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Demônios e Anjos

Um Esboço Sobre Demonologia

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“Apantes hoi theoi ton ethnon daimonia”
“Todos os deuses dos gentios são demônios”
Salmo 95.5 – Septuaginta

Podemos definir Demonologia como o estudo minucioso e sistemático a respeito dos Demônios. A palavra advém da junção dos vocábulos gregos δαίμων (daimon) e λογία (logia) que significam respectivamente demônio e estudo .

Mas o que são Demônios?

Em primeiro lugar devemos observar que a palavra demônio está carregada de significado e de forças que se relacionam e agem em nosso inconsciente individual e coletivo.

Quando mencionamos a palavra Demônio ou quando ouvimos o nome de um desses “Espíritos”, podemos sentir que há certas associações entre a palavra e o conteúdo de nossa constituição interior. É comum não sabermos identificar ao certo quais são esses conteúdos ou relações num primeiro momento, mas sentimos, percebemos e identificamos essas relações em maior ou menor grau quase que automática e instintivamente.

Tais percepções costumam estar relacionadas a aspectos considerados inicialmente negativos e até mesmo ruins pela maioria das pessoas, mas nem sempre foi assim.
Na Grécia antiga o conceito de demônio era bastante abrangente e não havia uma relação dualista clara entre demônios bons ou maus. Nos Versos Áureos, tradicionalmente atribuídos a Pitágoras (582-497 a.e.v. ), a palavra se encaixava numa hierarquia de poderes, possivelmente humanos, que deveriam ser louvados normalmente .

Sócrates (470–399 a.e.v.), outro célebre e importante filósofo grego, dizia ouvir a voz de um demônio que o inclinava ora por um caminho, ora por outro, como se o guiasse em sua jornada.

A crença em demônios pessoais era comum na Grécia antiga e a raiz da palavra que conhecemos hoje provém desse período histórico. Acreditava-se que cada indivíduo possuía uma divindade particular que presidia seu nascimento e que o acompanhava por toda a vida.

Nas especulações do filósofo romano Apuleio (114 e 125 e.v. ) os homens mais elevados e sábios estariam em contato com daimones superiores. Tais espíritos serviriam como meios de comunicação entre os homens e os deuses durante o processo de evolução individual.

Segundo Apuleio, os daimones compartilhavam características humanas e divinas. Podiam se apaixonar e se envolver com as pessoas, preservavam aspectos divinos sobre elementos da natureza, eram imortais e podiam influenciar no curso dos fatos cotidianos através de práticas mágicas. Foi aproximadamente nessa época que surgiram os primeiros esboços para as definições de Teurgia e Goetia, embora não houvesse uma delimitação certa entre esses dois aspectos aparentemente opostos da prática mágica, os daimones estavam presentes em ambas.

Num dos primeiros textos do misticismo cristão surgiu uma classe de seres puramente espirituais que, não por coincidência, ocupavam a posição intermediária entre um deus único e os seres humanos. O texto conhecido como “De Coelesti Hierarchia”, cuja autoria é cercada de contradições, trata da hierarquia celeste composta por anjos . A cristianização dos conceitos gregos prévios é evidente e sua função era afastar as pessoas dos “antigos costumes” e dos cultos “concorrentes” do cristianismo. A lenda cristã diz que o autor do “De Coelesti Hierarchia” foi convertido ao cristianismo por São Paulo durante o século I da era vulgar, mas acredita-se que seu verdadeiro autor tenha sido um teólogo bizantino do século V ou VI. É fato que o texto possuía um caráter apostólico até o século XVI, mas somente no século XIX a Igreja Católica aceitou a tese de que a autoria do manuscrito era incerta.

O visionário misticismo cristão construía para si uma estrutura celeste similar em alguns pontos aos cultos que os procederam, utilizando estratégias e “correções” que permitiam manter e atrair mais fiéis num processo nítido de dominação.

Os textos bíblicos estão repletos de passagens que fazem alusão ao poder que os demônios têm para afligir os homens e sobre o poder que Jesus tinha para expulsa-los. Nesse contexto, os demônios podem ser vistos como agentes necessários para legitimar o filho de um deus único diante de seus rebanhos devotos.

Um deus único e feroz que promete graças aqueles que se submeterem e seguirem suas leis, de acordo com seus profetas e suas religiões “corretas”, mas que reserva um caldeirão de fogo e enxofre aos que se opõe e aos que não aceitam suas “bondosas” leis e dogmas.

