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Texto de G. B. Marian. Tradução de Caio Ferreira Peres.
Sobre o antigo conceito egípcio do Duat, o “Submundo” ou “Outro Lado”
Cada religião tem o seu conceito de Submundo; mas o que é esse plano sombrio e misterioso exatamente? Na cultura popular ele é usualmente representado como um mundo sombrio de pesadelos que existe no subsolo, e que está cheio de fantasmas atormentados e demônios. De fato, essa noção de Submundo parece ter sido influenciada pela ideia cristã do inferno, exceto que pensa-se apenas que as pessoas “más” (isto é, os não-cristãos) vão para lá. No paganismo antigo, no entanto, pensava-se que quase todo mundo iria para o Submundo, salvo os guerreiros heroicos e os reis (que governavam com os deuses em lugares celestiais como o Valhalla). Ir para lá nada tinha haver se você era bom ou mau em vida; era basicamente uma questão de status social. Pessoas importantes eram percebidas pelos deuses e bem recebidas em seus vários céus, enquanto era esperado que o povo proletariado comum deveria comer lama, beber lágrimas e ranger seus dentes lá embaixo, na escuridão, para sempre.
Ou será que não?
Os antigos podem não ter sido tão rígidos em suas crenças como os especialistas podem pensar. Nossa informação sobre esse tópico é baseada em escritos das tumbas de reis e nobres importantes. Pessoas comuns normalmente não sabiam como ler ou escrever, logo há pouco material para investigarmos suas opiniões sobre escatologia. É normal que os reis e chefes pensassem que eles iriam para um lugar melhor no pós-vida do que seus súditos; mas isso realmente quer dizer que as pessoas comuns não poderiam desfrutar de um pós-vida feliz de qualquer forma? Em muitas culturas, pessoas comuns enterravam seus ancestrais sob as tábuas de assoalho de suas casas. Elas manteriam altares para esses parentes e fariam oferendas votivas a eles regularmente. Os falecidos eram até mesmo enterrados em posição fetal, com sua face voltada para o oeste (a direção do pôr do sol). Isso indica a crença de que até as pessoas comuns poderiam esperar um renascimento no próximo mundo, apesar delas não serem os monarcas super-importantes com reputações ou egos massivos.
A máscara mortuária do faraó Tutancâmon.
As evidências disponíveis nos mostram que a versão egípcia do Submundo era muito mais favorável às pessoas comuns do que muitas outras. Os egípcios o chamavam de Duat, que significa o “Lugar Que o Sol Nasce” de acordo com Hieroglyphics: The Writings of Ancient Egypt (1996, Abbeville Press) de Maria Betro. Agora você deve estar se perguntando o por quê deles chamarem a Terra dos Mortos por um nome que soa tão otimista? Porque lá é onde Rá, o Criador do universo, cruza seu caminho com Osíris todas as noites para renascer. Como o deus do sol, Rá “morre” quando ele cruza com o horizonte, passando assim para o reino do invisível. Enquanto está lá, Rá precisa ser regenerado por Osíris, que foi o primeiro dos deuses a morrer e ressuscitar. Uma vez que esse encontro no Duat acontece, Rá começa a renascer, um processo que culmina no romper da aurora. Então, pela perspectiva egípcia, o Submundo não é um lugar de morte e decadência, mas de energia e vida nova. O Duat não é apenas um destino para o passado, mas também uma fonte do que ainda está por vir.
Há alguns reconstrucionistas keméticos que acham que o papel de Set no drama osiriano jamais deve ser celebrado; mas antes da morte de Osíris, nenhum dos deuses sabiam o que era a morte. Os mortais viveriam e morreriam na face da Terra, mas os deuses se importam? Definitivamente não. Foi só quando Set provou que eles também podem morrer (e de que Ele pode fazer isso acontecer) que eles começaram a sentir empatia pelo nosso medo humano da morte. E assim como Osíris passou a sua vida viajando pelo mundo ensinando as pessoas a plantar, estabelecerem governos e parar de devorarem uns aos outros como canibais, logo então ele também implementou reformas similares no Duat. Invés de apenas deixar todo mundo se lamentando e gemendo eternamente na escuridão, Osíris fez com que os de bom coração fossem ao paraíso e os de mau coração fossem destruídos (independentemente da posição de vida de cada um enquanto vivos). Se Set nunca tivesse assassinado Osíris em primeiro lugar, nada disso sequer teria acontecido; é assim que as coisas boas precisam de coisas ruins para que elas aconteçam.
