Categorias
Egiptomania

A Magia na Visão de G. B. Marian

Leia em 8 minutos.

Este texto foi lambido por 183 almas essa semana.

Texto de G. B. Marian.
Traduzido por Caio Ferreira Peres.

Uma Breve explicação da minha perspectiva sobre a magia, o que ela é, como funciona e como se encaixa nas minhas visões teológicas

Meu entendimento de magia real—não ser confundida com mero ilusionismo ou mágica de palco—se baseia no conceito egípcio de heka, que se traduz mais precisamente como “discurso divino.” Isso se refere não apenas à comunicação verbal literal, mas também ao uso das artes visuais e performances ritualizadas para “ativar o ka”, que pode ser comparado à nossa construção ocidental do “corpo astral.” Praticamente qualquer forma de auto expressão dramática pode ser um trabalho mágico nesse contexto, desde que desperte seu espírito e direcione-o para algum tipo de objetivo. Esse objetivo pode ser operativo (curar os doentes, afastar energia negativa, presságios divinos), iniciático (alcançar um estado elevado de consciência) ou até mesmo devocional (para honrar uma divindade ou ancestral). Para os antigos egípcios, qualquer coisa desde lançar feitiços de amor até invocar o próprio Criador era um trabalho mágico que fazia a ponte entre este mundo e o Duat, sua contraparte espiritual. De fato, a magia é fundamental para toda espiritualidade e religião, pois até mesmo os cultos cristãos envolvem “ativar o ka” (sentir “o Espírito Santo”), a implementação da “fala divina” (usar a linguagem-chave da Bíblia) e a realização de algum objetivo (sentir-se próximo de Jesus).

Naturalmente, a maioria das pessoas zombam da ideia de alguém acreditar em magia em nossos tempos atuais. Mas há uma diferença entre pensar que a magia seja efetiva e pensar que ela seja necessariamente “sobrenatural”. Acredito de todo o coração em deuses, fantasmas e outros mundos, e muitos dos rituais que já realizei tiveram resultados verdadeiramente assustadores. Mas também aceito que existem explicações totalmente racionais para as coisas que vivenciei e nem peço e nem espero que alguém renuncie a essas conclusões. Isso se deve ao fato de que sei que a magia pode funcionar independentemente se o sobrenatural realmente existe além da imaginação humana ou não. Se você invocar uma benção para alguém, ela pode ou não ter algum efeito naquela pessoa no mundo real; mas ao menos ela dará vazão ao seu desejo de que aquela pessoa fique bem de alguma forma, satisfazendo uma profunda necessidade emocional que toda a lógica do mundo jamais pode satisfazer. Então, mesmo que tudo isso não passe de um monte de auto-hipnose (o que também não é necessariamente verdade), a magia ainda tem eficácia e valor prático hoje em dia. Se ela funciona na realidade objetiva ou até mesmo na realidade subjetiva dos outros é completamente secundário se ela funciona em sua própria psique e espírito. Seu verdadeiro propósito é de mudar e empoderar o usuário, e não de diretamente afetar mudanças literais no mundo físico, como em um filme épico de fantasia.

Esses princípios também se aplicam a minha teologia. Eu não posso afirmar com 100% de certeza que Set (ou qualquer outra divindade) é realmente uma entidade senciente que de fato ouve as minhas orações ou que já interveio diretamente em minha vida para mudá-la para melhor. Mas além da minha crença pessoal de que essas coisas são reais, posso pelo menos ter a certeza que se eu nunca tivesse feito uma única oração a Set, eu nunca teria conhecido alguns dos meus entes queridos mais próximos; não teria a família que agora prezo; nunca teria desenvolvido a minha atual carreira; e nunca teria me livrado da fossa de abuso doméstico em que fui criado. Nada disso prova que Set é objetivamente real de qualquer forma, mas prova que Sua influência em minha vida é forte o suficiente para não importar se Ele é ou não. E até esse ponto, Ele e outras divindades que me deparei são reais o suficiente para os meus propósitos. Tanto faz o que os deuses realmente são ou como eles devem ser explicados, eles certamente são efetivos, assim como a magia pode ser efetiva independente dela ser “paranormal” ou não. Portanto continuarei a louvar o Grande Vermelho até que as vacas voltem para casa!

Inevitavelmente, temos que tocar na questão da ética mágica. O mesmo princípio por trás do feitiço de benção que descrevi acima também potencializa uma maldição ou feitiço de morte a funcionar da mesma forma (isto é, no “remetente”, não necessariamente no “destinatário”). Muitos pagãos alertam que fazer isso é “antiético” e que causará terríveis consequências contra o(s) usuário(s), não importando o quanto a(s) vítima(s) pretendida(s) possa(m) merecer o que quer seja desejado sobre ela(s). Já até ouvi alguém dizer a sobreviventes de estupro que elas não devem lançar maldições contra os homens que as atacaram, por medo de violar alguma lei cósmica elevada.

Mas isso tudo é besteira.

Queimar efígies e espetar agulhas em bonecos são formas perfeitamente saudáveis de se vingar emocionalmente sem de fato machucar alguém—especialmente se estivermos falando de uma injustiça tão hedionda quanto o estupro. Se os desamparados não podem usar a magia para recuperar o controle sobre suas vidas, então para que ela serve? A verdadeira questão aqui não é se o feitiço ou maldição viola algum padrão externo, mas sim se viola a sua própria consciência. Digamos que você lance uma maldição para matar o seu algoz e ele realmente morre com a morte dolorosa e humilhante que você desejou contra ele. Poderia essa “coincidência” lhe assustar e você se sentir culpado? Se sim, essa culpa te devoraria por dentro fazendo com que a sua maldição se vire contra você. Mas você está certo de que a destruição sincrônica de seu inimigo apenas melhoria o seu bem-estar, não vejo motivo para você não se divertir destruindo-o de forma simbólica e não-violenta em um feitiço. Fazer isso é sempre preferível do que realmente machucar aquela pessoa na vida real, e você pode até mesmo descobrir que isso alivia o seu desejo de machucá-lo, lhe ajudando a redirecionar a sua energia para objetivos mais produtivos.

