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Magia do Caos

Liber HUAHUAHUA: o banimento por gargalhada

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Tamosauskas

Mas o que há de tão alarmante no riso? O riso mata o medo, e sem medo não pode haver fé porque sem medo do Diabo não há mais necessidade de Deus.”
Em Nome da Rosa, Umberto Eco

A risada faz parte do arsenal espiritual de várias tradições. Ela está presente no humor judaico, nos koans do zen-budismo e nas histórias sufis de Nasrudin e é usada ritualisticamente dentro da Umbanda e do Seicho-No-Ie. A razão é simples. Quando as pessoas riem dão uma rasteira no censor psíquico aquilo que não pode ser posto em palavras torna-se acessível.  Há mesmo algo de miraculoso na risada. Quando você ri até a sua barriga doer é como se engravidasse daquilo que Nietzsche descreveu como “o caos dentro de si que pode dar à luz a uma estrela cintilante.”

No ocultismo Aleister Crowley fala sobre igualmente profundo abismo do choro e do riso. em seu Liber 333 (O Livro das Mentiras) no qual sugere que a comédia e a tragédia são igualmente místicas:

“O Universo é a piada prática do geral as custas do particular, declarou Frater Perdurabo, e riu.

Mas aqueles discípulos mais próximos a ele choraram, vendo a Tristeza Universal.
Aqueles perto deles riram, enxergando a Piada Universal.
Abaixo destes, determinados discípulos choraram. Então alguns riram.

Outros próximos choraram.
Outros próximos riram.
Próximos outros choraram.
Próximos outros riram.

Por último vieram aqueles que choraram porque não conseguiram
enxergar a Piada, e aqueles que riram para que não se pensasse que eles não conseguiram enxergar a Piada, e acharam que seria seguro agir como Frater Perdurabo.

Mas, apesar de Frater Perdurabo ter rido abertamente, também Ele ao mesmo tempo chorou secretamente; e n’Ele Próprio não riu nem chorou.

Nem quis dizer o que disse.”

Essa anedota fala bem sobre a vacuidade que está dentro da cebola da vida depois que você  a descasca, mas embora Crowley tenha sido um mago bastante irreverente e tenha feito de fato muitos rirem e chorarem – e alguns morderem o travesseiro enquanto faziam isso – foi na Magia do Caos que o humor realmente ganhou destaque e importância.

Talvez como uma reação ao ocultismo do passado que se via como um concorrente da religião institucionalizada e era muitas vezes incapaz de enxergar sua própria porção do ridículo, o humor está presente na corrente da magia do caos desde os seus primeiros anos. Já no Principia Discordia, ‘Malaclipse, O Jovem’ diz com todas as letras: “Às vezes eu levo o humor sério. Às vezes eu levo a seriedade com humor” ou como disse “Bob” de sua forma mais calhorda: “Quanto mais idiota uma pessoa parece mais importante ela deve ser”. O discordianismo assim como sua versão premium, a Igreja de Subgenius e sua versão política, o Groucho-Marxismo, mostraram que a sátira é uma flor de lótus na lapela do terno de Buda. Quando ela esguicha água para fora questiona as autoridades e quando esguicha para dentro nos faz rir de nós mesmos.

A irreverência é portanto uma forma de proteção contra o fanatismo não importa a grossura das paredes do seu templo. A maior prova disso é que G.K. Chesterton conseguiu fazer isso dentro do catolicismo romano. Como ele mesmo disse “o teste de uma boa religião é se podermos fazer piadas com ela”. De fato, se você está em algum lugar em que não pode rir provavelmente alguém está tentando se impor sobre você. Quando somos expulsos de algum lugar porque o riso é grande demais para dividir a sala com a autoridade somos de fato todos Charlie Hebdo.

100 chibatadas se você não morrer de rir!

Banimento por Gargalhada

Apesar do histórico de irreverência dentro da magia caótica foi com Peter J. Carroll e sua trupe da Iluminados de Thanateros que a risada tornou-se uma ferramenta com fins mágicos bastante práticos. Nascia o filho bastardo do ritual do pentagrama: o Banimento por Gargalhada.

Esta prática que visa substituir os antigos rituais de banimento e purificação da magia cerimonial. A razão por trás disso é que qualquer ritual de uma forma ou de outra estará sempre impondo um túnel de realidade, uma forma de ver o mundo e um conjunto de crenças. A risada por sua vez é a negação completa de tudo sem a necessidade de colocar algo no espaço gerado. O humor é exatamente esta descontinuidade do padrão mental. É por isso todas as piadas estão sempre baseadas em um punchline, uma virada inesperada na história, na lógica ou no significado do que estava sendo dito antes.

