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O Blues, o Rock e o Diabo

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“Música – que arte esplendida; que profissão trágica.” – Georges Bizet

 

Há em diversos casos uma relação diretamente proporcional entre a beleza das melhores músicas do nosso tempo e a tragédia e a dor sofrida pelos seus compositores. O rock sempre foi relacionado como música do diabo e isto, para muitas pessoas, é algo perturbador. Com isto em mente, pensei que poderia ser interessante falar sobre a trajetória do rock, advindo do blues, apontando alguns eventos marcantes e assim, talvez, ilustrando um pouco como perpetua-se esta herança do maligno no rock. Na verdade, cientistas e artistas brilhantes, por toda nossa história, têm sido, em um ponto ou outro, levado ou ao fogo ou à ruína, na maior parte dos casos, por medo, ignorância e pura inveja.

Todas as histórias de demônios contadas pelo homem advêm basicamente destas limitações humanas e da necessidade de semear o medo para manter a ordem imposta. É o que vemos através da história. Ainda assim, precisaremos divulgar aqui algumas histórias e crendices que se tornaram extremamente populares, relacionadas a pactos com o mal. Se você considera estes assuntos ofensivos, recomendo não prosseguir.

 

Niccolò Paganini

“Aquilo que engana também cria encantamento mágico” – Platão (427-348bc)

Para os que permanecem, começamos com um exemplo fora da música negra, o italiano Niccolò Paganini, nascido em Gênova em 1782, há pouco mais de 200 anos, violinista em uma época em que, na música, somente os cantores de ópera eram realmente respeitados e bajulados. Ele no entanto tinha mais carisma e chamava mais atenção do que os grandes astros de seu tempo, os tenores. Foi atacado tão fortemente por sarampo quando criança que quase o enterraram pensando que estivesse morto. Por conta desta doença, seu corpo seria para sempre magricelo e seu rosto esquelético. Seu pai, Antônio Paganini, sonhando com fortuna às custas de seu menino prodígio, o criou severamente, punindo-o cruelmente a cada erro que cometia em seus exercícios. Aos oito anos, já dava recitais e compunha música de considerada complexidade para sua idade. Aos treze foi reconhecido como criança prodígio em Gênova. Aos quinze, excursionou seu país, fazendo memoráveis apresentações em Milão, Bolonha, Florença, Pisa e Leghorn. Em 1798, aos dezesseis anos, tinha juntado dinheiro suficiente para fugir da tirania de seu pai.

Como músico, ele inovou e contestou o medíocre, como um autêntico rebelde. Inovou usando harmônicos, como também trazendo de volta a esquecida arte de scordatura, ou seja, afinações variadas, utilizadas no violino pela primeira vez. Você poderia dizer que Paganini era o Jimi Hendrix do violino, duzentos anos antes, tirando sons inimagináveis até então com aquele instrumento. Quer saber mais? Ele usava calças apertadas e cabelos bem compridos; deixava as mulheres desmaiando, loucas de tesão e os homens loucos de inveja. Mas acima de tudo, Paganini tocava seu instrumento com uma concepção anos-luz à frente dos seus contemporâneos. No entanto seu sucesso foi marcado por incessantes boatos sobre seu suposto pacto com o diabo. Seu rosto magro e cadavérico dava força a tal suposição. Sempre tocando para teatros com suas lotações esgotadas, Paganini era o músico mais rico de sua época. Sua riqueza e fama era tão grandiosa que qualquer camponês sabia como sendo fato, que o homem tinha um pacto com o diabo. Que outra explicação para ele poder ser tão melhor e tão mais bem sucedido que os outros?

A imprensa da época o retratava como um homem cruel, mórbido, egoísta, ganancioso e um jogador compulsivo. De fato, ele perdeu seu violino pagando uma divida de jogo. Presenteado por um amigo, outro violino quase foi perdido nas mesas de apostas, antes dele se conscientizar e jurar nunca mais chegar perto de uma mesa de jogo. Segundo a crença popular, ele juntara uma gangue e matou diversos maridos das mulheres com quem teve casos. Pessoas juravam que viram Satanás guiando sua mão, segurando o arco sob as cordas do violino durante seus espetáculos. Outros diriam que viram assistentes do demônio partindo do teatro de onde Paganini acabara de se apresentar, seguindo de carroça, por uma estrada que sequer existia. Mesmo os admiradores de sua música se benziam caso Paganini os tocasse. Houve momentos em que ele fora obrigado a publicar cartas de sua mãe para provar que havia nascido normalmente como qualquer mortal.

