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excerto de O Ramo de Ouro
Sir James George Frazer. Trad. Waltensir Dutra.
Os princípios da magia
Se analisarmos os princípios lógicos nos quais se baseia a magia, provavelmente concluiremos que eles se resumem em dois: primeiro, que o semelhante produz o semelhante, ou que um efeito se assemelha à sua causa; e, segundo, que as coisas que estiveram em contato continuam a agir umas sobre as outras, mesmo à distância, depois de cortado o contato físico. Ao primeiro princípio podemos chamar lei da similaridade, ao segundo, lei do contato ou contágio. Do primeiro desses princípios, a lei da similaridade, o mago deduz a possibilidade de produzir qualquer efeito desejado simplesmente imitando-o; do segundo, que todos os atos praticados sobre um objeto material afetarão igualmente a pessoa com a qual o objeto estava em contato, quer ele constitua parte de seu corpo ou não. Os sortilégios baseados na lei da similaridade podem ser chamados de magia homeopática ou imitativa; os que têm fundamento na lei do contato ou contágio podem ser chamados de magia por contágio. Para indicar o primeiro desses ramos da magia, a palavra “homeopática” talvez seja preferível, pois a denominação alternativa, “imitativa” ou “mimética”, sugere — se é que não deixa implícita — a participação de um agente imitador consciente, limitando com isso, em demasia, o alcance da expressão. E isso porque o mago implicitamente acredita que os mesmos princípios que aplica à sua arte são os que regulam as operações da natureza inanimada; em outras palavras, ele supõe tacitamente que as leis da similaridade e do contato são de aplicação universal e não limitadas apenas às ações humanas. Em suma, a magia é um sistema espúrio de lei natural, bem como um guia enganoso de comportamento: é tanto uma falsa ciência quanto uma arte abortiva. Considerada como um sistema de lei natural, isto é, como um conjunto de regras que determinam a seqüência dos acontecimentos em todo o mundo, pode ser chamada de magia teórica; considerada como uma coleção de preceitos observados por seres humanos com o fim de conseguir seus objetivos, pode ser chamada de magia prática. Devemos ter presente, ao mesmo tempo, que o mago primitivo só conhece a magia em seu aspecto prático: ele nunca analisa os processos mentais em que sua prática se baseia, nunca reflete sobre os princípios abstratos que cercam seus atos. Para ele, como para a grande maioria dos homens, a lógica é implícita, e não explícita: ele pensa exatamente do mesmo modo que digere seu alimento, na total ignorância dos processos intelectuais e fisiológicos essenciais a uma e a outra operação. Em suma, para ele a magia é sempre uma arte, jamais uma ciência; a simples idéia de ciência está ausente de sua mente subdesenvolvida. Cabe ao estudioso da filosofia traçar a linha de pensamento que subjaz à prática do mago; separar os poucos e simples fios de que a confusa meada se constitui; isolar os princípios abstratos de suas aplicações concretas; em suma, discernir a ciência espúria por trás da arte bastarda.
Se nossa análise da lógica do mago está certa, seus dois grandes princípios são, em essência, apenas duas aplicações errôneas e diferentes da associação de idéias. A magia homeopática fundamenta-se na associação de idéias pela similaridade, ao passo que a magia de contágio baseia-se na associação de idéias pela contiguidade. A primeira comete o erro de supor que a semelhança implica igualdade; a segunda, o de supor que o contato, uma vez estabelecido, não se rompe nunca. Na prática, porém, os dois ramos se combinam com freqüência, ou, para sermos mais exatos, enquanto a magia homeopática ou imitativa pode ser praticada por si mesma, a magia por contágio de um modo geral envolve a aplicação do princípio homeopático que rege a outra. Assim descritas genericamente, as duas modalidades de magia podem ser de difícil compreensão, mas tornam-se facilmente inteligíveis quando ilustradas com exemplos. Ambas as formas de pensamento são, de fato, extremamente simples e elementares. E não poderiam deixar de ser, já que são tão familiares em sua forma concreta, embora certamente não em sua forma abstrata, à tosca inteligência não só do selvagem como também dos ignorantes e dos obtusos em toda parte. Ambos os ramos da magia, o homeopático e o contagioso, podem ser incluídos convencionalmente sob a denominação geral de magia simpática, já que ambos supõem a possibilidade de interação entre coisas que estão distantes umas das outras, através de uma simpatia secreta, sendo o impulso transmitido de uma a outra por meio do que poderíamos conceber como um éter invisível, não muito diferente do que é postulado pela moderna ciência com um objetivo precisamente igual, ou seja, explicar como as coisas podem afetar fisicamente umas às outras através de um espaço que parece estar vazio.
