Categorias
Mindfuckmatica

Conte Zero e Reset – A Abolição da Emancipação (1 de 8)

Este texto foi lambido por 247 almas esse mês

1939

Em sua obra ‘Cinco Lições de Psicanálise’, Freud causou muito desconforto ao declarar:

“A Psicanálise propõe mostrar que o Eu não somente não é senhor na sua própria casa, mas também está reduzido a contentar-se com informações raras e fragmentadas daquilo que se passa fora da consciência, no restante da vida psíquica… A psicanálise se recusa a considerar a consciência como constituindo a essência da vida psíquica, mas nela vê apenas uma qualidade desta, podendo coexistir com outras qualidades e até mesmo faltar.”

1974

35 anos após as conferências de Freud, mais de 60 mil torcedores compareciam ao Stade du 20 Mai, em Kinshara, no Zaire (atual Congo), para assistir a um espetáculo que reuniu nomes como James Brown, Celia Cruz, Fania All-Stars, B.B. King, Miriam Makeba e The Spinners; mas as pessoas não foram para lá por causa da música: elas queriam arte, balé, sangue e ignorância. No dia 30 de outubro, dois homens, que haviam recebido R$5.000.000,00 de dólares cada para estar lá, se esmurraram sem dó por mais de meia hora. Um dos homens, Muhammad Ali, descreveu os golpes do oponente, George Foreman, nos seguintes termos:

“Nunca pensei que um punho pudesse carregar tamanha potência”

Essa luta se tornou um dos maiores clássicos, se não o maior, no mundo do boxe, e terminou quando, no oitavo round, Ali nocalteou Foreman, um oponente sete anos mais jovem e com muito mais vitórias por luta até então.

1996

A luta lendária acabou se tornando um documentário entitulado “Quando Éramos Reis”, dirigido por Leon Gast, que arrebatou o Oscar do mesmo ano na categoria de Melhor [____________]. Comparadas com a luta entre os dois gigantes as conferências realizadas por Freud tiveram um público e uma cobertura muito, mas muito mais modesta, mas nem por isso foi um espetáculo menos violento. A declaração de Freud, transcrita acima, foi um dos três maiores golpes jamais desferidos no orgulho humano na era moderna. Golpes que fariam os punhos de Foreman parecerem as mãos de uma criança de 5 anos de idade.

1543

Antes de Freud dois golpes, de magnetudes até então impessáveis, já haviam sido desferidos. Copérnico, responsável pelo primeiro deles, afirmou que a Terra se movia ao redor do Sol: já não éramos mais o umbigo ao redor do qual todo o universo – as esferas celestes – giravam, apenas mais um dos incontáveis corpos celestes que vagam no infinito, atraídos por outros corpos maiores do que si.

1859

Veio então Darwin, e nos mostrou que nós não fomos criados como somos hoje, uma criatura diferenciada de todas as outras com nossa inteligência, lógica e consciência que simplesmente surgiu na superfície do planeta; mas sim que evoluímos, como quarquer outro ser vivo, a partir de versões mais primitivas; deixamos de ser os filhos especiais de Deus para nos tornar descendentes acidentais dos macacos.

Till I get to the bottom and I see you again

O terceiro golpe desferido em nosso orgulho foi o de Freud que, trocando em miudos, disse que aquilo que chamamos de Eu é a parte mais fraca de nossa mente, que não temos como controlá-lo e pior, é apenas o reflexo de outras partes mais complexas que muitas vezes nem percebemos existir.

Como você pode imaginar, essa luta das evidências contra o orgulho humano durou muito mais do que 8 rounds, foi assistida por muito menos espectadores mas tiveram um alcance muito maior, ela afeta todo mundo, inclusive a você.

Curiosamente costumamos dar mais importância e contemplação àquilo que assistimos na televisão – ou àquilo em que foram gastos milhões e milhões de dólares em efeitos especiais – e mesmo assim não conseguimos digerir completamente o significado real do que nos está sendo passado. É preciso compreender que toda a crença que o ser humano tinha e ainda tem, partem de dentro para fora.

