas das tempestades. Agora nossos “mitos” são científicos; confiamos unicamente no pensamento racional, como se este pudesse nos proteger das ameaças da natureza e até da própria psique humana. Nos achamos diferentes dos povos do passado, porque desenvolvemos mecanismos mais “seguros” de explicar a natureza, porém acabamos nos afastando da nossa própria natureza. No entanto, mesmo com a tecnologia e ciência tão desenvolvidas atualmente, ainda vivemos sujeitos a diversos tipos de ameaças, sejam abstratas ou concretas. As crises financeiras, o aquecimento global, o medo da violência, etc. são alguns exemplos do que nos apavora.
Thor e os deuses de hoje
O surgimento de mitos acontece de modo lento, sinuoso e não linear devido a uma necessidade dos seres humanos de histórias e imaginação. Também podemos pensar que os seres humanos criam narrativas mitológicas para lidar com o medo e o constante estresse psíquico e de algumas possíveis ameaças da vida cotidiana. Atualmente, as pessoas buscam se proteger das ameaças em geral criando enredos de cunho científico, o “novo deus” para os humanos é a ciência. As histórias mitológicas atualizadas nos meios de massa podem servir como uma alternativa aos excessos de racionalização? O excesso de racionalidade pode acabar nos roubando uma certa capacidade de imaginação subjetiva, criando um estado neurótico. Segundo o Psicanalista suíço Carl Gustav Jung, a neurose acontece devido a um desenvolvimento unilateral do sujeito (ou da coletividade), em que ocorre uma rejeição de algumas instâncias psíquicas, com ênfase em outros aspectos. Podem os super-heróis modernos nos proteger de uma “neurose coletiva” que enfatiza demais a racionalidade? Seriam os super-heróis atuais “equivalentes” aos antigos deuses?
Na atualidade, muitas pessoas conhecem Thor somente através das histórias em quadrinhos da editora norte-americana Marvel; desconhecendo a origem arcaica deste deus aventureiro da mitologia nórdica. Originalmente, Thor era filho de Odin, o deus dos deuses, e de Iord, a terra. Também conhecido como Donnar, Donar ou Donner, nomes que o relacionam ao trovão, ele representa esta força da natureza. Thor possui uma voz estrondosa e penetrante; de seus olhos saem chispas de fogo. Ele é extremamente forte e comilão (podendo comer um animal de grande porte em uma única refeição). Thor, assim como os povos nórdicos, adorava disputas de poder e era o principal campeão dos deuses contra os inimigos destes, os gigantes do gelo. Sua marca principal é um martelo chamado Mjölnir, feito pelo anão ferreiro Sindri em sua caverna subterrânea. O martelo tinha um defeito, seu cabo era curto demais. Ainda assim, o artefato tinha inúmeras outras vantagens; por exemplo, ele voltava como um bumerangue para as suas mãos. Este martelo dava a Thor inúmeras habilidades de força e destreza e ainda o poder de dominar o trovão. Menos conhecido popularmente era seu cinturão mágico, Megingiord, que duplicava sua enorme força. Thor era casado com Sif, a deusa dos cabelos de ouro, também conhecida como a deusa do trigo e da colheita. Thor é uma divindade que constantemente se envolve em aventuras heróicas e seu papel principal é defender a morada dos deuses, o Asgard. Alguns contos originais o mostravam como uma enorme figura de barba ruiva, de comportamento ligeiramente estúpido. No entanto, alguns historiadores dizem que este deus não deveria ser visto assim. Eles explicam que a aparente estupidez de Thor era uma estratégia contida nas narrativas a fim de revelar no final, de modo inusitado e surpreendente, a sua força descomunal. O jeito tolo deste deus também faz parte dos aspectos cômicos que envolvem a maioria das sagas nórdicas, onde Thor contribui com suas características para os aspectos lúdicos e engraçados das histórias.