Em 1836, abriu um cassino em Paris que acabou falindo. O seu desgosto pela perda de sua fortuna, lhe fez um mal irreparável à saúde. Ele se mudou para Marseilles e depois Nice, para se recuperar. Passou a praticar o violão neste periodo. Ainda reapareceu tocando o violino magestralmente bem, embora ainda doente. Quando ele morreu em 27 de Maio de 1840 em Nice, a igreja católica recusou-se a enterrá-lo e os camponeses tinham medo do seu corpo. Ele só foi enterrado em 1843, quando o corpo foi trazido de volta para a Itália, graças a seguidos pedidos de seu filho para que Roma intercedesse no caso, a favor do mestre.

Robert Johnson

“Nós todos viemos de um escravo, cantando no campo, em algum lugar” – Lenny Kravitz (1995)

Pouco mais que um século depois, apesar de nunca ter sido rico e com fama apenas regional enquanto em vida, Robert Johnson oferece uma certa similaridade com a história de Paganini e aqueles que o criticavam. Nascido em 1911, negro e descendente de escravos, foi criado em uma fazenda de algodão. Assim, trabalhando no campo desde criança, teve pouca instrução, aprendendo a tocar seu primeiro instrumento, a gaita, sozinho. Quando começou a entrar na maioridade, fugiu de casa para aprender a tocar violão com Son House. Logo passou a tocar junto com os músicos que mais o influenciaram, Charlie Patton e Willie Brown, além do próprio Son House. Juntos, perpetuavam o que se costuma chamar de country blues; o blues rural ou delta blues, pois vinham da região do delta do Mississippi.

Com vinte anos, Johnson descobriu como fazer sua guitarra chorar usando o gargalo de uma garrafa quebrada, deslizando-a pelas cordas. Já se apresentando sozinho, foi o autor de uma série de composições que retrataria diversas amarguras da vida, desde a rejeição carnal até o desconforto espiritual. Suas letras falam de amores violentos, como em “Ramblin’ On My Mind” e amores perdidos como em “Love In Vain”. Com um certo senso de sutileza, ele fala sobre sexo em letras como a de “Traveling Blues”, onde utiliza analogias do tipo “Squeeze my lemon till my juice runs down my leg” (“Espreme meu limão até o suco escorrer pelas minhas pernas”) frase hoje mais lembrada na voz de Robert Plant quando este pertencia ao Led Zeppelin. Johnson também falava de perseguição e desespero em canções como “Me And The Devil” e “Hellbound Trail”. Essas letras ajudaram amarrar a lenda de um pacto entre o diabo e o bluesman, lembrado até hoje.

Conta-se que Robert Johnson ficou à espera em uma encruzilhada, com seu violão à mão, em uma noite de lua nova. Quando deu meia noite, o diabo em forma de homem apareceu para afinar o instrumento. A partir daí, todos que ouvem suas músicas são encantados por ela. Na verdade Robert Johnson tocava um violão excelente e é mais provável ser a inveja, a origem das lendas que apareceram. Sua genialidade e dom natural são tão mais cativantes, comparando-se aos outros músicos de sua época, que novamente me traz à lembrança o destino infeliz de Paganini. Johnson costumava tocar quase que de costas para o seu público. As pessoas então diziam que ele fazia isto para esconder o olhar do diabo que surgia para auxiliá-lo. Mais coerente seria supor que ele se preocupava em esconder os acordes que bolava sozinho e não queria que outros músicos na platéia o copiassem.

Por volta de 1935, ele perambulava entre as cidades dos estados de Tennessee a Arkansas. Fez uma série de gravações em 1936, que circularam pelo sul e eventualmente chegariam a ser ouvidos pelo norte do país. Acabariam editados em dois álbuns, anos depois de o artista falecer. Em 1937, tocaria com ele em ocasiões esporádicas Alex Miller (Sonny Boy Williamson, o segundo), como também Elmore James e Howlin’ Wolf, mas em geral Johnson se apresentava sozinho.

Morreu, acredita-se, no dia 16 de agosto de 1938. Como toda boa lenda, existem diversos rumores para explicar sua morte, mas em geral inclina-se a acreditar que um marido ciumento colocou veneno em sua garrafa de bebida. Johnson era famoso pela atração que causava nas mulheres, como também por atrair as chamadas “mulheres erradas”. Ele veio a morrer três dias depois de envenenado, sofrendo dores estomacais horríveis durante esse tempo. Isto explicaria em parte as histórias que contam dele antes de morrer, andando de quatro e uivando como um cachorro, animal muitas vezes associado com o demônio.

Os Caminhos do Delta

“Deus nos dá a carne e o Diabo os cozinheiros” – Thomas Deloney (1543-1600)

No outono, ainda em 1938, John Hammond, um produtor de Nova York, ouviu a canção “Terraplane Blues”, composta e gravada por Johnson, e ficou bastante impressionado. Hammond pode ser considerado um pesquisador de música negra, algo raro nesta época. Utilizou o resultado de sua pesquisa para uma de suas produções, chamada “From Spirituals To Swing”. Agendou o Carnegie Hall e é responsável por tentar apresentar para o público intelectualizado branco a música negra, com um status de cultura legítima, pela primeira vez na América. Era seu intuito encontrar Robert Johnson e fazê-lo se apresentar no Carnegie Hall, mas logo descobriu que Johnson já estava morto. Hammond colocou então para o espetáculo Big Bill Broonzy.