Talvez seja conveniente esquematizar os ramos da magia de acordo com as leis da lógica a eles subjacentes:
Ilustraremos agora esses dois grandes ramos da magia simpática com exemplos, começando com a magia homeopática
Magia homeopática ou imitativa
A aplicação mais conhecida do princípio de que o semelhant produz o semelhante talvez seja a tentativa, feita por muitos povos em muitas épocas, de ferir ou destruir um inimigo danificando ou destruindo uma imagem sua, na convicção de que, assim como a imagem sofre, também sofrerá o homem, e de que, se ela for destruída, ele terá de morrer. Essa forma de magia tem sido praticada em todos os tempos e em todo o mundo. Há milhares de anos era conhecida dos feiticeiros de países antigos como a Índia, a Babilônia e o Egito, bem como da Grécia e de Roma, e a ela recorrem até hoje astutos e malévolos selvagens da Austrália, da África e da Escócia. Há também informações de que os índios norte-americanos acreditam que, desenhando a figura de uma pessoa na areia, na cinza ou no barro, ou tomando qualquer objeto como representação do seu corpo, e mergulhando nesse desenho ou objeto uma vara pontiaguda ou causando-lhe qualquer outro dano, infligem dano correspondente à pessoa representada. Por exemplo, quando um índio ojiwa deseja fazer mal a alguém, esculpe uma pequena imagem de madeira representando seu inimigo e atravessa-lhe a cabeça ou o coração com uma agulha ou traspassa-a com uma seta, acreditando que, sempre que a agulha ou a seta ferem a imagem, seu adversário experimenta, no mesmo instante, uma dor lancinante na parte correspondente do corpo. Mas, se pretende matar logo a vítima, queima ou enterra o boneco, pronunciando certas palavras mágicas ao fazê-lo. Assim, quando um índio cora do México quer matar alguém, faz uma imagem dessa pessoa com barro cozido, com pedaços de pano, etc, e, em seguida, murmurando encantamentos, espeta a cabeça ou a barriga da estatueta para que a vítima sofra. Os coras também se utilizam, por vezes, de maneira mais benévola, dessa forma de magia homeopática. Quando querem multiplicar rebanhos, modelam a figura do animal em cera ou barro, ou a esculpem em madeira, e a depositam numa caverna das montanhas, pois esses índios acreditam que as montanhas são senhoras de todas as riquezas, inclusive dos rebanhos. Para cada vaca, gamo, cão ou galinha desejado, o índio tem de sacrificar uma imagem correspondente da criatura. Isso nos pode ajudar a compreender o significado das figuras de bois, veados, cavalos e porcos dedicadas a Diana em Nemi: talvez fossem oferendas de agricultores ou caçadores que esperassem com isso multiplicar seus rebanhos ou sua caça.
Os chineses têm igualmente perfeita consciência da possibilidade de fazer mal a um homem causando dano ou lançando uma maldição sobre uma imagem dele, especialmente se nela estiver escrito seu nome e horóscopo. Essa maneira de lançar o mal sobre um inimigo teria sido praticada habitualmente na China, ao que se diz. Em Amoy, essas imagens, feitas grosseiramente de varas de bambu e papel, são chamadas de “substitutos das pessoas” e podem ser compradas muito barato em qualquer loja que venda artigos de papel para uso no culto dos mortos ou dos deuses; pois os econômicos chineses têm o hábito de impingir imitações de artigos valiosos, feitas de papel, aos seus simplórios espíritos e deuses, que as recebem de boa fé, acreditando tratar-se do artigo verdadeiro. Como sempre, a vítima sofre um dano correspondente ao praticado à sua imagem.
Na Babilônia antiga também era comum fazer uma imagem de barro, breu, mel, sebo ou qualquer outro material maleável, à semelhança de um inimigo, para causar-lhe mal ou provocar- lhe a morte, queimando, enterrando ou submetendo a pequena estátua a qualquer outro tratamento molesto. Assim, lemos no hino ao deus do fogo Nusku:
“Àqueles que de mim fizeram imagem, reproduzindo minhas feições,
Que me esgotaram o fôlego, arrancaram-me os cabelos,
Dilaceraram minhas roupas, impediram que meus pés trilhassem o pó,
Possa o deus do fogo, o poderoso deus, destruir- lhes o feitiço”.
Mas tanto na Babilônia como no Egito, esse antigo instrumento da superstição, tão daninho em mãos mal-intencionadas e malévolas, era também colocado a serviço da religião, onde recebia a gloriosa função de confundir e derrotar os demônios. Num encantamento babilónico, encontramos uma longa relação de espíritos malignos cujas efígies foram queimadas pelo mago na esperança de que, assim como suas imagens se fundiriam com o fogo, também eles se desfariam e desapareceriam para sempre.