A mística judaico-cristã criava seus demônios sobre os pilares das religiões e das culturas que a procederam. Baal, Astaroth, Belzebuth e outros milhares foram eclipsados pelo pensamento religioso e místico do “cristianismo” e se tornaram demônios, ídolos cuja adoração conduzia o homem ao Inferno, à dor e ao sofrimento.

Alguns “pensadores” católicos definem demônios como entidades de natureza maléfica que trabalham perpetuamente para que os homens sofram, se corrompam e se afastem das boas graças divinas.

Podemos dizer que a palavra está profundamente associada ao Mal e às suas variadas personificações devido à ação das correntes místicas e religiosas do pensamento judaico-cristão e muçulmano que precisavam de força motriz para alimentar suas guerras santas, de argumentos para manter suas mentiras históricas e de um bode expiatório comum para a fraqueza e a tolice humana, afinal, segundo eles, os demônios são existências espirituais essencialmente más e destrutivas.

Na Grécia antiga havia a crença de que os demônios estavam associados a fenômenos da natureza, a certos locais e a comportamentos humanos e isso não passou despercebido pelo cristianismo que associou demônios aos pecados capitais, às doenças físicas e mentais, às pragas e todas as mazelas, em contrapartida os homens Santos foram associados a curas e milagres.

Devemos observar que o processo de demonização que uma cultura inflige sobre outras, com o intuito de exercer dominação e influência sobre os indivíduos de uma sociedade e do mundo, é algo que existe desde as primeiras grandes correntes místicas e religiosas da humanidade.

Milênios antes do início da era vulgar, na transição dos cultos lunares para os cultos solares no antigo Egito, as divindades femininas sofreram o mesmo processo de demonização e de extinção premeditada pelos sacerdotes dos cultos solares masculinos. As imagens de Ta-Urt (Typhon) e seus caracteres foram sendo associados ao mal e a cultos que deveriam ser esquecidos. Ta-Urt passou a ser vista como opositora e o feminino passou a ser subjugado pelo masculino num processo que levou centenas de anos para se concretizar.

A influência judaico-cristã sobre os ocultistas das Idades Média, Moderna e Contemporânea foi outro fator determinante para definir a negatividade ligada ao conceito de demônio. O que é plenamente justificável, principalmente na Idade Média quando orientações religiosas e comportamentos diferentes poderiam culminar em tortura, forca ou fogueira – ou todos juntos.

O abade Eliphas Levi “explica”, em sua tradução do Nuctemeron, que os antigos hierofantes entendiam os demônios ou gênios como forças morais ou virtudes personificadas, Levi diz que não eram nem demônios maus, nem anjos bons e nem deuses, mas associa Typhon e Seth à Goetia e à Necromancia em sua obra “História da Magia”.

Um outro exemplo do ato da demonização engendrado por grandes religiões de massa ocorreu no período escravagista do Brasil: os escravos de várias regiões do continente africano traziam consigo suas próprias culturas, crenças e religiões e eram proibidos de manifestá-las nas senzalas. Além de suprimirem a liberdade e o direito à vida desses homens, também lhes restringiam o direito de praticarem seus cultos. A Igreja Católica via (e vê) nessas manifestações religiosas e culturais uma expressão do demônio e de culto satânico. Os senhores de engenho tentavam proibir os cultos aos antepassados e às divindades africanas impondo imagens de santos católicos e bíblias aos escravos, o que resultou nos sincretismos religiosos afro-brasileiros que conhecemos atualmente. Por ironia, esses mesmos sincretismos são vistos hoje como expressões demoníacas por todas as religiões protestantes em atividade no Brasil e por grande parte dos indivíduos “cristãos”.

O processo de demonização costuma ser empreendido por grandes religiões monoteístas quando estão diante de ameaças potenciais contra suas bases dogmáticas, litúrgicas, religiosas e principalmente financeiras. Vide a Inquisição, as Cruzadas e o fanatismo “islâmico-petrolífero” atual. Devemos observar que o processo de classificar culturas diferentes como demoníacas e contrárias à “vontade” do “deus dominante” é permanente.

Para o pensamento cristão, seja ele católico ou protestante, a natureza dos espíritos contrários aos seus preceitos é uma só: o adversário diabólico denominado Satã. Que faz, com sua corte de demônios, o mundo cada vez pior até o dia da chegada de algum bravo redentor que seja capaz de derrotar a essência do mal.