Big Bill Broonzy é para muitos quem melhor fez a tradução do estilo blues rural para o blues urbano, o chamado Chicago blues. Mas antes temos que falar de Robert Lockwood. Conhecido como Robert Lockwood Jr., este rapaz ganhou a denominação “junior” em seu nome por ser o único músico que teve aulas com Robert Johnson, seu padrasto. Dois anos após a morte de Johnson, Lockwood já exibia muitas das características musicais de seu padrasto.

Em 1941, enquanto fazia dupla com Alex Miller, que então passou a ser chamado de Sonny Boy Williamson (2), Lockwood deixou seu violão de lado e passou a tocar guitarra elétrica. Entre 1943 e 44 a dupla passou a tocar regularmente no programa de rádio Mother’s Best Flour Show, da estação KFFA, de Helena, Arkansas. Este fato foi extremamente significativo para o história do blues, pois deu a oportunidade para muitos bluesmen espalhados pelo sul de ouvir o som de uma guitarra elétrica pela primeira vez. Logo, gente como Elmore James, Howlin’ Wolf, John Lee Hooker, Muddy Waters e BB King, entre muitos outros, estavam portando guitarras elétricas.

Desta maneira, a herança de Robert Johnson viaja rapidamente, subindo o Rio Mississippi e chegando a Chicago. Com menos de uma década após o falecimento de Johnson, o blues tornara-se elétrico, ficando mais alto, ganhando peso e swing. Na década de quarenta, Jerry Wexler, um judeu de Nova York que escrevia para a Billboard, cria a denominação Rhythm & Blues para esta música swingada, enraizada no blues. Seu intuito é de fazer o termo então em voga, “race records”, cair em desuso em função de sua conotação racista; traduzido seria “discos da raça (negra)”. Wexler durante as décadas de cinqüenta a setenta, se tornaria um renomado produtor e gravaria diversos artistas negros como Big Joe Turner, Champion Jack Dupree, T-Bone Walker, Ray Charles, Wilson Pickett e Solomon Burke.

Outros dez anos se passam e em 1955 surgem Elvis Presley e Chuck Berry, os dois sendo censurados na região da América conhecida como “O Cinturão Bíblico”. Seus feitos são conhecidos por qualquer roqueiro que se preze. Chuck por criar os primeiros e mais importantes riffs do rock ‘n’ roll; e Elvis, por cantar e dançar de forma lasciva, torna essa música interessante e permissível entre os brancos. Como Elvis diria em 1956, “os negros tocam este tipo de música há mais tempo do que eu possa contar. Mais ninguém ligou para esta música até eu começar a tocá-la”.

Aumenta Que Isto Aí É Rock ‘n’ Roll

“Insano é o homem que, incapaz de criar uma minhoca, cria Deuses às dúzias” – Montaigne (1553-1592)

De fato, as famílias brancas ficaram em polvorosa ao verem seus filhos (e filhas) se envolvendo com uma música tocada por negros. A música negra é então considerada como música tribal, portanto pagã e diabólica. A fé é um poder tão impressionante quanto inebriante. Pastores passam a se promover em suas comunidades, falando sobre os males da música negra para a alma, agradando pais igualmente preconceituosos no processo. Porém do texto, pronunciado supostamente em nome de Cristo, só saem palavras de intolerância, ódio e discriminação. Apesar das variações, o denominador comum destes sermões é de ameaçar os seus fiéis com a figura do Diabo para se manter um código de conduta preestabelecida pela comunidade dominante, mantendo assim o patrocínio desta comunidade para a igreja. Uma lástima, já que quanto mais se fala em Satanás, mais se está erguendo sua obra.

Entre outras limitações humanas que explicam o alvoroço criado em relação à música negra adotada pelos filhos da sociedade branca americana, estão o egocentrismo, racismo, ignorância, medo e inveja. Alan Freed, disc-jockey de Cleveland, percebendo a insatisfação da sociedade dominante, vendo seus filhos e filhas dançando e cantando para a música negra, tenta aliviar a pressão inventando um nome alternativo. Assim, os filhos e filhas brancas “deixariam” de estar ouvindo música negra para estarem ouvindo um “NOVO” tipo de música. Essa é em parte a situação atrás da idéia de rebatizar a música ainda conhecida como rhythm & blues. Nasce o nome Rock ‘n’ Roll, que nada mais é que rhythm & blues um pouco mais acelerado, ou se preferir, em up-tempo, executado por brancos. Quando os negros o tocam, volta a ser chamado rhythm & blues.

