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Bruxaria e Paganismo

Bruxaria Viva

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Gerald Gardner, Excerto de “Bruxaria Hoje”

Muitos livros foram escritos sobre bruxaria. Os primeiros foram, na maioria, propaganda escrita pelas Igrejas para desencorajar e assustar as pessoas que tivessem conexão com o que para eles era um odiado rival – pois a bruxaria é uma religião. Mais tarde, apareceram livros empenhados em provar que esses ritos jamais existiram. Alguns desses livros podem ter sido inspirados ou mesmo escritos pelas próprias bruxas. Depois, muitos livros trataram da bruxaria de maneira científica, com autores como a Dra. Margaret Murray, R. Trevor Davis, Christine Hoyle, Arne Runeberg, Pennethorne Hughes e Montague Summers. O Sr. Hughes, em seu livro mais pesquisado, provou claramente (em minha opinião) o que muitas pessoas já sabiam: que o Povo Miúdo dos lugares quentes, chamados fadas ou elfos em uma época, foram chamados de bruxas mais tarde; mas, a meu ver, todos esses livros têm um erro. Embora seus autores soubessem que bruxas existem, nenhum deles consultou uma bruxa sobre suas visões a respeito da bruxaria. Afinal, a opinião de uma bruxa deveria ter algum valor, mesmo se não se encaixasse nas opiniões preconcebidas.

É claro que há boas razões para essa reticência. Recentemente, conversava com um culto professor continental que escrevia sobre bruxas de dois mil anos atrás e ele me contou que obtivera muita informação das próprias bruxas. Mas, embora tivesse sido convidado, teve medo de comparecer a suas reuniões. O sentimento religioso era muito forte em seu país e, se descobrissem que ele se comunicara com bruxas, ele se arriscaria a perder sua cadeira. Além disso, as bruxas são um povo tímido, e publicidade é a última coisa que querem. Perguntei à primeira que conheci: “Por que você mantém secreto todo esse maravilhoso conhecimento? Hoje em dia não há mais perseguição”. Ela me respondeu: “Não há? Se a aldeia soubesse o que sou, cada vez que uma galinha morresse, cada vez que uma criança adoecesse, eu seria a culpada. A bruxaria não paga as janelas quebradas!”

Sou antropólogo e é consenso que o trabalho de um antropólogo é investigar o que as pessoas fazem e em que acreditam, e não o que outras pessoas dizem que elas fazem ou acreditam. Também é parte dessa tarefa ler tantos escritos sobre o assunto investigado quanto possível, embora sem aceitar tais escritos cegamente, especialmente quando são conflituosos com o que mostra a evidência. Os antropólogos devem esboçar suas próprias conclusões e fazer algumas teorias próprias, mas devem deixar claro que aquelas são suas próprias conclusões e teorias, e não fatos provados; e este é o método que proponho adotar. Quando se trata de raças nativas, é preciso gravar seu folclore, as histórias e ritos religiosos nos quais baseiam seu atos e crenças. Então por que não fazer o mesmo com as bruxas inglesas?

Devo explicar por que falo de coisas em geral desconhecidas. Fui por toda a minha vida interessado em magia e assuntos afins, tendo feito uma coleção de instrumentos e encantamentos mágicos. Esses estudos me levaram aos espiritualistas e a outras sociedades, quando encontrei pessoas que diziam ter me conhecido em vidas passadas. Aqui devo dizer que, embora acredite em reencarnação assim como a maioria das pessoas do Oriente, não me lembro de nenhuma vida passada, embora tenha tido experiências curiosas. Eu gostaria de lembrar. De qualquer maneira, logo eu estava no círculo e prestei os juramentos usuais de silêncio que me obrigavam a não revelar nenhum dos segredos do culto. Mas, por ser um culto moribundo, sempre lastimei que todo aquele conhecimento devesse perder-se, de forma que me foi permitido escrever, como ficção, algo sobre a crença das bruxas na obra High Magic ‘s Aid? O presente volume tem o mesmo propósito, mas trata do assunto de maneira factual.