Como as observações são feitas por pessoas como você, então tudo o que é registrado vem de fora para dentro – da tela para seu cérebro, colocando de forma tosca – é interpretado por você e então passa a fazer parte da maneira como VOCÊ compreende e entende o mundo.

Chocolate é bom, Merda é ruim. Cheiro de flores é bom, cheiro de suvaco no sol é ruim. O sol nasce daquele lado, se põe naquele outro. A Lua existe no céu de dia, o Sol não existe no céu de noite. Todas essas suposições de uma forma ou outra são centradas em você, no seu ponto de vista e no local onde você existe geografica e temporalmente – se você viver na polinésia é algo bom você se casar e ter relações sexuais com sua irmã ou irmão, em Roma isso é uma das coisas mais erradas que pode existir. Se você vive no oriente médio é ok fazer cocô em um canto qualquer na rua e limpar com uma pedra, se mora em São Paulo isso é visto com maus olhos. 300 anos atrás a medicina simplesmente não existia no ocidente, ninguém sabia o que eram doenças, hoje lavamos as mãos antes de comer.

Todo o nosso conhecimento é centrado em nós, em um primeiro momento, já que nossa visão de mundo é primeiramente nossa. Com o tempo passamos a ver que outros centros (outras pessoas) também tem seus conhecimentos baseados em si, e no final das contas, passamos a tomar como conhecimento real aquele aceito pelo maior número de pessoas, por aquele aprovado pelos órgãos que as pessoas julgam os mais respeitados – a OAB, a Igreja Católica, a Royal Society, o Fantástico, etc.

Existe hoje muita discussão sobre a validade científica de várias afirmações freudianas, mas a afirmação de que nosso “Eu” é uma parte trivial da mente é uma que, ao contrário, é cada vez mais confirmada pela ciência. Não quero pular as preliminares que os primeiros capítulos propõem, mas vou mostrar um pouco do que está por vir.

2008

O Centro Bernstein de Neurociência Computacional na Alemanha, realizou a seguinte experiência: Voluntários foram colocados em frente a uma tela onde foi exibida uma seqüência aleatória de letras. Eles simplesmente escolheriam uma letra qualquer e apertariam um botão sempre que ela surgisse. Durante todo processo seus cérebros foram monitorados por ressonância magnética.

A parte interessante é que os neurocientístas de Berne verificaram que 10 segundos antes dos voluntários apertarem o botão, sinais elétricos correspondentes a decisão “perte o botão” apareciam nas regiões do cérebro que controlam a tomada de decisões (córtices fronto-polar e medial). Acompanhando a ressonância magnética foi portanto possível prever quando uma pessoa ia apertar o botão, segundos antes da própria pessoa saber disso.

Agora

Copérnico nos tirou do palco central do universo. Darwin nos tirou do trono de criaturas especiais. Freud nos disse que não temos nem como saber quem somos, talvez não passemos de efeitos colaterais de algo que não conhecemos. E as coisas não pararam por ai. É seguro dizer que estamos presenciando agora o quarto golpe desferido em nosso orgulho. E este golpe você poderá presenciar em primeira pessoa, em 3D e som estéreo surround.

 

Um Estudo em Vermelho

1887
A edição de novembro da revista Beeton’s Christmas Annual trouxe publicado o romance A Study in Scarlet, escrito por Arthur Conan Doyle. A história se tornou famosa por ser a primeira aparição do detetive Sherlock Holmes. Contada na primeira pessoa, como se registrada pelo Dr. John Hamish Watson, a história nos descreve a personalidade daquele que em breve se tornaria uns dos detetives mais famosos do mundo. Logo que se conheceram dois aspectos da personalidade do criminologista causaram uma profunda impressão no médico veterano: o conhecimento de Holmes sobre os mais diversos assuntos e, ainda mais impressionante, a ignorância dele sobre outros tantos.

