Categorias
Mindfuckmatica

BIG NUMBERS: Uma conversa com Alan Moore e Bill Sienkiewicz

Leia em 11 minutos.

Este texto foi lambido por 198 almas esse mês

Há um ano atrás eu conversei com Bill Sienkiewicz sobre o  que, então, era entitulado de The Mandelbrot Set. Era no que ele estava envolvido, em mais uma parceria com Alan Moore, e tratava de Matemática Fractal e a Teoria do Caos. Desde então, o trabalho teve seu título alterado para Big Numbers, levemente mais acessível que o primeiro, evitando perguntas como “mandelbrot o quê ? ”

Bem, mas que diabos é Matemática Fractal? Não é uma pergunta de resposta fácil, não é um assunto de fácil explanação. Basicamente trata-se de uma nova ciência que transcende limitações filosóficas, científicas, religiosas, econômicas…tudo. E que quer nos prover de uma nova forma de enxergar o mundo a nossa volta. Soa claro? Não? Então deixemos o próprio Bill tentar nos explicar:

“Fractais é um jeito de compreendermos que existe um ritmo e uma fórmula para o Caos; que há uma ordem nele. Se voce tem um padrão de onda cerebral que é rítmica e outra desconexa, qual voce prefereria?  Presumo que a primeira, à primeira vista. Mas se pensármos direito, a outra, a caótica, seria a correta. Porque a mente e a memória são fractais por excelência, elas não seguem uma linha reta, uma aparente ordem, uma sequência… Por exemplo, quando voce pensa na primeira vez que teve um cigarro aceso em seus dedos, que foi num jogo de futebol que assistiu, aí voce se lembra de um dia chuvoso, depois num acidente que voce presenciou quando tinha 13 anos…e por aí vai, de associação em associacão, de forma lógica ou ao acaso. A coisa não funciona digamos, sob controle, cronlogicamente, ordenadamente. É aos saltos e, para isto, para a nossa mente trabalhar assim, é preciso que exista o Caos e , simultaneamente, alguma espécie de ordem. O coração e os pulmões são rítmicos mas a mente é caótica. E quando voce toma alguma coisa, como cocaína, ela faz a mente ficar ritmica e o cárdio-respiratório virar um caos…Tudo se espalha em volta. E é disto que estamos tentando tratar em Big Numbers.”

“É baseado num narrativa dentro da história, que mostra que,por mais que as coisas se modifiquem, elas permanecem as mesmas. Temos 45 personagens, cada um com sua história pessoal e quero que as pessoas realmente se importe com elas, mas que, ao mesmo tempo, a estória seja o foco maior de suas atenções. Depois de ter feito minha própria graphic-novel Stray Toasters, agora eu quero que os leitores abracem a vida como algo afirmativo e não como uma coisa que está se esgarçando irremediavelmente. Que se inteirem que tudo é uma questão de conexão, de ligação entre todos nós…Eu realmente amo as pessoas. ”

Mas e sobre trabalhar com Alan Moore, quando todos sabemos que ele é minucioso e até mesmo ditador ao extremo com seus roteiros – embora também saibamos que voces juntos já nos brindaram maravilhosamente com o docudrama Brought To Light?
“Bem, minha definição de Alan é que ele é um autor altamente controlador. Mas não é uma coisa negativa e o que percebo é que os artistas que trabalham com ele, confiam no seu taco e o seguem fielmente. É mais como se eles estivessem trabalhando para ele e não com ele. Já de minha parte, é um pouco diferente. Gosto de jogar coisas novas para ele, coisas que ele não tinha lidado antes. Sou um artista mais abstrato, até no campo das idéias, enquanto que ele é mais concreto, se podemos descrever assim.  Deste modo eu tento soltá-lo mais…E também  não posso negar que, com ele, também aprendi a me controlar um pouco. Ou seja, ele também se dobrou um pouco a mim e aí temos uma simbiose profíqua, quando os opostos se complementam.”