Aspectos psicológicos de Thor
Durante sua infância, Thor foi impedido de viver com outros deuses no Asgard, por causa dos seus freqüentes acessos de ira, os quais perduraram até sua juventude. A grande força de Thor, combinada com seu temperamento tempestuoso, representava uma ameaça a todos. Por este motivo, Thor ficou sob os cuidados de Vingnir e Hlora, os guardiões do relâmpago, até se tornar apto a lidar com suas emoções intempestivas. Quando finalmente Thor pode ir morar com os outros deuses em Asgard, ele recebe como morada o palácio Bilskinir, o maior do Valhalla. Este palácio era a morada final para as pessoas humildes após a sua morte. Era uma imensa construção que tinha 540 salas, podia alojar muitas pessoas, assegurando felicidade eterna para elas como uma forma de compensação a tudo o que elas tinham padecido na Terra. Muitas pessoas apreciavam a honestidade de Thor, seu jeito simplório e seu ímpeto de combater aquilo que ameaçava as pessoas. Por este motivo, Thor era muito venerado e cultuado, até mais que Odin, o deus dos deuses.
Cada um dos deuses tinha um grande inimigo que o desafiaria na batalha final, conhecida como Ragnarok. O maior desafio na vida de Thor era combater os gigantes e a grande serpente do Caos; esta última vivia no oceano que rodeava Midgard, a Terra. Esta serpente é a representação dos instintos e da impulsividade natural do ser humano, como a afetividade e a agressividade. Estas emoções ainda estavam indiferenciadas e caóticas nas emoções de Thor. Por isso, este personagem apresenta dois aspectos marcantes em sua personalidade: obstinação e teimosia, em proporções descomunais. Por causa destes aspectos ainda latentes em Thor, ele foi o único deus que nunca teve permissão de entrar no Asgard passando por Bifrost, a ponte do arco-íris que ligava o domínio dos deuses e a Terra. Ainda que a ponte fosse feita de um fogo flamejante que afastava os gigantes gelados, temia-se que Thor pudesse involuntariamente destruir esta ponte com suas passadas, por causa dos raios e trovões que ele provocava ao caminhar; representação de sua ira e emoções sempre à flor da pele. Assim, devido ao medo que os outros tinham do efeito provocado por seu caminhar, Thor precisava fazer percursos maiores para alcançar a morada dos deuses e a árvore Yggdrasil, onde os deuses se reuniam diariamente.
As características de intempestividade do deus Thor podem ser comparadas aos fenômenos do inconsciente que irrompem na consciência sob a forma de explosões emocionais. Metaforicamente, podemos associar as histórias de Thor com alguns aspectos psíquicos, como a inflação do ego. Para a Psicologia Analítica, este fenômeno representa um estado em que o indivíduo tem um sentimento irreal e desproporcional sobre si mesmo. Isto equivale a um excesso de conteúdos inconscientes que fazem com que o ego perca a sua faculdade de discriminação. Refletir sobre estas características de Thor pode servir para lidarmos melhor com os aspectos presentes em nossa personalidade e mesmo em nossa sociedade. Thor precisa lidar criativamente com sua personalidade intempestiva, e suas aventuras acabam servindo para exprimir e dar sentido à sua intensa energia. Neste sentido, as histórias de Thor se diferenciam das de Hércules, deus da mitologia grega que precisa cumprir doze tarefas tidas como impossíveis para conseguir eliminar a sua tendência à ira. Segundo a mitologia grega, certa vez Hércules foi tomado pela ira, e acabou matando as pessoas que mais amava no mundo: sua esposa e seu filho. Na mitologia Nórdica, Thor não tinha tarefas a cumprir, e nunca matou quem amava; a sua intensidade emocional era usada em suas aventuras, protegendo o Asgard e lutando contra os gigantes. Thor era filho de Iord, a deusa Mãe-Terra, o que dava à sua personalidade uma ênfase na corporalidade. Ele era o deus protetor da colheita e também acolhia em seu palácio os humanos que haviam sofrido durante sua vida na terra; isto revela um aspecto doce e acolhedor de Thor. De seu pai, Odin, ele herdou qualidade da determinação, isto o ajudava a vencer as dificuldades, até mesmo seus próprios pontos fracos.
