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Egiptomania

O Setianismo veio antes do “Caminho da Mão Esquerda”

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Texto de G. B. Marian. Traduzido por Caio Ferreira Peres

Sobre a toda fusão de toda a espiritualidade setiana com o que os ocultistas ocidentais chamam de “o caminho da mão esquerda” e por que disso ser problemático.

O setianismo é frequentemente associado a algo que os ocultistas ocidentais chamam de o “caminho da mão esquerda”, e isso se deve em grande parte ao Templo de Set. O termo se originou do Tantra hindu e budista, na qual o Vama Marga ou “caminho da mão esquerda” para a iluminação envolve práticas que a maioria dos crentes ortodoxos acham “repugnantes” (por exemplo, o misticismo erótico). Helena Blavatsky, a fundadora da Teosofia, apropriou-se do nome para praticamente qualquer tipo de ocultismo ocidental que não lhe agradasse. Desde então, ele tem sido evocativo para “magia negra” e “adoração ao diabo”.

A maioria dos outros escritores ocultistas seguiram Blavatsky nesse aspecto, incluindo Aleister Crowley, o fundador de Thelema (que era considerado por muitos de seus contemporâneos como um “irmão do caminho da mão esquerda” devido a suas opiniões e práticas controversas). O primeiro escritor ocidental a de fato adotar o caminho da mão esquerda (ou “CME”) como rótulo positivo foi Kenneth Grant, um protegido de Crowley que desenvolveu a sua própria escola “tifoniana” de Thelema. A filosofia de Grant se baseia em Set, e não em Hórus, e tem muito haver com o contato com forças qliphóticas de universos alternativos através do uso da magia sexual. Grant também foi um UFOlogista e um pioneiro no ocultismo lovecraftiano, ou o uso dos “Mitos de Cthulhu” de H. P. Lovecraft em práticas esotéricas reais. Seu uso do termo “caminho da mão esquerda” é provavelmente o mais próximo que já vi entre as fontes ocidentais da ideia tântrica original do Vama Marga (talvez porque Grant tenha estudado com um verdadeiro guru indiano, Ramana Maharshi).

O próximo escritor ocidental a adotar o caminho da mão esquerda foi Anton LaVey, o fundador da Igreja de Satã. LaVey conceituou o CME como sendo a visão de um vendedor ambulante de carnaval sobre a espiritualidade: tudo é “faz de conta”, somos apenas máquinas de carne que deixam de existir após a morte, e não há deuses ou espíritos reais para ouvirem as nossas orações. Mas, ao mesmo tempo, não há nada de errado com esse “faz de conta”, desde que ele enriqueça e dê poder ao “crente”. Na visão de mundo de LaVey, as religiões convencionais (“o caminho da mão direita”) usam dogmas inventados para controlar as massas, enquanto o caminho da mão esquerda usa essa fantasia para liberar o indivíduo. O sucesso não é medido por qualquer avanço espiritual, mas por marcos puramente materiais. Por exemplo, um ator ou músico bem-sucedido seria considerado muito mais adepto das “artes negras” do que alguém que sabe recitar de cor cada uma das Chaves Enoquianas, mas que ganha a vida virando hambúrgueres no McDonald’s.

Michael Aquino, o fundador do Templo de Set, desenvolveu uma construção radicalmente diferente da de LaVey. O seu CME é mais um processo metafísico de “imortalização da psique”, tendo como objetivo final a possível obtenção de uma vida senciente após a morte. Para Aquino e seus seguidores, o problema da religião convencional é que ela sufoca os poderes da mente, levando a uma dissolução total da consciência após a morte. Se as pessoas simplesmente abandonassem esses credos e começassem a exercitar suas mentes intelectual e metafisicamente, teria uma chance muito maior de se tornarem inteligências alienígenas desencarnadas quando morressem—ou assim diz a teoria. Se há um elemento da crença laveyana que Aquino manteve, é a afirmação de que os verdadeiros CME-eiros não “adoram” de fato nenhuma das forças que eles evocam em sua magia (incluindo o Próprio Set). A opinião de Aquino se concentra na adoração do próprio potencial mais elevado, excluindo qualquer outra pessoa ou coisa que possa existir (ou não).

