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Pazuzu: O Exorcista (1973) e O Comboio do Medo (1977)

Leia em 9 minutos.

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Texto de G. B. Marian. Traduzido por Caio Ferreira Peres.

Pazuzu é mais conhecido hoje em dia graças a filmes de terror sobre possessão demoníaca; no entanto Ele é evocado com muito mais fidelidade em um filme completamente diferente do mesmo diretor.

Até agora, 2021 não tem sido muito mais fácil do que 2020. Mas se há uma coisa incrível pela qual sempre me lembrarei deste ano em diante, é o fato de que conheci Pazuzu e Ele me ajudou a me curar quando eu precisava muito.

Conheço Pazuzu desde a adolescência, mas minha compreensão de Sua tradição e simbolismo foi severamente inibida pela cultura popular da época. Não me lembro de tê-lo procurado em nenhum momento em oração. Pensei em escrever uma música sobre Ele em algum momento de 2020, mas acabei esquecendo essa ideia e certamente não estava planejando escrever um álbum inteiro dedicado a Ele. Quando 2021 começou, tive um colapso mental quase total e achei que não voltaria a produzir nada por um tempo. Mas, em abril, de repente me senti impulsionado por Pazuzu a escrever e gravar 10 músicas para Ele em menos de uma semana.

E, quando terminou, eu me senti….alguma coisa como eu mesmo novamente. Melhor. Mais saudável. Não é exatamente o que se espera de uma figura que é mais comumente retratada como vilão de filmes de terror, não é mesmo?

A maioria das pessoas que conhecem Pazuzu hoje em dia foi apresentada a ele pela primeira vez em O Exorcista (1973) de William Peter Blatty, dirigido por William Friedkin. Blatty é outro daqueles autoproclamados “especialistas” em demonologia da época do Pânico Satânico, e seu romance O Exorcista foi inspirado em um exorcismo da “vida real” que ele investigou. A história apresenta Pazuzu como seu antagonista, um demônio maligno que possui uma adolescente e a leva a cometer todos os tipos de obscenidades vis. A versão cinematográfica é uma das adaptações mais fiéis de um romance que já vi, e foi feito um grande esforço para projetar uma estátua gigante de Pazuzu que fosse mais ou menos fiel aos antigos motivos mesopotâmicos. Como resultado, pode-se dizer que o próprio Pazuzu foi de fato escalado para o filme, mesmo que apenas para algumas breves aparições.

O Exorcista foi um verdadeiro divisor de águas e, se precisar ser convencido, basta ver como as trilhas sonoras dos filmes de terror mudaram depois de 1973. Antes de O Exorcista, a maioria dos filmes de terror apresentava trilhas sonoras orquestrais românticas. Os temas e as melodias podiam crescer e aumentar o ritmo em determinados momentos, mas ainda tinham harmonia, sendo bastante agradáveis aos ouvidos. William Friedkin originalmente contratou o compositor Lalo Schifrin para fazer a trilha sonora de O Exorcista, mas não ficou satisfeito com tudo o que Schifrin ofereceu e acabou demitindo-o. Friedkin acabou usando todas as músicas pré-gravadas para o filme, músicas que eram progressivas e experimentais para a época.

A maioria das pessoas sabe que a “música tema” de O Exorcista é, na verdade, apenas um breve clipe de Tubular Bells (1973), de Mike Oldfield; mas o filme também inclui seleções de Polymorphia (1962) de Krzyzstof Penderecki, e Black Angels (1970) de George Crumb. E, embora essas últimas peças sejam tecnicamente consideradas “clássicas”, elas pertencem àquela adorável categoria pós-modernista em que tudo é um drones orquestral e ambiente. Esse tipo de música raramente havia sido usado em filmes antes, e soa assustadoramente bem, por isso também não foi muito tocado nas rádios. Mas isso diz muito sobre o fato de que quase todos os filmes de terror feitos desde 1973 usaram praticamente o mesmo modelo de design de som. Isso é exemplificado de forma mais óbvia por O Iluminado (1980) de Stanley Kubrick, que inclui um pouco de Penderecki em sua trilha sonora. Mas também é possível ouvir esse tipo de influência na música de Goblin (por exemplo, Suspiria, 1977), John Carpenter (Halloween, 1978), Christopher Young (Hellraiser, 1987) e inúmeros outros.

