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Um breve manual de METAMAGIA

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por Eduardo Berlim

SUMÁRIO

Magia e Metamagia

Magia é evidentemente uma palavra complicada na língua portuguesa. Para nós, magia é um contraposto à mágica e isso precisa lhe garantir certa validade. Mágica pode ser definida como uma espécie de arte capaz de produzir efeitos extraordinários através de truques, ilusionismo e/ou artifícios. Magia tem origens parecidas, mas seu grego costuma ser mais costumeiramente associado ao mageia (μαγεία) ao invés de mágos (μάγος) e isso carrega um caráter peculiar: enquanto mágica é associada ao extraordinário que surge através de um método mecânico, a magia surge a partir de algo sobrenatural.

Sobrenatural é outra palavra complicada, pois ela aponta para algo que existe “para além daquilo que é natural”. Definir o “natural” como “aquilo que existe para além do homem” causa um estranhamento quanto a nossa própria natureza, mas o antigo significado em naturalis e natura que remetem ao nascimento de algo (sendo futuro do verbo nasci) pode nos trazer uma sensação bastante curiosa. Afinal, o que pode transcender (super) o nascimento (naturalis)?

Na minha humilde opinião, a única forma de realmente transcendermos o natural é pela subversão de uma estrita regra religiosa: a de que apenas o Criador é capaz de verdadeiramente criar algo. Não querendo me aprofundar em lendas judaicas sobre Deus e o trigo em um embate contra o homem e o pão ou de como Rama poderia pagar o karma gerado pelo Senhor Narayana, ouso dizer que é através da Arte que podemos nos tornar criadores. Ou pelo menos co-criadores, caso o argumento de que “Deus te criou como um ser capaz de ‘subcriar’ dentro da criação”. Independente de um poder subcriativo “Tolkieniano” ou da mana polinésia, o resultado indefere: magia é uma arte tal qual a música e a arquitetura e com ela podemos genuinamente criar algo sobre o natural.

Metamagia nos carrega para uma outra jornada, um “além da magia” bastante literal. Defino a ideia de metamagia como “a busca específica por uma magia capaz de criar mais magia” ou “uma arte que nos permite criar mais arte”. Em linguagem moderna poderia dizer que é uma espécie de hack que o magista pode se valer com finalidade específica de alcançar metas que superam sua própria habilidade.

É como ter uma ajuda, um auxílio específico em questões pontuais. Difere-se da magia, PNL, terapia e outros métodos de auxílio por sua própria finalidade voltada exclusivamente para o ato mágico. O mago munido de um arsenal metamágico é capaz de ampliar suas próprias capacidades mágicas independentemente da finalidade última da magia em si.

Este conceito pode parecer ligeiramente confuso, à princípio. Contudo, posso garantir que o uso correto de metamagia permite que rituais se tornem drasticamente mais fáceis (mesmo que não se tornem mais simples). Ter uma ferramenta capaz de sanar certas dificuldades no campo do trabalho mágico é um processo similar ao de trazer novas tecnologias para o campo da ciência: ela não resolverá o problema último, mas tornará o processo inteiro mais tranquilo.

Magia do Caos e Servidores

A chamada ‘Magia do Caos’ é uma corrente bastante popular de magia no século XXI. Apesar de suas evidentes limitações e de um fã-clube bastante suspeito (em muitos casos), ela tende a ser bastante útil para processos simples ou da vida cotidiana. O trabalho com sigilos e servidores (ao qual foi resumida nas últimas décadas) permitem que o magista seja capaz de resolver uma série de questões da vida típica, seja por meio de efeitos psicológicos ou “não-tão-psicológicos-assim”.

Apesar de ser ignorada por magistas de cunho mais cerimonial ou teúrgico por sua natural incapacidade de gerar um contato com o sagrado, a característica mais profana da Magia do Caos pode ter papel determinante em rituais. Não estou sinalizando um uso desta forma de magia para um contato divino, pois isso seria um duplo desrespeito com os magistas das duas vias, mas propondo uma dupla união das vertentes.

Em rituais mais tradicionais, cerimoniais ou grimoriais, o contato com “planos superiores” (não importando como você entenda isso) é uma questão de importância maior. Chamar anjos e demônio para resolver questões que poderiam ser resolvidas com sigilos simples costuma parecer bastante estranho quando ignoramos o caráter teúrgico, transformativo, destas práticas.