Muitas outras perspectivas ocidentais do CME surgiriam nas décadas seguintes, incluindo as de Zeena e Nikolas Schreck, Michael W. Ford e Thomas Karlsson. Temas notáveis que muitas seitas parecem compartilhar incluem o autoteísmo (a adoração de si mesmo); uma afinidade indiscriminada das assim chamadas forças “trevosas” (como a associação de Set com Apep); uma interseção de gnosticismo, hedonismo, niilismo e/ou anti-cosmicismo; e uma disposição bastante infeliz em relação a ideologias sociopolíticas de direita (do libertarianismo americano ao nacional-socialismo absoluto). O pior exemplo disso seria a Ordem dos Nove Ângulos, cujos apoiadores são conhecidos por serem terroristas e supremacistas brancos. Mesmo entre os CME-eiros que não levam a sério essas visões, há uma tendência feia de glorificar o imaginário fascista (muitas vezes porque é “chocante” ou “legal”), que remonta à inclusão de “Might is Right” (um diatribe racista de Ragnar Redbeard) por Anton LaVey em sua A Bíblia Satânica de 1969.

Embora muitos setianos se identifiquem como sendo do “caminho da mão esquerda”, nem todos nós o fazemos. Parte da confusão sobre isso decorre do fato de que muitos  escritores setianos são membros do Templo de Set ou aderente à alguma variação de sua filosofia. Para mim, isso sempre foi uma espécie de “irritação”, pois acho que a palavra setiano realmente pertence a Set. Entende-se que nem todos os setianos acreditarão ou praticarão da mesma forma, pois Set ama variedade e liberdade. Mas se algum tema em particular deve ser o elemento comum que todos nós compartilhamos, esse é e deve ser o PRÓPRIO SET—não o Livro da Lei, O Lado Noturno do Éden, a Bíblia Satânica ou o Livro da Vinda da Noite. Isso não impede que os setianos compartilhem interesses adicionais; mas Set já existia muito antes do Vama Marga, da Thelema tifoniana, do satanismo laveyano, do Templo de Set ou qualquer outra variante do CME, e uma pessoa não precisa de NENHUMA dessas coisas para conhecer Set e caminhar com Ele. Afirmar o contrário é ignorar o fato de que o setianismo começou há mais de cinco milênios como uma tradição animista e politeísta do norte da África, no qual o nosso Homônimo era reverenciado e venerado (como Ele merece ser).

O que nos leva de volta à questão das influências ideológicas de direita nos círculos ocidentais de CME. Essa tendência bastante repugnante se torna ainda mais revoltante quando se manifesta entre os chamados “setianos”. Para começar, Set é um deus egípcio, e os egípcios eram um povo do norte da África. Eles eram PESSOAS DE COR, seus idiotas. Devemos tudo a eles também; não há uma única pessoa branca que estaria andando com qualquer um dos Netjeru hoje se não fosse por esses ancestrais abençoados. Portanto, se você fala da boca para fora a um deus egípcio e, ao mesmo tempo, apoia a supremacia branca, você é um idiota e merece levar uma surra. Além disso, Set é o PIOR mascote para qualquer tipo de causa fascista, já que Seu ódio pelo autoritarismo é mais puro que o veneno. Nós chamamos Ele de “Aquele que comanda o motim” por um motivo, você sabe. Set é um deus que fere outros deuses sempre que eles precisam ser feridos, e Ele tem ainda menos paciência com megalomaníacos humanos. Se você usa o nome Dele, mas apoia a tirania, você não é setiano; você é apenas um servo de Apep disfarçado – e nós, setianos, sabemos exatamente como lidar com Apep!

Hoje não, Apoop![1]

Estou disposto a apostar que a maioria do povo de Set hoje é provavelmente kemético ou algum outro tipo de politeísta devocional – ou, pelo menos, é assim que parece na Internet (o que provavelmente reflete melhor as coisas hoje do que na década de 1990). Nós, devocionistas, temos tanto direito ao nome de Set quanto qualquer Thelemita, Satanista ou Mago do Caos (se não mais), e eu, por exemplo, insisto em me apropriar do termo Setiano por esse motivo. Para mim, os CME-eiros são bem-vindos para caminhar com Set também, mas NÃO são bem-vindos para olhar com desprezo para aqueles de nós que realmente reverenciam e veneram Ele como os antigos faziam. E aqueles que são a favor dessa merda de “o poder é certo”[2] deveriam simplesmente arrumar suas coisas e ir embora. Parece extremamente estúpido que eu tenha que dizer isso a alguém, mas vocês terão que conviver com o fato de que há setianos que adoram e oram a Set, que são animistas e politeístas e que acreditam na tentativa de melhorar as coisas para todos, não apenas para nós mesmos.

Fonte: https://desertofset.com/2020/09/30/lhp/

Notas do Tradutor:

[1] Aqui o autor faz um trocadilho juntando o nome de Apep com a palavra inglesa poop (“cocô”).
[2]  No original, “might is right”, referenciando o livro de Ragnar Redbeard mencionado anteriormente.

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