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É indubitável que o Mago Aleister Crowley contribuiu para a luta contra o monoteísmo, assim como é patente que ele pegou o bonde andando. A Ciência, que basicamente nasceu da Magia renascentista, já havia alijado o monoteísmo como uma prática parasítica nas culturas mais avançadas. Crowley era um entusiasta da Ciência, o que era muito apropriado para sua época, mas é no trabalho de Austin Osman Spare que detectamos um certo agouro. Contraditoriamente, também é o trabalho de Spare que se mostra mais austero e “científico”quando comparado com algumas extravangâncias simbólicas e mais barrocas de Crowley.
Spare rejeitava a simbologia clássica de priscas eras esquecidas em prol de uma Magia mais pessoal. Valendo-se de um mínimo de hipóteses ele desenvolveu uma Magia a partir de sua própria memória e subconsciente raciais. Independentemente de sistemas complexos, ele desenvolveu técnicas efetivas de encantamento e sigilização que requeriam somente a linguagem e figuras ordinárias. O trabalho de Spare compõe a ponte entre a Magia antiga trazida à luz por Crowley – cujo apelo, poder e potencial de liberação se derivava mais de seu estilo religioso anti-religião – e a nova Magia, por sua vez, caracterizada justamente por uma espécie de ciência anti-científica.
E tudo isto chegou a Magia do Caos. E não nos trás nenhum benefício considerá-la uma pseudo-ciência como também não fazia considerar as idéias de Crowley uma pseudo-religião. Hoje, é a Astrologia da forma que é praticada que é uma mera ciência falsificada, tão quanto o satanismo e a maçonaria livre formam-se nas fileiras de falsas religiões. A Magia do Caos pretende demonstrar que a Magia não somente preenche confortavelmente os interstícios da Ciência como também que as conclusões atingidas pelas teorias científicas e o empiricismo na verdade demandam a existência dela. Isto é de alguma forma análogo à maneira com que muitas religiões admitem a possibilidade das magias teúrgica ou demoníacas. A melhor Magia sempre teve um forte sabor anti status-quo. Os magos mais destacados sempre combateram a perenização de normas e obsessões culturais e suas vitórias representam não só sua própria liberação mas também um avanço para a humanidade. A história sempre nos negou o registro “oficial”dos feitos dos magos e xamãs renegados, como fez com o advento do Paganismo, mas pelo menos sabemos alguma coisa sobre os magos anti-pagãos que criaram o monoteísmo: Akinaton, Moisés, Gautama, entre outros. E a medida que o Monoteísmo foi se solidificando numa força repressiva e obscena, uma nova geração de magos surgiu para a ele dar combate. Alguns o fizeram tão “cara à vista”, que foram destruídos peremptoriamente; os que souberam ser mais sutis, conseguiram plantar e fazer germinar as sementes de sua destruição no nível mais filosófico, e outros ainda apressaram seu extermínio ao levarem as idéias teúrgicas e teológicas a conclusões ultrajantes. E a fileira de honra aqui foi muito maior, incluindo notáveis como Giordano Bruno, Cornelius Agrippa, John Dee, Cagliostro, Eliphas Levi e até Aleister Crowley.
A realização maior de Crowley, além de sua moralidade futurística, foi desenterrar poderosas técnicas do Tantra, Ioga, Gnosticismo, Taoismo e Xamanismo. Ele teve a coragem de aplicá-las ao Ocultismo dessecado, intelectualizado e rebuscado de então para criar algo novo e de interesse. Na minha opinião a falha cometida por Crowley foi ter aceitado suas visões místicas como dogmáticas. Ele descobriu técnicas para liberar as inconcebíveis forças e criatividade dos hemisfério direito do cérebro e do subsonsciente mas ficou tão surpreso com os resultados que assumiu serem eles de origem não ou extra humana, e tudo isto mesmo apesar de seu ditado de que …não existem deuses, só homens. O que nós, os magos do Caos pretendemos é quebrar os paradigmas limitadores da ciência e do exercício da racionalidade sobre nossa imaginação e forçar a ciência a mutar em alguma coisa menos opressiva.
Para darmos conta desta empreitada, usamos como armas idéias muito simples. A Magia do Caos se concentra sobre técnica. Debaizo de todos os sistemas que os magos mais ecléticos podem usar, da bruxaria à feitiçaria Tibetana, há um consenso de uma técnica prática, dependente da visualização, da criação de entidades do pensamento e de estados alterados de consciência que deverão ser atingidos através da meditação estática ou dinâmica. O ponto de vista eclético implica que a própria crença em si mesma já é efetiva na consecução de um desejo, enquanto que uma implicação avançada do princípio da relatividade da crença em si, é que toda crença é considerada arbitrária e contingente.
