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OBSERVAÇÃO: Em A Erva do Diabo, Castaneda refere-se a duas porções de preparados com a planta. Este articulista identifica três porque, de fato, são três os diferentes procedimentos relatados no livro, cada um deles destinado a obtenção de uma finalidade específica.
Ao contrário das duas porções anteriores, os ingredientes vegetais (que são quatro) desta terceira porção de Datura foram providenciados por Don Juan longe dos olhos e de qualquer possibilidade de identificação precisa do pesquisador. Essa porção é trabalhosa e, uma vez reunidos os ingredientes e utensílios necessários, leva 3 dias para que tudo o que é necessário fique pronto.
Ingredientes e Utensílios
Os ingredientes são cinco no total, que são moídos (amassados no almofariz, com o pilão) separadamente, em jejum, sendo permitida somente a ingestão de água em pequenos goles durante todo o processo, que pode durar mais de oito horas.
Esses ingredientes são, respectivamente, na ordem em que serão trabalhados:
– sementes amarelas, secas, redondas; (um punhado, o que cabe em uma mão fechada)
– sementes escuras, muito secas, aglomeradas junto com o pó residual dessas mesmas sementes; (um punhado)
– gorgulhos vivos (um punhado). Sitophilus zeamais, também conhecido como gorgulho do milho, em inglês, greater rice weevil – grande gorgulho do arroz, este, parente próximo mas um pouco diferente, é Sitophilus oryzae. No Brasil, são frequentemente encontrados em lotes não tratados de feijão. É um inseto da família dos besouros, praga comum em cerais e frutas. Pequeno, mede entre 2.5 mm e 4 mm de comprimento. Fig. acima. (um pun
– Sementes brancas, frescas, fibrosas devido ao fato de terem sido recém-coletadas. . (um punhado)
– Um pedaço de raiz de Datura medindo cerca de 40 cm. (Castaneda falha mais uma vez na precisão da informação e não especifica o gênero da planta, macho ou fêmea, do qual procede a raiz; supõe-se, seja a raiz de uma planta-fêmea, pela configuração inteiriça e tamanho).
Porém, a lista de “materiais” necessários à experiência com esta terceira porção da “Erva do Diabo” não termina com estes ingredientes. Além deles, serão utilizados dois lagartos do deserto, procedentes do local onde se encontra plantada a Datura do feiticeiro (ou aprendiz), aprisionados em sacos separados.
O ideal é que o feiticeiro seja amigo dos lagartos. Conheça-os, tenha conversado com eles, alimentado os bichos antes de fazer a “crocodilagem” que tornará estes lacertídeos aptos para desempenhar seu papel no feitiço.
Sim! Esses lagartos serão.submetidos a condições lamentáveis do ponto de vista da ética de respeito à vida animal. (Este assunto será detalhado adiante porque todos os procedimentos seguintes estão relacionados à utilização desses lagartos).
Os lagartos deviam ser apanhados depois que a pasta e a raiz fossem preparadas. Deviam ser apanhados no fim da tarde. Se a pessoa não fosse íntima dos lagartos, disse ele, podia-se passar dias e dias tentando capturá-los, sem o conseguir; e a pasta só dura um dia. …Uma vez apanhados os bichos, ponha-os em sacos separados. Depois, pegue o primeiro e fale com ele. Peça desculpas por machucá-lo e peça que o ajude. …Em seguida, diga as mesmas coisas ao outro lagarto (CASTANEDA, 1968 – p 58)
Utensílios
– Duas Panelas: uma de barro outra de ferro (ou aço, nesta pós-modernidade, porque o aço é liso não permitindo que fragmentos do conteúdo se percam nas reentrâncias de uma cavidade de ferro o que promove o aproveitamento de toda a substância que será depositada nesta panela).
– Uma colher d haste feita de madeira ou osso (Não, não precisa ser um seu nem mesmo ser um osso humano).
– Fibras de agave, que serão usadas como linha se costura
– Uma agulha de costura feita com espinho de cholla (Cylindropuntia imbricata, é um cacto). Se não tiver, use uma agulha de madeira com a ponta bem afiada.
A Pasta de Datura ou O Unguento das Feiticeiras
Recapitulando, as sementes, os gorgulhos, na quantidade e ordem indicadas acima, são separadamente esmagados no almofariz de pedra, com pilão de pedra, até que cada um desses lotes tornar-se uma pasta homogênea. Quanto ao pedaço de raiz, como se diz na terminologia culinária: “reserve” ou “deixa quieto”.
Depois disso, duas xícaras de chá de água são colocadas para ferver em uma panela de barro. Castaneda descreve essa água como tendo uma cor esverdeada, mas não informa que espécie de preparado é esse. Poderia ser até chá de boldo mas, este articulista intui que trata-se de uma infusão de folhas da própria Datura.
