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“Loucura sim, mas tem seu método.”
– “Hamlet”, Shakespeare.
O nascimento de Salvador Dalí em 1904, coincidindo com o ano em que Aleister Crowley recebeu o Livro da Lei. É como se o universo conspirasse para que Dalí fosse um dos primeiros e mais fascinantes filhote do Novo Aeon. E não, não me refiro a esses filhotes fofinhos, mas aqueles pássaros depenados e olhos saltados, estranhos por si só e com a boca escancarada para cima para receber as minhocas do legado espiritual grandioso de Hórus.
Esta estranheza não era pura sorte, Dali era a encarnação do seu próprio Anjo Guardião. Através de seu dom criativo extraordinário – genial seria diminuir sua importância – Dalí costurou, a cada passo de sua aventura na terra, o desenvolvimento da semente essencial que o transformou em uma manifestação viva e vibrante da consciência do Novo Aeon. E o que é mais, ele fez isso com a finesse de um equilibrista, encarnando o “forte e o orgulhoso, o real e o majestoso” descrito no Liber AL III:58. Onde quer que ele testasse uma caneta nascia uma obra prima. O traço de seu pincel abril janelas para outras dimensões, fazendo o extraordinário parecer corriqueiro, rompendo os limites convencionais e descortinando o despertar de uma consciência verdadeiramente revolucionária.
Assim como o Livro da Lei abriu as portas para uma nova era de compreensão e liberdade espiritual, Dalí, esse verdadeiro camaleão cósmico, se tornou um porta-voz dessa metamorfose. Ele explorou os abismos da mente humana e desbravou os reinos da imaginação com uma audácia que faria até mesmo os mais corajosos engolirem em seco. As suas obras, que deixariam qualquer um de queixo caído, são reflexos de uma realidade alternativa onde o surreal e o real dançam uma valsa contínua, desafiando as convenções e colocando em xeque a própria natureza da existência. Ele fez com as tintas o que Lovecraft e Arthur Machen faziam com as letras.
Com Dalí, temos a chance de assistir em primeira fila a evolução da consciência humana e a alvorada de uma nova era de autenticidade e expressão criativa. Sua arte, que atravessa as fronteiras do tempo e do espaço, nos convida a mergulhar nas profundezas de nosso próprio ser e a abraçar a infinita possibilidade de transformação.
Em Cultos da Sombra, Kenneth Grant o descreve como um verdadeiro mago:
Um dos principais magos de nosso tempo – Salvador Dali – desenvolveu um sistema de materialização mágica mais ou menos na mesma época em que Crowley e Spare elaboravam suas doutrinas; O sistema de “atividade crítico-paranóica” de Dalí evoca ecos de atavismos ressurgentes que se refletem no mundo concreto das imagens por um processo de obsessão semelhante ao induzido pela Postura da Morte. Os objetos de Dalí são refletidos na luminosidade fluida e em constante mudança da Luz Astral. Eles se resolvem e se dissolvem continuamente no “próximo estágio”, a próxima fase da consciência se expandindo para a futura imagem do Devir.
A Atividade Crítico-Paranóica
Altamente influenciado por Freud (e portanto em Austin Spare), Salvador Dalí sacudiu o mundo das artes com o conceito de “atividade crítica-paranóica” e transformou seus pinceis em uma varinha mágica que permitu ao nosso adorado pintor catalão embarcar em um passeio pelo labirinto do subconsciente. Abraçando a paranóia como um maestro abraça uma sinfonia, Dalí acreditava ser possível atingir um estado de consciência onde os vitrais das catedral da razão são estilhaçadas e em vez de cair no chão os cacos de vidro são levados pelo vento, deixando o subconsciente rolar solto como um touro num rodeio.
Essa teoria, que era como o estranho casamento entre o pensamento paranoico e a análise crítica, foi carinhosamente batizada de “método paranoico-crítico”. Uma espécie de coquetel mental, misturando uma dose dupla de auto-exploração intensa e imersão profunda no mundo dos sonhos, desejos reprimidos e memórias escondidas como tesouros. Imagine só, ter acesso a essas verdades ocultas como se estivesse segurando um mapa do tesouro do subconsciente, oferecendo insights capazes de revolucionar o que acreditamos ser verdade até agora.