A onda durou por alguns anos mas, com o sistema insatisfeito com o rock sendo sinônimo de rebeldia, acaba por fechar o tal “cerco social” entre 1958 e 1959, estrangulando o rock e muitos dos seus criadores. Primeiro surgiu o escândalo da payola, que tratava da ilegalidade de pagamentos extra-oficiais entre as gravadoras e os DJ’s (o nosso popular e disseminado jabaculê – o jabá).

O resultado expulsou Alan Freed das rádios, embora de início ele teria se recuperado com um programa semanal de televisão ao vivo. Por uma infelicidade, o programa durou apenas uma tarde. Durante a apresentação de Frankie Lymon & the Teenagers, uma menina branca pulou no palco e dançou com Frankie, um menino negro, então com 15 anos e o programa foi tirado do ar. Alan Freed, cuja popularidade entre 1955 e 1956 era igual ou maior do que a de Elvis Presley, teve sua licença caçada, sendo obrigado a uma aposentadoria forçada. Ele ainda seria acusado de ser um comunista.

Elvis foi convocado para o exército, e quando retornou em 1960, fez uma apresentação e depois abdicou de tocar ao vivo para se dedicar à carreira de artista de cinema. Acabou se tornando a antítese do rebelde em uma série de filmes xaroposos. Chuck Berry teria sérios problemas legais, Jerry Lee Lewis teve sua carreira encerrada pela opinião pública ao descobrirem que ele havia casado com sua prima de apenas 14 anos. Somando a estes eventos, em fevereiro de 1959, Buddy Holly, Ritchie Valenz e The Big Bopper morrem em um acidente de avião. O acidente serviu como o golpe derradeiro para um rock que se esvaía em uma morte lenta e aparentemente certa. Por último, Little Richard, quando seu avião tem uma pane, resolve largar a vida de artista para estudar teologia e virar pastor, só voltando ao circuito em 1962.

As rádios são inundadas por músicas de pop suave que a indústria era orientada a oferecer. Gente como Ricky Nelson, Pat Boone, Frankie Avalon, James Darren, Paul Anka, Fabian e muitos, muitos outros. Até o cinema, que antes trazia filmes que associava rock com rebeldia como “Blackboard Jungle” e “Rock, Rock, Rock” oferece agora um misto de romance e comédia, com a série da “Turma da Praia”.

A outra moda foram as danças novas que seguidamente surgiam como forma de “terapia ocupacional”. São elas o Twist, o Mashed Potatoes, o Monkey Stomp, o Bristol Stomp, o Watosee, o Dog, o Swim, o Frug, o Hully Gully e um incontável monte de outras. Basicamente, o rock na América adocicava e perdia a rebeldia. Somente a Surf Music da época, vindo da costa oeste, oferecia alguma centelha de genuíno espirito juvenil. Mas enquanto isso, na Inglaterra fatos agitam o circuito.

Londres É Fecundado

“O Blues teve um filho e o chamaram rock ‘n’ roll.” – Muddy Waters (1977)

Em 1958, acontece um evento que ajudaria a mudar o destino do blues e do rock na década de 60. Muddy Waters vai à Inglaterra. Enquanto os ingleses esperavam assistir autêntica música rural, imaginando encontrar este bluesman sentado em um banquinho com um violão, encontraram uma banda tocando instrumentos elétricos e este homem urrando blues por todos os poros, em um volume sem precedentes. O choque foi imenso e seus efeitos devastadores. Na platéia deste show, estavam entre outros, Alexis Korner e Cyril Davies.

No ano seguinte, o inglês Chris Barber, excursionando pela América com sua Jazz Band, ficou impressionado com o blues que ele ouviu em Chicago. Aos poucos Barber começou a trazer ocasionalmente alguns bluesmen para Inglaterra. Em 1962 trouxe Sonny Boy Williamson (2). Nesta ocasião, quem estava na platéia era o jovem Brian Jones. Este foi o show que fez Jones colocar o jazz de lado e passar a estudar o blues. Em 1961 Alexis Korner e Cyril Davies fundam The Blues Incorporated, possivelmente a primeira banda branca de blues inglesa de respeito. Entre 1962 e 1964 essa banda teria, entre outros integrantes, Charlie Watts, Jack Bruce, Brian Jones, Paul Jones, Mick Jagger, Art Wood, Graham Bond, John Baldry, Hughie Flint e Ginger Baker. O Blues Incorporated seria o embrião para bandas como The Rolling Stones e Cream, além de fornecer diversos músicos para formações variadas dos Bluesbreakers de John Mayal.

