Este texto foi lambido por 725 almas esse mês
Super-Intenção: Programando o fracasso
Nem sempre conseguimos aquilo que queremos, e não existem regras que garantam a realização de alguma coisa para nós, porém, existem algumas coisas que podem garantir que o que queremos NÃO se realize, e por contra-intuitivo que seja, uma delas se trata de um desejo demasiado, desesperado ou obsessivo, a super-intenção.
O grande psicólogo, autor e criador da Logoterapia, sobrevivente de campos de concentração, Viktor Frankl, escreveu um livro magnífico sobre trauma e sobrevivência chamado “Em Busca De Sentido”, e apesar de não ser uma leitura dinâmica é bem ilustrativa e acho que todo mundo deveria ler alguma vez na vida. Você encontra neste link.
“Uma intenção forçada torna impossível aquilo que se quer forçosamente. Você deve deixar o sucesso acontecer não dando tanta importância à isso” – Viktor Frankl
Nos seus trabalhos seguintes sobre Logoterapia, ele diz que após encontrar o sentido para viver existe a necessidade de realização na pessoa, e então ele alerta para o que chamava de super-intenção.
Para Frankl, a super-intenção provoca um curto-circuito entre o desejo e aquilo que está acontecendo, gerando movimentos nervosos, físicos e emocionais, que levam necessariamente para a baixa performance.
Existem muitos exemplos claros disso, de como a super-intenção prejudica na perfomance, e não apenas performance profissional, qualquer performance, desde contar uma piada num grupo de amigos, passando por uma entrevista de emprego, por um encontro com alguém que temos interesse romântico, até dançar no palco em alguma apresentação para o público.
Um conhecido meu é um flautista australiano, se chama James, e toca flauta desde antes que eu nasci. Ele conta a história de quando descobriu a super-intenção pela primeira vez na sua vida quando era criança:
– “Eu estava apaixonado por essa menina, Cindy, era meu primeiro amor, ela tinha uns dez anos e eu nove. Eu iria fazer o solo de flauta na apresentação da escola e estava realmente empolgado por isso.
Eu me via fazendo o solo enquanto ensaiava no meu quarto, horas por dia, eu imaginava Cindy aplaudindo do lado da minha mãe e todas as pessoas sorrindo e gritando: Bravo!
O dia da apresentação chegou e eu estava mais empolgado ainda, tinha treinado por dias à fio, me dedicado à isso, e sequer precisava de partitura para tocar o solo, já estava decorado.
Cindy dançou junto com outras meninas da turma, e eu estava nas nuvens, parecia um dia perfeito. Logo chegou minha vez de apresentar o solo de flauta que tanto havia ensaiado.
Ao subir no palco olhei para Cindy, minha mãe, e o silêncio era aterrador. Eu queria tanto fazer um solo bonito, e estava tão excitado esperando por isso, mas nada havia acontecido, era apenas silêncio e expectativa.
Comecei a suar e a me sentir frio, minha barriga estava fria e meu coração disparado. Eu comecei o solo com algum atraso em relação à música e por estar nervoso, dei a primeira respirada fora de compasso, que resultou numa nota branca, um apito fora da melodia, e todos perceberam isso.
O que se seguiu foi que eu estava respirando nervoso, e não conseguia tocar a flauta, tudo que saia era um constrangedor tu-tu-tuuuu…tuuuu-tutut…e minha performance acabou mais cedo porque eu saí correndo do palco e fui chorar do lado de fora.”
James havia sido humilhado na frente da menininha que ele gostava. Não por outro menino, não pela maldade humana, nem por um trabalho injusto que ele não pudesse cumprir (pelo contrário), ele foi humilhado pela sua super-intenção que descordenou o sistema nervoso.
A super-intenção nos liga à uma cena imaginada, provoca desconexão com a tarefa necessária para chegar lá e ansiedade, o que é o suficiente para nos colocar em um modo de performance muito aquém até mesmo das nossas habilidades diárias menos inspiradas.
“Quanto mais duro tentamos conscientemente fazer alguma coisa, menor a possibilidade de conseguirmos. A proficiência e os resultados da proficiência vêm apenas para aqueles que aprenderam a arte paradoxal de fazer e não fazer, ou combinar relaxamento com atividade, de deixar ir, para que o desconhecido imanente e transcendente possa tomar conta.” – Aldous Huxley
Super-intenção e Magia
Todo movimento para influenciar a realidade, a sorte, as pessoas ou qualquer coisa à nosso favor é um ato consciente, uma consciência de desejo. Essa consciência de desejo vem da chamada Vontade. Por isso que toda ação consciente é um ato mágicko, é Magia.