Consequentemene toda noção de verdade absoluta somente existe se nós escolhemos acreditar nela sempre. O anverso do princípio de que “nada é verdadeiro” é o de que “tudo será permitido” – lei máxima de Crowley – , e os Magos do Caos podem muitas vezes criar mapas incomuns da realidade , hipercientíficos e enfeitiçados, como uma moldura teórica para sua mágica.
Um aperfeiçoamento do conhecimento neurofisiólógico combinado com o princípio da relatividade da crença guiaria o mago moderno a considerar a revelação com algum ceticismo.Na verdade os recônditos quase desconhecidos de nossos cérebros podem ser até mais criativos do que as partes conscientes, e nenhuma mensagem dos deuses, não importa o quanto sejam extraordinárias e envolventes, podem ser tomadas como provas de alguma coisa além de nossos próprios e inacreditáveis poderes. Mesmo se acompnhado de milagres.
A rejeição de qualquer realidade externa, verdade ou significado pode parecer um princípio parodoxal ou até mesmo horrível no qual embasármos uma busca espiritual. Pessoalmente não penso assim. A verdade absoluta seria sempre uma tirania absoluta, como tem historicamente sido. Prefiro forjar a minha própria visão espiritual, pois minhas evidências sensoriais sugerem que o universo é basicamente casual dentro de limites arbitrários, os quais também se impõem caprichosamente. A realidade é uma hierarquia de acidentes regrados unicamente pelo acaso e mesmo as chamadas “leis científicas” são somente aproximações estatísticas, descrevendo aqueles acidentes que ocorrem mais persistentemente.. Sou livre, não porque essa liberdade me foi concedida, mas como uma consequência de eu ser puramente uma criação acidental com padrões de comportamento casuais.
A Magia do Caos requer mesmo um certo antipoliticismo ou mesmo um anarquismo pois é obviamente ilusório achar que somos guiados por política. As pessoas são giadas por filosofias e modismos, e é deste nível mais alto que a Magia do caos lança seu ataque à realidade.
Praticar Magia implica que voce esteja dispôsto a criar seu próprio ponto de vista espiritual, muitas vezes em confronto com as normas culturais vigentes. A Magia nasce justamente quando os limites e as ligaçoes do ser estão se expandindo ou contraindo, como durante tempos de inovações e descobertas… ou na épocas de dificuldades cruéis e depressão.
Está ocorrendo agora um profundo e significativo renascimento mágico porque as nossas ligações e limites estão se expandindo e contraindo simultaneamente. Ciência, drogas, psicologia, redes de comunicação e toda a parafernália dos final/início de século expandiram de tal forma o nosso sentimento de busca como nunca havia ocorrido. E por outro lado, nunca estivemos tão oprimidos e invadidos em nosso íntimo, por vários fatores inerentes à sociedade industrial na qual estamos inseridos.
Nossas alegorias religiosas infantis foram justamente abandonadas, mas o processo levou de roldão também a nossa consciência do eu como uma entidade mística. O meio-ambiente, cenário de nossa existência, tem sido desgraçadamente desmanchado, para alimentar e dar lugar ao leviatã industrial, em detrimento de nossa interação. À medida que o ritmo da vida se acelera, o valor da instrospecção por outro lado é engolfado – exceto talvez na arte, a qual é até encorajada a se tornar mais e mais grotesca. O consumismo e a perspectiva do armagedon nuclear, oprimiu-nos a todos. Assim, com toda esta pressão sobre o eu, a Magia floresceu e tomou uma cor distinta de seus antecedentes historicos. Ocorre ao mesmo tempo uma considerável necrofilia e ecletismo e um fervor poderoso por práticas anacrônicas. A Física Quântica esfrega-se nos ombros do Xamanismo natural e exercícios tântricas são empregadas com fins parapsicológicos envolvendo experimentos de telepatia entre microprocessadores linkados via satélite, em meio à fumaça gótica de incenso elevando-se de brazeiros feitos em casa.
Renascimento é mercado pela presença de pessoas renascentistas, e o mago contemporâneo é o seu supra-sumo no sentido em que a denominação mais se aplica. A par das convenções e paradigmas de sua época, ele olha para trás e para frente no tempo, buscando justamente por técnicas eficientes para frustrar-los. A Religião e a Magia neo-religiosa que a enfrentou, já morreram ou estáo em seus estertores.
Nasce o Cientista Feiticeiro!!! ”
Peter J. Carrol, por José Carlos Neves
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Uma resposta em “Magia do Caos: o ocultismo no contexto pós-moderno”
Excelente Texto!