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Quando nos livramos das trevas da Idade Média, as pessoas pareciam ter ganas de respirar novamente, não apenas respirar, mas pensar. No início do século XVIII o mundo estava a nossos pés. Nenhuma igreja para queimar qualquer pessoa que discordasse de seus tomos empoeirados escritos em lígua morta. Reis investindo em quem quer que fosse que tivesse condições de equipar suas nações com o melhor da tecnologia. Tudo ia de vento em polpa.
Descartes, Newton, Leibntz, Galileu…
Todos tinham certeza de terem descoberto como a vida, o universo e tudo mais funcionavam. Bastava que tivéssemos dados sobre a menor das partículas e com um lápis e folhas suficientes de papel poderíamos dizer onde ela estaria em 1000 anos. Solte uma melancia e sabemos como e a que velocidade ela cairá. Acenda uma vela e podemos dizer para onde e a que velocidade a luz correrá. Tudo parecia uma engrenagem de uma máquina maior, uma máquina precisa e ordenada. Infelizmente para eles, estavam todos certos, mas de uma maneira muito mais assustadora do que poderiam supor.
Imagine que você acorde hoje, sabendo que daqui a 20 minutos vai escorregar em uma poça d’água no chão do banheiro, vai cair e quebrar a perna, e sabe que não pode evitar isso. Essa idéia acabou com o determinismo que parecia guiar a ciência do século XVII. Com o desenvolvimento do estudo de probabilidades, descobrimos que não temos mais como saber exatamente como algo vai se comportar, podemos apenas dizer o que tem a maior probabilidade de acontecer. Se não entendeu saia hoje, compre uma casa, a mobilhe toda e então faça um jogo na loteria para pagar tudo. A única garantia que a certeza iluminista nos trouxe foi a de que a realidade é uma caixa de incertezas e probabilidades. Determinismo se tornou um palavrão entre os cientístas respeitáveis, como se a Ela estivesse entrando sem permissão no quarto de seus filhos e violando seu livre-arbítrio. Mas será que o livre arbitrio é tão sagrado assim? Melhor ainda, será que há algo para se profanado? Pense da seguinte maneira, se houver um determinismo então você não é livre para fazer nada. Vai acordar, ir ao banheiro, escorregar e quebrar a perna, não importa como tente evitar, se está determinado, todas as suas tentativas serão em vão. Se o determinismo não existe, então você é de fato livre para fazer o que quiser, como quiser. Pode exercitar o seu livre arbítrio para sempre e pensar que determinismo é de fato algo para pessoas de mente pequena, que não conseguem tomar as rédeas da própria vida, afinal como acreditar em algo esdrúxulo a ponto de afirmar que não importa o que já fez na vida desde o momento que nasceu até o dia de hoje, todas as suas ações e tudo o que escolheu não fazer, te levaram ao ponto onde você não poderia estar fazendo mais nada neste exato momento senão lendo esta frase.
Pois é. Seja bem-vindo à realidade.
Em termos teóricos existem dois tipos de determinismo, o ontológico e o epistemológico. Os dois prendem suas mãos com angemas enveludadas que são dificeis de resistir. O determinismo ontológico diz que o mesmo conjunto de causas tem sempre o mesmo conjunto de consequências. O determinismo epistemológico diz que dado um conhecimento perfeito do presente é possível determinar sem erro a situação futura. Uma boa forma de entender isso é por meio dos automatos celulares propostos pelo matemático Stephen Wolfram.
Imagine que o universo é uma linha 20 espaços vazios por “0”. Eis o universo:
00000000000000000000
Para tornar nosso universo ainda mais interessante vamos torná-lo um universo fechado, como aquele em que Einstein disse que vivemos, ou seja o último zero é na verdade vizinho do primeiro. Além disso vamos preencher este universo com alguma vida (ou química se quiser). A vida é representada por 1:
00000111000000000000
Como somos Deuses bem educados vamos estabelecer algumas regras para nosso universo. Eis as duas leis da física do nosso universo mirim:
1 – Se 1 estiver rodeado de 1 ele é comido (vira 0)
2 – Se 1 estiver em rodeado de 0 ele cresce (010 vira 111)
Está pronto? Então vamos virar a chave do Big Bang e ver o que acontece:
00000111000000000000
E fez-se o primeiro dia e a primeira noite.
