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Demônios e Anjos

Corvos da Dispersão

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Extraído de “Visions of The Nightside”, Black Tower Publishing, 2013

A’arab Zaraq, ou “Corvos da Dispersão”, é a última Qlipha no plano astral da Árvore Cabalística. Se seguirmos a teoria de que as Qlipoth são as forças opostas às Sephiroth e cada Qlipha na Árvore Sombria é uma antítese da Séfira correspondente na Árvore da Vida, devemos primeiro dar uma olhada em A’arab Zaraq com relação à Séfira Netzach, “Vitória”. As forças de Netzach são conectadas com a influência planetária de Vênus e representam emoções e paixões, Desejo como uma força motriz que supera os obstáculos no caminho da Ascensão e inspira o adepto ao avanço, para buscar iluminação espiritual. Esta é a energia bruta que precisa ser equilibrada, e este equilíbrio é encontrado na Séfira Hod, que representa intelecto, pensamento racional e auto controle. No Lado Sombrio da Árvore, estas forças existem em sua forma pura, primitiva, desequilibrada e desenfreada. No plano físico elas se manifestam como ganância, ciúmes, atitudes possessivas, paixões desenfreadas e luxúria descontrolada – a negatividade de Netzach, o lado sombrio de Vênus.

Enquanto o símbolo de Vênus em seu aspecto brilhante e positivo é a pomba, o emblema de A’arab Zaraq é o corvo. Espíritos e entidades associados com este reino são criaturas medonhas semelhantes à aves, com asas de corvo e cabeças demoníacas, que nasceram no coração do vulcão e voam sobre as águas tempestuosas do último posto avançado do plano astral, transportando a alma do viajante do Lado Escuro (Nightside) para o coração da Árvore, o Sol Negro de Thagirion.

Acredita-se que o corvo negro, símbolo desta Qlipha, está relacionado ao corvo enviado por Noé da sua arca, no conto bíblico do Dilúvio. O significado desta história é alegórico e apresenta a pomba e o corvo como símbolos da vida e da morte. O Dilúvio foi a punição de Deus para os pecados da humanidade e as águas representavam morte e destruição que tiraram a vida de todos os seres vivos sobre a Terra, exceto para Noé, sua família e os animais que estavam com ele na arca. Quando as águas do Dilúvio baixaram, a arca de Noé repousou sobre as montanhas de Ararat. Então ele enviou o corvo para ver se já era hora de sair. O corvo continuou voando de volta até que a água secou. Um dia ele não retornou, encontrando local de descanso entre morte e apodrecimento, e se regalando sobre os corpos daqueles que se afogaram no Dilúvio. Então Noé enviou outra ave – uma pomba. A pomba não encontrou o local de descanso na carne apodrecida e retornou para a arca. Noé então esperou sete dias e a enviou novamente. Desta vez a ave retornou com uma folha de oliva recém colhida, simbolizando o tempo de renascimento e rejuvenescimento da vida na terra. Noé esperou ainda outros sete dias e então enviou mais uma vez a pomba. Desta vez o pássaro não retornou, o que significou que a terra tinha renascido após o Dilúvio e era seguro deixar a arca e começar uma nova vida.

Esta história contribui grandemente para o simbolismo negativo do corvo. É uma ave suja, se banqueteando em carne podre e se afeiçoando à morte e apodrecimento. No sentido simbólico, ele representa a fascinação com a morte, impureza e carne, e também pode se referir à pessoa que vive na carne, perseguindo desejos carnais, ao invés de buscar o caminho da Ascensão espiritual. A pomba é o símbolo de uma pessoa que busca redenção e retorno à Deus. Na doutrina cristã, a pomba também é o símbolo do Espírito Santo que dota a alma com o revigorante poder doador da vida, e é o símbolo do batismo que outorga este poder à alma. A pomba é o emblema do renascimento espiritual, mas o corvo é também símbolo de batismo e renascimento, exceto que este batismo não é experimentado através da Graça Divina e o Espírito Santo, mas ele é um ato da Vontade do iniciado.
Iniciação através de Netzach é a controlada e ordenada busca do Desejo e domínio das emoções através da paciência, fortaleza e persistência. É também o princípio de liderança e vitória no caminho espiritual, inspirando e motivando outros para ação e movimento. Iniciação através de A’arab Zaraq é a mestria das emoções através do confronto direto com o Desejo não reprimido, o tesão desenfreado da Vênus Escura. É também a vitória sobre medo, morte e existência passiva através do caminho do guerreiro, o domínio de Baal, que é o deus dominante desta Qlipha.