Muitas pessoas me perguntam como posso acreditar em magia. Se eu explicar o que acredito que seja a magia, dou um grande passo em direção à resposta. Minha opinião é que se trata simplesmente do uso de algumas faculdades extraordinárias. É fato reconhecido que tais faculdades existem. Os chamados meninos calculadores são famosos e muitas pessoas têm a capacidade de, sob transe hipnótico, calcular o tempo mais acuradamente. Enquanto dormem, recebem ordens de fazer algo ao fim de, digamos, um milhão de segundos; eles nem compreenderiam tal ordem em seu estado normal, mas seu inconsciente profundo faz os cálculos e ao fim do milio-nésimo segundo eles obedecem a ordem sem saber o porquê. Tente calcular um milhão de segundos no estado de vigília e diga quando eles se tiverem passado, sem um relógio, para saber o que isso significa. Os poderes usados são completamente diferentes de qualquer poder mental que conheçamos. Exercitá-los é, normalmente, impossível. Logo, se há pessoas com poderes além do normal, por que não poderiam haver outras pessoas com outras formas de poderes extraordinários e modos não usuais de induzi-los?

Continuamente me perguntam sobre o culto das bruxas e apenas posso responder: quase todos os povos primitivos tinham cerimônias de iniciação e algumas dessas eram iniciações a sacerdócios, a poderes mágicos, sociedades secretas e mistérios. Eles eram usualmente vistos como necessários para o bem-estar da tribo, assim como para o indivíduo. Incluíam normalmente a purificação e alguns testes de coragem e força – freqüentemente severos e dolorosos -, aterrorização, instrução em sabedoria tribal, em conhecimento sexual, na realização de encantamentos e em assuntos gerais ligados à magia e à religião e, freqüentemente, a um ritual de morte e ressurreição.

Eu não questiono os povos primitivos por fazer essas coisas; simplesmente sustento que as bruxas, sendo em muitos casos as descendentes dos povos primitivos, fazem de fato muitas delas. Logo, quando as pessoas me perguntam, por exemplo: “Porque você diz que as bruxas trabalham nuas?”, eu apenas posso dizer: “Porque elas o fazem”. “Por quê?” é a questão seguinte e a resposta, simples, é que os rituais dizem a elas que é necessário. Outra resposta é que suas práticas são remanescentes de uma religião da Idade da Pedra e elas mantêm os antigos costumes. Há também a explicação da Igreja: “Porque bruxas são inerentemente más”. Mas eu acredito que a melhor explicação é a das próprias bruxas: “Porque apenas dessa forma podemos obter poder”.

As bruxas acreditam que o poder reside no interior de seus corpos e elas podem libertá-lo de diversas maneiras, sendo que a mais simples é dançar em roda, cantando ou gritando, para induzir um frenesi; esse poder que elas crêem exsudar de seus corpos seria retido pelas roupas. Tratando de tais assuntos fica difícil, é claro, dizer o que é verdade e o que é imaginação.

No caso da rabdomancia, se um homem acredita que quando é isolado do chão por palmilhas de borracha não pode encontrar água, essa crença o inibe, mesmo se as palmilhas não contêm borracha, enquanto que se vestir palmilhas de borracha – embora não o sabendo – ele pode encontrar água, como muitos experimentos provam.

É fácil imaginar que uma bruxa que acredita firmemente ser essencial estar nua não poderia empreender o esforço necessário para atingir o êxtase sem estar nua. Porém, uma outra que não compartilhasse dessa crença poderia, mesmo estando parcialmente vestida, empregar suficiente energia para forçar o poder por seu rosto, ombros, braços e pernas, obtendo algum resultado; mas quem poderia garantir que ela não estaria produzindo duas vezes aquele poder com metade do esforço se estivesse na nudez tradicional? Apenas podemos ter certeza de que nos tempos antigos as bruxas faziam dessa forma e mesmo viajavam até seus encontros nesse traje; mas em tempos mais recentes a Igreja, e mais especialmente os Puritanos, tentaram silenciar esse fato e inventaram a história da velha louca em uma vassoura, para substituir a história conhecida de danças selvagens de jovens e belas bruxas sob a luz da lua.

