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Agora bem, o fato de que as rameiras e as prostitutas adúlteras se entreguem antes de mais nada à bruxaria está confirmado pelos feitiços efetuados pelas bruxas sobre o ato de engendrar. E para tornar mais clara, à verdade, deve considerar os argumentos daqueles que não concordam, a esse respeito conosco. E antes de mais nada afirmam que esse encantamento não é possível, porque se o fosse regeria por igual quem está casado; e isto admitido, então, tanto o casal é obra de Deus e a bruxaria é obra do demônio, e esta intimidade seria mais forte que a primeira. Mas se admitir que só possa afetar os fornicadores e os solteiros, isso implica na volta da opinião de que, na realidade a bruxaria não existe, e não passa da imaginação dos homens. E isto já foi refutado. Ou bem se encontra alguma razão que afete os solteiros e não os casados; e a única razão possível é que o casal é obra de Deus. E como, segundo os Teólogos, esta razão não é válida, segue em pé o argumento de que haveria obra do demônio mais forte que a de Deus; e como seria injustificado fazer semelhante afirmação, também é injustificado afirmar que o ato venéreo possa ser obstruído pela bruxaria. Mais uma vez, o demônio não pode obstruir as outras ações naturais, tais como comer, caminhar e erguer-se, como fica evidente que, se assim fosse, destruiria todo mundo. Além do mais, como o ato venéreo é comum a todas as mulheres, se o obstruísse seria em relação a todas as mulheres; mas não é assim, e por tanto vale o primeiro argumento. Porque os fatos provam que não é assim; pois quando um homem diz que foi embruxado, continua sendo muito capaz em relação as outras mulheres, ainda que não com aquela com a qual lhe é impossível copular; e a razão disso é que não há desejo, e portanto nada pode fazer nesse sentido. Há também outra razão: a de que como o diabo é mais poderoso que o homem, e um homem pode obstruir a capacidade de engendrar por meio de ervas frígidas ou qualquer outra coisa que podemos pensar, muito mais pode fazer o demônio já que tem maior conhecimento e astúcia. Resposta. A verdade fica bastante evidente nos dois aspectos já argumentados, ainda que não declarado de maneira específica, o método de obstrução. Pois se mostrou que a bruxaria não existe só na imaginação dos homens, mais nos fatos; e na verdade realmente podem ocorrer inumeráveis encantamentos com a permissão de Deus. Também se mostrou que Deus permite mais no caso da capacidade de engendrar, devido a maior corrupção, do que no caso de outras ações humanas. Mas a respeito do método pelo qual se tentam essas obstruções, é de assinalar que não afeta só o poder de engendrar, mais a imaginação ou a fantasia. E quanto a isto, Pedro de Paludes (III, 34) assinala cinco métodos. Pois diz que o demônio, por ser um espirito, tem poder sobre uma criatura corpórea, e pode causar ou impedir um movimento local. Portanto pode impedir que os corpos se acerquem entre si, seja de maneira direta ou indireta, interpondo-se em alguma forma corpórea. Assim ocorreu com o jovem desposado com um ídolo que, no entanto casou-se com uma jovem donzela, e foi incapaz de copular com ela. Segundo, pode excitar um homem a esse ato, ou congelar o desejo dele, em virtude de coisas secretas cujo poder conhece melhor que ninguém. Terceiro, pode perturbar de tal maneira a percepção e a imaginação de um homem, que a mulher lhe pareça repugnante, já que, como se disse, pode influir sobre a imaginação. Quarto pode impedir, de maneira direta, a ereção do membro adaptado à frutificação, do mesmo modo que obstruir o movimento local. Quinto pode impedir o fluxo da essência vital dos membros onde reside a energia motriz, fechando, por assim dizer, os canais seminais, de modo que não desça às vias de gestação, ou retroceda, ou não se projete nelas, ou de alguma das muitas maneiras, fracasse em sua função. E procede, em consonância com o que se tratou mais acima, com outros Doutores. Pois Deus outorga ao demônio mais espaço a respeito deste ato, por meio do qual se difundiu primeiro o pecado, do que outros atos humanos. Da mesma forma, as serpentes estão mais submetidas aos encantamentos mágicos que os demais animais. E um pouco mais adiante diz: “o mesmo ocorre no caso da mulher, pois o demônio pode nublar-lhe de tal modo o entendimento, que considere a seu esposo tão repugnante, que por nada do mundo lhe permita se deitar com ela”. Mais tarde almeja encontrar a razão do porquê, que mais homens que mulheres se encontram enfeitiçados a respeito dessa ação; e diz que tal obstrução ocorre geralmente no conduto seminal, ou na incapacidade de ereção, que mais facilmente acontece com os homens; e portanto há más homens embruxados que mulheres. Também