Não se busca o sagrado para resolver uma unha encravada ou para “fazer a Jennifer do RH conseguir um emprego bem melhor, mas a seis estados de distância” sem que isso pareça uma tolice – o que não significa que não possa ser feito. Talvez fosse mais lógico usar meios mais rápidos do que montar a Mesa Santa, reunir seus sigilos de cera de abelha pura, pegar um lâmen e um anel de ouro etc., só que nem sempre magia é sobre lógica. O contato com o Rei BNAPSEN carregando algum pedido de sua natureza não se sustém apenas do desejo que se quer ver realizado: ele se sustém do contato com o espírito.

Mas e quando este contato não parece acontecer por falta de treinamento do magista ou por uma dificuldade de desenvolver habilidades específicas? Esta é a parte em que a Magia do Caos pode se tornar uma metamagia cerimonial.

Servidores Metamágicos

Servidores podem ser resumidos como “seres artificiais criados por um mago através de pensamentos e emoções”. Há mais do que isso, evidentemente, mas uma busca no trabalho de autores como Peter Carroll, Phil Hine e Alan Chapman já fazem isso devidamente. O que nos importa é compreender que servidores possuem funções bastante específicas e que podem ser utilizados como ferramentas em trabalhos mágicos.

Para além dos ’40 Servidores’ e dos ‘Quatro Diabos’ de Tommie Kelly, do incansável Fotamecus e das centenas de servidores de atração sexual, nada lhe impede de criar servidores para trabalhos mágicos mais complexos (ou pomposos). Na verdade, nada sequer te impede de criar um “servidor para criar servidores” que seja uma forma de metamagia na própria Magia do Caos. Mas trazendo alguns exemplos de servidores para trabalhos mais cerimoniais, podemos criar:

  • Auxiliar de scrying

Podendo usar as velas de iluminação como combustível, um servidor que ajude a sanar uma dificuldade (ou uma completa falta de treinamento) na capacidade de “ver os seres” tende a ser bastante viável para quem consegue executar o ritual, mas é incapaz de ter uma visão espiritual.

Para outras dificuldades, outros servidores (ou um servidor “multiuso”) podem ser de grande ajuda também. Pode auxiliar na capacidade de ouvir, sentir presenças e alterações de ambiente, viagem astral etc.

  • Melhorador de ambientes

Para quem vive com parentes barulhentos, numa república estudantil ou está dividindo uma casa com os amigos para uma viajem de fim de ano e precisa realizar um rito que necessita de certo silêncio e tranquilidade, um servidor capaz de proporcionar estas condições ou a percepção de que estas condições estão sanadas é outra forma útil de metamagia.

  • Facilitador de materiais

Não é incomum que determinados materiais sejam difíceis de se encontrar. Nem todas as fragrâncias estão disponíveis no Mercado Livre e conseguir uma varinha de madeira específica pode ser complicado. Ter um servidor que traga as coincidências necessárias para encontrar estes materiais é útil, desde que seja bem programado com as exigências.

Pode ser que você conheça outros praticantes que conseguiram algo pela Ali Express ou que encontre um ótimo fornecedor em alguma das múltiplas feiras místicas que existem por aí. Só mantenha em mente que não há milagre como encontrar um cinto de couro de leão “no precinho” sem que você possa se envolver em graves problemas com órgãos ambientais.

  • Auxiliar de bom-senso

Pedidos malfeitos, mal formulados ou com informações faltantes não são incomuns. Há um número bastante significativo de relatos a respeito de ritos de prosperidade que conseguiram uma boa indenização por conta de um acidente de carro ou trabalhos amorosos bastante catastróficos. Um auxiliar de bom-senso pode servir como uma espécie de “Grilo Falante” pessoal que te ajuda com pormenores, detalhes e até com um “não faça isso que vai dar m…”.

Oráculos como Metamagia

É muito comum que os candidatos a mago conheçam pelo menos um ou dois oráculos – e é até comum que a comunidade ocultista sequer considere um mago que não seja também um oraculista. O uso de oráculos é tão útil no dia a dia quanto no trabalho ritualístico, mas muitas vezes não é da maneira que muitos percebem.

Usar o Tarot ou o I-Ching para saber os efeitos de um ritual realizado costumeiramente é visto como um ponto de dúvida adicionado à fé ao ato mágico e isso pode ruir por completo um trabalho realizado. Esta questão pode ser resolvida mudando a natureza da pergunta feita ao oráculo, saindo do costumeiro “meu ritual funcionou?” para “me atualize sobre meu ritual”. É como observar o rastreamento de uma encomenda ao invés de duvidar de sua entrega.

Esta alteração das perguntas realizadas após um ritual já é, por si mesma, uma forma de metamagia com caráter oracular, pois aqui teríamos o uso da magia para “rastrear” os movimentos de um ato mágico. Podemos ultrapassar esse início percebendo as perguntas certas que devem ser feitas antes do ritual também.