A’arab Zaraq é governada por Baal, o Deus da Guerra, e Vênus Ilegítima, a Deusa da Paixão e Sexualidade. O processo iniciático começado neste reino é a mistura dessas duas forças entrelaçadas e associadas na união dinâmica de paixão e violência, tesão e derramamento de sangue, medo e morte e a afirmação extática da vida e seus deleites carnais. Este é o Caminho do Amante, bem como o Caminho do Guerreiro, iniciação de morte e sacrifício, e a iniciação do amor e prazer sexual. Há viajantes através do Lado Escuro que experimentarão os extremos de um destes caminhos somente, existem aqueles que enfrentarão o outro, e há também adeptos que serão confrontados com a totalidade dessas forças combinadas. Na Árvore da Noite, nada pode ser previsto, nada é tido como certo e cada experiência iniciática é pessoal e única.

Além de Baal, fontes Cabalísticas mencionam outro personagem governante desta Qlipha: Tubal Cain, o fabricante de armas afiadas. Tubal Cain é mencionado na bíblia como filho de Lamech e Zilla, o irmão de Naamah, que é a própria rainha demoníaca do mais baixo reino Qlifótico. Ele é o descendente de Cain e o patrono dos ferreiros, ofícios e trabalhos com metal. Identificado com o deus romano Vulcano, ele é o fabricante de armas e ferramentas de guerra e destruição. No Gênesis (4:22) ele é descrito como o “forjador de todos os instrumentos de bronze e ferro”. Ele é também um alquimista e detém o segredo da transmutação dos metais. Ele foi supostamente o primeiro a descobrir métodos de forja do cobre, o metal simbólico de Vênus, que em tempos antigos era utilizado frequentemente em espelhos, enquanto o próprio cobre era chamado de “o espelho da deusa”.

Baal é o deus guerreiro que conduz os homens para a batalha. Ele veste uma armadura dourada e um elmo dourado com chifres de touro. Em sua mão direita ele empunha a lança, na sua mão esquerda – o escudo. Algumas vezes ele aparece com seu braço direito estendido, conjurando e comandando o relâmpago. Em áreas Semíticas, a palavra “Baal” era um título e significava “mestre” ou “senhor”. Assim, foi atribuído a uma ampla gama de deuses com os quais Baal era identificado, de deidades da natureza de clima tempestuoso, até deuses demoníacos como Belzebub, o maligno Senhor das Moscas e Príncipe dos Demônios. Hadad era o deus semítico da chuva e trovão. Ele governava o tempo e tinha o poder de comandar tempestades e raios. Como o deus governante de A’arab Zaraq, presidindo sobre tempestades e águas vociferantes do plano astral, Baal carrega uma grande semelhança com esta antiga deidade. Há, entretanto, muitos outros deuses com quem Baal foi associado. Acredita-se que ele é o filho de El, o deus primário do panteão Cananita, e o animal simbólico desses dois deuses era o touro, símbolo de força e fertilidade. Ele também era conhecido sob muitos nomes e epítetos. Como Ba’al Hammon, ele era adorado pelos Cartagineses e seu culto supostamente envolvia a queima de crianças como oferendas. Como Ba’al Hadad, se acreditava nele como o deus da natureza que presidia sobre ritos de fertilidade com sua irmã e amante, Anath. Algumas vezes se acreditava na sua consorte como a deusa Astarte, cujo nome significava o “ventre” ou “aquela do ventre” e era símbolo de fertilidade feminina. Raphael Patai, observa em The Hebrew Goddess que o nome “Astarte”, entretanto, era originalmente um epíteto de Anath. No mito Ugarítico de Anath, do século 14 antes de Cristo, Baal se deitou com sua consorte irmã setenta e sete vezes, o filho desta união foi um touro selvagem, enquanto Anath assumiu a forma de uma bezerra por esta ocasião. Há também outros mitos e contos que enfatizam o papel da sexualidade nos cultos de Baal. Eles mencionam orgias realizadas nos topos de colinas e montanhas, sacrifício humano, ritos sexuais realizados para assegurar a abundância das colheitas, festins sagrados com a preparação de bolos especiais, etc.