Pessoalmente, inclino-me a acreditar que, embora dando margem à imaginação, há algo de certo na crença das bruxas. Penso que há na natureza um campo eletromagnético que rodeia todos os corpos vivos, que algumas pessoas vêem e a que chamamos aura. Algumas vezes eu mesmo a posso ver, mas apenas em carne nua, de modo que as roupas evidentemente obstruem seu curso; porém, essa é simplesmente minha crença pessoal. Acredito que uma bruxa, com suas fórmulas, a estimula, ou possivelmente a aumenta. Dizem que bruxas, com prática constante, podem treinar suas vontades para potencializar essa força nervosa, ou o que quer que seja, e que suas vontades unidas podem projetá-la como uma irradiação de força e que elas podem usar de outras técnicas para adquirir a clarividência, ou mesmo para alcançar o corpo astral. Essas práticas incluem aumentar e acelerar o fluxo de sangue, ou em outros casos desacelerá-lo, assim como o uso da vontade-poder; então é razoável acreditar que produza algum efeito. Não estou afirmando que produz. Apenas registro o fato de que elas buscam tais efeitos e acreditam que algumas vezes eles ocorrem. O único modo de provar a verdade ou falsidade disso seria experimentando (eu poderia pensar que tangas ou biquínis poderiam ser usados sem necessariamente causarem perda de poder. Seria interessante testar o efeito de um grupo na tradicional nudez e um outro de biquíni). Ao mesmo tempo, po-der-se-ia citar o ditado das bruxas: “Você deve estar dessa forma sempre de acordo com os ritos, este é o comando da deusa”. Você deve fazê-lo de modo que se torne uma segunda natureza; você não está mais nu, apenas natural e confortável.

O culto, seja na Inglaterra ou em qualquer outra parte, começa com diversas vantagens. Primeiro, usualmente as recrutas são muito jovens,sendo lentamente treinadas até terem o senso do mistério e do fantástico, o conhecimento de que têm uma tradição de eras por trás delas. Elas provavelmente viram acontecer coisas e sabem que elas podem voltar a acontecer; em vez de mera curiosidade ou de crença piedosa de que “algo pode ocorrer”, inibidas por um desconhecimento, mas uma firme crença de que “nunca acontecerá comigo”.

O que ocorreu, então, foi isto: certas pessoas nasciam com poderes de clarividência. Elas descobriam que certos ritos e processos desenvolveriam tais poderes, de forma que eles se tornariam úteis à comunidade. Elas cumpriam esses ritos e obtinham benefícios; sendo felizes e tendo sucesso, eram olhadas com inveja e antipatia pelos outros, tendo começado a cumprir seus ritos em segredo. O poder que pode ser usado para o bem pode também ser usado para o mal, e algumas vezes elas eram tentadas a usá-lo contra seus oponentes, o que as tornou mais impopulares. Como resultado, calamidades eram atribuídas a elas e pessoas eram torturadas até confessarem tê-las cometido. E quem poderia culpar os filhos de alguns desses que foram torturados até a morte por fazer uma imagem de cera de seus opressores?

Em resumo, tal é a verdade sobre a bruxaria. Nos dias vitorianos ela seria chocante., mas, nestes dias de clubes nudistas, seria tão terrível? Parece ser, para mim, uma espécie de festa de família na qual se tenta um experimento científico de acordo com as instruções de um livro.