No texto Conan Doyle nos conta, através da pena de Watson, que Holmes parecia ignorar completamente a teoria de copérnico sobre o sistema solar; o médico não conseguia acreditar que “qualquer ser humano civilizado que viva no século XIX não estivesse familiarizado com o fato da Terra percorrer uma trajetória ao redor do Sol”. Esta ignorância lhe era tão extraordináira que ele não conseguia nem digerir ser possível. Esta surpresa não passou desapercebida por Holmes que retrucou:

“Você parece estar aturdido, mas agora que sei deste fato eu farei o possível para esquecê-lo”

“Se esquecer dele?” exclamou o médico ainda mais surpreso, “estamos falando do sistema solar!”

Ao que Holmes, já impaciente, responde:

“E que diabos isso me importa? Você diz que nosso planeta viaja ao redor do Sol. Se nós viajássemos ao redor da Lua isso não faria a menor diferença para mim ou para meu trabalho.”

Curiosamente, uma característica que foi criada para acentuar a excentricidade de uma personagem, parece ser a regra pela qual todas as pessoas – a grande maioria desprovida das qualidades que contrabalanceariam essa “ignorância” presente em Holmes – parecem viver. Saber que a Terra revolve ao redor do Sol, que evoluímos de seres menos complexos ou mesmo que nossa mente consciente é apenas a menor parte da ponta do iceberg, afetam em quê o nosso dia a dia? Isso pode criar uma nova perspectiva vaga para nosso vida cotidiana, talvez um tópico para ser explorado mais profundamente em conversas de bar, mas para além disso, parece não possuir qualquer utilidade ou impacto práticos em nosso cotidiano, em nossos prazos, em nossas pendências profissionais ou afetivas. No máximos esse tipo de descoberta e conhecimento nos mostra o quão distantes somos dos outros animais ou dão aos cientistas objetivos para perseguir, investir o dinheiro público e conseguir, vez ou outra, um novo Viagra, um creme anti-celulite revolucionário ou algum tratamento que nos mostra que a cada dia que passa estamos mais próximos de se curar o câncer – não perto o suficiente em alguns casos, mas mais próximos do que antes. Afinal, para que nos preocupar com os avanços daquelas matérias que nos enfiavam goela abaixo na escola se entre uma semana e outra de trabalho podemos aproveitar o fim de semana tomando cerveja ou nos bronzeando na frente de uma televisão de tela plana de 60 polegadas? Deixe a ciência para os cientistas, a vida já é curta o suficiente, devemos aproveitá-la. Muitas responsabilidades, muitas obrigações, o mínimo que podemos fazer é aproveitar para relaxar e fazer o que quisermos no tempo livre.

Certo?

Certo?

Round 1

Bem, a resposta para esta questão é um sonoro “NÃO!”. Aparentemente as mesmas leis que prendem a Terra ao Sol, que nos fizeram evoluir de uma bactéria nascida no oceano ao que somos hoje e que nos torna uma incógnita mentalmente instável e insondável, também nos proíbe de tomar quaisquer decisões baseadas no que aprendemos a chamar de livre arbítrio. Você não é livre para escolher um sabor de sorvete que goste, não é livre nem para gostar de um sorvete em especial. Você não pode agir por agir e o que é pior: mesmo se pudesse, falharia desgraçadamente.

Acha que isso é um exagero? Besteira? Faça um simples teste então:

Assim que puder vá para uma agência bancária, entre nela e tire as calças. Ou então faça isso no local onde trabalha ou onde estuda. Tente passar um dia trabalhando ou estudando em público apenas de cueca ou calcinha, ou faça um saque no caixa da mesma forma (caso queira nos mandar as fotos da experiência elas serão bem-vindas).

Eu não te conheço, mas estou disposto a fazer uma aposta que mesmo antes que você termine de pensar nela, sou capaz de lhe entregar uma lista de respostas que brotam na sua mente para justificar a impossibilidade dessa ação. E o mais engraçado é que essas respostas surjam sem que você tenha que se esforçar, elas brotam da sua mente e por algum motivo bizarro você acredita que é você quem pensou nelas.