“Todo ato consciente é um ato de Magia” – Aleister Crowley
Um ritual, um pedido, uma oração fervorosa, uma consagração, uma entrevista, um encontro amoroso, um convite para um encontro, um pedido de aumento, oferecer algo que se vende, produzir alguma coisa, todos são atos mágickos, poque todos são atos criadores, atos de intenção.
A super-intenção é algo que prejudica todas as nossas ações de poder ou ações criadoras, ou seja, nossos “atos mágickos”. Isso porque a super-intenção traz duas coisas negativas consigo, que impedem que utilizemos as nossas capacidades: Expectativa e Falta.
A primeira, expectativa, não é como a esperança, porque a esperança é a possibilidade de algo que nos agrada ou ajuda.
A expectativa é a ilusão de algo que nos agrada ou ajuda, como se fosse acontecer logo em seguida de alguma coisa que nem sabemos o que é.
A expectativa gera uma desconexão com o meio, porque ficamos tão apaixonados pelo resultado de algo que queimamos o processo desse algo em nossas mentes, vendo apenas os resultados, os louros colhidos, e não a situação que está em nossa frente.
Algumas vezes podemos ter sorte, e a expectativa acaba se concretizando (não sem grandes dificuldades no caminho), mas na maioria das vezes acordamos no meio do processo para aquilo que queremos, como quem acorda de um sonho, despreparados, confusos e sem saber o que fazer.
Uma boa história que ilustra a expectativa eu tirei do livro “A Quietude É A Chave” de Ryan Holiday, que você encontra aqui. O livro é uma leitura fácil e bem interessante, e nele está a história do rebatedor Shawn Green, o recordista de rebatidas seguidas, também autor de livros e ídolo do Baseball:
Shawn era um ótimo rebatedor, o que garantiu que fosse o titular da equipe dos Dodgers de Los Angeles, mas a temporada de 2002 começou mal para ele. Ele tinha um alto salário de 14 milhões de dólares por ano, era uma das estrelas do time, mas estava jogando mal desde o início da temporada.
O “jogar mal” foi ficando pior à medida que a torcida vaiava, o técnico reclamava o ameaçando à reserva, e as críticas choviam nos noticiários esportivos. Ele simplesmente “esqueceu” como rebatia, e deixava passar todas as bolas. Ele estava péssimo.
Shawn era praticante do budismo, e procurou exatamente na quietudade da mente, e no APROVEITAR o momento presente a solução para esta crise.
À partir de Maio daquele ano, Shawn passou a entrar na quadra se concentrando em aproveitar o jogo, no processo de ser um jogador profissional, na oportunidade de fazer o que amava e ganhar por isso, e não no desespero de saber que seu contrato estava por um fio.
Naquele dia 22 de Maio, Shawn começou mal, deixando passar as bolas, mas respirou, aproveitou a situação e só fez aquilo que gostava, jogar baseball. Neste jogo ele teve quatro home runs, batendo o recorde mundial que apenas outros três jogadores haviam batido antes dele.
O livro do Ryan Holiday vale a pena, apesar de ser mais voltado para a quietudade mental, histórias como esta ilustram com perfeição a dinâmica da manifestação e da super-intenção.
“A expectativa é o maior impedimento para viver: leva-nos para o amanhã e faz com que se perca o presente” – Seneca
Além da desconexão com o meio que nos faz ter péssimas perfomances para obter o que queremos, já que estamos nervosos para manifestar o resultado, o futuro, existe a frustração pelo que aparece na nossa frente, pelo que não foi como imaginamos, ou não foi como no passado.
Essa frustração é extremamente desmotivadora no mínimo, e muitas vezes nos coloca numa situação de surpresa e letargia que nos amarra introspectivamente, não nos permite expressar, brilhar nem manifestar nada.
A segunda praga que a super-intenção traz é a FALTA. Isso porque queremos tanto determinada coisa que isso acentua a sua falta na nossa vida. Não se ganha nada por falta. O universo é binário e só existem dois algarismos que dão origem à toda criação e matemática.
Ou se é zero (nada) ou se é um (tudo). O um portanto tem a infinita capacidade de ser, já o zero não pode multiplicar nem somar, ele volta à ser zero.
A bíblia pode não ser uma fonte de sabedoria para todos, mas sem dúvida traz vários tesouros esotéricos para quem sabe ver, os místicos gnósticos que o digam. Ali existe a história de Jesus multiplicando os pães e os peixes.