Se a magia homeopática ou imitativa, praticada através de imagens, tem sido utilizada habitualmente com o propósito maléfico de eliminar do mundo pessoas tidas como odiosas, também foi empregada, embora mais raramente, com a intenção generosa de ajudar outras a nele entrarem. Em outras palavras, foi usada para facilitar o parto e provocar a fertilidade das mulheres estéreis. Assim, entre os esquimós do estreito de Bering, uma mulher estéril, desejosa de ter um filho, consulta um feiticeiro, que habitualmente faz, ou manda o marido dela fazer, uma pequena imagem semelhante a um boneco, sobre a qual pratica certos ritos secretos, e a mulher tem de dormir com esse boneco sob o travesseiro. No Japão, quando um casal não tem filhos, as mulheres velhas da vizinhança se dirigem à casa e fingem estar assistindo à estéril num parto. O recém-nascido é representado por um boneco. Os maoris tinham um deus doméstico cuja imagem possuía a forma de uma criança. Era cuidadosamente feita, em geral em tamanho natural, e adornada com as jóias da família. As mulheres sem filhos tratavam da imagem, e a ela se dirigiam com as palavras mais ternas, para se tornarem mães.
Os antigos hindus representavam uma elaborada cerimônia baseada na magia homeopática para a cura da icterícia. Seu principal objetivo era expulsar a cor amarela, dirigindo-a para coisas e criaturas amarelas, como o sol, a que pertenciam, e conseguir para o paciente uma saudável cor vermelha numa fonte viva e vigorosa, ou seja, um touro vermelho. Com essa intenção, um sacerdote recitava a seguinte fórmula mágica: “Para o sol subirá a tua dor e tua icterícia: com a cor do touro vermelho te envolvemos! Em cores vermelhas te envolvemos, para a vida longa. Possa esta pessoa sair ilesa e sem a cor amarela! As vacas cuja divindade é Rohini, elas que, inclusive, também são vermelhas [rohinih] — com toda a sua forma e com toda a sua força nós te envolvemos. Para os papagaios, para os tordos, lançamos tua icterícia e, mais ainda, para a alvéloa, lançamos a tua icterícia. Enquanto murmurava essas palavras, o sacerdote, para provocar uma cor rosada e saudável no pálido paciente, dava-lhe de beber água que antes fazia escorrer sobre o pêlo de um touro vermelho: derramava a água sobre o lombo do touro e fazia o paciente beber dela; sentava-o sobre o couro de um desses animais e atava ao paciente um pedaço do couro. Em seguida, para melhorar-lhe a cor eliminando totalmente o amarelo, fazia o seguinte: primeiro mergulhava-o dos pés à cabeça numa espécie de mingau amarelo, feito de curcuma, ou açafrão-da-índia (uma planta amarela), deitava-o numa cama, amarrava ao pé da cama, com um cordão amarelo, três pássaros amarelos, ou seja, um papagaio, um tordo e uma alvéloa amarela, e, derramando água sobre o paciente, lavava-o da pasta amarela e, com isso, sem dúvida também da icterícia, que se transfe- ria para os pássaros. Depois de tudo isso, e para dar um toque final à nova cor, tomava alguns pêlos de um touro vermelho, envolvia-os numa folha de ouro e os colava à pele do paciente.
Um dos grandes méritos da magia homeopática é permitir que o tratamento seja realizado sobre a pessoa do médico, em lugar do enfermo, a quem é assim poupado todo o desconforto e esforço, enquanto vê seu médico contorcer-se de angústia à sua frente. Os camponeses de Perche, na França, por exemplo, acham que um acesso prolongado de vômitos é provocado pelo desprendimento do estômago do paciente, que fica caído. Por isso, chamam um curandeiro para recolocar o órgão no devido lugar. Depois de ouvir os sintomas, este se lança imediatamente às mais horríveis contorções, com o objetivo de desprender o seu próprio estômago. Tendo conseguido isso, fixa-o novamente, graças a outra série de contorções e caretas, enquanto o paciente sente o alívio correspondente. Preço: cinco francos.
Além disso, a magia homeopática e, de um modo geral, a magia simpática têm um grande papel nas medidas tomadas pelo rústico caçador ou pescador para assegurar-se de um suprimento abundante de alimento. Obedecendo ao princípio de que o semelhante produz o semelhante, muitos atos são praticados por eles e seus amigos numa imitação deliberada do resultado que buscam atingir; e, por outro lado, muitas coisas são escrupulosamente evitadas porque têm alguma semelhança, mais ou menos imaginosa, com outras que seriam desastrosas para a sua prática.