poderia dizer-se que, como a maior parte das bruxas são mulheres, anseiam mais os homens que às mulheres. Além do mais, atuam por despeito das outras mulheres casadas, e encontram todas as oportunidades para o adultério quando o esposo pode copular com outras mulheres, mas não com a própria, e da mesma maneira, a esposa também acaba procurando outros amantes. É redundante dizer que Deus permite que o demônio afete os pecadores com mais empenho que aos justos. Pelo qual disse o anjo a Tobias: “outorga ao demônio poder sobre aqueles que se entregaram à lascívia. Mas também tenha, às vezes, poder sobre os justos, como no caso de Jó, mas não em relação as funções genitais. Pelas quais deveriam se dedicar à confecção de outras boas obras, a menos que o ferro permaneça na ferida, e seja inútil aplicar remédios”. Esclarecem-se algumas dúvidas passageiras sobre o tema da cópula impedida pelos encantamentos malignos De passagem, perguntam porquê esta função é às vezes obstruída em relação a uma mulher, mas não a outra; a resposta segundo São Boaventura, é esta: “Ou bem a encantadora ou bruxa afeta desse modo às pessoas que o demônio determinou, ou é porque Deus não permite que isso se inflija sobre certas pessoas. Pois o objetivo oculto de Deus neste aspecto é obscuro, como se mostra no caso da esposa de Tobias”. E agrega: “Se perguntar como o demônio faz isso há que dizer que obstrui a capacidade genital, não de forma intrínseca, mediante uma lesão do órgão, mais de maneira extrínseca, inutilizando-o”. Portanto, como é uma obstrução artificial, e não natural, pode fazer um homem impotente para uma mulher, mas não para outras: arrebatando a inflamação de sua luxuria por ela, mas não por outras mulheres, seja por meio de seu próprio poder, ou por alguma erva, ou pedra, ou certos meios naturais ocultos. E isto coincide com as palavras de Pedro de Paludes. Além do mais, como a impotência neste ato se deve às vezes à frivolidade da natureza, ou a algum defeito natural, se pergunta: Como é possível distinguir se é devido ou não a bruxaria? Hostiensis dá a resposta em sua Summa (porem isto não deve ser pregado em público): quando o membro não se comove de jeito nenhum, e não pode executar o ato do coito, isso é sinal de frigidez da natureza; mas quando se comove e se ergue e, no entanto não pode executar, é um sinal de bruxaria. Também devemos assinalar que a impotência do membro para executar o ato não é o único encantamento, mas às vezes se faz para que a mulher não possa conceber, ou que aborte. Observa-se, além do mais, que segundo o que estabelece os Cânones, quem por desejo de vingança ou por ódio faz a um homem ou a uma mulher algo que lhes impeça engendrar ou conceber deve ser considerado um homicida. E adverte-se, ainda, que o Cânon fala de amantes livres que, para salvar seus apaixonados da vergonha, usam anti-conceptivos tais como poções ou ervas que vão à contramão da natureza, sem ajuda alguma dos demônios. E esses penitentes devem ser castigados como homicidas. Mas as bruxas que fazem tais coisas por bruxaria são castigáveis, pela lei, com a pena extrema. E para solucionar os argumentos; quando objetam que estas coisas não podem acontecer a quem esta unido em matrimônio, é preciso assinalar, além do mais, que mesmo o assunto já ter sido suficientemente declarado; essas coisas podem certa e verdadeiramente ocorrer, tanto a quem esta casado como a quem não esta. E o leitor prudente, que possuir abundância de livros, remeter-se-á aos Teólogos e aos Cânonistas, em especial quando falam dos impotentes e enfeitiçados. E verá que coincidem em condenar dois erros, particularmente em relação às pessoas casadas, que parecem achar que esses encantamentos não podem ocorrer aos que estão unidos em matrimônio, pois postulam a razão de que o demônio não pode destruir a obra de Deus. E o primeiro erro que condenam, é o que diz que não existe bruxaria no mundo, mas apenas na imaginação dos homens que, por sua ignorância das causas ocultas que ninguém entende – todavia, atribuem certos efeitos naturais à bruxaria como se fosse produto, não de causas ocultas, mais de demônios que trabalham por si próprios ou em conjunção com as bruxas. E ainda que todos os outros Doutores condenem este erro como uma pura falsidade, São Tomás o ataca com mais vigor e o estigmatiza como uma verdadeira heresia, e diz que este erro procede da raiz da infidelidade. E como a infidelidade num cristão se considera heresia, esses tais merecem ser suspeitos de heresia. E isto foi estudado na Primeira Pergunta, ainda que não se tenha declarado com tanta clareza. Pois se alguém considerar os outros ditos de Santo Tomás em outros lugares, encontrará as razões pelas quais afirma que esse erro procede da raiz da infidelidade.