Quer outro exemplo? Leia atentamente ao próximo parágrafo:

“O registro mais antigo de uma suástica data de 2.500 anos antes de Cristo. Que até os dias de hoje os Hindus, os Budistas e os Jainistas a utilizem, já que ele representa auspiciosidade e eternidade. Que seja usada em mapas para representar a localização de templos Budistas ou que seja o equivalente ao número 10.000, usado para representar a criação em sua totalidade. Os Hindus a associam com Ganesha, que entre outras coisas inventou a escrita e é usada como um símbolo de boa fortuna. Os nativos norte americanos também a utilizavam como ferramenta e símbolo de cura. No Panamá ela representa a criação do mundo. Os alquimistas a usavam como símbolo de proteção, representando os quatro guardiães deste mundo. Na arte e arquitetura greco-romana ela representava o movimento perpétuo, já que se assemelhava a um moinho, ela foi encontrada como padrão repetitivo em vários chãos de prédios da cidade de Pompéia. Para os povos do norte ela era associada a Thor, Deus do Trovão. Também era usada para representar o Sol. Na cultura Báltica ela era chamada de “Cruz de Fogo” ou “Cruz Relâmpago” e representava a justiça. Era o símbolo do único Deus temido pelo demônio, P?rkons. Para os cristãos antigos ela era a imagem de Cristo vencendo a morte e ela surgia como motivo decorativo em inúmeras igrejas e várias vestes episcopais. Até mesmo os antigos Judeus decoravam suas sinagogas com elas, como a sinagoga de Sussiya, na África do Norte, ou as sinagogas de Eshtamoa e Ein-Gedi na Palestina.”

Com isto em mente desenhe uma suástica na sua testa e fique com ela ali durante 5 dias. Caso seja uma pessoa adepta de franjas, pode desenhá-la na sua bochecha, em uma ou em ambas.

Novamente antes que você pare para considerar de forma consciente a esta proposta, já é possível computar as respostas que seu cérebro vai criar para você se convencer de que isto não é uma boa idéia. Caso você considere os dois exemplos dados como situações extremas, impraticáveis que nunca poderiam ser levadas a diante, pare um instante para refletir.

E se o exercício não fosse passar um dia de roupa de baixo ou de desenhar no rosto símbolos que podem assustar as pessoas. E se eu falasse que a prova de que você não tem livre arbítrio é o fato de não conseguir erguer com as mãos uma pedra de 20 toneladas? Ou aprender de forma fluente uma língua estrangeira? Ou voar?

Agora se estes três novos desafios houvessem sido propostos, seu cérebro funcionaria da mesma maneira? As respostas seriam as mesmas?

Por mais que pareça que você pensou em todas as respostas, vamos acrescentar agora um diferencial. E se você fosse receber R$ 500.000,00 reais caso realize uma das seguintes tarefas:

1- Passar o dia trabalhando/estudando/indo ao banco nú;

2- Desenhar uma suástica na testa ou bochechas;

3- Erguer uma pedra de 20 toneladas com as mãos;

4- Aprender de forma fluente um idioma estrangeiro em 3 dias;

5- Voar.

Obviamente por saber que não vamos pagar meio milhão de reais para qualquer um de nossos fãs que decidam fazer o teste, você pode sentir a tentação de não levar a sério essa segunda proposta. Mesmo assim é interessante notar que de fato existem diferenças nos dois tipos de pensamento.

Mas considere a possibilidade. Antes havia uma voz que dizia:”nem fodendo vou sair sem as calças!”. Agora existe uma voz que considera: “por meio milhão de reais a coisa muda de figura”. Ao mesmo passo, a voz que disse antes “é impossível erguer 20 toneladas” agora diz “continua impossível erguer 20 toneladas”. De onde acha que ambas as vozes vieram? Será que foram pensadas no mesmo lugar? Será que foram pensadas pela mesma pessoa?