Os índios da Colúmbia Britânica vivem em grande parte da pesca, que é abundante em seus mares e rios. Se o peixe não aparece na temporada adequada, e os índios passam fome, um feiticeiro nootka fará uma imagem de um peixe nadando e a colocará na água, na direção da qual surgem habitualmente os cardumes. Essa cerimônia, acompanhada por uma oração para que os peixes apareçam, fará com que isso aconteça imediatamente. Os ilhéus do estreito de Torres usam reproduções de dugongos e tartarugas para atrair esses animais à sua própria destruição. O malaio que preparou uma armadilha para crocodilos e espera pelo resultado tem cuidado, ao comer seu caril, de começar sempre engolindo três porções de arroz, sucessivamente, pois isso ajuda a isca a deslizar mais facilmente pela garganta do sáurio. Tem o cuidado também de não tirar ossos do seu caril, pois, se o fizer, é claro que a vara pontiaguda em que está presa a isca também se soltará, e o crocodilo fugirá com a isca. Nessas circunstâncias, portanto, é prudente que o caçador, antes de começar sua refeição, mande alguém tirar os ossos de sua comida, pois, sem isso, poderá, a qualquer momento, ter de escolher entre engolir um osso ou perder o crocodilo.
Essa última regra é um exemplo das coisas que o caçador tem de se abster de fazer, para que, segundo o princípio de que o semelhante produz o semelhante, não venha a prejudicar sua sorte. Devemos observar que o sistema de magia simpática não é simplesmente composto de preceitos positivos, pois compreende igualmente um grande número de preceitos negativos, isto é, de proibições. Ele não nos diz apenas o que fazer, mas também o que deixar de fazer. Os preceitos positivos são sortilégios; os negativos são tabus. De fato, toda a doutrina dos tabus, ou, de qualquer modo, grande parte dela, parece constituir apenas uma aplicação particular da magia simpática, com suas duas grandes leis da similaridade e do contato. Embora essas leis certamente não sejam formuladas de maneira tão explícita, e nem mesmo sejam concebidas abstratamente pelos selvagens, ainda assim estes acreditam implicitamente que elas regem o curso da natureza, com total independência da vontade humana. O selvagem acha que, se agir de determinada maneira, certas conseqüências se seguirão inevitavelmente, em virtude de uma ou de outra dessas leis. E se as conseqüências de um determinado ato lhe parecem oferecer a possibilidade de serem desagradáveis ou perigosas, ele naturalmente tem o cuidado de se abster de tal ato, para que não venha a sofrer com as conseqüências dele. Em outras palavras, ele se abstém de fazer aquilo que, de acordo com as suas noções errôneas de causa e efeito, acredita falsamente que lhe causaria dano; em suma, submete-se a um tabu. Assim, o tabu não é mais que uma aplicação negativa da magia prática. A magia positiva, ou feitiçaria, diz: “Faça isso para que tal e tal coisa aconteçam”. A magia negativa, ou tabu, diz: “Não faça isso, pois, se fizer, tal e tal coisa podem acontecer”. O objetivo da magia positiva ou feitiçaria é produzir um acontecimento desejado, ao passo que a finalidade da magia negativa ou tabu é evitar um acontecimento indesejável. Mas ambas as conseqüências, a desejável e a indesejável, seriam provocadas de acordo com as leis da similaridade e do contato. E assim como uma conseqüência desejada não é, na verdade, afetada pela realização de uma cerimônia mágica, assim também a conseqüência temida não resulta realmente da violação de um tabu. Se o suposto mal se seguisse necessariamente à quebra do tabu, este não seria um tabu, mas um preceito de moral ou do senso comum. Não é um tabu dizer “Não coloque a mão no fogo”, mas uma observação de senso comum, porque a ação proibida encerra um risco real e não imaginário. Em suma, os preceitos negativos a que chama- mos de tabu são tão fúteis e vãos quanto os preceitos positivos a que chamamos de feitiçaria. As duas coisas são simplesmente pólos opostos de uma imensa e desastrosa falácia, uma concepção errônea da associação de idéias. Dessa falácia, o feitiço é o pólo positivo, e o tabu, o negativo. Se dermos o nome geral de magia a todo esse equivocado sistema, tanto teórico como prático, então o tabu pode ser definido como o aspecto negativo da magia prática. Isso teria a seguinte forma tabular:
Fizemos essas observações sobre o tabu e suas relações com a magia porque vamos apresentar exemplos de tabus observados por caçadores, pescadores e outros, e desejamos mostrar que eles se enquadram na magia simpática, constituindo apenas aplicações particulares daquela teoria geral. Assim, é uma praxe entre os galeareses que a linha onde os peixes são enfiados após a pesca não pode ser cortada, pois, se o for, na próxima pescaria a linha de pesca se partirá. Entre os esquimós da Terra de Baffin os meninos são proibidos de brincar de cama-de-gato, porque se o fizerem seus dedos poderão mais tarde ser colhidos pela corda do arpão. No caso, o tabu é obviamente uma aplicação da lei de similaridade, fundamento da magia homeopática: os dedos das crianças são envolvidos pelo barbante quando brincam de cama-de-gato e, portanto, serão envolvidos pela corda do arpão quando, homens feitos, forem pescar baleias. Entre os huzulis que habitam as encostas do nordeste dos montes Cárpatos, a mulher de um caçador não pode fiar enquanto seu marido estiver caçando, senão a caça vai rodar e serpentear como o fuso, e o caçador não poderá acertar nela.
