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Peter Carroll
Todas as filosofias, credos, dogmas e crenças que a humanidade desenvolveu são variantes de três grandes paradigmas; Transcendentalismo, Materialismo e Mágico. Em nenhuma cultura humana estes três modos de ver o universo foram completamente separados uns dos outros. Por exemplo, na cultura ocidental atual, o Transcendentalismo e o paradigma Mágico estão freqüentemente misturados um com o outro.
Filosofias Transcendentais são basicamente religiosas e manifestam um espectro que se estende do xamanismo, ao politeísmo, do monoteísmo judaico-cristão a sistemas teoricamente ateus como o budismo e o taoísmo. Cada uma destas crenças acreditam que alguma forma de consciência ou espírito criou e mantêm o universo e que humanos, assim como outros organismos contêm fragmentos desta consciência além dos véus da ilusão da matéria. A essência do Transcendentalismo é a crença em seres espirituais maiores que nós. A vida na Terra é vista como meramente uma forma de diálogo entre as pessoas e esta divindade ou divindades ou uma interação com uma força superior impessoal. O mundo material é um teatro para o espírito ou alma ou consciência. A mente é a realidade última para os transcedentalistas.
O paradigma Materialista acredita que o universo consiste fundalmentamente ou inteiramente de matéria. Energia é apenas uma forma de matéria e com ela preenche o espaço e tempo onde todas as mudanças ocorrer em bases estritas de causa e efeito. O comportamento humano é reduzido a biologia, a biologia é reduzida a química, a química é reduzida a física e a física e reduzida a matemática. Mente e consciência são eventos eletroquímicos e espírito é uma palavra sem significado objetivo. As causas de alguns eventos são obscuros por tempo indefinido, mas há uma fé intrínseca de sempre existe alguma causa material para todo evento. Todos os atos humanos são categorizados como consequências de necessidades biológicas, expressões de comportamento condicionado ou disfunções. O objetivo do materialista que evitar o suicídio é perseguir a satisfação pessoal incluindo muitas vezes o bem estar oriundo do altruísmo.
A principal dificuldade para reconhecer e descrever um paradigma puramente mágico é a falta de vocabulário. A filosofia mágica saiu recentemente de uma forte influência da teoria transcedentalista. A palavra éter pode ser usada para descrever a realidade fundamental do paradigma mágico. Ela é semelhante a idéia de mana usada pelo xamanismo da Oceania e também correlata ao mentalismo hermetista. De um ponto de vista materialista, o éter é a informação que estrutura e organiza a matéria e que toda matéria é capaz de emitir ou receber. Em termos transcedentalistas éter é a “força vital” presente em todas as coisas. Ela carrega tanto o conhecimento sobre os eventos como a capacidade de influenciar eventos similares ou relacionados. Eventos podem surgir espontaneamente ou seguir padrões de influência no éter. Como todas as coisas possuem sua contraparte no éter, tudo pode ser considerado como sendo vivo, em certo sentido. Assim tudo acontece por magia, eventos macrocósmicos de larga escala no universo formam grandes padrões no éter que os tornam fáceis de prever, mas difíceis de influenciar por padrões etéricos menores criados pelo pensamento. Magos enxergam a si mesmos como participantes e co-criadores da natureza. Transcedentalistas se vêem como acima da natureza. Materialistas gostam de testá-la e manipulá-la.
Agora, este universo tem a propriedade peculiar de acolher e apresentar provas a favor, em confirmação de, qualquer paradigma que você escolha acreditar. Provavelmente em algum nível profundo, há alguma simetria escondida entre estas coisas que chamamos de Matéria, Éter e Espírito. De fato, é raro encontrar um indivíduo ou uma cultura que circulem exclusivamente em um único desses paradigmas e nenhum nunca é completamente ignorado. Os paradigmas não dominantes estão sempre presentes em formas de superstições e medos coletivos. A segunda parte deste artigo, sobre Aeos irá tentar desvendar as influências de cada uma dessas visões de mundo ao longo da história, para ver como eles interagem uns com os outros e para prever as tendências futuras. No meio tempo será feita uma análise dos conceitos radicalmente diferentes do tempo e do “Eu” em cada um destes paradigmas para facilitar o entendimento das suas idéias básicas.
Tempo é concebido como tendo um começo e um fim, ambos executados pelas atividades das forças ou seres espirituais. O fim do tempo, seja numa escala pessoal ou cósmica não é considerado como o fim da existência, mas como uma mudança para um estado espiritual. O início do tempo, tanto em escalas humanas como cósmicas é igualmente considerado como um ato criativo da realidade espiritual. A atividade reprodutiva é fortemente controlada e coberta por tabus e restrições em culturas religiosas, pois implica na usurpação de poderes próprios da divindade. A reprodução também implica em uma certa superação da morte e portanto adiamento do culminar espiritual. Algumas vezes este respeito pelo poder criativo da divindade e desprezo pela morte resulta em um sacerdócio celibatário ou estéril.
Transcendentalistas entendem o tempo em termos milenaristas e apocalípticos. Normalmente, esta concepção é usada para provocar revivamentos quando os negócios vão mal ou a preguiça se transforma em tédio. Assim, derrepente, é revelado a alguém que estamos vivendo os últimos dias ou que alguma disputa territorial é na verdade uma batalha titânica contra agentes espirituais maléficos.
