Categorias
Egiptomania

Uma Visão do Todo a Partir da Tríade Amon-Rá-Ptah

Este texto foi lambido por 204 almas esse mês

Ítalo P.

Proponho neste artigo uma contemplação não-dualista¹ da totalidade do universo, utilizando como referência a concepção triádica de três grandes deuses egípcios. O objetivo não é descrever detalhadamente a maneira como os egípcios compreendiam seus mitos, mas oferecer uma perspectiva da unidade cósmica por meio de uma estrutura simbólica e teológica triádica.

Os antigos sacerdotes egípcios frequentemente organizavam os deuses em tríades para conectar cultos locais e promover a unidade na diversidade de crenças. Essas tríades eram expressões de uma simbologia complexa e sofisticada, demonstrando um esforço contínuo para articular a multiplicidade de forças divinas dentro de um sistema coeso. A tríade Ísis-Hórus-Osíris é talvez a mais conhecida no imaginário ocidental, mas outras tríades também desempenharam papéis fundamentais, como Hórus-Hathor-Harsomtus, Ptah-Sekhmet-Nefertum e Khepri-Ré-Atum. No período de Ramsés II, a tríade principal era composta por Amon, Rá e Ptah, representados juntos no grande templo de Abu Simbel.

Amon, Rá e Ptah: A Tríade Cósmica

Amon: O Oculto

Amon, cujo nome significa “O Escondido”, representa a essência primordial invisível, além da compreensão humana. Nos textos religiosos, ele é frequentemente descrito como a fonte misteriosa de todas as coisas. Como o Hino a Amon de Leiden destaca:

“O teu corpo era misterioso entre os Antepassados. Escondeste-te enquanto Amon, à cabeça dos deuses. Transformaste-te em Tatenen para colocares no mundo os deuses primordiais, no teu primeiro período primordial.”

Rá: A Luz e a Ordem

Rá, o deus solar de Heliópolis, simboliza a luz, a vida e a ordem que permeiam o universo. Ele é o criador que sustenta a existência ao trazer clareza e organização ao caos primordial. Sua força vital é o que mantém o cosmos em equilíbrio.

Ptah: O Criador Universal

Ptah, o deus de Mênfis, encarna a força criadora e a habilidade de dar forma à matéria. Ele cria através do pensamento (coração) e da palavra (língua), como afirmado na Pedra de Chabaka:

“Ele é Ptah, o mais antigo, que transmitiu a vida a todos os deuses, assim como aos seus kau, através deste coração, pelo qual Hórus se tornou Ptah, e através desta língua, pela qual Thoth se tornou Ptah.”

A Fórmula Amon-Rá-Ptah

A combinação desses três deuses em uma única realidade suprema é uma das expressões mais ricas da teologia egípcia, como exemplificado no Hino a Amon de Leiden:

“Três são os deuses: Amon, Ré e Ptah; não têm quem se lhes equipare. Amon é o seu nome, enquanto oculto; Ré é a sua face e o seu corpo é Ptah.”

Essa concepção teológica apresenta uma visão unificada da totalidade cósmica, onde a multiplicidade do panteão é condensada em uma estrutura triádica. O número três, ao mesmo tempo em que reflete a diversidade, enfatiza a unidade. Amon simboliza a base invisível que permeia o cosmos, Rá representa a luz que revela e sustenta, enquanto Ptah é o corpo universal, o agente criador que estrutura e regula os fenômenos.

A Tríade como Simbolismo Místico

A estrutura Amon-Rá-Ptah transcende a literalidade dos mitos egípcios. Em uma perspectiva simbólica, os deuses personificam conceitos perfeitos e infinitos, tornando-se acessíveis à mente humana. Essa personificação permite o salto para uma experiência além do racional: a visão mística não-dual.

Ao contemplar a natureza e a si mesmo, o indivíduo pode perceber que tudo é uma expressão do mesmo Ser Cósmico. A diversidade do universo é um reflexo da fonte primordial que está além das formas (Amon), manifesta-se através da luz (Rá) e se concretiza como o próprio universo material (Ptah). Como expressa o autor:

“Meus olhos são os olhos da tríade, minhas ações são as ações da tríade, minha epifania sobre o divino é a revelação da tríade em mim.”

Reflexões Finais

A meditação sobre a tríade Amon-Rá-Ptah conduz à contemplação do ser infinito, que transcende nome e forma, mas se manifesta em todas as coisas. A tríade não é apenas três ou uma: ela é a totalidade e, ao mesmo tempo, nenhuma coisa em particular. Essa visão não-dualista² permite entrever a unidade fundamental que subjaz a todas as distinções aparentes.

Notas

  1. Visão não-dualista: Presente em diversas tradições filosóficas e espirituais, a não-dualidade propõe que todas as distinções entre sujeito e objeto, ou entre eu e o outro, são ilusórias. A realidade última é uma unidade indivisível, além de qualquer separação.
  2. Perspectiva metafísica: Na filosofia egípcia, como em várias outras tradições, o divino é descrito como “todas as formas, mas nenhuma delas em particular”. A linguagem é inadequada para capturar sua verdadeira natureza.

Conheça as vantagens de se juntar à Morte Súbita inc.

Deixe um comentário


Apoie. Faça parte do Problema.