De novo, nesse caso, o tabu deriva claramente da lei da similaridade. Também em muitas regiões da antiga Itália, as mulheres eram proibidas por lei de fiar enquanto caminhavam pelas estradas, e mesmo de por elas carregar seus fusos a descoberto, porque se acreditava que isso prejudicaria as plantações. Pensava-se provavelmente que o movimento de torção do fuso provocaria a torção do colmo dos cereais, impedindo com isso que crescessem em boa posição. Finalmente, entre os ainos de Sacalina uma mulher grávida não pode fiar nem torcer corda nos dois últimos meses da gravidez, porque, se o fizer, as vísceras da criança poderão enroscar-se como o fio.
Entre os muitos usos benéficos que um equi- vocado engenho deu ao princípio da magia homeopática ou imitativa, está o de fazer com que árvores e plantas dêem frutos na estação adequada. Disseram certa vez ao grande ro- mancista Thomas Hardy que certas árvores em frente de sua casa, perto de Weymouth, não cresciam porque ele as olhava antes do café da manhã, ou seja, de estômago vazio. Em muitas partes da Europa, dançar ou dar pulos para o alto são modalidades tidas como homeopáticas de fazer com que as plantações cresçam bastante. Assim, no Franco-Condado, afirma-se que é necessário dançar no Carnaval para que o cânhamo cresça bem. Quando um padre católico censurou os índios do Orenoco por permitirem que suas mulheres semeassem os campos sob um sol causticante, com filhos ao colo, eles responderam: “Padre, o senhor não entende dessas coisas e por isso se aborrece com elas. As mulheres estão acostumadas a ter filhos, o que nós, os homens, não podemos fazer. Quando elas semeiam, os pés de milho dão duas a três espigas, a raiz da iúca enche dois ou três cestos, e tudo se multiplica proporcionalmente. E por que isso é assim? Simplesmente porque as mulheres sabem reproduzir e sabem fazer com que as sementes que semeiam também reproduzam. Deixe-as semear. Nós, os homens, não sabemos fazê-lo tão bem”. Provavelmente pela mesma razão, os tupinambás do Brasil achavam que, se uma certa castanha da terra fosse plantada pelos homens, não se desenvolveria.
Assim, de acordo com a teoria da magia homeopática, o homem pode influir sobre a vegetação, seja para o bem ou para o mal, segundo o bom ou mau caráter de seus atos ou estados: por exemplo, uma mulher prolífica torna frutuosas as plantas; uma outra, estéril, torna-as estéreis. Por isso, a convicção de que certas qualidades ou contingências pessoais são prejudiciais e contagiosas deu origem a várias proibições ou regras de evitação: é necessário que as pessoas se abstenham de certos atos para que não contaminem, homeopáticamente,
os frutos da terra com seu estado ou condição indesejáveis. Todos esses costumes de abstenção ou regras de evitação são exemplos de magia negativa ou tabu.
Nos casos que descrevemos, supõe-se a pos- sibilidade de que uma pessoa influencie a ve- getação homeopáticamente. Ela transmite às árvores ou plantas qualidades ou contingências, boas ou más, que se assemelham às suas e destas resultam. Mas, de acordo com o princípio da magia homeopática, a influência é mútua: a planta pode contaminar o homem, tal como este pode contaminá-la. Acredito que na magia, assim como na física, ação e reação são iguais e contrárias. Os índios cheroquis são peritos na botânica prática do tipo homeopático. Antes que seus guerreiros partissem para a guerra, os curandeiros da tribo davam a cada um deles uma raiz mágica que os tornava absolutamente invulneráveis. Na véspera da batalha, o guerreiro banhava-se numa água corrente, mascava um pouco da raiz e cuspia o suco no próprio corpo, para que as balas deslizassem pela sua pele como gotas de água. Alguns dos meus leitores talvez duvidem que isso realmente tornasse os guerreiros invulneráveis. Há um estéril e paralisante espírito de ceticismo, muito difundido hoje em dia, que é extremamente deplorável. Em todo caso, a eficácia desse feitiço foi comprovada na Guerra Civil norte-americana, pois trezentos cheroquis serviram no exército do sul, e nunca, ou raramente, foram feridos em ação.