(Uma observação interessante: Ennio Morricone fez a trilha sonora de O Exorcista II: O Herege em 1977, e Morricone já era conhecido por incorporar algumas influências pós-modernistas em seu trabalho; considere suas trilhas sonoras para os filmes de faroeste de Sergio Leone da década de 1960, por exemplo. Enquanto isso, Lalo Schifrin foi recrutado para Horror em Amityville em 1979 e reaproveitou a trilha que havia composto anteriormente para O Exorcista em 1973. Definitivamente, há uma sólida influência de Penderecki no produto final, com todas aquelas cordas estridentes e discordantes).

O Exorcista é um filme fantástico e é um dos meus favoritos. No entanto, há certas coisas nele que me incomodam. Eu o apreciaria muito mais se a história não usasse um deus pagão como vilão. Entendo que o filme é, na verdade, apenas um grande comercial para a Igreja Católica, mas não havia necessidade de escolher um deus aleatório de outra religião para defender esse ponto de vista. Ainda assim, eu provavelmente nem saberia da existência de Pazuzu se nunca tivesse assistido a esse filme, e o mesmo provavelmente se aplica a muitos que andam com Ele hoje. Talvez, nesse sentido, o objetivo oculto do romance de Blatty tenha saído pela culatra, proporcionando a Pazuzu uma porta de entrada inesperada para nossos corações.

Oh deuses, James Earl Jones, o que eles FIZERAM com você?

Naturalmente, o sucesso de O Exorcista levou a várias continuações e até mesmo a uma série de televisão recente. A pior dessas continuações—O Exorcista II: O Herege (1977)—é ao mesmo tempo a mais fascinante. Dirigido pelo sempre pretensioso John Boorman (oh, deuses, por favor, me salvem de ver Zardoz novamente), O Herege é, na verdade, apenas uma desculpa para que o olhar masculino se detenha no físico em desenvolvimento de Linda Blair e para que Richard Burton tropece no roteiro enquanto está bêbado. Para uma sinopse mais articulada desse filme bizarro de merda, recomendo fortemente a magnífica resenha do meu amigo ChillerPop. Para nossos propósitos aqui, o importante é que Pazuzu ainda é o vilão, mas Ele não é apenas o “anjo caído” que dizem que Ele é no primeiro filme. Ele é mais como uma força da natureza que pode ser domada ou domesticada pelos seres humanos por meio da magia e/ou da ciência. O Herege parece sugerir que a Igreja Católica é impotente para deter uma força como Pazuzu… e isso é, pelo menos, um passo na direção certa.

Pazuzu não é um anjo caído, mas um deus assiro-babilônico. Ele é realmente descrito como o “Rei dos demônios do vento” em sua tradição original, mas isso significa algo muito diferente no contexto. Na verdade, isso se refere a espíritos elementares da natureza, e não a qualquer demônio da mitologia cristã. Pazuzu é o “Rei” desses espíritos porque todos os outros têm medo Dele e fogem quando Ele se irrita. É exatamente por isso que os antigos invocavam Ele para proteger suas mulheres e crianças de outros espíritos, como Lamashtu, que se dedicam a ferir e assassinar ambos. Os escritores geralmente descrevem essa prática como “usar o mal contra o mal” (uma frase que é usada até mesmo no O Exorcista original), mas eu chamo isso de besteira. O próprio deus da Bíblia parece bastante irado e violento, mas as pessoas geralmente não pensam nos exorcismos cristãos como “usar o mal contra o mal”. Na verdade, não há muita diferença de princípio aqui, exceto pelo fato de Pazuzu ser uma divindade politeísta menos conhecida. E como alguém que sobreviveu a abuso infantil, acho que isso realmente diz algo sobre o fato de Pazuzu ter sido considerado tão pessoalmente investido na segurança de mães e bebês humanos. Isso soa como o completo oposto de “maldade”, se você me perguntar.

“Esta noite não, Lamashtu!”

