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Texto de Nic Laccetti. Traduzido por Caio Ferreira Peres.
Recentemente, tem havido uma onda de discussão na esfera da mídia social Thelêmica sobre Kenneth Grant e sua importância para a Thelema pós-Crowley, incluindo seus pontos de vista sobre gênero e magia sexual. Tenho pensado muito sobre isso recentemente enquanto tenho trabalhado para desenvolver uma leitura de Grant — e especialmente seu conceito da Zona Malva e da magia da Zona Malva — no contexto da dialética negativa.
Isso terá de ser feito mais tarde, mas pensei que poderia ser útil escrever um pouco sobre como penso que as ideias de Grant sobre gênero podem estar ligadas à própria natureza da Tradição Tifoniana. A figura de Tífon ou Ta-Urt, o “Dragão das Profundezas” — referindo-se à versão de Grant (seguindo Gerald Massey) da Grande Deusa primordial — segue certas tradições antigas ao atribuir o caos ou a prima materia no início da criação a um figura divina. Essas figuras, muitas vezes rotuladas como “monstros”, eram frequentemente categorizadas como femininas — por exemplo, a Tiamat babilônica. Nas histórias antigas, geralmente um deus masculino é responsável por lutar contra o monstro feminino, dominando-o, permitindo que a ordem emerja do caos — e junto com ela, a sociedade hierárquica e patriarcal.
As tradições judaicas e cristãs posteriores vão um passo além. Catherine Keller, em seu livro The Face of the Deep, explica como “o Abismo” na narrativa bíblica da criação (Gênesis 1:2) provavelmente começou como uma profundidade substancial — uma figura divina, uma matriz de potencialidades, como os monstros femininos em mitologia mesopotâmica vizinha. Mas na suavização da história que ocorre com a escrita do texto sagrado, a luta do deus patriarcal com o monstro feminino torna-se um ato logocêntrico e falado de Deus que doma a “escuridão sobre a face das profundezas” — o ato de creatio ex nihilo de Deus, criação do nada. As profundezas abundantes tornam-se um espaço vazio, o Ain da Cabala. A Grande Deusa do Caos torna-se nada, a ideia do útero vazio.
De acordo com Keller e outras teólogas feministas, a herança disso na filosofia ocidental tem sido o domínio da lógica sobre a natureza, do sujeito sobre o objeto, do homem sobre a mulher. Embora Crowley às vezes tente transcender essas dualidades (acho que o Liber AL e os Livros Sagrados frequentemente conseguem isso, apesar dele mesmo), muitos de seus escritos ainda caem sob essa crítica, embora haja claramente aspectos na vida e no pensamento de Crowley que não pode ser facilmente incluído num sistema patriarcal e racionalista.
Por exemplo, a ontologia básica de Crowley é quase exatamente capturada pela crítica que Keller tem da transformação do Caos primordial num “nada” racionalista ou, como Crowley o chama, o Zero Qabalístico. Baseando-se na Cabala, o “nada” de Crowley é um vazio no início da criação, em vez do Abismo ou Tífon mitológico. Embora Nuit cumpra parte do papel de deusa primordial em Thelema, no “Berashith” de Crowley (mais especificamente, em sua subordinação de Liber AL a ele) Nuit e Hadit ainda estão fundamentados no “nada” como sua primeira causa.
Eu diria que esta ontologia tende a se infiltrar na práxis mágica de Crowley. Em termos da magia sexual de Crowley, por exemplo, está claro que muitas de suas parceiras (frequentemente prostitutas) não sabiam nada sobre o que ele estava fazendo — e ele sugeriu que isso era uma coisa boa. Embora ele às vezes falasse sobre a mistura ou união de fluidos sexuais, os orifícios de suas parceiras serviam principalmente como vazios ou recipientes para o elixir de Crowley, cujo ingrediente principal e mais importante era o sêmen. Como séculos de ideias patriarcais equivocadas sobre a predominância do esperma na reprodução humana (em que o útero apenas fornece o “solo” para o esperma, que por sua vez contribui com a informação necessária para o desenvolvimento do feto), a forma de magia sexual de Crowley também parece para fornecer uma metáfora bastante consistente para a domesticação do fervilhante Abismo no vazio.
Como várias pessoas salientaram em discussões recentes, Kenneth Grant descreve um sistema diferente, respondendo de forma bastante direta a várias destas críticas. O interesse de Grant pelo Tantra reinsere os kalas femininos na fórmula da magia sexual, de modo que a vagina não é mais um símbolo de um vazio, um mero recipiente para o poder criativo do sêmen. Este não é um interesse secundário peculiar para Grant; segue a lógica de todo o aspecto “Tifoniano” da Tradição Tifoniana: o restabelecimento do Abismo, Tífon ou Ta-Urt, como a Grande Deusa primordial no lugar de um vazio no início da criação — uma matriz criativa em vez de um puro nada. Acho que há ramificações filosóficas para isso no trabalho de Grant além da magia sexual — algumas das quais podem transformar profundamente a Thelema de Crowley — mas este é um aspecto importante de seu sistema.
Link para o original: https://thelightinvisible.org/2021/12/30/typhon-and-the-deep/
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