Também aos animais são atribuídas, com freqüência, qualidades ou propriedades que poderiam ser úteis ao homem, e a magia ho- meopática ou imitativa procura comunicar tais propriedades aos seres humanos de várias maneiras. Assim, alguns bechuanas usam um fu- rão com amuleto porque, sendo de constituição muito resistente, ele também tornará resistente o guerreiro. Outros usam um certo inseto, mutilado, mas vivo, com objetivos semelhantes. Os wajaggas da África oriental acham que, se usarem um pedaço do osso da asa de um abutre atado à perna, também eles serão capazes de correr sem se cansar, tal como o abutre voa incansavelmente pelos céus. Os esquimós da Terra de Baffin imaginam que, se um pedaço dos intestinos de uma raposa for colocado sob os pés de um bebê do sexo masculino, ele se tornará ativo e tão hábil em caminhar sobre o gelo fino quanto a própria raposa. Um dos antigos livros da Índia recomenda que, quando se oferece um sacrifício pela vitória, a terra de que o altar é feito deve ser retirada de um lugar onde um javali se tenha deitado, pois a força do animal ter-se-á comunicado a essa terra.
Segundo o princípio da magia homeopática, as coisas inanimadas, bem como as plantas e os animais, podem derramar bênçãos ou maldições à sua volta, dependendo de sua própria natureza intrínseca e da proficiência que o feiticeiro demonstre para, conforme o caso, fazer fluir ou represar a fonte de felicidade ou de desgraça. Em Samarcanda, as mulheres dão um torrão de açúcar para os bebês ficarem chupando e colocam cola na palma de suas pequenas mãos para que, quando crescerem, suas palavras sejam doces e coisas preciosas se agarrem às suas mãos como se fossem cola. Os gregos achavam que uma roupa feita com a lã tosquiada de um carneiro ferido por um lobo provocaria em quem a usasse coceira ou irritação na pele. Também eram de opinião que, se uma pedra mordida por um cachorro fosse lançada no vinho, provocaria brigas entre todos os que bebessem daquele vinho.
Entre as coisas que a magia homeopática procura explicar estão as grandes forças da natureza, como a lua crescente e a lua min- guante, o nascer e o pôr-do-sol, as estrelas e o mar. Os antigos livros do hinduísmo determinam que, no poente do dia de seu casamento, o casal deve sentar-se em silêncio até que as estrelas comecem a piscar no céu. Quando a estrela polar aparecer, o marido deve mostrá-la à mulher e, dirigindo-se à estrela, dizer: “Firme és tu; vejo-te, a ti que és firme. Firme sejas tu comigo, ó florescente!” Em seguida, voltando-se para a mulher, deve dizer: “Tu me foste dada por Brihaspati; tendo frutos por meu intermédio, viverás comigo cem outonos”. A intenção da cerimônia é, evidentemente, proteger-se contra a instabilidade da fortuna e da felicidade terrena graças à influência permanente da estrela constante. É o desejo expresso no último soneto de Keats:
“Bright star! would I were steadfast as thou art — Not in Ione splendour hung alof t the night”.
Uma idéia igualmente fantasiosa ainda perdura em certas partes da Europa. No litoral cantábrico da Espanha, acredita-se que as pessoas que falecem de doenças crônicas ou agudas expiram no momento em que a maré começa a baixar.