Eu gostaria, agora, de tratar da visão, muito freqüentemente sustentada, de que a bruxaria tem conexões com o demonismo. O próprio sr. Summers parece pensar que a questão está resolvida apenas porque a Igreja católica romana disse que o culto é diabólico, e o livro do sr. Pennethorne Hughes também dá a impressão de que a bruxaria seria um culto ao mal. O Sr. Hughes diz na página 128:

“Enquanto o culto declinava, alguma prática comum deve ter sido perdida, pois por volta do século XIX os praticantes caseiros do demonismo autoconsciente meramente conduziam a Missa Negra do catolicismo invertido. Na época dos julgamentos havia obviamente uma espécie de serviço formal bastante separado do crescendo da dança da fertilidade. Numa era católica, seria muito parecido com o conhecido esplendor das celebrações da própria Igreja, com velas, vestes e uma paródia de sacramento. Deveria ser conduzida por um sacerdote destituído, usando hóstias com o nome do diabo estampado em vez do de Jesus e o enlameamento do crucifixo – para insultar os cristãos e agradar ao Demônio. O próprio Demônio recebia orações e homenagens. Uma liturgia do diabo era repetida, havia um sermão zombeteiro e uma absolvição feita com a mão esquerda e uma cruz invertida.”

Aqueles presentes nesses encontros, ele trata da seguinte maneira (página 131):

“Alguns eram, talvez, pessoas com perversões reprimidas e tinham vergonha ou orgulho culpado; alguns eram apenas membros de uma dinastia primitiva, já quase desaparecida, mas ainda seguindo os passos de seus pais, sabendo que a Igreja os desaprovava, mas encontrando nisso satisfação física e psicológica. Alguns eram extáticos. ‘O Sabá’, disse um deles, ‘é o verdadeiro paraíso’.”

O Sr. Hughes não diz por que ele pensa que eles teriam aberto mão de seus próprios ritos, que eram feitos com um propósito definido e produziam resultados definitivos, para simplesmente parodiar os de uma fé estranha. Presenciei diversos desses rituais e declaro que a maior parte do que ele diz não é verdadeiro. Pode haver uma dança da fertilidade, mas os outros ritos são simples e têm um propósito, e de nenhuma maneira se parecem com os da católica romana ou qualquer outra Igreja que eu conheça. É verdade que às vezes há cerimônias curtas em que bolos e vinho são abençoados e comidos (elas dizem que, nos antigos tempos, hidromel e cerveja eram freqüentemente usados). Pode até ser uma imitação do ágape cristão primitivo, a Festa do Amor, mas não há nenhuma sugestão de que o bolo se torne carne ou sangue. A intenção da cerimônia é ser um curto repasto, embora seja definitivamente religioso.

As sacerdotisas usualmente presidem. Velas são usadas, uma para ler o livro e outras em torno do círculo. De forma alguma isso se parece com a prática de qualquer seita religiosa que eu conheça. Não acho que possa ser chamado “imitação do esplendor da Igreja”.

Não há crucifixos, invertidos ou o que seja, não há sermões, zombaria e nenhuma absolvição ou hóstias, salvo o bolo e o vinho já mencionados. O incenso é usado, mas tem um propósito prático. Não há oração ou homenagem ao diabo, nem liturgia, ou mal, nem nada do tipo, nada é dito de trás para a frente e não há gestos com a mão esquerda; de fato, com a exceção de ser um serviço religioso e de todos os serviços religiosos serem semelhantes, os ritos não são de forma alguma imitação de nada que eu tenha visto. Não digo que nunca tenha havido demonistas. Apenas digo que, até onde conheço, as bruxas não fazem as coisas de que são acusadas e, conhecendo como conheço suas religiões e práticas, não penso que elas já as tenham feito.