Normalmente acreditamos que fomos nós que pensamos as duas respostas, mas uma vem naturalmente mais rápido, mais clara e mais absoluta: “Não vou conseguir erguer tamanho peso!”, geralmente essa voz não pode ser convencida, racionalizada ou corrompida. A outra parece envolver processos de pensamentos mais complexos e tortuosos: “Não importa o significa original, hoje uma suástica representa algo ruim, não vou desenhar uma no meu rosto! Imagine o que acontecerá comigo se sair assim na rua. Só um louco faz isso!”, esta voz, que curiosamente parece ser sensata, lógica e racional, mas pode ser corrompida – lembra-se dos R$500.000,00 reais? O que, em um primeiro momento, se parece um pensamento “natural”, moral e socialmente correto – não vou erguer a bandeira do nazismo (um movimento do mal) no meu rosto – ou mesmo de auto defesa – não quero que me associem com esses loucos – se abala se houver uma recompensa tentadora o suficiente. A recompensa pode ser tanto egoísta: “caso desenhe a suástica no rosto você receberá R$500.000,00 reais, livres de impostos” ou altruísta “se ninguém desenhar uma suástica no rosto eu começo a matar os reféns!”; no segundo caso você ainda se sentiria mais confortável porque seu ato seria considerado algo moralmente desejável (o que é queimar um pouco o seu filme se isso salvará vidas e no final isso não queimará seu filme mas te transformará em um heroi ou heroína?).

O ponto realmente grotesco nisso é você achar que foi você que pensou em ambas as respostas. Isso acontece porque seu cérebro funciona como um computador, e como um computador ele possui placas de circuito gravadas nele que limitam o seu funcionamento. Você pode instalar programas diferentes em sua máquina de última geração, mas os programas só funcionarão se obedecerem às limitações físicas dela – tente instalar um windows no seu Mac, ou rodar um jogo de Play Station no seu laptop. Da mesma forma, sua mente responde à cada conflito com que se depara usando essas limitações – seja ele que roupa você vai vestir hoje, se é ok usar a mesma cueca que usou ontem, de que forma resolver os problemas do escritório e até se aquela pessoa é atraente o suficiente para que você vá a um local desconhecido com ela, mesmo existindo a chance dela ser uma psicopata sádica em busca da próxima vítima.

Da mesma forma que Sherlock Holmes não apenas não tinha interesse em saber que a Terra orbitava o Sol, mas deixou claro que ia fazer força para esquecer disso, você pode parar para pensar: “e eu com isso? Para que vou perder tempo com essa besteira?” e deixar este texto de lado. E o que é pior é que esta reação de sua parte não seria apenas compreensível, mas esperada. Como escreveu o poeta, enxadrista, alpinista, violinista amador e crítico social – entre outras mais ocupações –  Edward Alexander Crowley em seu Liber AL vel Legis:

“Portanto os reis da terra serão Reis para sempre: os escravos servirão”

E sem querer ser pedante, basta olhar para um dos cartões postais mais famosos do Egito para se certificar disto. Não foram 20 ou 200 homens bem intencionados que ergueram as pirâmides. Não foram consórcios ou comunas ou kibutz querendo criar a obra definitiva do conhecimento humano. As pirâmides são o resultado de milhares de escravos sendo escravizados por um faraó que queria erguer a construção para algo que só interessava a ele. Milênios depois da edificação dessas obras as coisas não mudaram. Dificilmente um escravo se importa com suas amarras, lhe é natural não questionar esse tipo de coisa para seguir fazendo o que faz de melhor: realizar o trabalho para os outros em troca de alguma coisa.

Caso continue lendo não se sinta mal, o objetivo do texto não é ofender e sim esclarecer. Quando falamos em escravos não estamos falando que a grande maioria das pessoas passará a vida como empregado mal remunerado de alguém – apesar disso não estar longe da realidade. Estamos simplesmente afirmando que todo mundo passará a vida servindo a algo, mesmo que não se aperceba disto, feliz com a recompensa que esse algo lhe dará. Se as amarras são grilhões, ou sexo, ou um salário, ou simplesmente uma sensação de que aquilo deveria ser feito não importa o que, não interessa. Simples assim. Na verdade acredito que Crowley estava sendo extremamente otimista ao afirmar que os reis da terra serão Reis para sempre, justamente porque não existem reis em nosso meio. O ser humano sempre buscou algo a que servir, algo para seguir. E sempre encontrou.

Sartre dizia que o importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos daquilo que os outros fizeram de nós. Mas talvez a questão seja ainda mais profunda. Não é importante o que nós mesmos fazemos daquilo que os outros fizeram de nós, mas sim se existe realmente alguém fazendo alguma coisa para começo de conversa.