De certa forma, podemos dizer que as figuras que chegaram até nossos dias sob a denominação de demônios derivam de divindades, espíritos, inteligências, entidades e seres de culturas mais antigas que possuem características contrárias aos preceitos morais e religiosos de determinadas sociedades e culturas religiosas “dominantes”.
Tais figuras representaram, em seus tempos e culturas, obstáculos para correntes que precisavam se impor para defender seus próprios interesses ou de elites dominantes, como nos casos específicos do catolicismo e do islamismo, por exemplo.

As tradições esotéricas cristãs trabalharam durante grande parte da Idade Média para construir e organizar um quadro hierárquico dos mensageiros entre Deus e os homens, obviamente sob a luz da Qabalah. No século I, São Clemente escreveu as “Constituições Apostólicas”, trabalho no qual descreveu 11 hierarquias angelicais. No século XIII, São Tomás de Aquino estabeleceu a “Suma Teológica” com 9 hierarquias.

Houve um esforço disperso e paralelo para que as hierarquias infernais fossem organizadas, categorizadas, catalogadas e diagramadas sistematicamente, especialmente durante a Idade Média e o início da Idade Moderna.

Foi durante a Idade Média que surgiram os primeiros demonólogos “profissionais”, inclinados em catalogar e descrever o maior número possível de demônios. Muitos desses demonólogos professavam a fé cristã, outros eram declarados ocultistas e houve ainda aqueles que se limitavam a reunir dados para seus trabalhos.

Os manuscritos atribuídos a Salomão eram fontes comuns de pesquisa e muita informação idêntica é encontrada em livros diferentes sobre demônios.

O Dicionário Infernal de Collin de Plancy é um dos mais conhecidos compêndios sobre demônios, práticas mágicas, feitiçaria, personagens do ocultismo e da magia propriamente dita. O livro, publicado pela primeira vez por volta de 1818 e.v., apresenta o significado de palavras associadas ao ocultismo em geral, desde a definição de Aamon até Zundel. Plancy foi um pensador livre, cético e perturbado durante boa parte de sua vida, curiosamente se tornou um católico fervoroso por volta dos 37 anos, o que o levou a alterar boa parte do conteúdo de sua obra mais conhecida para adequá-la aos preceitos da Igreja Católica. Publicou mais de 35 livros, mas sua lembrança permanece viva graças ao Dicionário Infernal. É possível encontrar uma versão de seu clássico de 1853 no Google Books.

O livro “Os Segredos do Inferno” de 1522, cuja autoria é atribuída a Salomão, descreve uma hierarquia Infernal regida por Lúcifer (Imperador), Belzebut (Príncipe) e Astaroth (Grão-Duque). Abaixo deles são citados Lucifuge (Primeiro Ministro), Satanachia (Grande General), Agaliarept (Segundo General) e Fleurety (Tenente General). O antigo grimório descreve como o Pacto Daemoniorum deve ser executado, além de apresentar importantes chaves para a evocação prática.

Outro livro que ficou bastante conhecido foi o Pseudomonarchia Daemonum, escrito em 1577 por Johann Weyer, um discípulo instruído pessoalmente por Cornélio Agrippa. Weyer foi um dos poucos que ousaram criticar a Inquisição, a caça às bruxas e o Malleus Maleficarum em sua época. O autor é considerado por alguns como um dos pioneiros da psiquiatria e da medicina. Weyer acreditava que muitas vítimas da Inquisição necessitavam de cuidados médicos ao invés de fogueiras, forca e tortura. A primeira parte do Pseudomonarchia Daemonum apresenta entre 67 e 69 demônios, dependendo da edição, o estilo de descrição é muito próximo do encontrado no Lemegeton editado por Mathers. Weyer apresenta Amaymon como rei do Leste, Gorson rei do Sul, Goap do Oeste e Zimimar do Norte.

O Grimorium Verum de 1517, outra obra cuja autoria é cercada de mistérios e de alusões a Salomão, apresenta uma hierarquia semelhante à dos “Segredos do Inferno”. Os demônios superiores são Lúcifer, Beelzebuth e Astaroth. Lúcifer governa Satanachia e Agaliarap, Beelzebuth comanda Tarchimache e Fleurety, por fim Astaroth comanda Sagatanas e Nesbiros. Abaixo deles são descritos outros 30 demônios, suas especialidades e seus símbolos.

Os grimórios geralmente apresentam hierarquias e os procedimentos ritualísticos para se operar com os demônios, já compêndios como o Dicionário Infernal, apresentam definições, informações e correspondências gerais, mas não delimitam parâmetros claros para a prática mágicka.

POR PHARZHUPH, Lucifer Luciferax IV


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