Dom Juan mediu duas xícaras de uma água esverdeada, despejou-a numa panela de barro e a pôs no fogo. (CASTANEDA, 1968 – p 56)
* Uma infusão não utiliza água fervente; consiste em deixar a matéria prima, planta, pétalas de flor ou um mineral, por exemplo – em repouso, durante algum tempo dentro de um recipiente com água em temperatura ambiente. A seguir, ano caso de plantas, o material é retirado e espremido, dentro de um pedaço de pano para a extração máxima de sumo que é misturado na mesma água. Nesse caso, a “água esverdeada” de Don Juan seria uma infusão de folhas frescas de Datura.
Quando a “água verde” começa a ferver, os ingredientes que foram amassados (lembre-se que a raiz está intacta) começam a ser adicionados na panela, um lote por vez, ou seja, separadamente, na mesma ordem em que foram processados.
A mistura deve ser mexida com uma colher ou haste feita de madeira ou osso. O acréscimo do ingredientes suspende o estado de fervura momentaneamente (porque reduz a temperatura da água).
Quando esta “sopa” retoma o estado de ebulição, acrescenta-se mais uma xícara da infusão (água) de Datura. este preparado é deixado a ferver em fogo brando. (como se obtém fogo brando usando uma fogueira ou fogão a lenha, este articulista não sabe enton, se o leitor também não sabe, deixemos de frescura e usemos um fogão a gás mesmo com botões reguladores).
Enquanto a mistura ferve, é hora de amassar a raiz. Uma vez que a raiz também está reduzida a uma pasta homogênea, fechada em um pedaço de pano ou saco, branco, colocada de molho em um recipiente com água (pura, normal) e exposta ao sereno durante toda a noite. (Note-se que esse processo nada mais é que infusão da pasta da raiz).
Sempre de olho na panela, quando toda a água já evaporou, DESLIGUE A CHAMA! O que resta no fundo é uma substância mais ou menos sólida da mistura. Cobre-se a panela (entenda-se, preserve esse material da exposição à luz). “Reserve”…
Pela manhã, a raiz em infusão, é submetida à extração de sua essência, o que se faz pelo mesmo processo empregado no preparo da primeira porção de Datura (aquela que “dá vigor”), ou seja, espremendo o a pasta de raiz dentro do saco e recolhendo o líquido resultante (na panela de ferro ou aço) uma vez, voltando a molhar o saco e repetindo o processo oito vezes ao todo. Castaneda chama esse procedimento, erradamente, de “lixiviação”. Mais apropriado é chamar isso de filtragem simples.
No fim da filtragem, terá sido acumulada, no fundo da panela cerca de colher de chá rasa de uma substância amarelada e pastosa. A seguir, repete-se a preparação que foi feita na Primeira porção: a substância regada por mais três vezes, com água fervente, despejada cuidadosamente para não dispersar o material, em intervalos durante os quais o produto seca ao sol.
Por fim, estando completamente, a quantidade obtida não é maior que uma colher de chá de uma espécie de paçoca de raiz de Datura. Reserve… Reserve também meio litro da água amarelada que serviu para regar a papa de raiz.
Adivinhação ou Vidência – O Feitiço dos Lagartos
A pasta era feita para dar a direção; a raiz tornava as coisas claras. (CASTANEDA, 1968 – p 59)
Depois de preparadas a pasta e a raiz de Datura, é hora de preparar os lagartos. Usando a fibra de agave e a agulha de espinho de Cholla (ou de madeira), costura-se a boca de um dos lagartos. Em seguida, usando os mesmos materiais costure as pálpebras, fechando os olhos do segundo lagarto. Durante esse “serviço sujo”, deve-se falar com os animais, desculpar-se com eles, prometer ser bonzinho com todos os outros lagartos.
Ao cair da noite, antes de começar o ritual, aquela colher de chá de extrato da raiz de Datura, é dissolvida em uma xícara de água quente e bebida em seguida.
Então, pega-se o lagarto de boca costurada e explica-se a ele que existe um assunto sobre o qual o feiticeiro precisa de informação. Formula-se a pergunta de maneira muito precisa, objetiva, sem deixar margem de dúvidas.
Quanto mais simples for a pergunta, mais clara e específica será a resposta. Quanto mais complexa for a pergunta, mais obscura será a resposta. Por exemplo, se o bruxo pergunta: Hey guy, onde deixei os meus óculos? Ou Quem comeu meu iogurte? A resposta será precisa, correta, sem margem para dúvidas. Mas se o brujo pergunta: Qual é a essência de Deus? Aí a coisa complica.