Nenhum dos filmes do Exorcista faz justiça a Pazuzu, mas há outro filme que vi que parece ressoar com ele de alguma forma. O próximo projeto de William Friedkin depois de O Exorcista foi um filme chamado Sorcerer [N. T.: Feiticeiro,  no Brasil conhecido pelo título O Comboio do Medo], de 1977. Apesar do título que parece sobrenatural, Sorcerer não é um filme de terror, mas sim uma aventura bizarra na selva. Trata-se de quatro homens nefastos de diferentes países (um deles é interpretado por Roy Scheider) que estão se escondendo de mafiosos e da lei em um país sul-americano sem nome. Quando uma plataforma de petróleo próxima explode, matando inúmeros trabalhadores, os proprietários da empresa decidem interromper o incêndio com um pouco de nitroglicerina, mas o lote mais próximo está danificado, é extremamente antigo e altamente volátil. Assim, eles recrutam os quatro personagens principais para transportar essa nitroglicerina pelas montanhas e florestas tropicais em caminhões realmente grandes. O que se segue é uma das missões mais envolventes e cheias de suspense que já vi em um filme, pois apenas um movimento em falso poderia levar todos esses pobres coitados suados direto para o inferno!

Apesar de não ter nenhum conteúdo sobrenatural, Sorcerer tem uma poderosa vertente mística. William Friedkin escolheu deliberadamente o título como uma referência a O Exorcista, afirmando que o “Feiticeiro” titular é, na verdade, o próprio Destino. Os caminhões usados para transportar o nitro têm “rostos” de aparência demoníaca, com faróis e grades que lembram olhos e bocas cheias de dentes. Em vários momentos, os protagonistas passam por figuras de pedra de deuses antigos e monstros do folclore sul-americano. Há uma sequência em que eles precisam atravessar uma ponte extremamente frágil, e podemos ouvir o som de demônios chorando ao vento. Um dos caminhões tem até mesmo Pazuzu desenhado claramente com giz no capô—como se Ele estivesse sendo solicitado a cuidar desses homens e de seu fardo mortal!

Pazuzu é o co-piloto deles!

E há também a magnífica trilha sonora eletrônica do Tangerine Dream, que parece pertencer a um filme de terror. A banda compôs e produziu toda essa música sem ver nenhum vídeo do filme. Eles produziram ainda mais músicas do que William Friedkin poderia usar, e ele ficou tão satisfeito com o trabalho deles que desejou voltar no tempo e pedir que eles fizessem a trilha de O Exorcista para ele. Lembre-se de que Friedkin teve problemas para encontrar os sons exclusivos que queria para esse filme. Tubular Bells de Mike Oldfield, foi uma excelente escolha para o tema, mas você consegue imaginar O Exorcista com a música do Tangerine Dream? Ouça a trilha sonora de Sorcerer e terá uma ideia de como essa trilha teria soado. (A primeira faixa, “Main Title”, é especialmente aterrorizante para ouvir no escuro).

A trilha sonora de The Sorcerer é um dos meus álbuns favoritos de todos os tempos; eu o descobri quando estava na 7ª série em 1995, e tenho certeza de que sua influência pode ser encontrada no meu último álbum, Pazuzu Saves (2021). Na verdade, isso não foi intencional; eu nem estava pensando nesse filme quando compus a música pela primeira vez. Mas algo me levou a assistir novamente ao filme alguns dias após o lançamento de Pazuzu Saves, e fiquei impressionado com todas as referências incidentais a esse deus (que eu nunca havia notado antes). Em seguida, comecei a pensar em como esse filme é sobre esses rústicos que sobem montanhas traiçoeiras para resgatar o vilarejo sul-americano empobrecido que aprenderam a chamar de lar. A história de Pazuzu Saves é parcialmente inspirada em contos sobre o deus que sobe uma montanha para quebrar as asas de todos os demônios do vento que ameaçam a humanidade. É difícil para mim, neste momento, NÃO assistir a Sorcerer e traçar algum tipo de paralelo com esse tema, embora o filme não tenha a intenção de transmitir nenhum tipo de mensagem religiosa. Talvez Pazuzu tenha gostado tanto de ser escalado para o elenco de O Exorcista que retribuiu o favor atuando como muso de William Friedkin em Sorcerer. O último filme certamente parece mais alinhado com o que Pazuzu realmente é, pelo menos em minha opinião.

Link para o original: https://desertofset.com/2021/05/18/pazuzu-the-exorcist-1973-and-sorcerer-1977/


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