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Lord A:. (Especial para o Morte Súbita)
Outro dia me dispararam esta pergunta e achei no mínimo interessante. Apoteótica, inclusive. Será que no Vampirismo ou ainda no Vampyrismo enquanto espiritualidade e mística através da sua Iniciação e “Adeptado” podemos eliminar a possibilidade de reencarnações futuras? Podemos viver só no astral a partir daí e ainda retermos nossa personalidade? Podemos tornar esta nossa última encarnação neste selvagem jardim?
Olha eu acho isso pura vaidade. Vaidade das vaidades, inclusive.
Mas o quanto um pecador e perdido pode falar disso tudo?
Roubo um trecho de Anne Rice para ganhar tempo e o compartilho antes de prosseguir:“Quem sabe como o firmamento me parecerá glorioso com todas as suas nuvens a se separar em suas entrelinhas perdidas, enquanto subo muito acima da Terra e abro bem meus braços, como se em mim não houvesse nenhum desejo de algum calor ou de algo bom.”
Reencarnação ou viver no astral é uma questão aberta e que demanda primeiramente acreditar ou aceitar a possibilidade de reencarnação. Ou de abrir os olhos no post-mortem e ver que algo continuou existindo. O que já rende um assunto bem extenso, polêmico e controverso. Vou tentar responder a pergunta sem relativizar e no viés do que encontrei na prática nos últimos 25 anos nesta trilha.
E se você for um niilista convicto?
Já não adianta nada prosseguir neste tema e o mesmo nem faria sentido algum.
Geralmente falar de reencarnação ou de continuar existindo depois da vida, vem atrelado ao papo de evolução pessoal, do mundo ou ainda do universo estar indo para algum lugar e isso sempre reúne muitas apostas e tons alucinatórios dos envolvidos no papo estarem sendo a melhor versão de si e agindo do único lado certo e evoluído pacas bem como outras coisinhas que não convêm dizer. Só há um tema mais picante do que este o tráfico de matéria entre a realidade sublime e a ordinária, essa deixo para quem sonha na casa das bruxas do conto de Lovecraft.
Nada contra ninguém, mas adentrar nas minúcias do contexto da reencarnação ou vida depois da morte, desviaria o foco. O que mais importa para um Vamp está acontecendo agora no presente e não no futuro hipotético.
Novidade?
Parafraseando Blaisé Pascal, apostar contra a reencarnação ou vida pós morte neste caso é como apostar desafiando o infinito. E apostar contra o que é indeterminado é uma aposta perdida. Aliás, os termos indeterminado e indeterminável podiam ser mais utilizados pelos meus nobres amigos e amigas – que trilham os caminhos do ocultismo e da magia lidando com o que o que é de natureza indeterminável.
Respeitando as variáveis neste repertório tem muita coisa interessante neste tema de reencarnação e vida após a morte publicada hoje aqui no Brasil. Se vocês me pedem por algumas obras que apreciei, eu indico: Espiritismo Judaico, da Andrea Kogan; A Alma Sobrevive, do Rabino Elie Kaplan Spitz (isso mesmo um rabino escrevendo sobre isso nos dias de hoje). A jornada do leitor mais voraz pode incluir o interessante “A Evocação dos Mortos, de Charles Lancelin” pela Editora Mubarak que conta com a tradução e as notas do Rafael Daher. A mesma editora disponibilizou um catálogo chamado Espiritismo Científico que inclui obras como: “O Livro Prático dos Espíritos – Um Manual Completo para a
Mediunidade” de Achille Borgnis; “A Comunicação com o Outro Mundo” de W.T. Stead e ainda o “Escutando os Mortos”, de Gabriel Dellane e Gabriel Bourniquel. Nada mal. Mas tem ainda mais. “O Manual do Necromante do Damien Voorhees” ou ainda as obras da editora Manus Gloriae da Tatianie Kiosia são excelentes pedidas que recomendo sem pestanejar. No entanto, se tudo que você procura é um bom livro de contos, existe um, bastante raro chamado “O Necromante” do Vander Schulz Nöthling publicado em 2014; o primeiro livro de contos Vampyrescos publicado no Brasil.
O que é de natureza indeterminável, é assim para quem encara com alguma coragem que nem tudo precisa – ou que ainda pode – ter uma resposta. É como encarar o fato de que felicidade é passageira, por isso valorizada quando vem. Lidar com isso demanda fundamento e saber voar através da escuridão e atravessar o momento de angústia, sabendo da sua cronicidade. Idealizações, paixões e excessos de personalização e de ego impossibilitam estes voos e acessos e quando o permitem monstros nos aguardam, como insinua o quinto dia e as deidades furiosas do Bardo Thödol.