Em seguida, esfrega-se a pasta de Datura na cabeça do lagarto e, ainda, permite-se ande sobre a pasta ou, melhor ainda, coloque-o na panela e besunte o animal inteiro com o preparado.
Depois, pegue o lagarto e use a cabeça dele para passar a pasta em sua (do aprendiz) têmpora direita. A seguir, com as mãos (as do aprendiz, não as do lagarto), pegue uma porção da pasta e esfregue na outra têmpora, a esquerda e nos lados da cabeça (é isso mesmo, seu cabelo, se você não é careca, vai ficar um lixo). JAMAIS! Passe a pasta no centro da testa.
Mas antes deliberar o lagarto detetive para sua missão, mantendo-o devidamente empastado dentro do saco, com o ceguinho na mão, o feiticeiro tem de dançar. É isso mesmo. Dançar em círculos com exatidão, absoluta exatidão, a mesma dança usada na ocasião do plantio de sua Datura pessoal, conforme foi explicado nos procedimentos de preparo da Segunda Porção.
Feito isso, pode soltar o lagarto mudinho no chão. Se o lagarto for na direção da boa sorte do feiticeiro*, o encantamento terá êxito. Se seguir a direção oposta, o melhor a fazer é desistir de toda a operação porque o feitiço será um fracasso e o bruxo pode até morrer!
* A DIREÇÃO DA BOA SORTE ou a direção favorável. Esta é uma informação que depende de um momento inicial da aprendizagem do candidato a Xamã e que consiste em, estando em um lugar qualquer, descobrir o que Don Juan chama de “o Ponto”, que é um local determinado onde uma pessoa desfruta de sua condição máxima ou ótima de poder pessoal.
Nesse lugar o indivíduo se fortalece e nada pode atingi-lo. Ao descobrir seu Ponto em determinado local, o aprendiz – ou mesmo uma pessoa comum, sentando, deitando-se ou dormindo ali, deverá observar a posição, a direção, ponto cardeal para o qual sua face está voltada. Esta será sempre a direção favorável ou de sorte dessa pessoa. Nunca é demais repetir, arranje uma bússola.
O Ponto é descoberto por meio de um exame minucioso e demorado de qualquer lugar que seja escolhido pelo iniciante. É necessário olhar sem focar e a exaustão da busca favorece a descoberta do Ponto.
Pode-se identificar o ponto por mero instinto, sensação de bem estar, mas uma experiência mais transcendental mostrará que o Ponto pessoal tem uma coloração amarelada. Em contrapartida, o Ponto desfavorável tem uma coloração roxo-escura.
Castaneda levou uma noite inteira procurando até descobrir seu Ponto na varanda de Don Juan e, por conseguinte, sua direção de sorte. No caso dele, sudeste.
Se o comportamento do lagarto “mudo” for favorável, pega-se o segundo animal e, depois de esfregar com a pasta a cabeça também deste, porém, especificamente, na têmpora direita do bicho, pede-se a ele que escute a história que o irmão vai contar (vai contar telepaticamente, claro, porque, a boca foi costurada).
Este lagarto cegueta será empoleirado no ombro do praticante (que poderá amarrá-lo com um cordão para que o bicho não fuja) e ambos vão esperar juntos pelo retorno do lagarto espião e suas informações.
Enquanto espera, sempre que a pasta secar na cabeça do feiticeiro, e ela seca rapidamente desprendendo-se, repete-se o besuntamento; tantas vezes quanto for necessário ou enquanto durar a pasta.
Don Juan garante que se tudo for feito segundo as instruções, o lagarto bisbilhoteiro voltará e contará ao irmão tudo o que descobriu. Este, o ceguinho, transmitirá a informação para a mente do bruxo em forma de imagens. O bruxo verá, terá a vidência daquilo que queria saber.
Encerrado todo o ritual, os lagartos, naquelas deploráveis condições físicas, deverão ser soltos e todo o material utilizado, sobra de pasta, panelas, tudo tem de ser enterrado em um buraco fundo cavado com as mãos nuas.
No dia seguinte, o xamã, voltando ao local onde fez o feitiço, pela manhã, deve procurar resgatar os lagartos. Se conseguir, deve comê-los (este articulista supõe, devidamente assados ou cozidos) naquele mesmo lugar e, assim…
…será dotado para sempre da faculdade de ver o desconhecido. Nunca mais terá de apanhar lagartos para fazer esse feitiço. Desde então eles passarão a viver dentro de você. …Se só encontrar um, tem de deixá-lo ir-se, no fim de sua busca… Se você encontrar um ou ambos mortos, não deve tentar fazer esse feitiço por algum tempo. (CASTANEDA, 1968 – p 62)
Ligia Cabus
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