Naturalmente, é impossível falar por todas. Já li que sacerdotes e clérigos foram condenados por todos os crimes que há na lei inglesa, e nà Ilha de Man sacerdotes foram condenados por ter cantado salmos de destruição contra povos (ver Isle ofMan N. M. &A. Soe. Proceedings, vol. V, 1946), o que, ao menos para mim, é um novo crime; mas isso não significa que a maioria dos sacerdotes e clérigos sejam criminosos. Também não penso que seja justo acusar as bruxas de pervertidas enrustidas. Elas podem ser chamadas de seguidoras de uma religião primitiva, já em vias de desaparecimento; elas seguem os passos de seus pais, sabendo que a Igreja desaprova suas práticas, mas encontrando nisso satisfação física e psicológica. Não se pode dizer o mesmo dos budistas e xintoístas? Eles têm antigos e, para eles, bons ritos e não se preocupam se os outros os desaprovam.

Tudo o que importa é: estão no bom caminho? Aprendi a tolerância nos muitos anos que passei no Oriente e, se alguém acha que o verdadeiro paraíso está nos ritos budistas, no Sabá ou na Missa, fico contente por ele da mesma forma.

Se me fosse permitido revelar todos os seus rituais, seria fácil provar que as bruxas não são demonistas; mas os juramentos são solenes e as bruxas são minhas amigas. Eu não gostaria de ferir seus sentimentos. Elas têm segredos que lhes são sagrados. Têm grandes razões para seu silêncio. Porém, tenho permissão para fazer um resumo de seus ritos. Isso pouco diz, pois além dos ritos elas próprias pouco conhecem. Por uma razão qualquer, elas mantêm o nome de seu deus ou deusa em segredo. Para elas, o culto existiu imutável desde o princípio dos tempos, embora haja uma vaga noção de que o antigo povo veio do Oriente, possivelmente como resultado da crença cristã de que o Leste é o lugar sagrado de onde tudo nasceu. Deve-se notar que as bruxas começam pelo Leste a formar o círculo, e a imagem do deus ou deusa é usualmente posta a leste. Pode ser simplesmente porque o Sol e a Lua nascem no Leste, por causa da posição do altar ou por qualquer razão desconhecida, uma vez que na verdade as invocações principais são dirigidas ao Norte. Não me foi dada nenhuma razão para isso; mas tenho idéia de que nos tempos antigos acreditava-se que o paraíso era no Norte, sendo que elas afirmam que as Luzes do Norte são as luzes de seu paraíso, embora comumente se pense que ele é sob a terra ou em uma colina oca. Deve-se notar, também, que a mitologia escandinava faz do Norte a morada dos deuses e que no mito gaélico o Sul, freqüentemente camuflado como a “Espanha”, é o mal ou o inferno. Presumivelmente, seu oposto, o Norte, é o paraíso.

Assisti a uma cerimônia muito interessante: o Caldeirão da Regeneração e a Dança da Roda, ou Yule, para fazer com que o sol renasça, ou com que o verão retome. Em tese, deveria acontecer em 22 de dezembro, mas hoje em dia é realizada na data mais próxima em que seja conveniente para todos os membros. A cerimônia começa da maneira usual. O círculo é construído e purificado, sendo também os celebrantes purificados da maneira usual e os procedimentos normais do culto são cumpridos. Então a pequena cerimônia é realizada (geralmente chamada “Atraindo a Lua”). A grande sacerdotisa é vista como uma encarnação da deusa. Segue-se a cerimônia do Bolo e do Vinho. Então um caldeirão (ou algo que o represente) é posto no meio do círculo, cheio de aguardente, e inflamado. Várias ervas, etc, são adicionadas. Então as sacerdotisas ficam perto dele, na posição de pentágono (deusa). A Grande sacerdotisa fica de pé no lado oposto do caldeirão, liderando o canto. As outras formam um círculo, segurando suas tochas. Estas foram acesas no caldeirão em chamas e elas dançam em torno na direção “solar”, ou seja, no sentido horário. O canto que ouvi foi o seguinte, embora outros sejam também usados:

“Rainha da Lua, Rainha do Sol Rainha dos Céus, Rainha das Estrelas Rainha das Águas, Rainha da Terra Traga a nós o Filho da Promessa!4

É a grande mãe que o dá à luz

É o Senhor da Vida que renasceu

A escuridão e as lágrimas são deixadas de lado

Quando o Sol aparece de manhã

Sol Dourado das Montanhas

Ilumina a Terra, Acende o Mundo,

Ilumina os Mares e os Rios

As tristezas são deixadas de lado, alegria no Mundo

Abençoada seja a Grande Deusa Sem princípio, sem fim Infinita pela eternidade I.O.EVO.HE seja abençoado.”

