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Bruxaria e Paganismo

O Sumiço dos Dentes Divinos

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Shirlei Massapust

O arqueólogo Michael Eisenberg é o atual diretor de projeto das escavações num sítio arqueológico situado no topo da montanha Sussita, localizada a leste do mar da Galileia. Estas escavações vêm sendo realizadas sob os auspícios do Zinman Institute of Archaeology da Universidade de Haifa. Os gregos chamaram aquele local de Antiochia Hippos (ἵππος é a palavra grega para “cavalo”), tendo a cidade sido estabelecida no terceiro século a.C., pelos selêucidas, e destruída por um terremoto no ano 749 d.C.

Hippos tem importância histórica no cristianismo, pois pertenceu à área ao longo do rio Jordão onde Jesus realizou milagres, conforme descrito no Novo Testamento. De Hippos é possível avistar a cidade judaica Tiberíades, no lado oeste do lago Kinneret.

Certa vez arqueólogos, que geralmente trabalham em grupo mais numeroso na estação quente, decidiram sair em formação mínima durante a estação fria e examinar uma área situada fora dos limites do sítio arqueológico com um detector de metais. Eles eram quinze trabalhadores no total. O Dr. Alexander Iermolin operava a máquina em buscas de moedas que ajudariam a datar uma determinada camada de solo.

Ao invés disso acharam uma máscara de bronze com 30,48 cm, pesando cinco quilos, tão grande que ninguém poderia usar de fato. As fotografias tiradas do objeto no momento em que foi retirado da terra mostram claramente que o rosto tinha dentes colmilhos alongados como o das górgonas e do deva Bhairava (भैरव), dentre outros.

Assim como o Moisés de Michelangelo tem chifres, essa máscara escavada em território israelita possui pequenos chifres dissimulados entre mechas de cabelo. Por causa disso, e do cavanhaque, Michael Eisenberg julgou tratar-se dum retrato da face do deus grego Pan (chamado Fauno no panteão romano) ou possivelmente um sátiro.

A máscara foi encontrada próxima às ruínas de um monumental portão romano, cuja altura foi estimada em seis metros, parte dum edifício de basalto datado da época do imperador romano Adriano, que reinou de 117 d.C. a 138 d.C. Só por causa da máscara – que não estava lá dentro – os arqueólogos identificaram aquele imóvel como sendo um templo de Pan e, por causa da proximidade do edifício, a própria máscara foi datada naquele mesmo período. Michael Eisenberg declarou à imprensa:

A máscara, e agora o portão no qual ela foi embutida, continua a atiçar nossa imaginação. A adoração de Pan às vezes incluía cerimônias envolvendo bebida, sacrifícios e rituais extáticos, incluindo nudez e sexo. Essa adoração geralmente acontecia fora dos muros da cidade, em cavernas e outros ambientes naturais.[1]

 

Um altar de Pan na estrada principal para a cidade, além de seus limites, é bastante provável. Afinal, Pã era adorado não apenas nos templos da cidade, mas também nas cavernas e na natureza. A antiga cidade de Paneas, ao norte de Hippos-Sussita, tinha um dos mais famosos locais de adoração ao deus Pan dentro de uma caverna. Como incluíam bebida, sacrifício e adoração extática que às vezes incluía nudez e sexo, os rituais para deuses rústicos eram frequentemente realizados fora da cidade.[2]

Sendo Pan o deus da música e do prazer, os legalistas poderiam haver julgado melhor que seus altares ficassem bem fora da cidade, mas perto da estrada para Hippos, a fim de preservar o decoro da população dentro dos limites das muralhas. Até aí tudo bem. O problema é que nunca, em nenhum outro lugar, uma máscara de Pan foi produzida em tamanho tão grande, nem era comum que as forjassem em metal. Além do mais a iconografia de Pan não explicaria dentes como estes; ornamento facilmente encontrado em deuses do fogo e da guerra, bem como em monstruosidades furiosas.