Os Rolling Stones, uma banda de garotos que tocavam apenas blues e rhythm & blues, fixa residência no clube The Crawdaddy e acabam se tornando diretamente responsáveis por popularizar o blues para toda uma nova geração de amantes do gênero entre os ingleses. Os primeiros resultados desta influência são os nascimentos das bandas The Yardbirds formados por um grupo de rapazes que freqüentavam o Crawdaddy e The Pretty Things formado por um ex-membro dos Rollin’ Stones, Dick Taylor. Assim, é justo concluir que sem os Stones para levarem o rhythm & blues a ser tocado nas rádios, demoraria muito mais tempo para tantos jovens conhecerem os nomes de gente como Elmore James, Muddy Waters, Bo Diddley e Jimmy Reed, na Inglaterra.

Quando em 1964 os Beatles aportam na América e acabam por abrir um mercado para bandas inglesas naquele país, sua música é o rock de negros como Chuck Berry, Little Richard e o soul de Smokey Robinson. Os Beatles assim, revitalizam o rock americano, trazendo de volta o espirito rebelde com os cabelos compridos e respostas rápidas para perguntas insosas. Paralelamente, dentro dos Estados Unidos, no Village em Nova York, um rapaz do interior chamado Bob Dylan, estava transformando o pacato gênero folk em um estilo ligado a política e protesto. Somando isto à revitalização do rock incendiado pelos Beatles, nasceria o folk rock, popularizado por bandas como The Byrds, Lovin’ Spoonful e a dupla Simon & Garfunkel. Em pouco mais que dois anos, se criaria todo o fuzuê que é hoje lembrado como o movimento hippie. Depois dos Beatles, vieram à América toda uma tropa de bandas inglesas. Entre eles, The Rolling Stones e The Animals.

O Blues e a Década de Sessenta

“O blues é uma cadeira, e não um desenho de uma cadeira. É uma cadeira para se sentar, não para compor um ambiente.” – John Lennon (1970)

No espaço de dois para três anos, jovens brancos nos Estados Unidos estavam ouvindo com sotaque inglês, o blues dos negros de sua terra, o qual sempre ignoraram. Para ilustrar como a “maré” era baixa para os negros que cantavam o blues, quando os Rolling Stones foram gravar em Chicago, no Chess Studios em Junho de 1964, o mesmo estúdio em que os seus ídolos gravaram, Muddy Waters estava lá ganhando uns trocados pintando o teto do lugar e ajudando a instalar os equipamentos dos artistas que chegavam. Nunca se fez dinheiro decente com o blues, pois esta música negra era até então tratada como sub-cultura. Todos esses bluesmen aqui mencionados e todos os outros que você possa se lembrar, eram populares então somente dentro das comunidades negras. E esta comunidade não tinham a independência econômica que hoje ela desfruta. Martin Luther King ainda era vivo e o movimento Panteras Negras ainda não havia se organizado. Segregação era muito forte na América e só passou a ser contra lei em Julho de 1964.

Então a grande comunidade branca desconhecia praticamente todos esses artistas. As exceções seriam os jazzistas. O homem branco dos anos trinta aceitava o jazz dos negros mas preferia sua versão deste jazz; o big band. Fora do jazz, os negros que conseguiram alguma respeitabilidade no meio musical eram Nat King Cole, o primeiro negro a ter seu próprio programa de televisão, Ray Charles e James Brown. Mesmo esses, sendo atrações principais, eram obrigados a aceitar humilhações como não poder usar a porta da frente ou sequer o banheiro normal da casa, apenas o banheiro dos fundos. Com as mudanças sociais e valorização repentina do blues, graças à popularização feita pelos artistas ingleses, em pouco tempo todos esses bluesmen começaram a ficar famosos e respeitados. Assim, em 1965, Muddy Waters estava se apresentando em Montreux, Howlin’ Wolf excursionando pela Inglaterra e Bo Diddley viajava para a Australia regularmente.

Com a determinação dos jovens em criar um novo padrão de estética e valores distintos dos de seus pais, as famílias tradicionais, que pertencem ao poder dominante, sentiam-se ameaçadas por declarações diversas dos novos ricos, este novo grupo social, os rockstars. Entre estes, Mick Jagger é chamado de “a voz de sua geração”. Com a fama dos Rolling Stones de quebrarem as regras estabelecidas e continuarem seguidamente vencendo batalhas jurídicas que tentam encarcerá-los, Mick Jagger e Keith Richard são acusados de se associarem a Satanás em troca de controle sobre as massas e sucesso mundial. A situação piora quando lançam uma música intitulada “Sympathy For The Devil.” A partir desta canção, as historias das relações satânicas da banda são consideradas oficialmente confirmadas. Então é apenas natural que, quando Brian Jones morreu em Julho de 1969, houvesse quem insinuasse que Mick Jagger o teria matado por meio de magia negra, para tomar definitivamente a liderança da banda.