A prática consiste em simplesmente induzir a risada de preferência até o ponto em que se torna uma catarse psíquica completa.  Seja por seus efeitos fisiológicos, mentais ou sonoros a risada é capaz de obliterar qualquer pensamento – seja bom ou ruim, permitindo uma espécie de reinicialização cerebral, capaz de superar qualquer autoridade psíquica. É uma como bela descarga mental que manda toda merda embora.

Por sua natureza contagiante a risada de uma pessoa – mesmo quando é falsa ou previamente gravada – tem o pode de acender a hilária fagulha dentro de nós. Esse efeito é conhecido a muito tempo e é o princípio por trás da antiga popularidade do saco de risadas entre as crianças antes da televisão e do uso de trilhas de risadas nos shows de humor até hoje.

Em rituais em grupo quando um vê o outro dando risada, isso gera um poderoso efeito de retro-alimentação em cadeia que pode acabar em lágrimas e falta de ar. Mas este efeito também ocorre quando ouvimos e sentimos nós mesmos dando risada mesmo quando ela é forçada. Existe uma diferença entre mentira e farsa. A mentira tenta se passar pela verdade enquanto a farsa quer apenas tirar sarro dela.  Nesse sentido o começo do Banimento por Gargalhadas pode ser sim uma farsa,  não há problema nenhum nisso. Considere como um show de comédia que você apresenta para você mesmo e logo estará rindo de verdade.

Esta risada não precisa necessariamente estar relacionada com a situação corrente em que o magista se encontra, mas isso pode ajudar. Tente encontrar o ângulo absurdo do seu contexto. Que diabos você fazendo pelado dentro desse desenho no meio da sala!? Você pode ainda provocar o riso por meio de sons e vídeos gravados ou simplesmente usando a memória para recuperar momentos que foram realmente cômicos.

Alguns recursos que podem ajuda a induzir a risada:

Palhaçada como Xamanismo

É longa a história do sacerdócio do riso. As primeiras pessoas dedicadas a ele eram mendigos corcundas, aleijados e demais excluídos sociais que tendo perdido toda dignidade faziam às pessoas rirem em troca de esmolas. Eram em muitos sentidos pessoas mortas para o mundo e para a sociedade. Mas o que é a morte senão a porta de entrada da iniciação?

Os bufões, por não terem mais nada a perder não tinham medo do ridículo e podiam fazer e falar aquilo que os outros não se atreviam. Com isso alguns bufões ganharam destaque em suas sociedades.

Pense em Diógenes – que morava em um barril igual o Chaves – e que na Grécia Antiga falava o que queria, inclusive para Alexandre o grande. Por Zeus, ele jogou um frango depenado em Sócrates quando ele definiu o ser humano como um bípede sem pelos ou penas. Outro famoso bufão foi o chinês Yun Sze que caçoou tanto e fez tanta piada da ideia de pintar a monumental Muralha da China quando ela ficou pronta que o Imperador acabou desistindo da ideia.

Em algumas culturas os bufões se tornaram as figuras dos palhaços-sagrados. Os bufões do Egito foram os pigmeus imitadores de Bes, o deus anão. Eles se vestiam com pele de leopardo e dançavam de modo a fazer “a corte rir e faraó se regozijar”. No xamanismo a figura do palhaço-sagrado é bastante comum. Entre os Krahôs esse personagem recebeu o nome de Heyoka e cura ainda hoje os males destes nativos americanos através do riso. Entre os índios pueblos os Koyemshi são palhaços dançarinos que de forma obscenas e sacrílegas pontuam cerimônias religiosas como um sinal de presença dos seres primordiais.

Esta antiga tradição de fazer as pessoas expulsarem demônios atirando bebidas pelo nariz nomeio de um gole continua atualmente sem interrupção. Os palhaços-sagrados tornaram-se mais tarde os bobos da corte, os palhaços de circo, os humoristas e os comediantes dos dias de hoje.

A gargalhada vos libertará

Você não precisa ser um magista para se beneficiar das vantagens do humor como uma ferramenta transformadora. A risada tem comprovadamente efeitos positivos no alívio do stress e na promoção da saúde física e mental. Apenas tome cuidado para não deslocar a mandíbula ou morrer de tanto rir.

Faça uma experiência e realize o banimento por gargalhada por uma semana e veja como isso afeta seus pensamentos, comportamento e relação com as outras pessoas. Além disso procure outras razões para rir. Faça uma ação ridícula por dia. Aprenda a fazer os outros sorrirem e veja o poder transformador da realidade por trás disso (e talvez descobrirá que você é sim um magista).

Para te ajudar com isso no final deste liber há uma lista preciosa de obras sagradas e nomes de imortais sacerdotes realmente cheios de graça que você poderá consultar sempre que precisar.

