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O “Tarô das Sombras” de Linda Falorio e Algumas Reflexões sobre a Natureza do Próprio Tarô

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Texto de Kadmus Herschel. Traduzido por Caio Ferreira Peres.

Linda Falorio assumiu uma tarefa difícil quando decidiu tentar criar um baralho de Tarô Qliphóthico, o Tarô das Sombras. Estou com o baralho há algumas semanas e gostaria de compartilhar alguns pensamentos sobre ele, além de algumas reflexões gerais sobre a natureza do Tarô. Gostaria de começar minhas reflexões afirmando o que considero ser o desafio quase inatacável que essa tarefa enfrentou. O Tarô de Falorio teve sua inspiração original nas correspondências Qliphóthicas dos 22 caminhos da Árvore da Vida, conforme derivado do Liber CCXXXI de Aleister Crowley e investigado em The Nightside of Eden de Kenneth Grant. Em outras palavras, ele começou a partir de um sistema claramente definido para apresentar os Arcanos Maiores do Tarô, as 22 cartas mais famosas frequentemente entendidas como correspondentes aos 22 caminhos da Árvore da Vida e às 22 letras do alfabeto hebraico. Foi essa parte do Tarô das Sombras que ficou circulando pela Internet durante anos. O desafio é descobrir como, tendo começado com os Arcanos Maiores claro, o baralho apresentaria os Arcanos Menores – as 56 cartas das quais nosso baralho padrão de 52 cartas é derivado? Para esse propósito, Falorio se baseou em duas fontes: as estrelas de importância qliphótica e os espíritos da Chave Menor de Salomão ou Goetia. Acredito que essa seja, por várias razões que explicarei, uma solução inadequada para um problema muito difícil.

A Estrutura de um Baralho de Tarô

Em primeiro lugar, gostaria de dizer que o Tarô é um assunto muito complexo e que há várias maneiras de entendê-lo e estruturá-lo. Não estou buscando entrar nesses debates e afirmar a maneira “certa” de entender o Tarô. Não estou buscando, neste artigo, entrar nesses debates e afirmar a maneira “certa” de entender o Tarô. A interpretação ocultista mais comum, pelo menos desde o trabalho de Eliphas Levi e, posteriormente, da Aurora Dourada, é aquela baseada na Qabalah. Na verdade, suspeito que o entendimento cabalístico do Tarô não seja o mais antigo e historicamente autêntico, embora eu não possa comprovar adequadamente essa afirmação com nada além de um palpite no momento, mas essa questão histórica será irrelevante para nossa discussão. Ao basear seu Tarô nos 22 Túneis de Set, a versão Qliphóthica dos caminhos da Árvore da Vida, Falorio se aliou à interpretação Qabalística e, portanto, trabalharemos a partir desse entendimento do Tarô como nossa base.

O Tarô, portanto, tem duas divisões básicas com algumas subdivisões ao longo do caminho que vale a pena considerar. A divisão principal, já mencionada, é aquela entre as 22 cartas dos Arcanos Maiores e as 56 cartas dos Arcanos Menores. Tradicionalmente, considera-se que as 22 cartas (pelo menos dentro dos círculos da magia cerimonial) correspondem aos 22 caminhos da Árvore da Vida e às 22 letras do alfabeto hebraico. Em última análise, os Arcanos Maiores representam os níveis simbólicos mais elevados, ou seja, os processos cósmicos e o ciclo completo da vida. Os principais eventos da vida e os pontos de virada são geralmente representados pelos Arcanos Maiores em uma leitura. Os Arcanos Menores, por outro lado, representam fenômenos cotidianos mais matizados e complexos, mas também comuns. Enquanto os Arcanos Maiores são cósmicos, os Arcanos Menores são elementares. Assim, todas as cartas dos Arcanos Menores podem ser atribuídas a um dos quatro elementos tradicionais: terra, ar, fogo e água. 

Dentro dos Arcanos Menores, encontramos as subdivisões que mencionei. Os Arcanos Menores podem ser divididos em quatro naipes compostos de 16 cartas reais (como o Rei, a Rainha e o Valete de nossas cartas de baralho tradicionais, mas incluindo um quarto membro) e 40 cartas numeradas (quatro Ases e quatro conjuntos de números de 2 a 10).