No mundo de certezas, garantias e controles que vivemos; onde o espiritual é feito de planilhas de Excel com metas a serem atingidas a cada Sefirat Ha Omer (ou similares) e estrutura de repartições públicas ultra burocráticas no pós vida – muita certeza, tudo muito determinado. E quando as coisas se tornam muito determinadas nesses prados comandados por aqueles que existem fora do nosso tempo, convêm inspirar, expirar e retornar aos exercícios mais básicos. Senão vamos ficar como os europeus dos tempos medievos ficavam com as supostas cartas do Preste João. Uma espécie de rei lendário que convidava todos para visitarem suas terras. Mas olha, sou generoso e cordato para dizer que diante do desconhecido e de um tema delicado como a morte ou da reencarnação cada um se familiariza ou lida com essa passagem como pode e até onde alcança. Mas sugiro que considerem a ideia de indeterminado, ela é mais vasta do que aparenta.
Nas Casas Vampíricas e Vampyricas nos anos noventa as práticas e as ideias em linhas gerais focalizavam uma visão de existência post mortem na ilha dos escolhidos (tipo um Elysium Grego ou a Ilha dos Jovens) e um traço reencarnacionista que envolvia um tempo de aprendizado no mundo espiritual e um retorno misterioso para cá. Falava-se muito da força do Sangue dos ancestrais presentes na sua própria linhagem. Nada realmente muito diferente do que circula no papo geral sobre este assunto em outros lugares, talvez expresso de maneira mais apimentada e tematizada. Alguma influência celta (era o Hemisfério Norte, afinal), Vodoo e Hoodoo entravam sutilmente no tema em alguns casos, mas sem grandes novidades. Nada daqueles delírios do Herculano Pires e da FEB que circulavam no Brasil sobre espíritos obsessores confundidos com vampiros. Muita ficção de péssima qualidade foi escrita com base nisso. De volta ao contexto Vamp, havia um traço xamânico: os vampiros vivos doavam o excesso das “energias” dos ritos aos vampiros mortos que correspondiam com bênçãos e auxílios variados – se realizados dentro de alguns fundamentos e parâmetros. Embora esta troca ou permuta não emoldurava ou configurava na razão de ser ou foco principal da prática. Existia uma causa última que não era o comércio com o outro lado. Era sobre viver sua “natureza perfeita”, compartilhar, agradecer e se orientar junto de quem, digamos, enxergava mais claramente e do alto da montanha – os ídos, os Daemons e outros. Havia algum treinamento sobre como reconhecer e se aproximar dos mesmos em cada casa ou família. Ainda assim,nos materiais encontrados nas décadas seguintes, tudo parecia meio distante como uma receita, coisa da ampla influência luterana e protestantes tentando emular algo mais temperado e de teor muito mais latino – que nós chamamos como “Daemônico” em nossas terras abaixo do Equador..
Já no começo do século 21 e no que veio dali, as coisas ficaram mais rasas, parecia um grande copiar e colar de qualquer jeito o que vazava de apostilas dos graus mais básicos das casas e famílias mais antigas. Como o fundamento permanecia velado, os mais novos passaram a fazer de qualquer jeito. O papo do Vampiro Vivo e do Vampiro Morto continuou, comunhões para os vivos reforçarem a energia dos vagantes agora eram feitas de qualquer jeito no meio de uma “balada” por exemplo. Muitos “Kiumbas” como dizemos no Brasil se aproveitam disso até hoje. Tudo parecia quase como uma experiência “só pela sensação estranha”, tal como brincar de tábua Ouija, jogo do copo ou desenhar sigilo de demônio goético em post it e dizer que era a mesma coisa do que se houvesse sido feito respeitando fundamentos mais apropriados. Não há o que se discutir quanto a isso.
Olha, com tudo isso apenas quero pontuar que existe algo perene, há fundamentos e sem estes é muito fácil cair na presunção, no alucinar e no delírio que conduz ao fracasso – como em qualquer outra “via mágicka”. A história de se viver a última encarnação neste mundo (o ápice dos predadores espirituais) ou de não reencarnar mais aqui virou uma modinha em muitas publicações – assim como gente disposta a se afirmar dessa maneira pela popularidade que vinha disso. Mais ou menos como um ateu toddynho da década passada, é muito fácil restringir a percepção e o seu túnel de realidade apenas ao que você entende e consegue relativizar. Não admira que desse ponto em diante os mesmos só consideravam ação espiritual tudo que acontecesse apenas da maneira como entendiam ou convencionaram socialmente. Como dizem, todo dia um otário e um espertalhão saem de casa, seja no mundo espiritual ou aqui mesmo na realidade comum. Quando ambos se encontram dá negócio. E até hoje assisto desfechos trágicos de quem vai dessa maneira, termina todo mundo nas igrejas neopentecostais – ou tomando enteógeno na sede de partido político jurando estar do único lado inteligente, verdadeiro e que sabe das coisas.