Pois em suas perguntas referentes ao Pecado, onde trata dos demônios, e em sua primeira pergunta, onde os demônios têm um corpo que lhes corresponde por natureza, entre muitas outras coisas, menciona as que referem todos os efeitos físicos, às virtudes dos astros, aos quais diziam que estavam submetidas às causas ocultas dos efeitos terrestres. E ele dizia: “deve-se considerar que os Peripatéticos, os discípulos de Aristóteles, afirmavam que os demônios não existem na realidade, mais que as coisas que se lhes atribuem procedem do poder dos astros e de outros fenômenos naturais”. Enquanto Santo Agostinho diz: (em Ciuitate Dei, X) que Porfírio opinava que das ervas e animais, e de certos sons e vozes, e de figuras e ficções observadas no movimento dos astros, os homens fabricavam na terra poderes correspondentes aos astros, para explicar diversos efeitos naturais. E o erro deles é claro, já que tudo se referia as causas ocultas nos astros, e afirmavam que os demônios só eram fabricados pela imaginação humana. Mas São Tomás demonstra com clareza, na mesma obra, que esta opinião é falsa; pois existem algumas obras dos demônios que de maneira alguma possam proceder de uma causa natural. Por exemplo, quando alguém está possuído pelo demônio e fala num idioma desconhecido; e muitas outras obras demoníacas encontram-se, tanto nas artes rapsódicas como nas nigromanticas, que só podem proceder de certa Inteligência, que por suposto não é boa, senão má em sua intenção. Portanto, devido a estas incongruências, outros Filósofos viram-se obrigados a admitir a existência de demônios. Mas, mais tarde, caíram em vários erros e alguns pensaram que a alma dos homens, quando abandonava o corpo, se convertia em demônio. Por tal motivo, muitos adivinhos assassinaram crianças, para poderem ter suas almas como colaboradoras; e relatam-se muitos outros erros. De tudo isto fica claro que, não sem motivos, o Santo Doutor afirma que semelhante opinião procede da raiz da infidelidade. E quem desejar pode ler em Santo Agostinho (Ciuitate Dei, VII, IX) sobre os diferentes erros dos infiéis a respeito da natureza dos demônios. E por certo que a opinião comum de todos os Doutores citada na obra antes mencionada, contra quem erra desta maneira ao negar que existam bruxas, – tem grande peso em seu significado, ainda que expressa em poucas palavras. Pois dizem que quem afirma que não existe bruxaria no mundo contradiz a opinião de todos os Doutores e das Sagradas Escrituras, e também afirmam que existem demônios, e que estes possuem poder sobre o corpo e a imaginação dos homens; com a licença de Deus. Pelos quais aqueles que são instrumentos dos demônios e por tal impulso, às vezes, causam dano a uma criatura, são chamados de bruxos por eles. Agora, na condenação dos Doutores deste primeiro erro, nada se diz a respeito dos unidos em matrimônio; mas isso fica claro em suas condenações sobre o segundo erro. Pois dizem que outros caem em contradição, em achar, mesmo, com a bruxaria existindo e abundando pelo mundo, inclusive contra a cópula carnal, que nenhum desses encantamentos pode se considerar permanente, e jamais anulam um matrimônio que já se tem contraído. Ali falam dos unidos em matrimônio. Ao refutar este erro (pois o fazemos ainda, que venha pouco ao caso, em bem de quem não possui muitos livros), é de assinalar que o refutam afirmando que vai contra todas as premissas, e é contrário a todas as leis, antigas ou modernas. Portanto, os Doutores católicos estabelecem a seguinte distinção: que a impotência causada pela bruxaria pode ser temporária ou permanente. E se for temporária, não anula o matrimônio. Mais ainda, se presume que quando temporária pode ser curada do impedimento, antes de decorridos três anos de sua coabitação, logo, há de se fazer todos os esforços possíveis, seja por meio dos sacramentos da igreja, ou por outros remédios, para se curá-la. Mas se por fim, não forem curados por remédio algum, a partir desse momento se considera permanente. E se esse caso preceder o contrato e a consumação do matrimônio, impede-se consumação do mesmo, ou o anula se ainda não foi contraído; ou bem se segue ao contrato de casamento, mas impede-se sua consumação, ou então, mesmo assim, segundo alguns anula-se o contrato anterior. (Pois é dito no Livro XXXIII, pergunta 1, cap. 1, que a confirmação de um matrimônio consiste em seu oficio carnal). Mas se for subsequente à consumação do matrimônio, então o vínculo matrimonial não fica anulado. Ali, Hostiensis, Godofredo os Doutores e os Teólogos assinalam muitas coisas a respeito da impotência. A respeito dos argumentos. Em quanto ao primeiro, ficou muito claro pelo que foi dito. Pois a respeito do argumento de que as obras de Deus podem ser destruídas pelas do demônio, e se o poder da bruxaria contra quem está casado carece de força; antes porém, parece o contrário, já que o demônio nada pode fazer sem a permissão de Deus. Pois não destrói pela força, como, um tirano, mas por certas artes extrínsecas, como se demonstrou acima. E também fica claro o segundo argumento, do porquê que Deus permite esta obstrução, e mais no caso do ato venéreo que de em outros atos. Mas o demônio também tem poder sobre outros atos, quando Deus o permite. No qual não é correto argumentar que poderia destruir o mundo inteiro. E da mesma maneira, a terceira objeção fica contestada.
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