Ao formular uma demanda específica, pode-se usar o oráculo para compreender os resultados e desenrolares do que virá. Ao criar um sigilo que diga “quero uma promoção no trabalho” e ver no Tarot uma combinação de Lua com 9 de Espadas no resultado mágico, destruir o sigilo passa a ser a melhor ideia. Ele poderia ser reestruturado para “quero um aumento no trabalho” ou “quero receber uma proposta mais bem remunerada em um novo emprego” e novamente ter seus resultados avaliados.

O mesmo vale para qualquer forma de trabalho mágico, utilizando-se o oráculo de melhor dominância do magista para antecipar suas próprias falhas ou se os resultados serão os esperados. Perceba que com “resultados esperados” precisamos ter um mínimo de autoconhecimento e de bom-senso com o que se espera. Um ato que vise uma transformação pessoal deve ser medido pelo seu desgaste e quebra ao mesmo tempo que conhecer seus próprios limites é bastante útil para saber se você é capaz de “aguentar o tranco”.

É evidente que o próprio oráculo pode ser usado para vislumbrar sua própria capacidade de “segurar as pontas” durante ritos longos e complexos ou que causem grande transformação. Alguns dos melhores magistas que conheço tiveram a humildade de buscar outros oraculistas (cuja visão não estaria turva pelo próprio ego) para saber como se desenrolaria um Ritual de Abramelin ou uma Iniciação Enochiana. Mas há ainda mais a ser explorado no campo oracular dentro de metamagia, especialmente no que tange ao pré-ritual. 

Oráculos podem ser usados para elaborar um ritual inteiro, desde que o magista saiba bem o que está fazendo. O ímpeto natural de muitos magistas de “evocar um anjo de Saturno” para amaldiçoar um adversário pode ser corrigido com uma simples tiragem de Tarot que aponte que “um rito mercurial seria mais efetivo para tirar a pessoa do caminho” (seja através de uma maldição das infinitas ligações de telemarketing ou com um novo emprego no interior de Rondônia).

Ainda há o uso de oráculos para saber o desenrolar de uma peça faltante durante um ritual. Talvez você ainda não tenha o incenso adequado para um trabalho planetário e oracular a respeito dos resultados do rito sem o incenso ou com um incenso diferente do tradicional possa lhe elucidar quanto aos problemas inerentes a isso – pode inclusive apresentar soluções, através de uma segunda pergunta. É provável que o oráculo lhe diga para não usar sua faca Tramontina no lugar do athame que “pode estar em uma das caixas da mudança” em um rito thelêmico e só de evitar as futuras dores de cabeça advindas disso já se pode “cantar vitória”.

Por fim, oráculos que trabalham com vastas correspondências podem se tornar partes do ritual. Não é incomum que usuários do sistema da Golden Dawn usem os Ases do Tarot como substitutos das ‘quatro armas mágicas’, mas dá para ultrapassar este escopo. É bastante comum o uso das bindrunes tanto para magia rúnica quanto para sigilos de magia do caos, mas já é um pouco mais incomum ver o uso de arcanos do Tarot formando a combinação que determina o resultado do rito.

A combinação ritualística com ferramentas oraculares forma uma seta que aponta para o resultado. É uma prática próxima a da “substituição de tiragem” usada por vertentes de magia com o Tarot, em que se substitui as cartas de uma tiragem ruim por aquelas mais propícias ao mago.

Amuletos e Talismãs

Amuletos e talismãs são bastante comuns em trabalhos de magia tradicional, cerimonial e, especialmente, astrológica. Muitas vezes o próprio item é o fim em si, como se dá por muitos dos pantáculos salomônicos, mas em outras vezes ele é parte necessária do próprio ritual (como se dá com outros dos pantáculos salomônicos).

Curiosamente, o uso de itens consagrados como parte metamágica de um ritual não é tão divulgado, mesmo sendo uma poderosa ferramenta mágica. Amuletos judaicos de correção astrológica, por exemplo, podem mostrar-se capazes de facilitar a vida de um magista durante suas práticas. Mudar sua Lua para Peixes temporariamente pode auxiliar com a visão espiritual e isso pode ser feito tanto com itens consagrados em determinada janela astrológica quanto através de amuletos usando letras hebraicas.

