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As Guerras dos Deuses: Três, As Divindades Disruptivas da Magia

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Texto de Kadmus Herschel. Traduzido por Caio Ferreira Peres.

Ouça e saiba sobre a primeira guerra nos nove mundos. Quando os reinos da árvore eram apenas recém-formados a partir da carne do gigante Ymir, uma deusa veio de Vanaheim para os salões dos Aesir em Asgard. Ela era Gullveig, o Poder Dourado, e trouxe consigo as novas e estranhas artes pelas quais o futuro podia ser previsto e, às vezes, reescrito. Os deuses Aesir, maravilhados com seu poder, tentaram acabar com a força de Gullveig. Eles a perfuraram com suas poderosas lanças e depois incendiaram sua carne. Três vezes eles a queimaram, mas três vezes falharam e ela ressuscitou ainda viva. Os deuses Aesir chamavam essa deusa dos Vanir de Heidi. Como Heidi, ela percorria a terra e, sabendo da magia, a magia funcionava. Domadora de lobos, profetisa, ela era uma maravilha para os Aesir e eles temiam a ajuda e o poder que ela concedia às mulheres que aprendiam as artes mágicas com ela. Por isso, tentaram destruí-la e não conseguiram.

Em seguida, seus parentes, os Vanir, reuniram-se nos salões de Vanaheim para debater como os erros cometidos pelos Aesir contra sua parente deveriam ser reparados. A guerra eclodiu entre os deuses e os Vanir marcharam para Asgard e, embora Odin tenha lançado sua poderosa lança contra os governantes de Vanaheim, as muralhas da fortaleza dos Aesir foram rompidas e Asgard foi conquistada pelos Vanir. Assim começou e terminou a primeira guerra, com Odin e seu povo derrotados. A partir dessa primeira guerra, uma paz sábia foi forjada. Foi decidido que os Aesir e os Vanir trocariam seus prisioneiros e as duas famílias divinas se tornariam uma só. Para os Vanir, os Aesir enviaram o grande chefe Hoenir e o sábio Mimir. Para os Aesir, os Vanir enviaram o rico e nobre Njord, seu filho Freyr e sua filha Freyja. Ambas as famílias, ao se tornarem uma só, enriqueceram com isso. E para selar o acordo, todos os deuses e deusas, fossem eles Vanir ou Aesir, combinaram seu cuspe e dele surgiu o novo deus da poesia e da sabedoria, Kvasir, a fonte do Hidromel da Poesia. Assim, também, a arte da magia chegou aos deuses Aesir e a arte mais rara de todas, a profecia, chegou a Odin, o Pai de Todos.

Esta é uma recontagem aproximada da história nórdica da guerra entre duas famílias de deuses, os Vanir e os Aesir, conforme encontrada principalmente nas Edas Antiga e  em Prosa. Ela é apresentada como um dos primeiros eventos após a formação dos Nove Mundos e é claramente de importância cósmica preeminente. A partir dessa primeira guerra entre os deuses, temos o nascimento da poesia e a introdução do poder mágico e da profecia para Odin e sua família. É impressionante como grande parte das lendas nórdicas que se seguem a esses eventos gira em torno da busca de Odin por mais sabedoria profética para entender melhor e adiar ou evitar o fim cataclísmico dos deuses no Ragnarok. No entanto, todas as conquistas posteriores de Odin não seriam possíveis sem, primeiramente, essa união dos Vanir e dos Aesir.   

Mas qual foi, de fato, o motivo dessa guerra? Entre quem ela realmente estava? O que as duas famílias de deuses representam? Quem são os Vanir e os Aesir e por que eles são diferentes? Essa guerra pode ser interpretada de acordo com minha postagem anterior sobre as guerras divinas gregas, em termos de uma batalha entre os Vanir, fortemente femininos, e os Aesir, geralmente masculinos. Um ótimo ensaio que segue essas linhas pode ser encontrado no site de Maria Kvilhaug sobre Mitologia Nórdica, sob o título Burn the Witch! – The Initiation of the Goddess and the War of the Aesir and the Vanir [N. T.: Queime a Bruxa! – A Iniciação da Deusa e a Guerra dos Aesir e Vanir]. As interpretações que eu gostaria de fazer, no entanto, levam a uma direção diferente.