As 16 cartas reais têm, portanto, atributos elementais, mas também são frequentemente consideradas como tendo atributos zodiacais, além de frequentemente terem uma das quatro letras do nome hebraico de Deus, o Tetragrammaton, atribuído a elas também. Assim, por exemplo, a Rainha dos Discos pode ser entendida como a força da Terra (Discos), a primeira letra hebraica Heh do Tetragrammaton e vários atributos zodiacais – O sistema da Aurora Dourada e Crowley, por exemplo, dividem os signos do Zodíaco em seus Decanatos constituintes (três divisões de dez graus cada uma dos trinta graus que compõem cada signo do Zodíaco) e, em seguida, atribuem o último Decanato de um signo e os dois primeiros do próximo a cada carta real, exceto as Princesas, que são puramente elementais e desprovidas de atributos zodiacais, ou entendidas como governantes das quatro regiões dos céus localizadas em torno do Polo Norte e fora das divisões específicas do círculo do Zodíaco. Como cada uma das letras do Tetragrammaton também tem um atributo elemental, isso nos permite dizer que a Rainha dos Discos representa a parte aquosa (da letra Heh) da Terra (dos Discos) e, em seguida, trabalhar os detalhes adicionais do que isso significa em termos do último decanato de Sagitário e dos dois primeiros decanatos de Capricórnio. Esse sistema é claramente bastante complicado, mas nos permite, como afirma Crowley, entender cada carta real como representando um tipo distinto de personalidade até que todos os tipos possíveis de personalidade sejam englobados.

Se tanto as cartas reais quanto as numeradas se enquadram em um elemento específico, conforme representado pelos naipes, o que torna as cartas reais distintas é sua atribuição às quatro letras do Tetragrama, enquanto as cartas numeradas são distintas por serem atribuídas aos números de 1 a 10. Do ponto de vista Qabalístico, a importância disso deve ser clara: as cartas numeradas dos Arcanos Menores representam aspectos das 10 Sephiroth da Árvore da Vida. O Ás representará a natureza espiritual pura do elemento na Sephiroth de Kether e, em seguida, cada um dos outros números representará a natureza do elemento conforme influenciado por uma das Sephiroth inferiores. Os Ases não têm características do Zodíaco, enquanto os 36 decanatos são atribuídos a uma das cartas numeradas de 2 a 10. Para complicar ainda mais, cada um dos decanatos tem uma correspondência planetária além de seu significado zodiacal. Assim, o 3 de Discos representará o elemento Terra, influenciado pela Sephiroth de Binah, e o segundo decanato de Capricórnio corresponderá também a Marte. Portanto, para simplificar, o 3 de Discos = Terra + Binah + Capricórnio + Marte. 

Assim, para recapitular os elementos-chave, poderíamos dizer que, em termos cabalísticos, o Tarô se divide em: Os 22 Caminhos (Arcanos Maiores), o Tetragrammaton (Arcanos Menores Reais) e as Sephiroth (Arcanos Menores Numerados).

A Estrutura do Tarô das Sombras

O Tarô das Sombras de Falorio divide os três elementos acima nas seguintes formas: Os Arcanos Maiores (os 22 Túneis de Set, ou seja, os caminhos Qliphóticos da Árvore da Vida), os Arcanos Menores Reais (o que Falorio chama de as 15 estrelas fixas dos Antigos mais o planeta Nibiru/Ishtar), os Arcanos Menores Numerados (40 espíritos Goéticos selecionados entre os 72 espíritos da Chave Menor de Salomão). Os naipes, por sua vez, são reformulados como Estrela do Mar (para Espadas), Caveiras (para Discos), Máscaras (para Paus) e Conchas (para Copas). As cartas reais são chamadas de Sacerdote, Oráculo, Pitonisa e Observador.

O Problema dos Arcanos Menores

Trabalhando com a inspiração original de um Arcano Maior baseado nos Túneis Qliphóthicos de Set, a estrutura dos Arcanos Menores se torna o principal problema. Sinceramente, não tenho a menor ideia de como abordar os Arcanos Menores Reais com base nisso. Que estrutura de Qliphóthicos poderia corresponder ao papel do Tetragrammaton nos decks padrão? Como não tenho resposta para essa pergunta, estou disposto a aceitar o uso de várias estrelas por Falorio, embora tenha minhas dúvidas de que as estrelas escolhidas possam capturar ou refletir com precisão as correspondências elementais, zodiacais e de decanatos dos métodos padrão.