As aventuras de Thor para proteger o Asgard e os seus deuses fazem com que ele tenha que entrar em contacto com aspectos que se opõem à sua personalidade forte, máscula e segura. Por exemplo, em um dos episódios lendários da mitologia nórdica, Thor é convencido a se disfarçar em uma deusa e fingir casar-se com um gigante, seu maior inimigo. Isso se deu porque Mjölnir, o martelo de Thor, estava em poder deste gigante que queria, em troca do artefato, casar-se com Freija, a deusa mais bela do Asgard. Nesta história, Thor relutantemente entra em contato com seu aspecto feminino. A única maneira que os deuses encontraram para evitar a perda do martelo e da deusa Freija foi fazer com que Thor se vestisse de mulher. Mesmo vestido como uma mulher e usando um véu que escondia sua barba ruiva, Thor não convenceu ninguém sobre sua feminilidade; até mesmo o gigante com quem ele fingiria casar-se desconfiou das maneiras grosseiras da “deusa”. Thor não conseguiu disfarçar sua fome insaciável e sede descomunal e as chispas que saiam de seus olhos. Apenas o deus Loki, especialista em truques e artimanhas, conseguiu ludibriar o gigante e convencê-lo de que Thor realmente era a deusa Freija. Loki disse ao gigante desconfiado que Freija estava muito ansiosa para casar-se com o gigante e por isto há tempos não comia, dormia ou bebia. O gigante acreditou em Loki e graças a isso, o gigante foi eliminado por Thor, Freija continuou no Asgard e o martelo foi recuperado.
O nascimento dos Deuses
Para Jung, os mitos são criados como resultado do ímpeto criador dos seres humanos, eles estão intimamente relacionados com a psique humana. Podemos estudar mais profundamente alguns aspectos do mito de Thor, tendo o cuidado de não reduzir as possibilidades de interpretações. Na mitologia, o Martelo de Thor foi criado pelo anão ferreiro, Sindri. Os contos nórdicos espelham o imaginário daquele povo que acreditava que as cavernas eram locais onde podiam ser encontrados materiais valiosos como ouro e pedras preciosas, dentre outros. Se olharmos este aspecto do mito pelo prisma da Psicologia, as cavernas em geral representam o inconsciente dos seres humanos, um local escuro, de difícil acesso contendo riquezas em potencial. O martelo Mjölnir é feito de um mineral semelhante a uma pedra, com um aspecto metálico; este mineral torna o martelo extremamente pesado e só Thor consegue manuseá-lo, graças à sua força gigantesca. Ao forjar o martelo Mjölnir, o anão Sindri transformou um material em estado bruto em uma obra de arte e um elemento útil ao deus Thor. Assim, o martelo de Thor pode ser entendido como um símbolo de um modo criativo de se lidar com o material inconsciente da psique. Mjölnir pode ser considerado uma representação de aspectos potenciais antes inconscientes, que depois de conscientizados e trabalhados, tornam-se algo de bom valor. O martelo tornou-se a principal marca de Thor, possibilitando que este deus possa cumprir sua meta; proteger o Asgard dos gigantes do frio. As forças do inconsciente, quando utilizadas de forma criativa, se contrapõem às tendências psíquicas humanas de autodestruição. Histórias míticas, em geral, produzem em quem as ouve ou lê efeitos específicos, particulares para cada pessoa, e difíceis de serem medidos e avaliados. Elas também satisfazem uma necessidade humana de fantasia e de produção de caminhos psíquicos próprios. O ser humano tem a necessidade de descobrir caminhos que o ajudem a melhor se expressar no mundo de forma singular; a mitologia pode funcionar como um guia para ampliação das possibilidades psíquicas.