E aqui vai uma observação importante: Dalí não estava falando de paranoia no sentido patológico. Não, nada disso. A palavra “paranoia” tem origem no grego antigo. Ela é formada pela junção dos termos “para”, que significa “ao redor” ou “junto a”, e “noia”, que significa “mente” ou “intelecto”. Assim, “paranoia” pode ser traduzida literalmente como “ao redor da mente” ou no caso de Dali, “encoxando a mente”. Ele via a paranoia como uma chave mestra que desbloqueia a consciência para fazer conexões inusitadas, encontrar significados escondidos e revelar novas possibilidades. Para Dalí, a paranoia era a própria musa criativa que desafiava a lógica convencional e arrancava o véu de novas possibilidades. Portanto, a atividade crítico-paranoica é como uma dança na qual a realidade é manipulada para criar associações surpreendentes, causar dissonâncias e deixar o espectador boquiaberto.
Através de técnicas surreais como a justaposição de objetos incongruentes ou a distorção de formas familiares, Dalí desbravou um caminho através do pensamento lógico como um caçador em uma floresta densa. O objetivo? Provar que a emoção e a profundidade intelectual não são meros espectadores na arte, mas jogadores essenciais no jogo.
E Dalí não parou por aí. O audacioso pintor buscava voar além da realidade cotidiana para desvendar verdades ocultas e mergulhar nos recônditos da imaginação humana. No final das contas o tal método paranoico-crítico pretendia deixar o espectador impactado, despertando sua consciência para novas percepções e dando um tapa na cara de sua compreensão convencional do mundo. Interessou? Ótimo, vamos ver agora os primeiros passos para o buraco do coelho, tenha paciência.
Estimulando a Paranoia Crítica
Vamos dar uma espiada em algumas das imagens de Dalí que nasceram sob o efeito desse Paranoia Crítica. Imagine se fosse algo como sonhar acordado, só que conscientemente conduzido por um olhar paranoico para o mundo ao redor. No nível básico é como brincar de olhar para as nuvens, procurando ver neles cavaleiros, gigantes, aquelas mulheres boazuda e outras figuras fantásticas. Já os praticantes mais avançados podem se deliciar ao decifrar as complexidades da estática da televisão, como um cientista decifrando o código da vida. Da mesma forma, podem-se fazer exercícios simples olhando fixamente para manchas de tinta, desenhos rabiscados ou padrões no mármore até que alguma forma ou forma emergir do caos. Quem sabe, talvez você veja mais do que esteja lá, ou talvez você esteja vendo de verdade pela primeira vez.
Eu sei que você quer mais então guarde este link. Considere o processo criativo sugerido por Dali como algo semelhante a forçar um sonho acordado, uma transformação consciente liderada pelo escrutínio paranoico do que se apresenta ao redor. A versão mais simples, pouco crítica e pouco paranoica, começa com o jogo infantil de olhar para as nuvens, procurando os cavaleiros, os gigantes e outras fantasias na umidade. Praticantes mais avançados acharão as complexidades da estática da televisão algo delicioso de se apreciar. Exercícios elementares também podem ser praticados por meio de olhares prolongados para borrões de tinta, desenhos rabiscados, manchas de mármore até que qualquer padrão possa ser lido. Praticantes mais avançados acharão as complexidades da estática da televisão algo delicioso de se apreciar.
Um exemplo deste tipo de pensamento seria:
- Essas rachaduras na calçada parecem um contorno do mapa do México.
- Essas rachaduras na calçada, são a costa oeste do México.
- Aquelas formigas no meio estão comendo o Yucutan.
- Alguém pisou no Panamá. Eles deixaram manchas no Pacífico.
- etc..
Exercício 1: ‘Nuvens passageiras’
Olhe par ao céu em um dia com nuvens e encontre formas. Não fique satisfeito com uma primeira resposta. Encontre pelo menos 3 formas em cada nuvem e não se preocupe se ela for mudando conforme você observa. Você também está.