Atente que ao multiplicar os pães e os peixes para toda a multidão, Jesus pediu para que lhes dessem os pães e os peixes, e através deles, os multiplicou. Ele não balançou as mãos para o alto fazendo chover pão e peixe.
A mesma coisa se encontra na história da água que virou vinho. Foi pedido um barril com água, e não um barril vazio, e dali se fez o vinho.
Estas histórias tem significados alegóricos e não literais. É pura manifestação por parte do mesmo que disse: “Áquele que tem mais será dado; ao que não tem, até o que tiver será tirado”.
O caminho da falta é um caminho que não permite a criação. Não importa se é multiplicar pães, conseguir mais dinheiro ou transar com aquela menina linda, aliás, não subestime esse exemplo. Pouca coisa afasta mais uma mulher do que um homem que parece desesperado para ter sexo com ela. É pior que vendedor suado, explicando nervoso o produto, esperando uma venda.
A falta e a expectativa são produtos da super-intenção, inimigos fidagais da manifestação e da performance, respectivamente.
“A pressa para encerrar e vencer uma batalha implica em erros que conduzem obrigatoriamente à derrota” – Ensinamento dos guerreiros místicos Yama Bushi, os originais ninjas do Japão.
Super-intenção e comparação
Outro produto da super-intenção é a comparação. O comparar nos deixa totalmente por baixo, pois ninguém pode ser elevado ao se comparar com os outros, a métrica não bate!
É como comparar jogadores de futebol de épocas diferentes, locais diferentes. Eles enfrentaram adversários diferentes em nível e dificuldade, tiveram outras condições em seu próprio time, portanto a comparação é impossível, é ridícula, porque é totalmente diferente, sempre é.
As pequenas nuances que criam o destino e a sorte são sempre diferentes, e elas fazem quase toda a diferença num resultado comparativo.
Voltando a falar de futebol, lembre-se que Zico e Sócrates não tem uma copa do mundo, mesmo tendo marcado história nas que participaram, mas o Vampeta é penta-campeão mundial com o Brasil.
A comparação é portanto um crime contra si mesmo, uma injustiça, uma auto-violência, e a super-intenção frequentemente nos leva à comparação após a frustração.
Soltando a flecha
Em minha vida como estudante de magia e manifestador, acho que as lições mais duras que tive foram em relação à soltar a intenção, o meu desejo. Sempre tive muita dificuldade de soltar o que quero, o que julgo importante.
Isso é muito típico de quem tem tendência à super-intenção, à querer apaixonadamente.
Não creio, no entanto, que a ausência total de desejo, o soltar desde o início, seja benéfico. É preciso haver ignição para soltar e pegar. É preciso que a pipa já tenha impulso e direção para ser solta e voar, senão ela volta para o chão.
Foram muitos anos para ver isso. Eu sabia querer muito bem, queria e tomava coragem, fazia os atos mágickos necessários, ritualísticos e presenciais, mas quando a coisa chegava quase na minha mão, escapulia. Dava errado.
Eu queria muito e tinha feito de TUDO por muito tempo, um esforço hercúleo, então me frustrava, largava de mão, aceitava, e por incrível que pareça consegui várias vezes logo depois disso, de desistir, exatamente o que eu queria.
“Eu quero, mas não importa, não PRECISA ser” – Austin Osman Spare, primeiro idealizador do conceito de Magia do Caos
Isso não me aconteceu uma vez, mas VÁRIAS, e continua me acontecendo até hoje quando esqueço disso e sou tomado pelo meu desejo incinerante de obter o que eu quero.
Para algumas pessoas ajuda o fato de SOLTAR TOTALMENTE, desde o início, isso é, querer sem querer, conseguir as coisas sem querer querendo.
Como pessoas diferentes funcionam de formas diferentes, para mim o que funciona mais é querer, ligar, preparar e soltar. Como a tensão e a mira do arqueiro antes de soltar a flecha.
“ A pessoa me vem aqui, tem 500 anos de curso, tá sempre na mesma jostra. Sempre cheia de problema, faz discursos lindos porque já me ouviu tudo que é tema, mas a vida mesmo é uma desgraça. Aí chega a hora que ela se zanga, está com ódio, se tranca no quarto, joga todas as minhas fitas pela janela e grita: Já chega!!! Não quero mais saber desse cara!! Aí logo depois disso ela manifesta o que queria” – Luís Gasparetto sobre manifestação
Outro conscienciólogo com quem aprendo até hoje em nossas sessões me diz com frequência que às vezes para conseguir alguma coisa é preciso fingir que não quer. Fingir para si mesmo, não para os outros.