 Por outro lado, no tópico dos Arcanos Menores Numerados, a resposta ao problema parece clara, embora incompleta. Os Arcanos Menores numerados devem representar as Sephiroth, enquanto os Arcanos Maiores representam os Caminhos/Túneis. Aqui Falorio teria material para trabalhar, pois as Sephiroth receberam correspondências Qliphóthicas antes mesmo dos caminhos – em outras palavras, as Qliphoth das Sephiroth são mais tradicionalmente o que se entende por Qliphoth e os túneis são um avanço posterior, embora muito útil e interessante. Portanto, se eu estiver me perguntando o que os quatro 5s devem representar em um texto Qliphóthico, a resposta óbvia é que eles devem representar a Qliphah de Golachab (ou seja, a versão do Lado Noturno da Sephira de Geburah), que também é atribuído ao demônio Astaroth (que também aparece na Chave Menor de Salomão como um espírito goético). Trabalhar isso de modo a obter quatro 5s com pelo menos alguns dos atributos elementais e zodiacais apropriados será uma tarefa complicada (talvez uma que Falorio tenha tentado e falhado, pelo que certamente não posso culpá-la). Mas isso seria, no mínimo, consistente e, do meu ponto de vista, é a maneira “certa” de resolver o problema para um baralho Qliphóthico. Não foi isso que Falorio fez.

Se alguém recusar o curso de ação sugerido acima, a outra opção, caso se insista no interesse em usar espíritos goéticos, seria combinar os atributos “tradicionais” dos espíritos goéticos com os atributos necessários de uma determinada carta. Coloco “tradicional” entre aspas aqui porque esse é um terreno altamente contestado. Você pode pegar o Astaroth da Chave Menor de Salomão e encontrar atributos tanto cabalísticos quanto zodiacais para esse espírito, mas nunca encontrará uma concordância universal sobre esses atributos. No entanto, o fato de que a Chave Menor nos oferece 72 espíritos e a Qabalah nos oferece os 72 nome de Deus, do qual podem ser derivados 72 anjos e, além disso, que esses 72 anjos podem ser aplicados aos 36 Decanos do Zodíaco, de modo que cada Decano recebe dois anjos e dois espíritos goéticos/demônios, o que proporciona uma boa base para trabalhar (ignorando, é claro, que estudiosos como Jake Stratton-Kent demonstraram de forma bastante convincente que os textos originais dos quais a Chave Menor é derivada ofereciam mais de 72 espíritos, de modo que a sobreposição dos 72 nomes e da Chave Menor é provavelmente acidental ou artificial). Falorio também não fez isso.

Exemplos de Incompatibilidade

Permita-me oferecer-lhe algumas demonstrações da desconexão entre o baralho de Falorio e o que se poderia esperar de um baralho modelado em qualquer um dos dois métodos acima. Usando o primeiro método (baseado nas Qliphoth tradicionais das Sephiroth), seria de se esperar que o espírito goético Astaroth aparecesse como um dos 5s, uma vez que os 5s correspondem a Geburah e Astaroth é tradicionalmente atribuído à versão do Lado Noturno de Geburah, Golachab. Não tenho certeza de qual elemento/naipe ele deveria ocupar. Em vez disso, o que descobrimos é que Astaroth aparece como um 6 (o 6 da Estrela do Mar atribuído também a Aquário, ou seja, o 6 de Espadas). 

Como alternativa, trabalhando a partir dos atributos tradicionais dos espíritos goéticos para os atributos das cartas do Tarô, vamos ver o que podemos fazer. Tomemos como exemplo o espírito goético Vepar. Ele é tradicionalmente atribuído ao terceiro decanato de Touro (por exemplo, por Crowley). Isso faria com que Vepar fosse o 7 de Discos (ou seja, 7 de Caveiras). Em vez disso, Vepar aparece como o 5 de Conchas (ou seja, Copas) e é atribuído a Virgem. Se tentarmos encontrar a associação de Virgem de Vepar, poderemos nos deparar com os atributos desse espírito derivados do Aurum Solis, que atribui Vepar a Virgem, mas ao Terceiro Decanato e não ao Primeiro (o que faz de Vepar o 7 de Copas e não o 5).