Mas e quanto a uma vida pós morte e a reencarnação no Vampirismo?
Fique tranquilo quando a morte vier você não estará mais, como dizia o filósofo. Se pensarmos que aquilo que morre é a “persona” ou ainda o “ego” esta na prática já é a primeira e última encarnação de qualquer iniciado – nessa já estou pegando carona nas ideias de Robert Anton Wilson, Lon Milo DuQuette, Israel Regardie, Kenneth Grant e Aleister Crowley. O que nos leva ao “algo que permanece e este não é a persona ou
tampouco o ego” e isto vai ser endossado como a escolha mais sábia pois é a culminação da transparência ou da Verdadeira Vontade e tal. E não é a respeito de se fundir a deidade ou partir para a luz.
De qualquer maneira rola aqui uma despersonalização. Você vai para onde é afim e sabendo fazer logo está na ativa novamente do Outro Lado. Mas atuando em algum reino, legião e afins. O que é algo bem perene.
E este aí acaba sendo o calcanhar de Aquiles do povo hoje em dia, vivemos na era do controle e da garantia na “magia”, onde todo mundo quer renascer espiritualmente mas ninguém quer morrer. Despersonalizar? Uma afronta! Muita gente quer só tabelas que reforcem suas certezas absolutas e ideias fixas para desferir censuras e afirmarem como são melhores, mais evoluídos e sabem mesmo das coisas. Muita idealização na parada e a frustração que vem de se jamais alcançar o que se idealiza é visto como ataque astral, mágicko, vampirismo ou ação de obsessor. Tempos desencantados.
Mas vamos sair disso.
Daquilo que posso falar abertamente de nosso legado, Sahjaza a prática e ideia de viver bem nas próprias medidas e expressões é convergente e principalmente realizar aquilo que se propõem ou encontram no seu “Destino”. Já experimentamos a primeira morte no “Despertar” se pensarmos bem e na pior das hipóteses na Iniciação. A dimensão ou vida interior transborda em nossos atos e no que realizamos na prática, não sendo exatamente um lugar secreto e inacessível que ninguém vê ou sente nada. E que tampouco aonde pode se esconder de si ou dos outros. Sua história de vida dá o tom da sua força e você é e sempre será o seu melhor feitiço.
Isso é muito próximo de Mortos Poderosos, Ancestrais e afins. É um “Grande Ir”.
A literatura ocultista do século 21 prioriza que você escolha em se tornar “parte do todo” ou então “se tornar um novo todo” – uma deidade de um novo universo. Isso é com sorte, novamente uma extensão do que você foi ou como agiu em vida. Triste de quem espera escola do outro lado. Mas vamos concordar no ponto mais delicado: Você irá trabalhar onde lhe é mais afim e criar vida a partir de você, seja ajudando outros o que de certa maneira acaba sendo criar vida e ser transformado com as lições que vierem daí. Algo deve ser considerado neste ponto: Sempre há quem chegou antes ou simplesmente sempre esteve por lá e sabe mais, muito mais do que sabemos. E geralmente, infinitamente mais cuidadosos – e aptos para lhe jogarem dentro de um looping ou matrix pessoal – semelhante aquela de quando você idealiza demais e faz de conta demais sobre as coisas e não realiza nada – ou se frustra como o resultado obtido e retorna para a idealizar mais recusando a natureza prática. E como nada é de graça, alguém ou algo se alimentará de você meu caro Hamster! Então, vamos torcer para estes não serem contrários às suas ambições e vaidades. Se por aqui isso já acontece de monte porque não aconteceria do outro lado também? Não faltam hamsters na roda de Samsara.
Nestes 25 anos eu deveria aprender a meter no meio dessas crônicas uns nomes cheios de apóstrofes de algum idioma falado nos desertos e tratar tudo como revelação misteriosa.
Mas algumas coisas não estão em mim ou eu não estou nelas.