Recentemente eu tive a chance de conhecer ainda mais desta intrigante e instigante obra, ao conseguir contatar o próprio Alan Moore que deixou claro pretender causar um impacto profundo nos leitores de Quadrinhos ao ponto de extrapolar ao gênero, muito mais do que alcançou antes, com Watchmen.

Seu entusiasmo era visível e ele está convencido que será o melhor trabalho que já fez. Entende os fractais como uma chave para se lidar com o estado em que o mundo se encontra.

Mas , primeiro, a mudança de nome. Porque isto ocorreu?

“Depois que decidimos chamar a obra de The Mandelbrot Set, lembramo-nos que deveríamos, até por respeito, informar ao Dr. Mandelbrot – o autor francês da Teoria – sobre nosso propósito. Assim, escrevemos a ele e recebemos uma resposta muito amável. Basicamente ele nos informava que desejava muito ver a Matemática Fractal ser divulgada maciçamente, tanto pelo seu valor educacional quanto de entretenimento. Mas que, naquele momento, devido ao idiossincrático e críptico conservadorismo reinante no meio  matemático – que chegou a lhe considerar um egomaníaco e auto-promotor e atacaram  veementemente os Fractais – ele preferia não ter o seu nome envolvido. Infelizmente, para toda comunidade científica, a popularização da ciência é confundida com banalização, com o decréscimo de sua importância.”
De todo modo, Big Numbers soa melhor e é mais abrangente.”

Quando consideramos o que Alan pretende, ou seja, tornar acessível uma nova teoria científica, mostrar que todos podem aplicá-la para entender melhor o mundo em que vive e mais, apresentando-a num veículo ainda muito discriminado – como infelizmente ainda são as HQs – um título mais fácil faz grande diferença.

Mas vamos às próprias explicações de Alan Moore sobre os Fractais, bem mais complexas e profundas que as de Bill. Está sentado confortavelmente?   É melhor que esteja.

“A melhor maneira de descreve-los é através de exemplos palpáveis. Se voce tem uma folha de papel e risca uma linha nela, em termos matemáticos esta linha tem só uma dimensão, é unidimensional. Ignora-se a sua largura e consideramos somente seu comprimento. Agora, se voce começa a ziguezaguear esta linha pela folha de papel, voce cobrirá mais superfície do papel, podendo chegar até mesmo a cobri-la inteiramente. Chegaremos então ao ponto em que a linha continua unidimensional, mas não totalmente. E se ao mesmo tempo não é bidimensional, ou seja, continua não tendo uma  largura, podemos dizer que ela é de uma dimensão-e- meia. O mesmo se aplica a uma folha de papel, esta sim, bidimensional – tem largura e comprimento . Se a embolamos na mão até formar uma bola – e bolas são sólidos tridimensionais, com largura, comprimento –  teremos na verdade um objeto de duas dimensões que foi forçado a quase ser tridimensional. Portanto podemos
dizer que aquela bola de papel é de duas-dimensões-e-meia.  Assim que voce consegue entender este conceito de meias dimensões, de frações de dimensões, isto nos abre toda uma nova área de Geometria possível. As pessoas que começaram a explora-la, estão concluindo que as equações que abordam essas dimensões fracionadas, geram estas novas formas peculiares chamadas Fractais. E daí a perceberem que muitas das formas encontradas na natureza, ao acaso, são  perfeitamente idênticas àquelas geradas em seus computadores, foi um pulo. E tudo isto nos indicando que aquilo que considerávamos até então casual, caótico e turbulento, é de fato expressão perfeita de uma forma mais elevada de Geometria que não tínhamos condição de perceber antes.’