Embora peças como “As Nuvens” de Aristófanes e “Comédias de Erros” de Shakespeare ainda façam suas plateias peidarem de tanto rir pelos teatros do mundo, optamos por manter na lista abaixo apenas sacerdotes e oráculos da era audiovisual cuja evocação é facilitada pelas mídias atuais. Guarde estes nomes para cultivar o riso e tenha-os em mãos  para quando o Diabo estiver sussurrando no seu ouvido ou Deus estiver falando alto demais.

Flexilis Pullus Index

(o índice do frango de borracha)

1896 – L’arrouser arrosé
1897 – Old Man Drinking a Glass of Beer
1898 – The Laughing Song – George W. Johnson
1899 – The Inexhaustible Cab
1900 – Cartoon Magazine
1901 – Le Déshabillage impossible
1902 – His Only Pair
1903 – Harry Langdon
1904 – Toilet humour
1905 – Max Linder
1906 – Humorous Phases of Funny Faces
1907 – Mack Sennett
1908 – Tonnerville Folks
1909 – Billy Quirk
1910 – The Latchkey
1911 – Too Keen a sense of humour
1912 – Charley Chase
1913 – Harold Lloyd
1914 – Mabel Normand
1915 – Court House Crooks
1916 – Lerry Semon
1917 – Buster Keaton
1918 – Ossi Oswalda
1919 – Popey
1920 – Hal Roach
1921 –  Felix the Cat
1922 – Our Gang
1923 – Dan Mason
1924 – The Spat Family
1923 – Charlie Chaplin
1925 – Isn’t Live Terrible?
1926 – Sam ‘n’ Henry Radio Show
1927 – Laurel e Hardy (O Gordo e o Magro)
1928 – Tex Avery e Silly Symphonies
1929 – Marx Brothers
1930 – Looney Tunes & Merrie Melodies
1931 – Wheeler & Woolsey
1932 – W. C. Fields
1933 – Roscoe “Fatty” Arbuckle
1934 – Famous Funnies Magazine
1935 – The Three Stooges  (Três Patetas)
1936 – Road to..
1937 – Topper
1938 – Bringing Up Baby
1939 – Its That Man Again
1940 – Pica Pau
1941 – Abbott & Costello
1942 – Cantinflas
1943 – Gracie Fields
1944 – Tin Tan
1945 – The Fred Allen Show
1946 – Dany Kaye
1947 – Candid Microphone
1948 – Candid Camera
1949 – Grande Otelo
1950 – Morth Sahl
1951 – Lucille Ball
1952 – Mad Magazine
1953 – Mazzaropi
1954 – The Tonight Show
1955 – The Muppets
1956 – A Praça É Nossa
1957 – Hanna-Barbera
1958 – Cracked
1959 – Quanto mais Quente Melhor
1960 – Robert Crumb (Zap Comix)
1961 – Chico Anysio
1962 – Jerry Lewis
1963 – Peter Sellers
1964 – Not Only… But Also
1965 – Woody Allen
1966 – Trapalhões
1967 – Gene Wilder & Richard Pryor
1968 – Millôr Fernandes
1969 – Monty Python
1970 – National Lampoon
1971 – Chespirito
1972 – The Goodies
1973 – Mel Brooks
1974 – Herman José
1975 – Saturday Night Live
1976 – Wilder & Pryor
1977 – Matt Groening
1978 – Garfield
1979 – Guia do Mochileiro da Galáxias
1980 – Os Deuses Devem Estar Loucos
1981 – Jim Carrey
1982 – Eddie Murphy
1983 – John Hughes
1984 – “Weird Al” Yankovic
1985 – Takeshi’s Castle
1986 – Mr. Bean
1987 – Married With Children
1988 – America’s Funniest Home Videos
1989 – Seinfeld
1990 – In Living Color
1991 – Comedy Central (South Park)
1992 – Mike Myers
1993 – Mike Judge e Adult Swim
1994 – Friends
1995 – Frat Pack
1996 – Adam Sandler, The Onion
1997 – Seth MacFarlane
1998 – Whose Line Is It Anyway?
1999 – Sasha Cohen, CollegeHumor
2000 – Jackass
2001 – Rick Gervais
2002 – The Apatow Gang
2003 – Os Tuneza
2004 – As Branquelas
2005 – Cracked.com,
2006 – Smosh, Funny or Die
2007 – Big Bang Theory
2008 – 9Gag
2009 – Modern Family
2010 – Nigahiga, PewDiePie
2011 – Bridesmaides
2012 – The Disastrous Life of Saiki K
2013 – Brooklyn Nine-Nine
2014 – BoJack Horseman
2015 –  La culpa es de Colón
2016 – Hitoshi Matsumoto Presents Documental
2017 – Toc Toc
2018 – Big Mouth
2019 – I Think You Should Leave with Tim Robinson
2020 – Ted Lasso
2021 – The White Lotus

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