Deuses Guerreiros, Culturas Guerreiras

É bastante difícil negar que, apesar da importância frequentemente ignorada dos Vanir, os principais deuses dos nórdicos eram os Aesir. Suas histórias centrais eram as histórias de Odin, Thor, Loki e Baldur. Isso estabelece, então, a direção básica que eu gostaria de seguir com minha investigação atual. A guerra dos Aesir e Vanir foi uma guerra do panteão nórdico primário contra outro panteão. Considerando a natureza básica e antiga da unidade Vanir/Aesir, podemos presumir que a história de sua guerra representa um conflito no início da cultura nórdica entre seus deuses e os Vanir, os deuses de uma cultura mais antiga com a qual os nórdicos entraram em conflito e, até certo ponto, se misturaram.

Enquanto os Aesir tendiam a ser figuras guerreiras, os Vanir tendiam a ser associados à natureza, à fertilidade, ao mar, à colheita e, é claro, à magia. Isso tendia a se refletir no fato de os Vanir receberem maior reverência de dois grupos principais de pessoas na cultura nórdica: os fazendeiros e as volva. As volvas eram mulheres sábias segundo o modelo da deusa Gullveig/Heidi. Elas eram as mestras da magia e da profecia, reverenciadas e frequentemente recompensadas pelo uso de seus dons. É a imagem da volva, dando poder às mulheres e ao povo comum, que ameaça o governo dos Aesir na história da tortura e tentativa de assassinato de Gullveig.

Podemos, então, imaginar a história da guerra dos deuses como uma guerra entre uma cultura guerreira invasora e uma sociedade marítima e agrícola com uma forte tradição de magia e de mulheres mágicas. Uma olhada na história revela que grande parte do território ocupado pelos nórdicos era anteriormente dominado pelos celtas ou era delimitado pelo território dominado pelos celtas. Também é bastante claro que os celtas eram uma cultura mais antiga do que os nórdicos. Isso leva a uma linha de especulação muito interessante, a de que os celtas são a origem da magia nórdica e da profecia feminina ou, de fato, da prática da profecia em geral.

Magia, Amizade, Liberdade, Amor [N. T.: No original em inglês, “Magic, Friendship, Freedom, Love]

É claro que isso é especulação, mas talvez se torne um pouco mais do que isso quando analisamos a história inesperada da relação entre as palavras Free [N. T.: livre] e Friend [N. T.: amigo] com a guerra entre os Vanir e os Aesir. Free e Friend derivam da mesma raiz, uma raiz que significa Love [N. T.: Amor] e que aparece como Frja no nórdico antigo. É muito interessante, por vários motivos, considerar que Free, Friend e Love compartilham uma origem e um significado conceitual e linguístico profundos. Mas, para nossos propósitos, é igualmente interessante observar que os nomes dos dois reféns Vanir mais importantes enviados aos Aesir, Freyr e Freyja, derivam da raiz frja para love/free. Nos nomes desse deus e dessa deusa, a raiz frja passa a significar “Senhor” e “Senhora” [N. T.: No original, “Lord” e “Lady” respectivamente]. O ponto realmente interessante nesse labirinto linguístico surge quando percebemos que a raiz frja do nórdico antigo é considerada de origem celta e é um dos artefatos remanescentes da interação celta/nórdica. Em um sentido muito real, os dois Vanir proeminentes, o Senhor e a Senhora dos Vanir, têm nomes celtas!

Nossa linha de especulação leva, então, à conclusão de que, com a entrada dos Vanir no panteão nórdico, testemunhamos a entrada de uma cultura celta mágica e focada na natureza na cultura guerreira dos nórdicos (o que não significa, é claro, menosprezar a natureza guerreira dos celtas, mas, com os celtas, estamos lidando com uma história muito mais longa e uma cultura mais ampla do que com a população menor e o aspecto de vida mais curta da história nórdica). É claro que estou correndo o risco de idealizar a cultura celta, mas junto com o nascimento da poesia da união celta com os nórdicos podem vir também os conceitos de amor, amizade e liberdade em seu relacionamento único que permanece conosco, embora enterrado e esquecido, em inglês.

Como mago, não posso deixar de ficar entusiasmado com o fato de que, pelo menos em uma cultura, o nascimento da poesia e da magia andou de mãos dadas com o aumento do poder das mulheres e a centralidade dos conceitos de amor, amizade e liberdade.

A Deusa Freyja

 

Link para o original: https://starandsystem.blogspot.com/2015/01/the-wars-of-gods-three-disruptive.html?m=0

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