“Veja as nuvens, por exemplo. Suas formas parecem ser completamente caóticas, imprevisíveis, mas quando observadas sob a ótica da Matemática Fractal, o Caos assume um diferente significado, mostrando que há diferentes caminhos para se observar matéria e acontecimentos. E isto está contribuindo até mesmo para reverter a nefasta tendência contemporânea à especialização màxima. Cada vez mais e mais gente sabe mais e mais sobre menos e menos. Até que todos saberão tudo sobre nada…”
“Com os Fractais todos percebem que tudo está conectado, Meteorologia, Economia, Biologia…tudo tem muito  em comum. Cessa o desejo da especialização. O melhor a fazer é estudar quanto mais campos for possível.”
“Foi o que o próprio Maldelbrot fez. E é  o que pretendemos fazer com Big Numbers, mostrar um novo jeito de perdceber o nosso derredor”.
Alan Moore acredita que fomos apanhados num estágio tal de caos e trubulência que não acontecia desde que a Era Industrial suplantou à Agricultural. E afirma que Big Numbers não é uma obra nihilista mas sim até mesmo otimista, “pois ela tornará claro que é possível lidar com tudo isto se temos os métodos corretos”.

E continua: “A sociedade se encontra meio aflita porque as coisas estão acontecendo cada vez mais rápido, levando o Caos aos nossos sistemas políticos, econômicos, vidas emocionais e nas nossas relações interpessoais. Estamos agora no olho  do turbilhão entre a Era Industrial e o “Por Vir”. Na Matemática fractal é um conceito bem aplicável aí, o chamado Período de  Fase de Transição. Por exemplo: se voce fosse um alienígena, olhando para um lago,  nunca conseguiria prever as propriedades do vapor. Isto se dá porque o que acontece entre a água e o vapor é um ponto de Fase de Transição.Um ponto de intensa e incrível turbulência, quando uma coisa deixa de ser ela própria mas ainda não é a outra. Com a água obviamente isto acontece quando ela começa a ferver. Com Big Numbers o que pretendo é captar uma fração de todo este vapor, calor e água em ebulição, uma fração da sociedade quando ela atinge este ponto de fervura,  e
tentar fazer um juizo disto”.

O ROTEIRO DE BIG NUMBERS

Como sempre faz em seus minuciosos roteiros, para Big Numbers Alan Moore criou uma espécie de mapa de cada personagem, uma grande folha de papel dividida em 40 linhas e 12 colunas, totalizando 480 células na qual está destrinchada a vida de cada uma delas no decorrer do 12 números que comporão a série. E tome rabiscos de letra miúda quase imperceptível, garatujas incompreensíveis, quase criptografia,  até mesmo pequenos desenhos, numa espécie de story-board, formando o que o próprio Alan apelidou de Tapeçaria, retratos de cada personagem.
Uma é um professor de História, para termos o ponto de vista histórico; outra, um cara que acha que veio de Netuno, nos oferecendo o angulo social; emfim, está tudo alí , e tudo é revelante.

Alan se concentrou em segmentos sociais que raramente são representados – a terceira idade e a infância quase sempre são relegados em pró dos “mais jovens”, seja na TV, cinema ou mesmo em livros. Big Numbers, no entanto, é sobre gente real.

“Eu estou bem confortável com o fato de não ser uma obra centrada em homens jovens e lindas garotas fazendo e acontecendo “, revela Moore. “Não me pauto pela tendência de juventude exclusiva. Isto é um conceito inventado pela mídia publicitária desde os anos 50. Há um monte de gente de meia-idade, crianças e idosos nesta série, pois eles formam o espectro da nossa sociedade que raramente é representado, servindo até mesmo de motivo de piada. É legal escrever sobre garotas sensuais em roupas sumárias, e até chamar isto de feminista. Mas e as pessoas comuns não particularmente atraentes, indo para o trabalho, cuidando das crianças, cozinhando para os maridos? Elas não têm valor?”

Big Numbers não tem uma estória usual, não é um “suspense”, mas sim uma colcha de retalhos das estórias de cada personagem, de uma comunidade tipicamente interiorana da Inglaterra (sob a ditadura da dama-de-ferro, Margareth Tatcher) afetada em seu dia a dia pela construção de um leviatanesco Shopping , ícone maior do capitalismo turbinado, justo em seu cerne. Se isto não é acessibilidade, me diga entáo o que é.