As mortes ocorridas no festival em Altmont e as conotações demoníacas que surgiram a seguir, em relação a uma apresentação dos Rolling Stones, que foi na verdade uma oferta gratuita, presente dos Stones para a cidade, só servem para fertilizar as imaginações da nova geração de garotos pré- adolescentes impressionáveis e atraídos pela junção de rock pesado com ocultismo. É a era de bandas como Iron Butterfly, Vanilla Fudge, Led Zeppelin, Blind Faith, Moby Grape, Deep Purple e Black Sabbath. Os Stones continuam provocando, compondo canções como “Midnight Rambler” que fala sobre um serial killer; “Street Fighting Man”, música que acaba censurado nas rádios, por o sistema temer agitar rebelião entre os jovens e a polícia, e “Dancing With Mr. D.”, este último, fazendo parte de um álbum com o titulo provocativo de “Goats Head Soup” (Sopa de Cabeça de Cabra). Mick Jagger seduz sua geração, como também a mídia, e acaba sendo comparado por alguns ao Fausto.

Johann Faust

“Inteligente foi o homem que inventou Deus” – Platão (427-348bc)

É difícil saber se ele realmente existiu ou se tudo não passa apenas de uma ficção para uma peça teatral, tão mórbida quanto criativa. O rock flertou com sua lenda no musical de 1974, “The Phantom of The Paradise” (O Fantasma do Paraíso), filme de Brian de Palma com músicas compostas por Paul Williams. Mas quem é Faust realmente?

Faust dependendo de quem está contando a historia, é um operário do demônio ou mais um egocêntrico perdido e enganado pelo próprio. A primeira referência a Johann Faust encontrada é datada em 1507 na Alemanha, mas uma compilação das diversas historias já existentes ao seu respeito, fora escrita, tornando-se sua primeira biografia. O livro, “A Historia da Vida Amaldiçoada e a Merecida Morte de Dr. Johnn Faust,” foi escrita originariamente em alemão em 1587, depois traduzida para o inglês em 1592, quando o descobrimento do Novo Mundo completava seus primeiros cem anos.

Nascido na Alemanha em Knittlinger, Wurttemberg, Georg Faust, depois conhecido como Johannes ou Johann Faust ou Faustus, viveu provavelmente de 1480 a 1546. Estudou em Heidelberg, se formando por volta de 1509. Desiludido com o raciocínio estéril de seus tempos, seguiu para a Polônia para estudar ciências naturais, matéria mais conhecida na época pelo nome de magia. Atendeu a Universidade de Erfurt mas era mal visto e temido. Lembrando que no período da história em que viveu, qualquer cientista inovador, com opiniões diferentes do estabelecido como verdade, corria o sério perigo de ser taxado de bruxo e temido.

No caso de Dr. Johann Faust, o caminho que percorreu foi de um estudioso de magia (ciências naturais) que aplica seus conhecimentos na medicina. Já um brilhante alquimista, seus conhecimentos superiores o levaram a ser expulso da cidade de Ingolstadt em 1528 e ter sua entrada recusada na cidade de Nurembery em 1532. Embora existam aqueles que o consideram um charlatão, este contemporâneo de Nostradamus foi levado a sério e temido por intelectuais da nossa história como Martin Lutero e Philipp Melanchthon.

Conta a lenda que, enquanto ainda um aprendiz, em sua frustração, jogou seus livros na fogueira e evocou Mephistopheles para auxiliá-lo. Vendeu a sua alma para Belzebu em troca de sabedoria e poderes mágicos, e teve Mephistopheles designado como seu servente por vinte e quatro anos. Ganhou junto a sua companhia, poder e rejuvenescimento. Entre outras lendas, ele teria ido a Roma e enquanto invisível, fez travessuras com o Papa, voava pelo ar sobre barris de vinho e tinha poder sobre os mortos, fazendo reaparecer em carne Alexandre o Grande e Helena de Troia.

Dotado do poder da sedução, acabou descobrindo que sua salvação não estava no poder sobrenatural ou nos serviços de Mephistopheles mas sim, no amor que sentia por Margareth, também chamada de Gretchen. Ele encontrou o amor mas não a paz ou a felicidade. Faust acaba queimado vivo em uma fogueira enquanto sua amada, foge com o filho do casal, à beira da morte, no frio do inverno.