Vamos voltar ao exemplo que usamos em nossa discussão inicial sobre a estrutura do Tarô em geral. O 3 de Discos = Terra + Binah + Capricórnio + Marte. Basicamente, o que tenho dito é que nossa versão “sombra” do 3 de Discos pode seguir a correspondência Terra/Binah e tentar construir a Qlipha de Binah (Sathariel). A única maneira provável de construir um Arcano Menor a partir disso seria desconsiderar a Goetia e, em vez disso, usar os espíritos tradicionais das Sephiroth Qliphóthicas, a maioria dos quais não aparece na Chave Menor de Salomão. Ou podemos usar o elemento Capricórnio/Marte e construir a partir dos atributos zodiacais/decanos dos espíritos goéticos. Assim, perguntaríamos qual seria o espírito goético do segundo decanato de Capricórnio. Uma resposta tradicional é Astaroth ou Andrealphus (de acordo com Crowley) ou Botis ou Camio (de acordo com o Aurum Solis). Falorio oferece, em vez disso, Orobas como o 3 de Discos/Caveiras. Orobas seria tradicionalmente o primeiro decanato de Libra (Crowley) ou o primeiro decanato de Aquário (Aurum Solis).

 Devo reiterar que não estou comprometido com nenhuma dessas atribuições “tradicionais” e que, de fato, suspeito que elas sejam artificiais. Tampouco me oponho de forma alguma a que Falorio elabore seus próprios atributos para os espíritos goéticos. Mas devemos deixar claro que os atributos de Falorio para os espíritos goéticos são, em grande parte, de sua autoria, enquanto outras fontes estavam disponíveis, e a questão de qual dos 72 espíritos usar (já que não há cartas suficientes para todos eles) também parece ser uma questão para a qual existe o risco de não se encontrar uma resposta não arbitrária. No entanto, em última análise, eu não me oporia à maior parte disso, exceto por uma preocupação mais profunda que tenho com a mistura de espíritos Goéticos e Qliphóticos que ocorre no baralho de Falorio. Como eu disse, em minha opinião, a solução “correta” é desconsiderar totalmente a Goetia e trabalhar com as várias entidades e energias tradicionalmente atribuídas às Qliphoth das dez Sephiroth.

Qliphoth versus Goetia

Tendo trabalhado com as energias Qliphóthicas e Goéticas, sou firmemente da opinião de que elas são nitidamente diferentes nos sentidos prático e metafísico, apesar da grande quantidade de nomes que se sobrepõem (por exemplo, o de Astaroth). Mesmo quando os nomes se sobrepõem, em outras palavras, não estamos falando da mesma entidade ou energia. O mesmo se aplica aos deuses e deusas pagãos atribuídos ao Qliphoth. A Hécate das Qliphoth não é a Hécate do paganismo.

Já falei muito sobre as Qliphoth anteriormente e minha experiência com eles corresponde aproximadamente ao modelo de “universo negativo” oferecido por Kenneth Grant. Por outro lado, os espíritos goéticos parecem ser firmemente deste mundo. De fato, eles são frequentemente terrenos e/ou necromânticos, em vez de representarem a antirrealidade inversa ou o universo espelho das Qliphoth. Enquanto os espíritos goéticos estão intimamente relacionados aos deuses pagãos (e, às vezes, talvez até possam ser identificados com eles), as Qliphoth são quase pós-modernas em sua existência paradoxal como não-existência. No nível básico, as Qliphoth são cabalísticas, enquanto a Goetia, em última análise, não é. Para aqueles que desejam realmente entender a Goetia, não posso deixar recomendar o suficiente a Encyclopedia Goetica de Jake Stratton-Kent, que argumenta, de forma convincente, que a Goetia não é demoníaca e monoteísta, mas sim pagã. Estranhamente, um Tarô baseado na Goetia poderia funcionar bem ao se basear na pré-história não cabalística do Tarô. Da mesma forma, um baralho Qliphóthico poderia funcionar baseando-se exclusivamente em fontes Qabalísticas, embora não Goetia. É por essa razão que os Arcanos Maiores e Menores do baralho de Falorio não se encaixam. De fato, há uma clara sensação (pelo menos para mim) de que eles se chocam de forma bastante discordante. Não se trata de uma representação coesa da realidade ou da antirrealidade, mas de uma mistura de retalhos de ambas. Não posso deixar de sentir que isso deixa os espíritos Qliphóthicos e Goéticos desconfortáveis e deslocados.

 Dito isso, devo enfatizar que a ideia por trás do baralho foi excepcionalmente ambiciosa para começar e não é de todo surpreendente que sua execução esteja repleta de dificuldades talvez intransponíveis. Tenho certeza, no entanto, de que o baralho pode e dará origem a resultados interessantes e poderosos, e estou feliz por possuir um conjunto. Se você estiver interessado, ele pode ser adquirido aqui.

Link para o original: https://starandsystem.blogspot.com/2015/08/linda-falorios-shadow-tarot-and-some.html?m=0

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