O tempo materialista é linear, mas ilimitado. Idealmente pode ser estendido arbitrariamente para o passado ou futuro a partir do presente. Para o materialista é evidentemente inútil especular sobre o princípio ou o fim do tempo. Da mesma forma, materialistas olham com desprezo qualquer especulação de existência pessoal antes do nascimento ou depois da morte. O materialista pode temer uma morte dolorosa ou prematura mas não está particularmente assustado sobre a morte em si.
A visão mágica tem o tempo como cíclico e que todos os processos são reincidências. Mesmo ciclos que parecem ter começo e fim na verdade, são peças de ciclos maiores. Assim, todos os finais são começos e o fim do tempo é sinônimo de início de tempo em outro universo. A visão mágica de que tudo é recorre é refletida na doutrina da reencarnação. A idéia atraente da reencarnação muitas vezes persistiu até ao paradigma religioso pagão e a algumas tradições monoteístas. No entanto teorias religiosas, invariavelmente, contaminam a idéia original com crenças sobre a alma pessoal. Do ponto de vista estritamente mágico somos um acúmulo de impressões mais do que uma unidade essencial. A psique não tem um centro especial, segundo o paradigma mágico somos colônias de uma rica colagem de muitos eus. Assim como nossos corpos contém fragmentos de inúmeros seres antigos, o mesmo ocorre com nossa psique. Embora isso seja encarado com naturalidade na maioria das vezes, existem certas tradições mágicas com técnicas para transferir e salvar grandes porções da psique do adepto por considerar isto um fim mais útil do que a dispersão da mesma por toda a humanidade.
Cada um destes paradigmas têm uma visão diferente do Eu. Transcendentalistas o vêem como um espírito inserido na matéria. Como um fragmento ou criação da divindade colocada no mundo de uma forma não-arbitrária e dotada de livre-arbítrio. A visão transcendental de si mesmo é relativamente estável não-problemática se compartilhada como um consenso com as outras pessoas. No entanto, as várias teorias transcendentais sobre o lugar e propósito de si mesmo e sua relação com as divindades são mutuamente exclusivas. O conflito de visões transcedentalistas raramente podem co-existir sem causar desconforto com as imagens do Eu. Conflitos que não sejam decisivos tendem a ser mutuamente negados no longo prazo.
Das três visões do Eu, a puramente materialista é a mais problemática. A mente é uma extensão da matéria e deve obedecer as leis da matéria e um resultado determinístico conflita a todo instante com a experiência subjetiva do livre-arbítrio. Por outro lado se a mente e a consciência são qualitativamente diferentes da matéria, então o Eu se torna inatingível aos termos materialistas. Ainda pior, o materialista deve conceber a si mesmo com um fenômeno temporário em contradição com a constante experiência subjetiva de continuidade da consciência. Porque a visão puramente materialista é tão austera poucas pessoas estão preparadas para este crú existencialismo. Desta forma as culturas materialistas exibem um franco apetite pela sensação, identificação e crenças irracionais descartáveis. Qualquer um destes escapes pode tornar a visão materialista do Eu mais suportável.
A visão mágica do Eu é que ele se baseia no caos aleatório mesmo que faz o universo existir e se comportar como se comporta. A Eu mágico não tem um centro, não é uma unidade, mas um conjunto de peças, e qualquer número delas podem temporariamente se unir para chamarem-se de ‘Eu’. Isto concorda com a observação de que nossa experiência subjetiva consiste de nossos vários eus experimentando uns aos outros. O livre-arbítrio surge tanto como um resultado de um litígio entre os nossos diversos eus como também como uma súbita criação aleatória de uma nova idéia ou opção. Na visão mágica de Eu não há a divisão espírito/matéria ou mente/corpo e os paradoxos do livre-arbítrio e determinismo desaparecem. Alguns dos nossos atos resultam de escolhas aleatórias entre as opções condicionadas e alguns de escolhas condicionadas entre as opções aleatórias. Na prática, a maioria dos nossos atos são baseados em complexas seqüências hierárquicas desses mecanismos. Sempre que um de nossos eus proclama ‘Eu fiz isso! ” alto o bastante a maioria dos outros eus acaba achando que eles fizeram isso também.
Cada um dos três pontos de vistas do Eu tem algo de depreciativo a dizer sobre os outros dois. Do ponto de vista do eu transcendental a eu materialista é prisioneiro do orgulho do intelecto, é a arrogância do demônio ao mesmo tempo que a visão mágica do Eu é também considerada demoníaca. A visão do Eu material enxerga o transcendentalista como um obcecado por suposições sem fundamento da realidade, e o Eu mágico como sendo infantil e incoerente. Do ponto de vista da Eu mágico, os transcendentalistas atribuem uma importância muito exageradas a alguns dos eus que eles chamam de Deus ou deuses, ao mesmo tempo o materialista se limita ao subordinar todos os seus eus ao Eu racionalista. Em última análise é uma questão de fé e de bom gosto. O transcedentalista tem fé em seu próprio Deus, o materialista tem fé em seu próprio raciocínio e os eus do mago tem fé uns nos outros. Naturalmente, todas estas formas de fé estão sujeitas a seus próprios períodos de dúvida.
Peter Carrol, trad. Frater OZ
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