Algumas pessoas descrevem tais procedimentos como magia “negra”, “sombria” ou de “mão esquerda”, mas isso também é besteira. Você não precisa se devotar a um deus sombrio para lançar um feitiço sempre que precisar e você também não precisa amaldiçoar pessoas o tempo todo para adorar um deus sombrio. Os setianos desfrutam o benefício adicional dos rituais de execração, que funcionam da mesma forma, salvo que alvejam adversários não-humanos como as qliphoth ou até mesmo a Serpente do Caos. Nove em cada dez vezes, uma boa execração ajudará você a banir energia negativa melhor do que qualquer maldição de morte faria. Entretanto, há situações nas quais uma maldição pode ser exatamente o que você precisa; portanto, embora a opção de destruir magicamente o seus inimigos nunca deva ser considerada levianamente, também não faz sentido descartá-la completamente. Além do mais, o termo “magia negra” é uma inferência racista colonial às tradições mágicas africanas, e “magia sombria” não dá espaço para nuances. (É “sombrio” invocar Set, o deus noturno das tempestades, em uma benção, ou invocar Sekhmet, a deusa solar ardente, em uma maldição?) Quanto ao LHP (Left Hand Path) “o caminho da mão esquerda”, esse é um termo tântrico para práticas ritualísticas heterodoxas e é um tanto sem sentido quando removido de seu contexto original. (É de “mão esquerda” louvar Lúcifer em uma sala cheia de satanistas?) Prefiro descrever os feitiços, maldições e outros procedimentos desse tipo como magia destrutiva e deixar por isso mesmo, sem atribuir nenhum julgamento de valor codificado por cores ou usabilidade ao assunto.

Lembre-se você que há muitos “LHPers” (por falta de um termo abreviado melhor) que gostam do meu trabalho, e gosto muito daqueles que conheço pessoalmente. Também tenho um enorme respeito por escritores como Kenneth Grant, Michael Aquino e Don Webb, cada um dos quais foi uma grande inspiração para mim pessoalmente. Logo não é uma questão de querer me distanciar da cultura LHP como um todo. É que me afasto da maioria das ideologias LHP que conheço, as quais todas parecem enfatizar a adoração do eu acima de qualquer divindade externa. Acredito que todo mundo é realmente um semideus vivo, então a ideia de adorar a si mesmo realmente faz perfeito sentido para mim; mas não há nenhum motivo para que um politeísta não possa reverenciar outras divindades em adição a si próprio. No entanto, descobri que falar sobre devocionalismo nos círculos LHP pode levantar muita controvérsia assim como discutir maldições nos círculos wiccanos, e por motivos igualmente mesquinhos. Adoro e oro a Set como se Ele fosse um ser senciente real (novamente, independentemente Dele realmente existir na realidade objetiva, o que é irrelevante). Se ser um politeísta devocional é o suficiente para me desqualificar de enquadrar no guarda-chuva do LHP, então que assim seja—mas agradeço você que não me insulte rotulando-me de “caminho da mão direita” (o termo tântrico para as práticas “ortodoxas”), pois eu não tenho nenhum osso “ortodoxo” em todo o meu corpo.

Alguns escritores argumentam que a “magia” deveria ser limitada a práticas espirituais puramente operativas e/ou iniciáticas, e que os ritos devocionais são mais apropriados para a categoria menos interessante da “religião”. Mas até mesmo observar as estrelas, levantar peso ou passear com um cachorro podem ser tão mágicos ou “ativador de espírito” quanto lançar um feitiço para curar os seus amigos, atrair um parceiro ou chamar pelo seu Sagrado Anjo Guardião. Então, como pode alguém determinar o que é ou não é “mágico” para os outros? Todas as práticas espirituais são magia de uma forma ou de outra, desde o obscuro Ritual do Não Nascido até a Missa Dominical comum; logo não há necessidade de ninguém se preocupar com as preferências das outras pessoas. Você pode ser o tipo de pessoa que não se importa com religião e só se importa com astrologia ou leituras de Tarô. Ou talvez você possa ser o tipo de pessoa que não liga para adivinhação e só quer rezar para alguma deusa da fertilidade. Qualquer uma dessas formas já é o suficiente para justificar o fato de você se chamar de bruxa (ou qual variante cultural de sua escolha).

Ao longo dos anos participei de projetos operativos e iniciáticos; fiz feitiços, missões de visão, abençoei casas de pessoas, eliminei energia negativa, etc. Mas a maior parte de meu trabalho sempre foi de natureza devocional. Para mim, não há nada mais mágico do que invocar Set na margem do Lago Superior, entre as árvores e os ursos, com a Ursa Maior cintilando no céu acima e nas águas abaixo, e sem nenhum outro motivo que não seja apenas desfrutar da companhia do Grande Vermelho.

O hieróglifo egípcio para heka (“ativando o ka”)

Link para o original: https://desertofset.com/2020/06/16/magic/

 

 

Deixe um comentário


Apoie. Faça parte do Problema.