Elas dançam em roda furiosamente, gritando:

“I.O.EVO.HE

Abençoado seja I.O.EVO.HE seja abençoado”.

Algumas vezes os pares se dão as mãos e pulam sobre o caldeirão em chamas, como pude ver. Quando o fogo se extingue, a sacerdotisa comanda as danças usuais. Segue-se a isso uma festa.

Haverá algo muito mau ou terrível nisso? Se fosse realizado em uma Igreja, omitindo-se a palavra deusa ou substituindo-a pelo nome de um santo, alguém faria objeções?

Estou proibido de falar de outros ritos por serem definitivamente mágicos, embora eles não façam mais mal do que este. Mas elas não querem que se saiba como fazem para aumentar seu poder. As danças que se seguem parecem mais brincadeiras de criança do que danças modernas — podem ser tempestuosas e barulhentas, com muito riso. Na verdade, são mais ou menos brincadeiras de crianças realizadas por gente crescida e, como brincadeiras, têm uma história ou são feitas para um propósito muito mais definido do que simples diversão.

Tenho permissão também para dizer pela primeira vez na imprensa a verdadeira razão de a coisa mais importante na cerimônia ser o “Arranjo do Círculo”. Elas dizem que o círculo está “entre os mundos”, ou seja, entre este mundo e o próximo, o domínio dos deuses.

O sol, tido como renascido.

O círculo tal qual é mostrado em pinturas pode ou não ser usado. Não é conveniente marcá-lo com giz, tinta ou nada assim, para mostrar onde está; mas marcas no tapete podem ser utilizadas. Os móveis podem ser dispostos de forma a marcar as bordas. O único círculo que importa é o que é desenhado antes de cada cerimônia com uma espada mágica afiada ou uma faca, conhecida como o Athame das bruxas ou a Faca de Punho Negro, que possui sinais de magia no cabo e é a mais usada. O círculo tem geralmente nove pés de diâmetro, a não ser que seja feito com um propósito muito especial. Há dois círculos externos, separados em seis polegadas, de forma que o terceiro círculo tenha o diâmetro de onze pés. Após desenhado, esse círculo é cuidadosamente purificado, assim como todos os que celebrarão o rito. As bruxas dão grande importância a isso, uma vez que dentro do círculo está o domínio dos deuses.

É necessário que haja uma distinção clara entre este e o trabalho de um mago ou feiticeiro, que desenha um círculo no chão e o fortifica com palavras carregadas de poder e invocações (ou tentativas de evocar) de espíritos e demônios para obedecer a suas ordens. Nesse caso, o círculo impede que eles lhe possam fazer mal; ele não ousaria sair dali.

O Círculo das Bruxas, por outro lado, é para manter o poder que elas acreditam fazer crescer de seus próprios corpos e para evitar que ele seja dissipado antes que elas possam moldá-lo à sua vontade. Elas podem pisar fora ou dentro se o desejarem, mas isso envolve alguma perda de poder, de forma que elas evitam fazê-lo tanto quanto possível.