Sarte via a vida como uma viagem de metrô onde podemos, e somos obrigados, a escolher para onde ir (não se pode viver no metrô). Mas ele nunca esteve na Barra Funda em São Paulo. No horário de pico as pessoas não andam, elas são andadas. Da mesma forma, a crença em um livre arbitrio alega que nós vivemos. Mas e se ao invés disso, nós simplesmente sejamos vividos?

Bem, se chegou até aqui, prepare-se pois não iremos apenas te mostrar que somos escravos, mas também qual a indentidade de nossa doce e querida escravagista.

 

Slavery Get’s Shit Done
Em seu trabalho Totem e Tabu, de 1913, Freud usa as tribos primitivas dos aborígenes australianos para mostrar como a psiquê humana – a SUA psiquê – se desenvolveu a partir da servidão auto-imposta. Wilhelm Wundt, o médico, filósofo e psicólogo alemão que viveu no século XIX descreveu o tabu como o código de leis não escrito mais antigo existente, afirmando que o tabu é mais antigo do que os deuses e remonta a um período anterior à existência de qualquer espécie de religião.

Os tabus, que de modo geral podem ser definidos como qualquer assunto ou comportamento inaceitável ou proibido em uma determinada sociedade, não evoluíram tanto assim de suas origens aos dias de hoje. O inconsciente humano tranformou os tabus em totens, o que lhes deu um outro significado além daquilo que é proibido: algo consagrado ou sagrado. O totem era o símbolo que representava algo que passou a ser cultuado como um Deus, fosse um objeto um animal ou planta. Assim os tabus mais antigos diziam respeito a não matar o animal totêmico e evitar relações sexuais com membros de um clã que cultuavam um mesmo totem e tivessem o sexo oposto – não eram contra o homossexualismo e sim contra o incesto, a consegüinidade. Surgiram com o tempo outros tabus como restrições sobre o assassinato, punições por crimes, atos de purificação, cerimônias, proteger um governante e ser protegido dele, consequências de contatos com um morto e como tratá-lo, etc.

Todos esses tabus tinham em si uma ambivalência causada por sentimentos contraditórios, afinal não haveria uma necessidade de proibir o incesto se não houvesse um desejo intenso de cometê-lo. Não haveria a necessidade de proibir toda e qualquer retribuição que resultasse em morte se este impulso de matar não surgisse naturalmente e intensamente no ser humano. Mas ai surge a questão:

Se esses impulsos nos são naturais. Se a fúria assassina, se a libido perante a qualquer mulher ou homem, não importando se ligado a nós por laços sangüíneos ou não, nos são naturais, de onde surge a necessidade de controlá-los e proibi-los?

Logicamente quanto maior a proibição, quanto maior o tabu, maior deve ter sido a inclinação para cometê-las. Se apenas dois irmãos gostassem de se atracar com mais força do que o necessário para simplesmente demonstrarem afeto um pelo outro, isso não teria chamado a atenção de ninguém. Mas essa prática deve ter sido popular, e muito, nos primórdios de nossa existência e deve ter escandalizado de tal forma alguém que o tabu acabou sendo imposto de forma violenta por esse alguém às gerações que se seguiram. Esta imposição foi tão forte que mesmo hoje, no tabu mais famoso do ocidente, os 10 Mandamentos, as leis permanecem basicamente as mesmas:

I – Não terás outros deuses diante de mim.
(Nenhum tabu é mais importante do que o seu tabu. Compare com a Sachad islâmica: “La Ilaha Il Allah” – Não há divindade senão Deus)

II – Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra.

(Não criará novos totens diferentes daquele que te impuseram – ou seja, não criará novos tabus da sua cabeça)

III –  Não tomarás o nome do SENHOR teu Deus em vão; porque o SENHOR não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão.

(Não tratará o tabu de forma desrespeitosa nem falará sobre ele senão para seguí-lo ou exortar que seja seguido.)

IV – Lembra-te do dia do sábado, para o santificar.

