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A primeira geração de cristãos foi composta de pouco mais de três mil batizados. Toda essa gente não bastaria hoje para encher um navio de cruzeiro. Um destes navios de médio porte que geralmente viaja por rotas calmas procuradas por turistas. Mas as águas estavam turbulentas e a modesta tripulação da igreja primitiva logo atrairia toda espécie de tubarões.
Logo no começo, os cristãos foram vistos como hereges pelos judeus e como judeus pelos romanos. O Império só perceberia valor político da nova fé trezentos anos depois. Odiados por todos os lados, século um do cristianismo foi também o maior em número proporcional de martírios. Santo Estevão foi o primeiro. Sua morte foi tão precoce que nem esperou São Paulo se converter e está registrada no Novo Testamento (Atos 6 e 7). Mas Estevão foi apenas o pioneiro de muitos que passaram pelo moedor de carne da intolerância por se recusarem a negar tudo aquilo que testemunharam em Jerusalém.
Pense por um instante nisso. Se Jesus nunca existiu, como alguns dos inimigos da igreja dizem hoje, porque tantos contemporâneos deram suas vidas por ele? Poderiam se salvar simplesmente negando o que diziam, mas não o fizeram. Deve haver uma razão muito forte para isso. Há alguma verdade pela qual você morreria? Segundo estes milhares de mártires, sim. A verdade que morreu por você.
O Não-Martírio de São João
Somente um apóstolo, São João, não foi assassinado e nenhum deles teve uma vida tranquila. São Pedro e Santo André foram crucificados. Tiagão foi decapitado e Tiaguinho apedrejado. Mateus e Simão transpassados por espadas e Tomé por flechas. Bartolomeu, amarrado em um saco e jogado no mar. São João foi o único que morreu de causas naturais. Mas porque ele não foi condenado a morte? Bom, ele foi.
Conta a tradição que após a assunção de Maria, João foi preso pelas autoridades romanas. Ele foi condenado à morte por mergulho em óleo fervente no meio do Coliseu. Foi dia de casa lotada. O problema é que ao ser mergulhado João não queimava. Em vez disso, como o pica-pau no caldeirão do Zé Jacaré, tomou um banho de óleo espetacular e saiu ileso. Em vez de matar um cristão aquele evento fez muitos cristãos nascerem, convertidos pelo espetáculo.
João foi exilado em uma ilha onde terminou de escrever o livro do Apocalipse, mas este episódio evidenciou uma das maiores lições do primeiro século. Nas palavras de Tertuliano: “O sangue dos mártires é a semente de novos cristãos”.
O Sangue como Fermento
A parábola que Jesus falou sobre o Reino dos Céus ser como fermento fazia muito mais sentido agora que a massa da igreja crescia enquanto apanhava. E essa massa procurava os apóstolos por respostas:
Jesus volta quando?
Espírito Santo é Deus?
Só judeus podem ser cristãos?
Jesus volta quando?
Às leis de Moisés ainda valem?
Jesus é Deus?
Jesus volta quando?
Jesus volta quando?
Jesus volta quando?
A sensação da igreja desde essa época é que a qualquer momento Jesus pode descer dos céus. Mas enquanto isso não ocorria às pessoas precisavam de orientação. Quando os apóstolos perceberam que a cena pós-crédito era por conta deles começaram a perceber o tamanho da responsabilidade que tinham em mãos. Não havia tradição nem ‘sola scriptura’ para se apoiar. Não havia bíblia, não havia catecismo, não haviam hinos cristãos e nem teologia sistemática. A palavra “trindade” nem havia sido inventada. Eles precisavam não apenas sobreviver, mas colaborar para que a igreja também sobrevivesse.
É essa história que será contada nos próximos posts sobre os cem primeiros anos da cristandade. Os cinco papas iniciais, todos eles já canonizados, serão nosso fio condutor. São Pedro, São Lino, Santo Anacleto, São Clemente I e São Evaristo eram pessoas bastante diferentes, mas todos eles tinham algo em comum: um pepino do tamanho do Templo de Salomão. Com as mãos no leme daquele navio de cruzeiro que mencionei no começo do artigo, buscaram inspiração divina e olharam para os céus na esperança de tempo bom.
E o que enfrentaram foi tempestade.
Thiago Tamosauskas é escritor autor de Santos Inesperados e Principia Alchimica e colaborador frequente do Morte Súbita inc.
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