Se o Seis Fosse Um Nove

“Toda verdade é uma meia verdade.” – Alfred North Whitehead (1861-1947)

Se você quiser procurar por maldade, há chances de você encontrá-la. Por exemplo, Jimi Hendrix, Janis Joplin, como também Brian Jones e Jim Morrison, todos morreram aos 27 anos, mesma idade de Robert Johnson. Existem aqueles que tentam convencer outros de que não há coincidências nisto. Como Johnson, eles não eram apenas bons, eram os melhores e estavam, cada um, em seu auge quando morreram. Alegam que o numero 27 quando somados, 2+7, resultam no número 9, e que este é o número máximo. Depois de nove, volta-se para zero. É uma perspectiva curiosa, mas de certo, o que estas pessoas realmente tem em comum, além da talentosa musicalidade, é em alguns casos, insegurança psíquica para lidar com as exigências do estrelato que suas profissões exigem, e na maioria dos casos, o hábito de não ter maiores cuidados com o que eles estão ingerindo e em que quantidades.

Aleister Crowley

“Não conhecemos um milionésimo de um porcento de nada.” – Thomas Edison (1847-1931)

Dentro do meio rock ‘n’ roll, uma pessoa ficou bastante popular com suas historias sobre magia negra. Ele se chama Kenneth Anger e se dizia um discípulo de Aleister Crowley. Anger é quem apresentou historias e feitos de Crowley para os novos ricos da década de sessenta. Entre estes estão Jimmy Page, Mick Jagger, Marianne Faithfull, Keith Richard, Anita Pallenberg, John Lennon, Graham Bond e diversos outros.

A vida aventureira, e a lenda ao redor desta, vivida por Crowley, é material para um ótimo filme B de Hollywood. Aleister Crowley, nascido na Inglaterra em 1875, era um estudioso do oculto. Entende-se por oculto, toda e qualquer ciência que o sistema imposto não permite ser estudada “às claras”. Aos vinte e quatro anos, era um discípulo da Ordem da Alvorada Dourada (Order of the Golden Dawn). Foi tolhido de progredir na seita por William Butler Yeats e acabou viajando para o México com intuito de aprender a fazer sua imagem, refletida no espelho, sumir. Em uma época em que a magia era condenada pela igreja por ser uma arte poderosa, sobrevivente da era pré-Cristã, Crowley partia da premissa que a verdadeira mágica estava na vontade própria do homem, atingível em estados de meta-consciência.

Crowley, exímio alpinista, escalou o Himalaia diversas vezes e escreveu incessantemente, querendo ser reconhecido como um escritor de valor. Porém seus livros eram considerados em geral pornográficos ou insanos. Morando na Italia, considerava a moralidade tradicional sem valor. Consumia grandes quantidades de haxixe, ópio, cocaína, morfina e já no final da vida, heroína. Viveu abertamente com diversas mulheres, enquanto aprofundava seus estudos sobre “mágica sexual” (sex magick). A teoria divaga sobre o poder oculto existente durante o orgasmo e que o estudo para se atingir um estado de êxtase contínuo pode ser utilizado como um atalho para se atingir técnicas de magia aprendidas na sua antiga Ordem. Acabou expulso da Sicília, voltando para Londres.

Mudou-se depois para a Escócia, onde comprou a Boleskine House, antiga igreja que pegou fogo e matou todos os fieis no incêndio. Crowley passou a estudar a magica de Abra-Melin, onde ele tenta evocar o demônio Thoth. Foi neste período que tentou tomar a liderança da Ordem Da Alvorada Dourada de seu então líder Samuel Mathers. Este supostamente mandou uma vampira para liquidar com sua vida. Mas Crowley, já um mago poderoso, seduziu a vampira e a derrotou. Mathers então, via magia, matou a matilha de cães que pertencia a Crowley e cercava seu castelo. Depois enfeitiçou um dos serviçais do castelo para que este tentasse matar a esposa de Crowley. O vassalo também foi derrotado e como represália, Crowley teria evocado Belzebu e mais quarenta de seus assistentes para irem a Paris, onde Mathers residia e dar fim à disputa de poder entre os dois. Pouco depois Mather morreu.

Durante a Primeira Guerra Mundial, Crowley residiu nos Estados Unidos. Em 1916 ele chegou ao mais alto grau da seita, o de Magus, e morreu em Brighton, em 1947, viciado em heroína. Durante seu funeral, seus discípulos cantavam o “Hino ao Pan” para o desprazer de muitos presentes.

Kenneth Anger também se dizia um Magus e segundo alguns relatos, demonstrava grande domínio sobre certos poderes. Seu sonho era de fazer um filme sobre Satan chamado “Lucifer Rising” e contratou o ex-guitarrista da banda Love, Bobby Beausoleil, para fazer o papel de Lucifer no filme. Após meses de filmagem, aparentemente Beausoleil ficou insano e assassinou com requintes de crueldade uma pessoa, sendo preso, julgado e condenado a prisão perpétua. Mais tarde foram descobertos ligações entre Beausoleil e a Família Manson. Kenneth então convidou Mick Jagger para substituir Beausoleil no papel de Lucifer mas este educadamente declinou o convite. Jagger porem trabalhou na trilha sonora do filme e seu irmão Chris Jagger como também Marianne Faithfull contracenaram em algumas cenas. Anger era um perfeccionista e não gostou de nada que foi feito e o filme acabou nunca ficando pronto.