Um exemplo. Se pensarmos em termos dos famosos diagramas da cabala leiga da árvore da morte ou da vida, existem pelo menos umas 10 versões da gente em cada uma das suas atmosferas com suas ênfases nas suas respectivas nuances coexistindo ao mesmo tempo. Desde as mais robóticas pautadas na expectativa dos outros sobre o que fomos – a outras mais independentes e até mesmo sinistras. Quem já encontrou a minha em Daath ou Binah sabe. Deixa fazer melhor essa conta, 10 Sephirot e 10 Qliphoth, rende ao menos 20 camadas ou versões suas, só por alto. Cada uma mais próxima da natureza daquele reino onde está. Onde você estará de Verdade? Será que há um foco de você (meio despersonalizado) que transita cada hora em algum desses corpos sublimes?
Entenda, estou apenas usando respeitosamente tais mensurações para ilustrar a ideia deste nosso papo. E sei que estou sendo levemente herético.
Outro ponto.
Mas e quanto ao Ego sobreviver depois da morte física?
Manter a personalidade que foi em vida. Não é algo incomum, o que não falta é morto oportunista e gente pedindo demais tudo aos tais que se passam pelo que a pessoa quiser para ganharem atenção e durarem mais um pouco. Os africanos chamam eles de Kiumbas. Boa parte da necromancia é sobre ir lá no túmulo dos recém-mortos oferecer cachaça, fumo e despachar os tais para suas missões. Principalmente a partir de cemitérios menos favorecidos, onde são mais sedentos e famintos. Claro, que tudo isso tem consequências e os mesmos lugares tem seus respectivos donos e donas – inexiste impunidade ou facilidades neste segmento. E você fica com mais e mais daquilo que se nutre ou convive.
Isso te liberta ou te aprisiona? E quanto a âncoras?
Você pode fazer uso de âncoras como: assuntos inacabados, certos traumas e apego instintivo ou cultivado a certos objetos e locais, certos hábitos positivos ou negativos também fazem parte e formam um repertório bastante rico do tema no imaginário popular de todas as eras e reinos sobre este tema.
O exercício mais simples de todo que o “Reality Check” ou o “Teste de Realidade” para quem pratica artes oníricas ganha ares mais sofisticados aqui. Lembra do disse umas linhas acima sobre um foco de você que transita através de incontáveis corpos sublimes? Como confirmar a realidade de qual estará visitando? Um reality check, quem sabe! Mas tal como sonhos, só sabemos que estamos em outro sonho quando acordamos do anterior.
Em todos os casos haverá a necessidade manter a coesão desta “casca” e sua pretensa autonomia – uma vez que estará muito mais próxima de se tornar um autômato ou algo robótico e algorítmico, atendendo expectativas e sujeito às próprias ansiedades aqui nos planos mais densos do que você realmente gostaria. Não se assuste, isso pode rolar em vida também – observe a existência de quem tem político de estimação, por exemplo. E como as suas vidas oscilam para lá e pra cá no mar das paixões; o mundo estava indo para o lugar certo…
E o que não lhe garante que, digamos seus outros 19 corpos sutis das outras atmosferas também não estarão por aí achando que são exatamente você de verdade, lá onde estão quando aquele seu foco de atenção não está lá? Talvez o último episódio da série da Marvel chamada WandaVision que menciona o Paradoxo do Navio de Teseu, sirva como uma boa analogia aos mais bravos.
Onde estará você bem agora?
Resta ainda a questão da Alma, esta, que viaja através do Espírito – e que não é destruída e tampouco vendável ou passiva de venda e de trocas. Já falamos demais e só esta última sentença dá pano de manga para se tornar um outro vasto universo. E falo sério. Enquanto isso, considerem manter nas suas falas os termos indeterminado e indeterminável, é mais elegante. Retorno em momento oportuno.
Lord A:. tem mais de 10 livros publicados no Brasil e com mais de vinte anos de estrada na senda do vampyrismo. Respeitado não apenas no Brasil, mas também na Comunidade Vampyrica internacional, é rei da Dinastia Sahjaza e desenvolve o Círculo Strigoi desde 2006. Como autor, é um criador de mundos, tendo escrito o sucesso Mistérios Vampyricos (Madras Editora, 2014), Deus é um Dragão (Penumbra Livros, 2019) e a série Codex Strigoi (Selo Literário Rede Vamp, 7 volumes iniciados em 2017). Também organiza encontros, eventos, festas e passeios culturais. Apresenta o programa de rádio e Podcast Vox Vampyrica (quinzenal, desde 2006); o AcessoRedeVamp (desde 2020, diário) e é o editor-chefe do portal da Rede Vamp.
Site Oficial: https://redevampyrica.com/lord-a-oficial/
Alimente sua alma com mais:
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