O soltar, portanto, é essencial ao lidar com a super-intenção, primeiro porque ele libera a frustração e a expectativa, e segundo porque ele coloca o foco na performance, com a coisa mais importante no caminho para vencer à super-intenção:
Usufruir x Super-intenção.
No momento estou aprendendo muito com uma guru coreana e sua discípula que eu consegui adicionar numa rede social. Ela é pouco conhecida no ocidente (ainda bem).
No começo achei as coisas dela mais parecidas com “o segredo” o que me deixou um tanto sem gosto, mas depois descobri que o que ela faz elimina a super-intenção.
O método dela é totalmente baseado nos clássicos orientais e filosofia taoísta, no que ela chama em coreano de Haebing que pode ser traduzido por “usufruir, ter”.
Ela ensina que devemos primeiro aproveitar tudo que temos, mesmo que seja um dólar por dia, uma xícara de café ou um almoço, trazendo as sensações de ter, enquanto arranjamos e manifestamos meios para ter mais.
O livro que traduzido em português é uma boa introdução à filosofia dela, foi escrito por outra coreana, uma jornalista chamada Hong Joon, e o link para mais da filosofia dela você encontra aqui!
O mais importante no método de usufruir é criar através do que já temos, e mesmo diante de situações difíceis de ansiedade e falta, conseguir pensar de uma forma que nos tire da situação de ficar em posição fetal e depressiva, que não resolve nem melhora nada, pelo contrário.
Os benefícios são enormes, e se você for meio cético (eu sou), saiba que mesmo que não sejam espirituais, os benefícios psicológicos de se pensar em solução e se aproveitar o processo das coisas é a base da psicologia esportiva e da avaliação científica de performance no mundo todo.
Existe a história do Judeu e da pedra que ilustra isso: Uma vez, um jovem judeu ganhou de herança uma pedra muito preciosa. Ele embarcou num navio, muito otimista e feliz para começar sua nova vida na América.
O capitão gostou dele, eles conversavam muito e inclusive ele mostrava alegre ao capitão sua pedra preciosa. Enquanto tomava sol no convés do navio, certa vez um servente foi limpar sua cama e balançou o lençol no mar, e lá se foi embora a pedra do rapaz.
Após descobrir isso e passar por alguns momentos de desespero ele decidiu não falar nada para ninguém, nem mesmo para o capitão que era seu amigo agora e o julgava rico. Ele continuou “agindo como rico” mesmo que agora não pudesse nem pagar pela viagem ao chegar em terra.
Fato que o capitão adoeceu antes de chegar na América, e por achar que o jovem era rico e de “boa família”, pediu ao jovem que desposasse sua filha para que não ficasse só, e deixou sua herança toda para ele.
Esta história ídiche demonstra bem a necessidade da atitude diante da adversidade.
Outro conceito importante contra a super-intenção é o WU-WEI taoísta, o agir sem agir, querer sem querer. Ter a intenção mas deixar fluir. É um conceito filosófico, não religioso nem metafísico. É contido na história do sábio Jiang Zi Ya:
Jiang Zi Ya dizia que o peixe ideal se pesca sem isca. Ele ia todo dia ao rio e ficava meditando enquanto pescava com uma vara que tinha apenas uma corda. Quando alguém o questionava ele dizia que havia muitos peixes no rio, e o dele haveria de fisgar a corda por conta própria.
Jiang Zi Ya é a imagem perfeita do chamado Wu-Wei. Ele tem a paciência, a postura e a disposição de pescar (ele foi pescar); ele tem o instrumento como a vara e a corda, mas existe a ausência de isca ou super-intenção
Na esperança de que você tenha aprendido algo valioso aqui de manifestação, conto com sua presença no meu blog para ver todos os posts, e no nosso Instagram para saber sempre que tiver posts novos.
Vamos criar nossa própria comunidade mágicka, sem super-intenção, aos pouquinhos. Com minhas redes sociais pequenininhas pesco sem isca, e se você recebeu o peixe multiplicado, ou aprendeu um pouco mais de multiplicação de peixes, conto com sua presença por aqui.
Temos muito a navegar neste oceano profundo da vida com magia e manifestação.
FIAT LUX!
fonte: https://mentemagicka.com.br/super-intencao/
Alimente sua alma com mais:
Conheça as vantagens de se juntar à Morte Súbita inc.