As pessoas tentam fazer-me dizer que, nos ritos, caveiras ou outras coisas repulsivas são usadas. Eu nunca vi tais coisas, mas elas me contaram que nos tempos antigos, às vezes, quando o Grande Sacerdote não estava presente, uma caveira e ossos cruzados eram usados para representar o deus, morte e ressurreição (ou reencarnação). Em nossos dias, a Grande Sacerdotisa está em posição de representar a caveira com os ossos cruzados, ou morte, e se move para outra posição, o pentágono, representando a ressurreição, durante o rito. Suponho que o tipo de bruxa herbalista da aldeia antiga possa ter usado caveiras e ossos e outras coisas para impressionar o povo, já que isso era esperado delas. Elas eram boas psicólogas e, se um paciente fosse convencido de que um remédio amargo seria bom para ele, a mistura da bruxa certamente teria um gosto horrível – e conseqüentemente curaria. Se as pessoas acreditassem piamente que mambo-jambo com caveiras e ossos davam à bruxa poder para curar ou matar, então as caveiras e os ossos estariam ali, já que as bruxas eram provocadoras; aquilo fazia parte de seu repertório.

Diz-se freqüentemente que a realização da Missa Negra é parte da tradição da bruxaria; mas, para usar as palavras do Dr. Joad, “tudo depende do que se quer dizer” com Missa Negra. No meu entender, é uma paródia blasfema da missa católica. Nunca vi nem ouvi falar disso como tendo relação com o culto e não acredito que esse já tenha sido um de seus ritos. Os ritos são realizados com certos propósitos. Isso leva tempo, mas quando terminados a assembléia faz uma pequena refeição, depois dançam e se divertem. Eles não têm tempo ou inclinação para cair na blasfêmia. Alguém já ouviu falar em pessoas se incomodando para realizar uma paródia de um rito budista ou maometano?

Outra coisa que sempre entendi foi que, para realizar uma Missa Negra, seria necessário um sacerdote católico que realizasse uma transubstanciação válida: o Deus presente na hóstia seria profanado. A menos que fosse uma comunhão válida, não haveria profanação. Eu me surpreenderia por encontrar um padre católico entre as bruxas em nossos dias, embora no passado se dissesse que muitos tomavam parte nos cultos. Sugeriu-se que as bruxas não realizavam a Missa Negra, mas que as pessoas se tornavam bruxas obtendo hóstias, seja roubando o sacramento das igrejas ou recebendo a comunhão, mantendo-a debaixo da língua e por fim guardando-a no bolso; assim elas eram levadas aos ritos e profanadas. Durante toda a minha vida, ocorreram problemas por sacerdotes e missionários terem destruído ou profanado figuras de deuses bárbaros e também creio que alguns homens de Igreja não-conformistas obtiveram hóstias consagradas e as levaram ao ridículo. Mas eu nunca ouvi falar que isso os fizesse bruxos, e não creio que bruxas o fizessem ou façam. Por outro lado, houve diversas ocorrências de hóstias consagradas sendo usadas de maneira não-ortodoxa por pessoas do povo que não eram bruxas; para acabar com incêndios ou erupções vulcânicas, por exemplo, ou para pendurar no pescoço como amuleto, para trazer a boa fortuna, afastar o mal e, especialmente, impedir ataques de vampiros; mas tudo isso foi feito por crentes. Uma bruxa não faria tais coisas, uma vez que acredita poder fabricar amuletos muito mais poderosos sozinha.

Acredito, porém, que algumas vezes a Missa Negra é realizada. Eu costumava duvidar disso; mas, em fevereiro de 1952, eu estava em Roma e me disseram que padres e freiras destituídos a celebravam de tempos em tempos. Meus informantes garantiram poder arranjar tudo para que eu assistisse a uma delas, mas me custaria vinte libras; eu não tinha dinheiro estrangeiro suficiente ou teria comparecido, para resolver essa questão para minha própria satisfação. Imagino que fosse provavelmente um espetáculo armado para turistas, embora a pessoa responsável houvesse me informado que não.

Resumindo, acredito que as pessoas podem realizar Missas Negras às vezes para fazer medo, ou com intenção má; mas não creio que essas pessoas sejam bruxas, ou que saibam algo sobre bruxaria. Por acaso, encontrei mais de uma bruxa em Roma, embora as bruxas se mantenham distantes, e elas nada sabiam sobre a Missa Negra.

