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O insondável rastro de luz da lua cheia – meados de maio, meia-noite em algum Estado americano que começas com “I”, tão bidimensional que mal se pode dizer que possui uma geografia – o luar é tão urgente e tangível que é preciso fechar as cortinas para se poder pensar em palavras.
Nem pense em escrever para as Crianças Selvagens. Elas pensam em imagens – para elas a prosa é um código ainda não inteiramente digerido e sedimentado, assim como, para nós, ela nunca será totalmente confiável.
Graffiti – St. Kilda Road, Melbourne
Você pode escrever sobre elas, para que outros, que tenham perdido o cordão de prata, possam nos compreender. Ou escrever para elas, fazendo das HISTÓRIA e do EMBLEMA um processo de sedução de suas próprias memórias paleolíticas, uma bárbara tentação para a liberdade (o caos na compreensão do próprio CAOS).
Para essa espécie do outro mundo, ou “terceiro sexo”, les enfants sauvages, ilusão e Imaginação ainda são indissociáveis. JOGO licencioso: de uma só vez e ao mesmo tempo a fonte de nossa Arte e de todo o mais precioso erotismo da raça.
Abraçar a desordem como fonte de estilo e como armazém de volúpia, um fundamento de nossa civilização alienígena e oculta, nossa estética conspiratória, nossa espionagem lunática – essa é a ação (reconheçamos) de um certo tipo de artista ou de uma criança de 10 ou 13 anos.
As crianças, denunciadas por seus próprios sentidos purificados, pela brilhante feitiçaria de uma prazer belo, espelham algo de fatal e obsceno na própria natureza da realidade: anarquistas ontológicos naturais, anjos do caos – seus gestos e cheiros emanam para seu entorno uma selva de presença, uma floresta de presságios repleta de cobras, armas ninja, tartarugas, xamanismo futurístico, confusão incrível, urina, fantasmas, luz do sol, ejaculações, ninhos e ovos de pássaros – agressão cheia de alegria contra os crescentes gemidos daquelas Regiões Inferiores incapazes de englobar tanto epifanias destruidoras quanto a criação , como farsa frágil, mas afiadas o bastante para contar o luar.
No entanto, os habitantes dessas insignificantes províncias inferiores acreditam que realmente controlam os destinos das Crianças Selvagens – e aqui embaixo, tais crenças viciadas moldam, de fato, a maior parte da substância da casualidade.
Os únicos que realmente desejam compartilhar o destino travesso dos fugitivos selvagens ou crianças guerrilheiras (em vez de tentar controlá-lo), os únicos, artistas, anarquistas, pervertidos, heréticos, um bando à parte (distantes um do outro e do mundo), ou capazes de se encontrar apenas como as crianças selvagens se encontram, trocando olhares secretos à mesa de jantar enquanto os adultos tagarelam por detrás de suas máscaras.
Jovens demais para helicópteros de guerra – fracassados na escola, dançarinos de break, poetas púberes de vilarejos à beira da estrada – um milhão de centelhas caindo em cascata dos ‘rojões de Rimbaud e Mogli – frágeis terroristas cujas bombas espalhafatosas são amor polimorfo e preciosos fragmentos compactados de cultura popular – franco-atiradores punks sonhando em furar as orelhas, ciclistas animistas deslizando no crepúsculo cor de estanho pelas ruas com flores acidentais nos bairros mais miseráveis – mergulhadores ciganos nus fora de temporada, ladrões sorridentes, de olhar enviesado, de totens poderosos, troco pequeno e navalhas de pantera – estão em todos os lugares, nós os vemos – publicamos esta oferta para trocar a corrupção do nosso próprio lux et gaudium por sua perfeita e gentil imundície.
Compreenda: nossa realização , nossa libertação depende da deles – não porque imitamos a Família, estes “avaros do amor” que mantêm reféns para um futuro banal, ou Estado, que nos ensina a afundar num horizonte de eventos de enfadonha “utilidade” – não – mas porque nós e eles, os selvagens, somos o espelho um do outro, unidos e limitados por aquele cordão de prata que define as fronteiras entre a sensualidade, a transgressão e a revelação .
Nós temos os mesmos inimigos e nossos meios para o escapa triunfal também são os mesmos: um jogo delirante e obsessivo, energizado pelo brilho espectral dos lobos e seus filhotes.
Hankin Bey
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