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excerto de O Ramo de Ouro
Sir James George Frazer. Trad. Waltensir Dutra.
O levantamento que fizemos das festas dos fogos populares da Europa sugere algumas observações gerais. Em primeiro lugar, dificil- mente podemos deixar de nos surpreender com as semelhanças que as cerimônias guardam entre si, qualquer que seja o momento do ano ou lugar da Europa em que são celebradas. O costume de acender grandes fogueiras, saltar sobre elas e fazer passar o gado em meio a elas, ou em torno delas, parece ter sido praticamente universal em toda a Europa, e o mesmo podemos dizer das procissões ou corridas com tochas pelos campos, pomares, pastos ou currais. Menos generalizados são os costumes de lançar discos iluminados no ar e arrastar um arco incandescente morro abaixo. A julgar pelas evidências recolhidas, esses modos de distribuir as influências benéficas do fogo limitaram-se principalmente à Europa central. A cerimônia da acha do Natal distingue-se das outras festas pela privacidade e domesticidade que a caracterizam, mas essa distinção bem pode ser simples resultado das más condições atmosféricas do inverno, que não só podem tornar desagradável uma reunião ao ar livre, como também podem frustrar, a qualquer momento, o próprio objetivo da assembléia, apagando o fogo sob uma chuvarada ou uma nevasca. À parte essas diferenças locais ou sazonais, a semelhança geral entre as festas dos fogos em todas as épocas do ano e em todos os lugares é bastante grande. E, do mesmo modo que as cerimônias em si assemelham-se umas às outras, o mesmo ocorre com os benefícios que delas se esperam. Quer tome a forma de fogueiras que são acesas em pontos fixos, de tochas que são levadas de um lugar para outro, ou de tições e cinzas retirados da fogueira consumida, acredita-se que
o fogo promova o crescimento das plantações e bem-estar do homem e dos animais, seja positivamente, estimulando-os, seja negativamente, evitando os perigos e calamidades que os ameaçam, como o trovão e o raio, o incêndio, a peste, os parasitas, as pragas, a esterilidade, a doença e a bruxaria, que não era o menos temido deles. Assim, se nos lembrarmos da grande influência que o medo da feitiçaria exerceu sobre o espírito popular europeu em todas as épocas, podemos admitir que a intenção primordial de todas essas festas dos fogos era simplesmente a de destruir ou, pelo menos, livrar-se das bruxas, consideradas como as causas de quase todas as infelicidades do homem.
Essa suposição é confirmada ao examinarmos os males para os quais as fogueiras e tochas eram consideradas como remédio. Em primeiro lugar, talvez, entre esses males, possamos identificar as doenças do gado; e, de todos os prejuízos que as bruxas podiam causar, nenhum, provavelmente, é tão mencionado quanto o que se relaciona com os animais, sobretudo o roubo do leite das vacas. Ora, é significativo que o fogo de atrito, que talvez possa ser considerado como o pai das festas periódicas dos fogos, fosse aceso principalmente como remédio para as enfermidades do gado; e as circunstâncias sugerem, o que, aliás, em termos gerais parece provável, que o costume de acender o fogo de atrito remonta a uma época em que os ancestrais dos povos europeus sobreviviam principalmente dos produtos de seu gado e em que a agricultura ainda tinha um papel secundário em suas vidas. Bruxas e lobos são os dois grandes inimigos ainda temidos pelos pastores em muitas partes da Europa, e não nos devemos surpreender de que eles recorram ao fogo como um meio poderoso de espantar a ambos.
Acredita-se, com freqüência, que as fogueiras protejam os campos contra a geada e a casa contra o trovão e o raio. Supõe-se que esses fenômenos sejam causados por bruxas; então, o fogo que as expulsa serve necessariamente, ao mesmo tempo, como um talismã contra a geada, o trovão e o raio.
Além disso, Morte, fogueiras e fertilidade refletem o mito de Balder os tições retirados das fogueiras são comumente guardados nas casas para protegê-las contra incêndios, e embora isso talvez se deva ao princípio da magia homeopática, ou seja, um fogo sendo considerado como preventivo de outro fogo, é também possível que a intenção fosse a de manter distantes as bruxas incendiárias. Os saltos sobre as fogueiras eram considerados como preventivo das cólicas, e olhar as chamas fixamente, como um preservativo da boa saúde dos olhos. E tanto as cólicas como as doenças dos olhos são, na Alemanha e provavelmente em outros lugares também, consideradas como maquinações das bruxas. Igualmente, saltar sobre as fogueiras do Solstício de Verão ou dar a volta a elas é prevenir-se contra as dores nas costas durante a colheita; e na Alemanha essas dores são consideradas como feitiços e atribuídas à bruxaria.
De um modo geral, portanto, a teoria da virtude purificadora dos fogos cerimoniais parece estar de acordo com as evidências. Mas a Europa não é a única parte do mundo em que cerimônias desse tipo foram realizadas; também em outros lugares, o ato de passar pelas chamas ou pela fumaça ou sobre as brasas vivas das fogueiras, que é a característica central da maioria dos ritos, foi usado como cura ou prevenção para várias enfermidades. Vimos que o ritual do fogo do solstício de verão no Marrocos é praticamente idêntico ao de nossos camponeses europeus; e costumes mais ou menos semelhantes foram observados por muitas raças em várias partes do mundo. Podemos compreender, agora, por que as festas dos fogos tiveram um papel tão importante na religião de nossos antepassados pagãos; a realização dessas festas resultou diretamente do grande medo que tinham da feitiçaria e da sua teoria sobre as melhores maneiras de combater esse mal.
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