Ser iniciada no culto das bruxas não dá a uma bruxa poderes sobrenaturais da forma como os vejo, mas são dadas instruções, em termos bastante velados, sobre processos para desenvolver diversas clarividências e outros poderes, naqueles que já os possuem naturalmente. Se eles nada têm, nada podem criar. Alguns desses poderes são afins ao magnetismo», mesmerismo e sugestão, e dependem da possibilidade de se formar uma espécie de bateria humana, combinando vontades humanas para influenciair pessoas ou acontecimentos a distância. Elas têm instruções sobre comco aprender essas práticas. Seriam necessárias muitas pessoas por um longo tempo, se é que entendi bem. Se essas artes fossem mais difundidas e pra-ticadas em nossos dias, poderíamos chamar à maioria delas espiritualismo), mesmerismo, sugestão, P. E. S., Ioga ou mesmo ciência cristã; para uma bruxa tudo isso é Magia, e a magia é a arte de obter resultados. Para tal, certos processos são necessários e os ritos são feitos de forma a empregar esses processos». Em outras palavras, você é condicionado a eles. Este é o segredo do culto».

Não digo que esses processos sejam o único modo de desenvolver & poder. Presumo que clarividentes profissionais, por exemplo, têm algum método de ensino ou treinamento para desenvolver o poder que possuem naturalmente. E possível que seu método seja superior ao da bruxaria; possivelmente, eles conhecem o sistema das bruxas e todo o ensinamento envolvido, mantendo-os como um segredo de profissão. As bruxas também crêem que, de um modo misterioso, “dentro do círculo elas estão entre os mundos” (este mundo e o próximo) e que “o que acontece entre os mundos nada tem a ver com este mundo”. Para formar sua bateria de vontades;, inteligências masculinas e femininas são necessárias em pares. Na praticai, são comumente marido e mulher, mas há jovens que fazem ligações que freqüentemente acabam em casamento. Há também, claro, pessoas solteiras, ou alguns cujos consortes respectivos não são, por alguma razão qualquer, membros do culto. Ouvi de alguns puristas convictos que nenhum homem ou nenhuma mulher casada deveria pertencer, ou assistir, a nenhum clube ou sociedade à qual seus respectivos parceiros não pertencessem; mas tais visões estreitas não são parte da bruxaria.

A bruxaria não foi, e não é, um culto para todos. A não ser que você tenha uma atração para o oculto, um senso de fantástico, um sentimento que você pode escorregar por alguns minutos deste mundo para o outro mundo de encantamento, ela não terá uso para você. Com ela você pode obter paz, acalmar os nervos e diversos outros benefícios, apenas com & companheirismo, mas para obter os efeitos mais fundamentais você deve tentar desenvolver qualquer poder oculto que possa ter. Mas é inútil tentar desenvolver tais poderes, a não ser que você tenha tempo e um parceiro adequado, não sendo apropriado chamar sua tia solteirona, mesmo se ela for romântica; pois bruxas, para ser realista, têm poucas inibições e se quiserem produzir certos efeitos elas o fazem de maneira simples. Embora a maior parte de suas atividades seja para o bem, ou ao menos não tenham nada de mau, certos aspectos dão à Igreja da Inglaterra e aos puritanos a chance de acusá-las de toda espécie de imoralidades, culto ao Diabo e canibalismo, como já mostrei. A tortura às vezes fez com que algumas pobres coitadas confessassem tais impossibilidades, para induzir o questionador a permanecer longe da verdade. O fato de seu Deus ter chifres fez com que o povo o confundisse com o Diabo. O fato de que as bruxas fossem freqüentemente pessoas de alguma posse que merecesse ser roubada deu o incentivo; a tortura e os ferros em brasa fizeram o resto. O temor cristão e o fogo cristão prevaleceram. Os poucos membros remanescentes do culto retiraram-se e continuam em segredo desde então. Estão felizes praticando seus adoráveis antigos ritos. Eles não querem converter: converter significa falar: falar significa aborrecimento e semi-perseguição. Tudo o que desejam é paz.

 


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