(Realize cerimônias para que a memória do tabu e o significado do totem não se percam)

Os primeiros quatro mandamentos existem com o único objetivo de reforçar ao máximo o medo do Tabu. Tornando este medo forte e duradouro o suficiente para se tranformar em respeito, Deus/Tabu pode ordenar absolutamente qualquer coisa, incluíndo a matança de seu filho primogénito. Seguem então os demais mandamentos:

V – Honra a teu pai e a tua mãe.

VI – Não matarás.

VII – Não adulterarás.

VIII – Não furtarás.

IX – Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.

X – Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo.

Do V ao X mandamento vemos claramente leis tribais de respeito ao clã e à sociedade à qual o indivíduo está inserido, mesmo assim são secundárias ao respeito ao tabu e ao totem que o representa. Mesmo que o incesto não seja citado na lista em Levídicos 18:6,29, vemos que era punido com extirpação.

É claro que desde Nietzsche, o monoteísmo abrahâmico virou saco de pancada, mas note que estas leis não são exclusividades do Deus de Isaac e Jacó.  Vejamos alguns breves exemplos tirados da literatura antiga:

“Eu não matei homem nenhum.” – Livro dos mortos Egípcios

“Em Nástrond (Inferno) eu vi assassinos.” – Volospá, clássico nórdico

“Aquele que trama a opressão terá a sua morada arruinada.” – Hino babilônico a Samas.

“Nunca faças aos outros o que não gostarias que fizessem contigo.” – Analectos de Confúcio

“Para um homem ajuizado, nada pode mudar os deveres de parentesco.” – Beowulf

“Cuidar dos pais.” –  Lista dos deveres em Epicteto, Grécia

Mesmo em sociedades com leis não religiosas o tabu é o mesmo, o código de Hamurabi lidava com falso testemunho, roubo e receptação, estupro, família/clã, incesto, etc.

Voltamos à questão então: se esses impulsos, por mais desagradáveis que nos pareçam, nos são naturais, por que se criam leis para puni-los? Isso nos parece óbvio. Esta é uma questão inteligente. Mas aqui vai outra ainda mais inteligente: suponha que você tenha muita sede e more perto de um rio, qual a chance de você criar uma lei que te proíba de beber aquela água? E outra: Por que obedecemos leis que nos impedem de agir naturalmente? E por que às vezes não obedecemos?

Os escravos servirão

Deixe-mos de lado, por um momento as questões acima para nos concentrar agora em outra dúvida interessante: Mas a quem os escravos estão servindo? A quem todos nós estamos servindo?

Como dissemos, o seu cérebro é como um computador com circuitos físicos que não podem ser alterados. Parte destes circuítos trazemos conosco desde antes de nossos avós símeos nascerem, o que parece algo mais impossível do que simplesmente erguermos uma rocha de 20 toneladas com as mãos.

Partes destes circuitos nos são impressas durante a vida, é como se com o tempo fôssemos dando upgrades em nosso cérebro. E a cada upgrade embutimos em nossa mente padrões de comportamente e de pensamento que tomarão conta de nós, que acabariam com qualquer possibilidade de livre-arbítrio de nossa parte se ainda acreditássemos nessa besteira de liberdade de escolha. Esses upgrades servem para que nos certifiquemos de que qualquer tentativa de realizarmos algo para o qual não estejamos programados seja impedida, e pior ainda, esses novos sistemas criam “anti-corpos”, ou instalam sistemas anti-vírus se preferir continuar usando o jargão eletrônico/digital, que combatem qualquer tipo de pensamento original nosso. É por isso que você, a não ser que trabalhe no ramo pornô, nunca irá trabalhar de cuecas, é por isso que não vai tatuar uma suástica na cara, mesmo que seja uma tattoo de hena, é por isso que de ante-mão é possível listar todas as suas justificativas e desculpas para não fazer este tipo de coisa. Temos todos o mesmo programa, a diferença é que como nós, algumas pessoas estão conscientes da linguagem em que fomos programados.

Acha isso uma proposta extrema?

JHAHAHAHAHAHHAH continue lendo…


Conheça as vantagens de se juntar à Morte Súbita inc.

Deixe um comentário


Apoie. Faça parte do Problema.