Magia contagiosa
Até agora, examinamos principalmente o ramo da magia simpática que pode ser chamado de homeopático ou imitativo. Seu princípio básico é, como já vimos, o de que o semelhante produz o semelhante ou, em outras palavras, que um efeito se assemelha à sua causa. O outro grande ramo da magia simpática, a que chamamos de magia contagiosa, fundamenta-se na crença de que coisas que, em certo momento, estiveram ligadas, mesmo que venham a ser completamente separadas uma da outra, devem conservar para sempre uma relação de simpatia, de modo que tudo o que afete uma delas afetará similarmente a outra. Assim, a base lógica da magia contagiosa, como a da magia homeopática, é uma associação errônea de idéias: sua base física, se disso podemos falar, como a base física da magia homeopática, é uma forma qualquer de meio material que, como o éter da física moderna, deve unir objetos distantes e transmitir impressões de um ao outro. O exemplo mais conhecido de magia contagiosa é a simpatia mágica que se supõe existir entre o homem e qualquer parte que tenha sido separada de sua pessoa, como o cabelo ou as unhas. Desse modo, quem estiver de posse de cabelos ou unhas humanas pode exercer influência, a qualquer distância, sobre a pessoa da qual foram cortados. Essa superstição é mundial: exemplos relacionados com o cabelo e as unhas serão mencionados mais adiante. Embora, como acontece com outras superstições, esta tenha tido suas conseqüências absurdas e malignas, ainda assim provocou indiretamente muitos benefícios, dando aos selvagens motivos fortes, embora irracionais, para observar regras de limpeza que jamais poderiam ter adotado em bases racionais. A maneira pela qual essa superstição produziu tal efeito salutar evidencia-se com um único exemplo, que citarei nas palavras de um observador experimentado. Entre os nativos da península de Gazelle, na Nova Bretanha, “é uma norma necessária à eficiência de um feitiço que nele se use parte da pessoa que se deseja enfeitiçar (seu cabelo, por exemplo) ou uma peça de seu vestuário, ou ainda alguma coisa que tenha relação com ela, como seus excrementos, restos de sua comida, seu cuspo, a marca de seus pés, etc. Todas essas coisas podem ser usadas como panait, isto é, como meio para um papait ou encantamento, que consiste em recitar uma certa fórmula mágica ao mesmo tempo em que se sopra, da palma da mão, um pouco de cal. É desnecessário dizer que o nativo dá fim a todas essas coisas o mais depressa possível. Assim, a limpeza habitual das casas, e que consiste em ser o chão cuidadosamente varrido todos os dias, não tem origem no apreço pela higiene enquanto tal, mas apenas no esforço de dar fim a tudo o que possa eventualmente vir a ser usado num sortilégio maléfico”. Ilustraremos agora os princípios da magia contagiosa com alguns exemplos, começando pela sua aplicação às várias partes do corpo humano.
Entre as partes que habitualmente se consi- deram como em união simpática com o corpo, mesmo depois de separadas dele fisicamente, estão o cordão umbilical e as páreas, inclusive a placenta. Considera-se tão íntima a união que a sorte da pessoa, para o bem e para o mal, durante toda a sua vida, estaria ligada a uma ou outra dessas partes: se o seu cordão umbilical ou páreas forem preservados e devidamente tratados, ela será próspera; mas se forem danificados ou perdidos, ela sofrerá.
Assim, entre os maoris, quando o umbigo caía, a criança era levada a um sacerdote para dele receber solenemente o nome. Antes, porém, que a cerimônia tivesse início, o cordão umbilical era enterrado num lugar sagrado e ali plantada uma muda de árvore, que ficava sendo, para sempre, um tohu oranga, ou signo de vida, para a criança.
Uma obra de medicina chinesa prescreve que “a placenta deve ser colocada num lugar apropriado, sob a influência salutar do céu ou da luz, nas profundezas da terra, e com esta amontoada cuidadosamente sobre ela, para que a criança possa ter uma vida longa. Se for devorada por um porco ou um cachorro, a criança perde o intelecto; se insetos ou formigas a comerem, a criança sofrerá de escrofulose; se corvos ou pegas a engolirem, a criança terá uma morte abrupta ou violenta; se for lançada ao fogo, a criança apresentará erupções móveis”. Os japoneses preservam o cordão umbilical com muito cuidado e o enterram com o morto.
Uma aplicação curiosa da doutrina da magia contagiosa é a relação que se acredita comumente existir entre um homem ferido e o agente causador da ferida; tudo o que for feito posteriormente por esse agente causador, ou a ele, afetará o ferido, para o bem ou para o mal. Assim, Plínio nos diz que, se ferirmos alguém involuntariamente, basta cuspir na mão que provocou a ferida que a dor será imediatamente aliviada.
Em Suffolk, se alguém se corta com uma podadeira ou uma foice, tem sempre o cuidado de manter a arma limpa e a engraxa para evitar que a ferida inflame. Se um espinho entra na mão de alguém, essa pessoa passará óleo ou gordura no espinho, depois de extraí-lo. Um homem procurou o médico com uma das mãos inflamada, devido a um espinho que nela penetrara quando ele estava podando uma sebe. Quando o médico lhe disse que a mão estava supurando, ele respondeu: “Isso não devia ter acontecido, pois engraxei bem o espinho depois que o arranquei”.
