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Demônios e Anjos

O Pacto Luciferiano

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“Perco a razão, perco o sentido.

Ao ver Dom Satanás de novo aqui metido!”

(Fausto I, v. 2503-2504).

 

O Pacto Luciferiano

Lúcifer, como diz Syd Barrett, está sempre por perto, sentado ao lado.

Estar do lado é se colocar a favor, tomado por algum sentimento de solidariedade e união.

Neste ponto, a partir de uma perspectiva mitológica, podemos pensar em Prometeu, o titã que roubou o fogo dos deuses para oferecê-lo aos homens. Desafiou os mais altos poderes em benefício da humanidade, vindo a pagar um alto preço por isso, pois foi duramente castigado por Zeus pela sua ousadia.

O fogo era uma prerrogativa dos deuses. Entregá-lo aos homens foi uma forma de trazer a luz, tornando possível um nível mais elevado de vida.

A atitude de Prometeu de beneficiar os homens com o fogo tem alguma semelhança com Lúcifer, que se encarregou de lhes trazer a luz da consciência, ou seja, o conhecimento, daí a relação Lúcifer-Prometeu, pois ambos se solidarizam com os homens, contrariando os poderes divinos.

Sobre a rebelião de Lúcifer, cuja desobediência custou-lhe a expulsão do Paraíso, e a condição de ‘adversário’ de Deus, diz Alberto Cousté:

“Se o diabo rebela-se contra Deus, é para se aproximar dos homens; se os estimula a imitá-lo, é para libertá-los da obediência” (s/d, p.20).

Ainda de acordo com o autor, os cristãos primitivos nutriam a crença de que o diabo queria ser Cristo, pois ele desejava ser o vínculo entre Deus e os homens.

Como não conseguiu o seu intento, o anjo decaído se viu impossibilitado de exercer o seu amor como ele gostaria. Desde então o que passou a fazer foi buscar outros meios de estar ao lado dos homens, recorrendo ao pacto como forma de permanecer “sempre ao seu lado”.

O pacto firmado entre o homem e o diabo tem em Fausto o modelo arquetípico dessa aliança, cujo desdobramento vai depender do quanto o indivíduo é capaz de se tornar consciente dos seus conflitos interiores, sobretudo em relação ao mal, ciente de que ele pode vir a praticá-lo, mesmo que não intencionalmente.

Isso mostra que em seu aspecto empírico, e, portanto, psicológico, o mal goza de certo relativismo, pois o que uma pessoa considera como tal, pode não ser válido para outra. Além disso, o que a moral dominante julga como um mal, em determinadas circunstâncias pode ser preferível ao bem, ou seja, visto de uma perspectiva mais ampla, optar pelo mal pode ser uma forma de se fazer o bem, e vice-versa.

Como disse Mefistófeles, ao se referir a si mesmo como aquele que deseja uma coisa, mas acaba sempre fazendo outra:

“Sou parte da Energia

Que sempre o Mal pretende e que o Bem sempre cria” (Fausto I. v. 1336).

Estar ao lado de um gato chamado Lúcifer significa que essa questão está sendo levada em consideração, o que implica numa chance maior de conciliar as ‘duas almas’, reconhecendo os opostos que cada um traz dentro de si.

O problema do mal, que aqui está e aqui permanecerá, como bem disse Jung (1963), não é sua existência, mas a recusa em admitir a disposição de se praticá-lo, acreditando que só os outros são capazes fazê-lo. Aceitar as próprias inclinações para o mal é um meio de não se deixar possuir por bruxas e demônios, e, consequentemente, uma forma de não ser arrastado, nem possuído pela sombra.

Isso não significa identificar-se com ele, pois, se não devemos ser isto, também não devemos ser aquilo. Nem o melhor, nem o pior.

Empiricamente, eles representam julgamentos, e como tal devem coexistir, sem que um prescinda do outro, pois, como disse Aniella Jaffé (1995), os “poderes da esquerda e da direita” sempre existiram e sempre existirão. Ao indivíduo caberão as difíceis decisões éticas que esta situação suscita.

A Alquimia, ao conceber o Mercúrio como um complexio oppisiturum, uma união de opostos, trouxe a questão do mal, ou do diabo, para o campo da reflexão, inserindo-o nos processos de transformação, como o aspecto sombrio do Mercúrio, daí o caráter compensatório da Alquimia em relação ao cristianismo, pois, ao invés de tentar “se livrar do mal”, suprimindo-o, ela se propôs a interagir com ele, visando sua posterior integração e reconciliação.

Enquanto não houver essa reconciliação, em forma de união de opostos, o mal estará cindido da consciência, como um corpo estranho e ameaçador, provocando um terror profundo e inexplicável, muitas vezes com a mesma intensidade das experiências religiosas, saturadas de numinosidade.

Quando ocorre vivências dessa natureza, objetos ou coisas comuns tornam-se algo fascinante, adquirindo uma aura mágica, ou mesmo sobrenatural, como o gato siamês de The Piper at the Gates of Dawn.

Como bem disse Syd Barrett:

“Esse gato tem algo que eu não posso explicar”.

 

*Extraído do livro The Piper at the Gates of Dawn e as Imagens Alquímicas de Syd Barrett (e-book Saraiva)


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