Exercício 2: ‘Veja o Rosto.’
Este cartão postal de tribos africanas em suas cabanas contém um rosto descoberto pela primeira vez por Dali. Mais tarde, ele usou uma semelhança do rosto em uma de suas pinturas. A primeira imagem mostra o postal em circunstâncias normais. A imagem seguinte é uma versão reduzida girada 90 graus no sentido horário.
Você consegue ver o rosto?
Exercício 3: Concentração focada até que o chão do banheiro flutue
Ou você vê o rosto ou não. Não há espaço para debate aqui. Não há preconceitos, nem paranoia para influenciar o que você percebe. A aquisição cuidadosa da paranoia crítica requer prática contínua até que se torne parte de seu modo subconsciente de pensar.
- Encontre um banheiro com piso de cerâmica e iluminação fluorescente suave. (azulejos do banheiro de meia polegada por meia polegada e telhas com manchas são preferíveis.)
- Encontre uma cabine vazia e sente-se no vaso sanitário.
Sente-se para que você fique confortável. - Olhe para o chão à sua frente através da borda inferior da porta fechada.
- Olhe até que colunas de azulejos oscilem rapidamente para frente e para trás, caoticamente no início, mas mais ritmicamente ao passar.
- Mova seus olhos em direção aos pés para perceber fileiras de ladrilhos se movendo contra as colunas.
- Observe os padrões pontilhados para obter insights sobre o fluxo de imagens agora prontas para serem aceitas em sua retina.
Alguns usos da Paranoia Crítica
Ao acionar a atividade crítico-paranoica, artistas conseguem acessar imagens e ideias escondidas no subconsciente, como um mergulhador buscando pérolas no oceano da mente. Dali chamava essas imagens de “imagens autônomas”, que não obedeciam as leis do trânsito lógico e racional. Essa abordagem dá um belo golpe nas convenções artísticas tradicionais, incentivando a associação livre e a exploração de conexões que, à primeira vista, podem parecer tão absurdas quanto um peixe pedalando uma bicicleta. Um dos superpoderes adquiridos nesse processo é a habilidade de encontrar mensagens do Todo (Deus, O Universo, etc.) no Particular (Você), como se o universo todo fosse um livro aberto.
A atividade crítica-paranoica é uma ferramenta poderosa para estimular a criatividade em diversos campos pois permite que o magista faça scrying, ou seja vidência, com todo universo. Os usos na divinação, evocação, invocação e mesmo encantamentos são ilimitados.
Ao soltar as algemas do pensamento convencional, é possível gerar ideias tão inspiradoras quanto a raba de Elena Gala e tão frescas quanto uma baguete francesa quentinha saindo do forno. Essa prática, batizada de atividade crítico-paranoica, tem como sua marca registrada a audácia de colocar em xeque o status quo.
Quando ousamos desafiar as normas estabelecidas e aventuramo-nos a explorar os labirintos do subconsciente, somos capazes de descobrir perspectivas nunca antes vistas e soluções tão inovadoras que poderiam ser patenteáveis. Esta abordagem dá um chute na porta da lógica tradicional e permite uma liberdade criativa que nem o Houdini seria capaz de escapar.
Existem artistas, que são uma espécie de mago com um pincel na mão, e os magos que são artistas cuja tela é a própria realidade. Dali era os dois, tanto que desenhou seu próprio tarô. Seu método de Crítico-Paranoico está ai para quem quiser seguir, fazendo com as cores e as formas o que a gematria cabalística faz com as letras e números e nos mostrando que a verdadeira magia reside em ver o mundo sob uma nova luz – uma luz tão intensa e fascinante quanto a um quadro surrealista.
Bibliografia sugerida:
- The Secret Life of Salvador Dalí, por Salvador Dalí
- Dalí and Surrealism por Dawn Ades
- Um Toc Na Cuca, por Roger Von Oech
- Um Chute Na Rotina, por Roger Von Oech
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