Supõe-se, por vezes, a existência de uma simpatia mágica entre o homem e suas roupas, de modo que estas, por si só, bastam para dar ao feiticeiro um certo poder sobre sua vítima. Em Teócrito, a feiticeira, enquanto derretia uma imagem ou um pedaço de cera para que seu infiel amante também se derretesse de amor por ela, não se esquecia de lançar ao fogo um pedaço do manto que ele havia esquecido em sua casa. A magia pode ser exercida simpaticamente sobre alguém não só através das roupas e de partes do corpo dessa pessoa que dele tenham sido separadas, mas também através das impressões deixadas pelo seu corpo na areia ou na terra. É uma superstição mundialmente difundida a de que, danificando-se as pegadas, danifica-se o pé que as deixou. Assim, os nativos do sudeste da Austrália acreditam que podem tornar manco um homem colocando pedaços pontiagudos de quartzo, vidro, osso ou carvão em suas pegadas. A essa causa atribuem, com freqüência, as dores reumáticas. Os pitagóricos tinham uma máxima segundo a qual, ao se levantar da cama, é preciso desfazer as marcas nela deixadas pelo corpo. Essa regra era simplesmente uma antiga precaução contra a magia, e constava de um código de máximas supersticiosas que a Antiguidade atribuía a Pitágoras, embora sem dúvida já fossem conhecidas dos antepassados bárbaros dos gregos, muito anteriores àquele filósofo.
A evolução do mago
Concluímos assim nosso exame dos princípios gerais da magia simpática. Os exemplos com que os ilustramos foram colhidos principalmente da magia que podemos chamar de privada, isto é, dos ritos mágicos e encantamentos praticados para beneficiar ou prejudicar pessoas. Mas, na sociedade selvagem, encontra-se habitualmente, além disso, o que poderíamos chamar de magia pública, ou seja, a feitiçaria praticada em favor de toda a comunidade. Sempre que se realizam cerimônias desse tipo em prol do bem comum, é evidente que o mago deixa de ser apenas um praticante privado, tornando-se em certa medida um funcionário público. O desenvolvimento dessa classe de funcionários é de grande importância para a evolução, tanto política quanto religiosa, da sociedade. Quando se passa a achar que o bem estar da tribo depende da realização desses mitos mágicos, o mago se eleva a uma posição muito influente e de grande reputação, podendo alcançar, a dignidade e a autoridade de chefe ou de rei.
Assim, na medida em que foi afetando a constituição da sociedade selvagem, a profissão pública da magia tendeu a colocar o controle da situação nas mãos do homem mais capaz: transferiu o exercício do poder por muitos para um único — substituiu a democracia pela monarquia, ou, antes, por uma oligarquia de anciãos, pois, de um modo geral, a comunidade selvagem é governada não por todo o conjunto de homens adultos, mas por um conselho de anciãos. Essa mudança, qualquer que tenha sido a sua causa, e qualquer que tenha sido o caráter desses primeiros governantes, foi muito benéfica em seu conjunto. A ascensão da monarquia parece ser uma condição essencial para a superação da selvajaria pela humanidade. Nenhum ser humano é tão constrangido pelo costume e pela tradição quanto esse selvagem democrático; em nenhum estágio da sociedade, portanto, é o progresso tão lento e tão difícil quanto nesse.
Não é por acaso, pois, que os primeiros e grandes passos no sentido da civilização foram dados pelos governos despóticos e teocráticos, como aqueles do Egito, da Babilônia e do Peru, onde o governante supremo, em seu duplo caráter de rei e de deus, exigia e recebia a sujeição servil de seus súditos. Dificilmente exageraríamos dizendo que, nessa época, o despotismo é o melhor amigo da humanidade e, por mais paradoxal que pareça, da liberdade. Afinal de contas, há mais liberdade, no melhor sentido — liberdade de pensar os próprios pensamentos e de determinar o próprio destino —, sob o mais absoluto despotismo, sob a mais esmagadora tirania, do que sob a aparente liberdade da vida selvagem, onde a sorte do homem está fixada, do berço à sepultura, pelo modelo férreo do costume hereditário.
Portanto, na medida em que a profissão pública da magia foi um dos caminhos pelos quais os homens mais capazes adquiriram o poder supremo, ela contribuiu para emancipar a humanidade do peso da tradição e elevá-la a uma vida mais ampla, mais livre, com uma visão mais abrangente do mundo. Não foi pequeno esse serviço prestado à humanidade. E se lembrarmos ainda que, numa outra direção, a magia abriu caminho para a ciência, seremos forçados a admitir que, se a arte negra praticou muito mal, foi também fonte de grande bem; que, se é filha do erro, foi igualmente a mãe da liberdade e da verdade.
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