Com Osíris, é o seu coração que determina o seu pós-vida e não o seu poder ou riquezas. Até mesmo lealdade ao deus é um fator dado que as “42 Confissões Negativas” não fazem nenhuma referência sobre aceitar quaisquer doutrinas ou dogmas em particular. Os egípcios esperavam ser julgados por coisas como assassinato, estupro e roubar comida que estava sendo oferecida aos deuses, e não por suas opiniões ou crenças teológicas. Você nem mesmo precisava adorar Osíris para ser bem-vindo em seus Campos de Junco.
Há certa confusão sobre onde exatamente o Duat “está”. Nós costumávamos pensar que os egípcios o percebiam estando literalmente no subsolo; mas descobertas recentes mostram que o mundo físico e o Duat eram vistos como dois lados da mesma moeda. O universo é como um corpo enorme, e o mundo material (incluindo tudo no espaço sideral) é a pele externa visível desse corpo, enquanto o Duat é a carne e ossos invisíveis debaixo dessa pele. O hieróglifo para o Duat lembra um asterisco de cinco pontas em um círculo. O asterisco em si é o hieróglifo para seba oh “estrela”, e o círculo representa o renascimento. A estrela também está “oculta” dentro do círculo, de modo a se tornar “invisível”. Mas esta imagem não te lembra de algo em particular? Eu penso que ela pode ser uma possível origem para o pentagrama.
O Duat não é apenas um lugar, mas um continuum cheio com miríades de mundos. Osíris tem os Campos de Junco, um paraíso agrário repleto de bebida e amor eternos, enquanto Rá tem a Barca Solar, que se assemelha a um barco de cruzeiro fosforescente. Hathor tem a Árvore de Sicômoro onde ela oferece refrescos aos mortos e Set, é claro, tem o Seu Local Secreto “por trás” da Ursa Maior. Mas antes de qualquer alma prosseguir para algum desses vários reinos, ela deve passar por um procedimento chamado de Pesagem do Coração, em que seus feitos coletivos (simbolizados como seu “coração”) são pesados contra a todo o Ma’at (o equilíbrio cósmico, simbolizado como uma pena de avestruz). Se o coração pesar mais que a pena, a alma é então entregue ao daemon Ammut, e partir daí deixará de existir para sempre. Se isso acontecer, o espírito do falecido—que é separado de sua alma—é deixado para permanecer nesta terra como um fantasma (ou até mesmo uma qlipha). Mas se a alma estiver em pelo menos uma boa situação com Ma’at, ela é re-unida com o seu espírito e se transfigurará para se tornar um akh (“brilhante”). Então o falecido estará livre para vagar a qualquer lugar no Duat que os deuses o permitirem visitar.
Existem certos lugares em que a barreira entre nós e o Duat parece ser especialmente tênue. Cemitérios e tumbas são os exemplos mais imediatos, mas eu também posso citar as maternidades de hospitais, em que novas vidas estão constantemente nascendo. (Lembre, o Duat é a Terra do que está por vir, quanto a Terra do que já foi.) Há também alguns momentos em que o Duat se torna mais acessível, mas eles não são idênticos em todo o mundo. Por exemplo, no Egito o véu se torna mais fino em feriados como o Festival de Wag, que ocorre tradicionalmente em agosto ou setembro; mas aqui na América do Norte, o véu se torna mais fino no Hallowtide. Por outro lado, se você vive no hemisfério sul, o dia do quarto cruzado cairá em datas diferentes devido à inversão das estações. Logo o ponto de transição entre nossa realidade superficial e o Duat pode variar de acordo com a sua localização geográfica e o período do ano.
Fonte: https://desertofset.com/2020/06/15/the-underworld/
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