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excerto de O Ramo de Ouro
Sir James George Frazer. Trad. Waltensir Dutra.
As perguntas para as quais nos propusemos a encontrar respostas eram fundamentalmente duas: por que o sacerdote de Diana em Nemi, o rei do bosque, tinha de matar seu predecessor? E por que, antes de matá-lo, tinha de arrancar de uma certa árvore um ramo identificado pelos antigos com o ramo de ouro de Virgílio? Essas duas perguntas são, de certa forma, distintas, e será conveniente considerá-las separadamente. Começamos com a primeira. Na última parte deste livro, tentaremos dar uma resposta à segunda.
O primeiro ponto em que nos vamos deter é o título do sacerdote. Por que era ele chamado de rei do bosque? Por que se falava do seu ofício como de um reinado?
A associação de um título real a deveres sacerdotais era comum na Itália e na Grécia antigas. Em Roma e em outras cidades do Lácio, havia um sacerdote chamado rei sacrifical ou rei dos ritos sagrados, e sua mulher tinha o título de rainha dos ritos sagrados. Na Atenas republicana, o segundo magistrado anual do Estado era chamado de rei, e sua mulher, de rainha; as funções de ambos eram religiosas. Muitas outras democracias gregas tinham reis titulares, cujas atribuições, pelo que conhecemos, parecem ter sido sacerdotais, centralizando-se em torno do lar comum do Estado.
Essa combinação de funções sacerdotais com autoridade real é conhecida de todos. A Ásia Menor, por exemplo, foi sede de várias grandes capitais religiosas, habitadas por milhares de escravos sagrados e governadas por pontífices que tinham uma autoridade ao mesmo tempo temporal e espiritual, como os papas na Idade Média. Zela e Péssimo foram dessas cidades dominadas por sacerdotes. Também os reis teutônicos, nos velhos tempos do paganismo, parecem ter desempenhado funções e conhecido poderes de sumos sacerdotes. Os imperadores da China ofereciam sacrifícios públicos, cujos detalhes eram regulados pelos livros rituais. O rei de Madagáscar era o mais alto sacerdote do reino. Na grande festa do Ano-Novo, quando um boi era sacrificado em prol da felicidade do reino, o monarca presidia ao sacrifício pronunciando preces e ações de gra- ças enquanto seus assistentes abatiam o animal. Nos Estados monárquicos que ainda mantêm sua independência, entre os galas da África oriental, o rei faz sacrifícios no alto das montanhas e regula a imolação das vítimas humanas. A pálida luz da tradição revela uma união semelhante do poder temporal com o espiritual, de atribuições reais e sacerdotais, nos reis daquela aprazível região da América Central cuja antiga capital, hoje sepultada sob a densa vegetação da floresta tropical, é assinalada pelas imponentes e misteriosas ruínas de Palenque.
Mas, ao dizermos que era comum que os reis antigos fossem também sacerdotes, estamos longe de ter esgotado os aspectos religiosos de suas funções. Naquela época, a divindade que envolvia um rei não era uma simples figura de retórica, mas a expressão de uma crença concreta. Os reis eram reverenciados, em muitos casos, não apenas como sacerdotes, ou seja, como intermediários entre o homem e o deus, mas propriamente como deuses, capazes de conceder aos seus súditos e adoradores, bênçãos que habitualmente se supõe estarem fora do alcance dos mortais e que só podem ser obtidas, quando o são, pela oração e pelos sacrifícios oferecidos a seres invisíveis e sobre-humanos. Assim, esperava-se, em muitos casos, que os reis proporcionassem chuva e sol nas devidas estações, fizessem crescer as plantações e assim por diante. Por mais estranhas que essas expectativas nos pareçam, estão de acordo com os modos primitivos de pensar. Um selvagem dificilmente concebe a distinção, feita habitualmente pelos povos mais adiantados, entre o natural e o sobrenatural.
O deus revelado sob forma humana
Quando morre o dalai-lama do Tibete, o divino Buda reencarnado, os monges do país procuram um jovem sucessor que prove, pelo seu conhecimento mais do que humano, ser o portador do mesmo espírito divino que inspirou seu predecessor.
Para ele, o mundo é, em grande medida, regido por agentes sobrenaturais, isto é, por seres pessoais que agem por impulsos e motivos idênticos aos dele próprio, e que, como ele, podem ser movidos por apelos que lhes mobilizem a piedade, as esperanças ou os receios. Num mundo assim concebido, ele não vê limites ao seu poder de influir no curso da natureza em seu próprio benefício. Com orações, promessas ou ameaças, ele pode obter dos deuses bom tempo e uma colheita abundante; e se, como ele por vezes acredita, um deus vier a se encarnar em sua própria pessoa, ele não precisará recorrer a qualquer superior: ele, o selvagem, possui em si todos os poderes necessários para promover o seu bem-estar pessoal e o de todos os seus semelhantes.
Esse é um dos caminhos pelos quais se chega à idéia do deus-homem. Há outro, porém. Juntamente com a crença de que o mundo é habitado por forças espirituais, o selvagem nutre uma concepção diferente, e provavelmente ainda mais antiga, na qual podemos perceber o germe da noção moderna de lei natural, ou seja, a visão da natureza como uma série de eventos que ocorrem numa ordem invariável, sem a intervenção de qualquer agente extranatural. O germe de que falamos existe naquilo que podemos chamar de magia simpática e que desempenha um grande papel na maioria dos sistemas de superstição. Nas sociedades antigas o rei é muitas vezes um mago, bem como um sacerdote; na verdade, com freqüência ele parece ter ascendido ao trono em virtude de sua suposta proficiência na arte da magia negra ou branca. Portanto, para se compreender a evolução da realeza e do caráter sagrado de que freqüentemente ela se revestiu aos olhos dos povos selvagens ou bárbaros, é essencial ter certo conhecimento dos princípios da magia e formar uma concepção do extraordinário poder que o antigo sistema de superstição teve sobre o espírito humano em todas as épocas e em todos os países. Assim sendo, vamos examinar detalhadamente o assunto.
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