00001101100000000000 dia 2
00011111110000000000 dia 3
00110000011000000000 dia 4
01111000111100000000 dia 5
11001101100110000000 dia 6
11111111111111000001 dia 7
00000000000001100011 dia 8
10000000000011110111 dia 9
11000000000110011100 dia 10
Este pequeno universo nos dá um exemplo claro de determinismo. Foram as condições e regras iniciais que determinam o formato exato do dia 10 e não a religião dos 1’s. Um universo deterministico pode levar a ao fim do mundo, como acreditam as religiões abraamicas, ou a um ciclo sem fim, como acreditam as religiões de origem hindu. Vejamos dois exemplos usando nosso mundo recém-criado:
Universo Cristão:
0001000 <- no principio crio Deus os céus e a Terra
0011100
0110110
1111111
0000000 <- Fim do Mundo
Universo Hindu:
00100
01110
11011
01110
11011
01110
11011
01110
00100 <- o eterno retorno do mesmo
Novas dimensões.. o mesmo velho jogo sujo
Estes exemplos simples de uma única dimensão podem ser explorados também em um mundo de duas dimensões como foi proposto pelo matemático John Horton Conway em 1970. Conway chamou-o de “O Jogo da Vida”. Este URL contem um simulador que permite explorar o comportamento do automato de duas dimensões: http://www.bitstorm.org/gameoflife/
As regras do Jogo da Vida de Conway são as seguintes:
– Uma célula sobrevive (continua com um valor 1) se tem 2 ou 3 vizinhos vivos (com um valor 1).
– Uma nova célula é criada num quadrado vazio (o seu valor passa de 0 a 1) se esse quadrado tem exatamente 3 vizinhos vivos.
Na imagem acima você pode ver um destes universos funcionando. Assim como o mundo unidimensional que criamos o universo celular pode ser eterno ou entrar em colapso. Mas esta questão escatológica perde a importância diante do fato de que em ambos os casos as células não tem poder algum sobre o que vai acontecer a seguir.
Um Universo anda mais fantástico. Agora em 3D!
O próximo passo é levar o determinismo para um mundo de três ou mais dimensões, como o nosso. De fato o trabalho do supracitado Stephen Wolfram foi jstamente o de mostrar de uma maneira sistemática como autómatos celulares muito simples podem esclarecer fenómenos físicos complexos. Apesar da incerteza quântica revelar a impossibilidade de uma perfeita previsão e observação humana do universo, isso não necessariamente descarta o determinismo factual das coisas. O determinismo que sustento baseia-se não na possibilidade de previsão, mas sim na impossibilidade das coisas serem de outro modo que não as que são pelo resultado do desencadeamento lógico das leis naturais.
Inicialmente é preciso considerar que se a realidade fosse qualquer outra coisa senão a conseqüência lógica de suas próprias leis então teríamos que considerar uma outra influência que estivesse fora da própria realidade. Ou seja,nosso conceito de realidade simplesmente sofria de uma amostragem pequena demais. Por isso sustento que o universo é determinista mesmo sendo imprevisível como demonstra a física quântica e com isso quero dizer que as coisas são o que tem que ser, mesmo que não saibamos com perfeição o que elas são.
Então o hiperdeterminismo existe no sentido de que mesmo coisas como a consciência humana e a aleatoriedade são em níveis mais profundos regidos por leis físicas com a mesma rigidez com que uma maçã é atraída para o centro do planeta. A Teoria do Caos, desenvolvida em meados dos anos 60 do século XX apóia este raciocino e é interessante notar aqui que enquanto a Física Quântica chegou a imprevisibilidade através do indeterminismo a Matemática do Caos chegou pelo determinismo a esta mesma imprevisibilidade. Acontece que o indeterminismo quântico pode ser uma falha temporal ou uma simples incapacidade humana, mas alheia a este fato a imprevisão permanece imaculada. A teoria do caos mostra justamente que eventos imprevisíveis e aparentemente aleatórios como o gotejar de uma torneira, a direção de um manada ou a formação da explosão de um fogo de artifício seguem uma ordem estritamente bem definida apesar de seu resultado imprevisível.
A Matemática do Caos mostrou que o que antes era considerado aleatório segue na verdade uma ordem bem padronizada regida por padrões de Feigenbaun, atratores estranhos e sensíveis determinações iniciais do sistema, mas estes mesmos sistemas se tornam, imprevisíveis conforme estes padrões se intrincam e interagem. Na verdade os teóricos do caos mostram que sistemas complexos tornam-se exponencialmente imprevisível conforme o delta tempo se aproxima do infinito.
Ou seja, tanto o principio da incerteza como a imprevisibilidade caótica não são provas da incoerência universal, mas são no máximo demonstrações claras do ainda limitado conhecimento que o homem tem do mundo que o rodeia. Talvez esta impossibilidade de previsão seja passageira, talvez não. Mas isso não quer dizer que não exista ordem no universo ou que algo além das próprias leis da física “decidam” o resultado de nossa realidade.
Hoje não podemos determinar qual será o clima para daqui a três meses. Mas ontem não conhecíamos nem mesmo o ciclo da água. A pergunta que deixo é: Não saber metereologia muda o fato de uma cumulus nimbus inevitavelmente cair por terra em forma de chuva?
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