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Lovecraft

A cultura do Caos

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A ficção de Lovecraft expressa um “primitivismo futuro” que encontra sua expressão esotérica mais intensa na Magia do Caos, um estilo contemporâneo eclético de ocultismo sinistro que deriva da Thelema, do Satanismo, de Austin Osman Spare e da metafísica do Oriente, bases para a construção de um sistema mágico completamente pós-moderno.

Para os magos do caos de hoje, não existe uma “tradição”. Os símbolos e mitos de inúmeras seitas, ordens e religiões, são tratados como construtos, ficções úteis, “jogos”. Os trabalhos mágicos não dependem da “realidade” da magia e sim da vontade e experiência do mago. Reconhecendo a possibilidade de que podemos estar à deriva em cosmos mecânico sem sentido em que a vontade humana e a imaginação são falhas vagamente cômicas (o “indiferentismo cósmico”, como o próprio Lovecraft professop), o mago aceita sua falta de fundamentos e abraça o vazio caótico criativo que é ele mesmo.
Assim como acontece com os cultos e grimórios ficcionais de Lovecraft, os magos do caos se recusam a aceitar qualquer forma de hierarquia, simbolismo e vieses monoteístas do esoterismo tradicional. Como a maioria dos magos do caos, o ocultista britânico Peter Carroll gravita em direção às Trevas, não porque ele deseja uma simples inversão satânica do cristianismo, mas porque ele busca pelo núcleo amoral e xamânico da experiência mágica – um núcleo que Lovecraft evoca com suas orgias de ritmos, tambores, cantos guturais e cornetas estridentes. Ao mesmo tempo, os magos do Caos, como Carroll, também sondam a ciência estranha da física quântica, teoria da complexidade e prometeísmo eletrônico. Alguns magos negros acabam sendo consumidos pelas forças atávicas que liberaram ou se tornam viciados na imagem do anti-herói satânico. Mas o mago mais sofisticado adota um modo equilibrado de existencialismo gnóstico que questiona todos os construtos, enquanto rejeita tanto o conforto frio da razão e do ceticismo quanto o suicídio nihilista, um xamã pragmático e empírico que consegue entrar em sintonia tanto com o materialismo cabeça dura de Lovecraft quanto com seus horrores.

O primeiro ocultista que realmente pôs em prática essas noções foi Aleister Crowley, que destruiu os receptáculos da tradição oculta ao mesmo tempo em que, criativamente, extendia o reino sombrio da magia para o século XX. Com sua imagem extravagenta, textos malandros e sua famosa Lei de Thelema (“Faze o que tu queres deverá ser o todo da lei”), Crowley questionou as certezas esotéricas de revelações “verdadeiras” e linhagens “legítimas” e foi o primeiro mago que deu para o antinomionismo oculto um toque decididamente nietzschiano.
Irrestrita, esta vontade oculta de potência pode facilmente se degenerar em um elitismo impiedoso, e as dimensões fascistas e racistas do ocultismo do século XX e do próprio Lovecraft não deve ser esquecido. Mas esta vontade criativa e auto geradora é expressa de forma mais exuberante como uma Vontade de Arte.
De muitas maneiras, o ocultismo fin de siècle, que explodiu durante o tempo de Crowley foi um esoterismo essencialmente estético. Um bom número de magos do século XIX que nos inspiram hoje são os grandes poetas, pintores e escritores do Simbolismo e Romantismo Decadente, muitos deles curiosos ou adeptos do Satanismo, do Rosacrucianismo e das sociedades herméticas. A Ordem Hermética da Aurora Dourada foi infundida com pretensões artísticas. Arthur Machen membro da Golden Dawn e escritor de literatura fantástica foi um das mais fortes influências de Lovecraft.
Mas foi Austin Osman Spare quem dissolveu de forma definitiva a fronteira entre a arte e a magia. Apesar de trabalhar de forma independente dos surrealistas, Spare também baseou sua arte nas erupções sinistras e autônomas de material do “subconsciente”, embora em um contexto mais abertamente teúrgico. Os magos do caos de hoje tem em Spare sua maior influência e seus ritos Lovecraftianos expressam essa dissolução que é simultaneamente criativa e niilista.

por Shub-Nigger, A Puta dos Mil Bodes


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