Trazer qualidades diretas dos signos e planetas é obviamente uma ferramenta útil, mas criar amuletos com qualidades específicas é outra forma de metamagia bastante eficaz. Ao condensar algo que lhe falta em um anel ou pingente, você passa a ter uma qualidade que pode ser essencial em um trabalho em específico. Não é um uso tão diferente das medalhas de São Bento que emprestam santidade aos monges ou as vestes cerimoniais que emprestam uma pureza divina ao mago. 

Mesmo um talismã (no sentido mais simples da palavra) pode te emprestar um modo de operação significativo para determinado fim. O tão comum “guardachuvinha de drink” que os herméticos usam como um “talismã que traz a sensação de férias” pode ser adaptado para algo que contenha a energia de um ritual bem-sucedido. Para magos que trabalham rituais dentro de ordens iniciáticas ou em conjunto com magistas mais experientes, é possível criar um talismã que lhe remeta a estes momentos de confiança e segurança mais elevadas para seus rituais individuais.

Da mesma forma, canalizar energias coletivas através de um objeto pode lhe dar o impulso de ativação para um trabalho específico. Se o servidor Fotamecus foi abastecido com a energia pulsante de uma multidão durante um show, você pode criar itens sigilados para canalizar este mesmo tipo de energia e usá-la em um rito adequado. Isso pode variar desde talismãs que canalizem a complexidade de um show de jazz até o maravilhamento de visitar obras em um museu como o Louvre.

Radiestesia, Radiônica, Reiki, Aromoterapia, Cromoterapia, Música e Alexa

Há uma infinidade de outras maneiras de usar metamagia dentro dos seus trabalhos usuais e eles nem sempre precisam conter características totalmente pautadas na magia em si. São numerosos os “magistas de Alexa” que configuram lâmpadas inteligentes e sons ambientes que potencializam um ritual e eles conseguem um bom resultado ao criar uma ambientação adequada ao trabalho mágico.

Esta modulação comportamental pode ser ampliada com o uso de ferramentas como a cromo e a aromoterapia – especialmente quando utilizadas como parte da preparação ritualística. Longos jejuns e orações nem sempre aliviam a ansiedade do contato com um espírito e certamente há formas bastante eficazes de aliviar estas questões. Obviamente, meditações são altamente recomendadas dentro do aspecto ritualístico – e o moderno mindfulness pode ser uma ferramenta adequada em casos particulares.

A música como adição ritual é outra forma de metamagia bem aplicada e exerce força especial para aqueles capazes de compor suas próprias sinfonias cerimoniais. A facilidade que as modernas DAWs e os infinitos instrumentos virtuais permite que qualquer um com certo conhecimento musical tenha acesso a orquestras inteiras. Pessoalmente não sou favorável ao uso de música vocal em rituais, pois ter uma voz formando palavras provavelmente atrapalhará a concentração ritualística.

Mesmo para os que não possuem nenhum conhecimento musical podem encontrar na música erudita a sonoridade adequada para acessar certas potências egregóricas e conexões ritualísticas. São famosas as sinfonias planetárias de Gustav Holst, mas há muito mais que isso quando se busca pela conexão emocional, intelectual ou mesmo espiritual que se mostre adequada ao trabalho mágico.

Terapias como Reiki e acupuntura são uma outra forma de condicionar questões emocionais e energéticas propícias ao trabalho. É muito comum que se diga que certos sentimentos não devem fazer parte do ritual, da mesma forma que é notório que muita terapia pode ser necessária para sanar determinadas questões; mas se você precisa “estar bem e se concentrar” por um tempo determinado, existem formas temporárias de acessar estes estados. Um bom psicólogo é outra ferramenta que pode ser essencialmente metamágica, caso ela seja parte importante do processo de trabalho mágico.

Ainda dentro de formas temporárias, finalizo com recomendações do trabalho radiestésico e de radiônica. O uso de gráficos adequados para limpeza do ambiente de trabalho é um bom começo, mas manter-se em estado de concentração usando um Decágono Duplo é algo realmente fantástico. Não descarte bons profissionais da área e tenha em mente que pode ser mais uma boa área de estudo para o magista.

Metamagia como forma de “melhorar o trabalho mágico” traz uma melhora significativa nos resultados de um mago. Contudo, não pense que este é algum tipo de atalho: conhecer mecanismos de metamagia adequados e funcionais leva tanto tempo quanto um treinamento mágico sério e bastante completo. Não há qualquer substituto para o estudo ou para o trabalho árduo.


Eduardo Berlim é músico, tarólogo e estudante de hermetismo com vasta curiosidade. Tem apetite por uma série de correntes diferentes de magia e se considera um eterno principiante. Assumidamente fanboy dos projetos da Daemon e das matérias do Morte Súbita inc.


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