E Alan continua: “O Shopping nos permite tratar de uma comunidade em crise. Nada impactante e dramático somente pelo dramático, mas paulatino e sutil. Se voce ver uma comunidade sendo erodida, isto te conscientiza de como ela está mudando e nós precisamos de um agente de mudança na história. E com a atual predominância da chamada “geração-Shopping”, acho que fizemos uma boa escolha. Tanto que, naquela enigmática forma com que a vida imita a arte, justamente a área de Northampton que escolhemos como cenário para a nossa estória, já está toda tomada por cadeias de lojas a la Toys R Us.

“O Shopping é o verdadeiro emblema do pico da era industrial. É a representação do que uma sociedade comercial soi poderia terminar:  um bando de zumbis andando para lá e para cá, hipnotizados pelos anúncios luminosos, visual clean de inox-polido- neon-e-vidro, consumindo compulsivamente.”

“”Mas não penso que este será o fim da Civilização. Certas correntes,  seja na Tecnologia, Ciência, Arte,  e mesmo na vida, corações e mentes das pessoas, reverterão esta tendência. Como eu disse antes, o mundo está mudando de forma incrivelmente acelerada e ninguém é capaz de prever ao certo no que isto irá dar. Mas em Big Numbers eu tento ao menos mostrar esta fase de transição, o momento da fervura”.
E eu acredito piamente que Alan conseguirá o seu intento, ainda mais com a parceria de Bill Sienkiewicz  que, segundo Alan, está na sua melhor fase como artista, voltando a uma arte mais naturalista, mais próxima, numa simbiose que tornará Big Numbers tão leível quanto assistir a vida de nossa vizinhança. Por isto, a obra também é permeada de humor…

“É muito engraçada, rizível até”- enfatiza Moore – ” uma verdadeira comédia, que não deixa de ser trágica em certos pontos, como a vida. A nossa inspiração provem de autores como Alan Bleasdale e Alan Bennett, que podem dizer coisas de partir o coração de um forma realmente açambarcadora e engraçada. Eles conseguem expor inconmensuráveis e pungentes dramas humanos de forma simples e direta. E é neste território que eu pretendo que Big Numbers se desenvolva, no qual voce tem simultaneamente toda a riqueza da comédia e da tragédia da nossa mundana existência”.

“Por uma certa ótica também, Big Numbers tentará fazer com que os leitores de Quadrinhos se conscientizem de que não é preciso ser mordido por uma aranha radiativa ou nascer com um gene mutante, para ser interessante. De que cada pessoa a sua volta é tão ou muito mais instigante do que qualquer super-humano de collant. Super Heróis são personagens planos, unidimensionais, tigres de papel. Vigilantes psicóticos demandam quase nenhuma motivação, não têm a riqueza e a complexidade de uma pessoa que voce encontra num ponto de ônibus.”

“Mesmo a idéia de escapismo per si  – motivação maior dos Quadrinhos, Cinema, etç – eu já abominava quando escrevia O Monstro do Pântano. E agora, mais do que nunca, é tempo de ser perguntar: Por que Super  Heróis em primeiro plano? Por que não ir direto ao ponto? Estou completamente fora dos gêneros Fantasia & Ficção Científica, pois atingi aquele estágio no qual o Mundo real parece ser tão fabuloso, fascinante, intrincado e maravilhoso que é até um insulto à realidade tentármos inventar qualquer coisa…”
Esse cara realmente escreveu Watchmen???

(Obs; tradução livre da excelente cobertura de Big Numbers escrita por Liz Evans para a já extinta revista DEADLINE, em seu nº 17, de abril de 1990/ This is a free translation of the excellent article by Liz Evans from the magazine Deadline # 17 – april/1990).

Trad. José Carlos Neves


Conheça as vantagens de se juntar à Morte Súbita inc.

Deixe um comentário


Apoie. Faça parte do Problema.