O psicólogo Erich Neumann estudou a importância das sagas míticas universais e da função dos deuses na vida das pessoas. Para este pesquisador, a consciência humana se desenvolve por meio de desafios representados pelas histórias vividas pelos heróis míticos das diversas culturas humanas. A consciência humana, individual e coletiva, se utiliza dos contos de heróis como modelos para vivenciar um percurso psíquico interno. Segundo este autor, para que um indivíduo adquira uma identidade pessoal e uma consciência mais abrangente, ele precisa travar lutas psíquicas internas. Estas batalhas podem ser associadas com aquelas dos contos míticos de heróis. Os contos de fadas e imagens de heróis, nesta ótica, são fundamentais para que se ampliem as possibilidades emocionais e psíquicas dos seres humanos.
Na ótica do trabalho de Jung, os mitos podem ser utilizados para acessar áreas profundas da psique. Segundo ele, um herói deve não somente ter a capacidade de resistir diante das dificuldades, mas também de sustentar conscientemente a tensão das múltiplas instâncias psíquicas, como por exemplo, os aspectos racionais e não racionais da psique atuando em conjunto. Segundo Jung, os mitos têm aspectos não racionais, que se opõem aos aspectos racionais, mais valorizados na atualidade. Michael Howard, afirma que sob a sociedade moderna, os deuses pagãos continuam tecendo suas fórmulas encantatórias. Podemos entender que estas fórmulas são os caminhos psíquicos indicados nos contos mitológicos. Para Jung, é possível projetar conteúdos da psique nos heróis dos mitos e contos de fadas. De outra forma, quando alguns conteúdos da psique estão inconscientes e reprimidos, surge uma série de generalizações e simplificações sobre as questões vividas e uma tendência destrutiva. Por exemplo, quando emoções de raiva, desapontamento e um sentimento de impotência em relação ao mundo não estão sendo percebidos de modo consciente, estes conteúdos são projetados em outras pessoas e situações. Quando deixamos que os heróis mitológicos ou deuses representem o conteúdo desta projeção, ela pode ser melhor elaborada. Desta forma, a fantasia e a imaginação não são reprimidas e não são extravasadas destrutivamente na vida cotidiana.
A escritora escocesa Fiona MacLeod afirma que “Os Velhos Deuses não estão mortos – nós, sim”. É provável que esta morte mencionada por ela seja uma referência à cisão entre os mitos e o cotidiano, o corpo e o espírito. Os escritos de Espinosa (1632 – 1677), filósofo do séc XVII, naturalizam a conexão da mente com o corpo. Para ele, a nossa vida emocional provém de uma estreita cumplicidade entre a mente e corpo. Espinosa afirma que é importante haver um esforço mental e corporal para imaginar e agir de modo a fortalecer o que ele chama de “potências corporais”, pois estas se refletem na mente e vive-versa. Para ele, devemos imaginar modos de lutar contra as “imagens adversas” – representadas na mitologia escandinava pelos gigantes gelados – pois estas nos tornam passivos. Espinosa acredita no aperfeiçoamento das emoções para que elas não nos dominem, como no mito de Hercules. Para este filósofo, a nossa essência humana é o esforço (conactus) com o qual procuramos persistir em nosso próprio ser, unificando mente e corpo. As aventuras de Thor podem ser um fio condutor psíquico que fala destes aspectos conectivos. Nosso herói sempre empreende um enorme esforço para lidar com seus aspectos intempestivos. O mito de Thor traz ensinamentos de vitalidade para o mundo contemporâneo cindido, uma cisão naturalizada no sistema social. As aventuras deste deus nos levam a perceber inúmeras formas de expressar a intensidade emocional criativamente. Em um esforço próprio, cada pessoa deve tentar unir corpo e mente. Aprender um modo particular e singular de lidar consigo mesmo e de se expressar no mundo.
Anita Rink é Arteterapeuta e psicóloga
Anita Rink
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