Ninguém pensou na hipótese dum israelita cansado de não ter coisas lindas, como os selêucidas, indo à cidade vizinha em missão de paz para procurar um artesão capaz de atender pedidos de customização dos padrões iconográficos grego-romanos, com os quais o artista já estaria acostumado, de modo a produzir algo tão grande que pudesse ser usado por um patriarca mítico tremendamente alto, como um bom número de heróis e antagonistas bíblicos (Números 13:32, Amos 2:9, Deuteronômio 3:11, 1 Samuel 17:4). Aliás, posteriormente até o muçulmano Abu Huraira (603–681) viria a descrever Adão com 27,43 metros de altura (Sahih al-Bukhari, Livro 55, Hadith 543).

As diferentes castas israelitas foram comparadas a ovelhas, carneiros e bodes (Ezequiel 34:17), sendo o bode símbolo do chefe do clã ou da nação, mesmo na pessoa de um conquistador grego (Daniel: 8:8-10). Aos figurativamente altos repāim (רפאים), grupo formado pela elite entre os mortos israelitas, pertencem “todos os bodes da região” (ארץ עתודי כול), segundo Isaías 14:9 – expressão com antiguidade confirmada em 1Q Isaª col XII, linha 11. – Portanto o padrão iconográfico semelhante, mas não igual, ao homem bode Pan poderia representar uma escolha óbvia para reproduzir algo como a cobertura facial macveh (מַסְוֶה) de Moisés em Êxodo 34:35.

Eu imagino um freguês chegando à oficina de artesanato. Ele diz: “Quero chifres e traços de bode igual a ele (aponta para Pan), mas com o rosto robusto e os dentes dela (aponta para a górgona). A máscara votiva é para um gigante. Eu quero que possa rir, mostrar a língua e ser feroz”. Então o artesão fez conforme o combinado, de modo que uma boca bem aberta facultaria a alternância de peças bucais removíveis.

Esperei ansiosamente por uma explicação sobre os dentes da peça encaixada até que Michael Eisenberg publicou o artigo “Pan at Hippos—Face of Greek God Unearthed” no número de Novembro/Dezembro 2015 do Biblical Archaeology Review. Ali, logo na capa, percebemos que a solução encontrada pela equipe de restauração foi remover e dar sumiço naquilo que pareceu-me ser uma peça destacável em uso.

Só xingando! Poder-se-ia supor que a máscara nunca teve dentes, apenas torrões de terra em posição propícia à indução de pareidolia. Todavia, pensemos: Porque Alexander Iermolin removeria com uma vassoura terra suficiente para expor o delicado contorna da íris, mas não tiraria uma massa com dois caroços ou pedras com aspecto de dentes na boca?! A ausência da peça bucal que vemos nas primeiras fotos e filmagens parece providencialmente útil a quem quer trabalhar em Israel sem ter dor de cabeça. Dentes dificultariam a identificação como Pan mais ainda do que o tamanho atípico, a quase datação e a quase inclusão no sitio arqueológico desejado. Enfim, tudo quase indica que esse Pan de Schrödinger é e não é tudo aquilo que pensam sobre ele.

Difícil não lembrar de Avraham Biran bronqueando com a equipe de limpeza que destruiu com um trator uma estátua de mármore de 60 cm encontrada em Tel Dan. “É só lixo”, eles diziam. “Judeu não produz ídolos”. Malditos sejam mil vezes ou mais.

NOTAS

[1] DEAMER, Kacey. Gateway to Ancient Greek God’s Compound Uncovered? Em: LIVE SCIENCE. Posto online em 27/06/2016. URL: <https://www.livescience.com/55201-gateway-to-greek-god-sanctuary-discovered.html>.

[2] ARCHAEOLOGY NEWSROOM. Largest known bronze mask of Pan at Hippos-Sussita National Park. Em: ARCHAEOLOGY & ARTS. Posto online em 17/03/2015. Acessado em 26/01/2023. URL: <https://www.archaeology.wiki/blog/2015/03/17/largest-known-bronze-mask-pan/>.


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