Histórias Finais

“Se eu vou pro inferno, vou tocando piano.” – Jerry Lee Lewis

Jimmy Page, admirado pela apresentação de Anger, fez seus próprios estudos e em tempo acabou comprando e fixando residência em Boleskine House onde Crowley morara quando na Escócia, à beira do Lago Ness. Este fato também ajudou a fixar a fama que Page ganhou, de ser um adorador do diabo e uma alma condenada. O Led Zeppelin também sofre em seu inicio a tese do pacto, para explicar seu sucesso e riqueza repentina. Segundo os comentários da época, três dos quatro membros trocaram suas almas pela fortuna e o sucesso. Somente um se recusou ao acordo e é o único que dentro da banda, supostamente sofre por falta de carisma. As historias que circulam sobre os hábitos sexuais da banda, quando excursionando, realizados em seus hotéis com as groupies, são as mais absurdas conhecidas dentro do rock. Ao invés de entender os acontecimentos como parte da rotina de garotos pobres repentinamente ricos, cheios de carisma, poder financeiro, saúde e energia sexual para esbanjar, as pessoas falam destes atos sexuais não ortodoxos como sendo parte de um culto a Satan.

The Allman Brothers Band também tem em seu auge histórias de magia negra para explicar o seu sucesso. Fatos estranhos dão credibilidade a noções diabólicas e pactos nefastos. Apaixonados pela música de Robert Johnson, a banda tinha o costume de se juntar no cemitério para tocar e compor, como Johnson supostamente fazia. Vários dos seus futuros sucessos foram compostos no Rose Hill Cemetery.

No dia 29 de Outubro de 1970, Duane Allman em uma reunião, toma uma overdose e não consegue mais acordar. A banda entra em desespero quando as pontas dos seus dedos começam a ficar azúis. Ele é levado para o hospital e depois de diagnosticado, o médico conversa com os rapazes informando que o estado é critico e com poucas esperanças. Barry Oakly entra em crise de choro, se ajoelha e reza aos prantos pedindo a Deus que dê a Duane pelo menos mais um ano de vida. Milagrosamente o médico volta pouco depois dizendo que a recuperação de Duane é espantosa e que ele iria ficar bem. Exatos 365 dias depois, Duane Allman é morto em um acidente de motocicleta, atropelado por um caminhão.

Um ano e treze dias depois, dia 11 de Novembro de 1972, a poucos metros de onde Duane havia morrido, em uma estrada lateral, Barry Oakley também morre em um acidente envolvendo um caminhão. Quer mais uma coincidência? Duane, Barry e os dois caminhoneiros que também morreram nos acidentes, todos tinham 24 anos de idade. Hoje, Duane Allman e Barry Oakley descansam, lado a lado no Rose Hill Cemetery, mesmo local onde escreveram muito de suas canções mais famosas.

Epílogo

“Nada decepciona mais do que o sucesso.” – Gerald Nachman

Já que se insiste em associar histórias de ações demoníacas ao rock, o gênero começou a levar estas historias de conflitos de espíritos do bem e do mal para o palco, muitas vezes como um aviso, mas na maioria dos casos como sátira ou simplesmente espetáculo cênico. Um exemplo seria o Black Sabbath, que surgidos de uma cidade industrial, Birmingham, não eram otimistas como a psicodelia e Flower Power tentava semear. Então falam dos males que o homem enfrenta em alegorias espíritas. A falta de temor em dizer o que se pensa chegou a um ponto que já se faz rock brincando com, satirizando, e até imitando seitas ditas negras. Alice Cooper seguiu caminho paralelo que iniciou como semi-andrógino mas que aportou no teatro de horrores. Bandas diretamente ligados a estes conceitos surgem e vão desde Kiss a Marylin Manson.

A música liberta o homem, elevando o seu estado de espirito. Com a música, o homem consegue elevar-se acima de seus temores. Quando isto desagrada aqueles que precisam do seu medo para progredirem, o músico acaba taxado de bruxo(a) ou equivalente mais moderno. Destruir a credibilidade daquele que cria, sempre foi um dos instrumentos mais eficazes da mentalidade estéril. Para aqueles que se considerem ameaçados por estes artistas, seria talvez o caso de lembrar que nenhum deles fazem frente à tortura psicológica e abuso do poder da fé, que esta civilização testemunhou durante a Santa Inquisição. Afinal, pecado é todo mal consciente, seja do clero ou do pagão.

Pessoalmente, estou com Bob Dylan: não siga lideres, vigia seu próprio parquímetro. (Don’t follow leaders, watch your parking meters).

Por Márcio Ribeiro


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