O culto de Baal é também conhecido da história bíblica de Ahab e Jezebel. Em consequência do desejo de sua esposa, filha do rei dos Sidônios, Ahab pecou contra o Deus de Israel colocando o altar de Baal no templo que ele construiu na Samaria para esta antiga deidade. Então ele estabeleceu o culto de Baal com várias centenas de profetas e sacerdotes. O culto foi posteriormente destruído, os sacerdotes e adoradores de Baal mortos, o pilar de Baal partido em pedaços e o templo destruído. A rainha Jezebel foi assassinada, arremessada da janela e seu corpo foi deixado para ser devorado pelos cães.  Desde então ela veio a ser associada com falsos profetas, e o culto de Baal, que era praticado sob a proteção real, foi posteriormente demonizado e visto como antinomiano.

Baal, ou Bael, é o nome de um dos espíritos demoníacos na Goétia. Aparentemente não relacionado ao deus da guerra, este espírito Goético é um poderoso rei  que governa o Leste e preside sobre 66 legiões de espíritos infernais. Ele aparece em muitas formas diferentes, um gato, um sapo, um homem, todos os três ao mesmo tempo. Diz-se que ele ensina o poder da invisibilidade. Há, entretanto, um significado mais profundo para ele. Como um espírito feiticeiro e metamorfo, ele é relacionado à Belial, Príncipe da Terra e um dos deuses feiticeiros. O próprio Belial é o senhor da guerra e aparece em campos de batalha, com corvos e criaturas predadoras, incitando violência e fúria, e ensinando os mistérios do auto sacrifício. Ele é o senhor de todas as coisas materiais, a carne e o mundo físico, o irmão de Naamah, deusa do prazer sensual. Mas ele é também o feroz cavaleiro trazendo destruição ao mundo, o senhor da guerra, o emissário da morte e apocalipse. Porém, esses dois espíritos têm mais em comum além do que é percebido à primeira vista.

O segundo poder dominante da Qlipha A’arab Zaraq é Vênus Escura, ou Venus Illegitima. Diferente de sua contraparte Sefirótica, aqui a força de Vênus é desequilibrada e desenfreada, manifestando-se em todos os extremos, de êxtase e apogeu de deleite sensual, até obsessões mais baixas,     cobiça e abuso. Vênus é um símbolo poderoso da sexualidade feminina. O símbolo astronômico de Vênus, o círculo com uma pequena cruz abaixo, é amplamente utilizado para denotar o sexo feminino, e a própria deusa é uma das mais conhecidas padroeiras do amor, sexo e prazer carnal.

O próprio planeta Vênus era na antiguidade associado com muitas deusas proeminentes. Para os Babilônios, ela era Ishtar, a deusa do amor e da guerra que presidia sobre os mistérios da vida, morte e renascimento.  Para os antigos Egípcios, ela era Isis, a deusa da fertilidade, mas também padroeira da magia e a senhora do nascimento, vida eterna e ressurreição. Contudo, eles também acreditavam que Vênus tinha dois corpos separados, a estrela da manhã e a estrela do anoitecer. Esta visão foi posteriormente adotada pelos Gregos, que chamaram de Phosporos a estrela da manhã, “o Portador da Aurora” e a estrela do anoitecer de Hésperos, “a estrela da noite”. Esses nomes também aparecem nas lendas de Lúcifer, o Portador da Luz, “o Filho da Manhã”, e se referem à sua natureza estelar e cósmica. Identificado com Vênus, o Trono de Lúcifer é a estrela que brilha orgulhosamente como o mais brilhante objeto no céu, depois do Sol e da Lua. Ele é o portador da luz a chama divina que é a origem de todas as coisas, e ele é o deus patrono da iluminação através do conhecimento e sabedoria, associado com Prometeu, que trouxe o fogo divino para a terra e ensinou a humanidade como se tornar igual aos deuses. A interpretação esotérica do mito de Prometeu explica a dádiva do fogo como o despertar da centelha interna no homem, a fonte de poder espiritual que corresponde ao conceito Tântrico da Kundalini. O fogo de Prometeu é a centelha da Divindade que se torna a tocha do infinito potencial divino. Assim como Prometeu ensinou a humanidade como se tornar igual aos deuses, Lúcifer também mostra ao homem o caminho da independência e a via para a Divindade do próprio homem. Esse princípio Luciferiano de acender a chama divina é primeiro encontrado quando o iniciado adentra no plano astral da Árvore Cósmica e começa a sua jornada em busca de Divindade. Através dos sucessivos níveis da Iniciação Qlifótica, a chama cresce e se torna o fogo do renascimento e transformação espiritual. A real iluminação da chama de Lúcifer, entretanto, começa no reino de Thagirion, o Sol do Lado Escuro, onde o adepto aprende a ideia de Divindade, enquanto que no plano astral o praticante encontra e confronta seus “demônios” pessoais e prepara-se para níveis avançados de Ascensão espiritual.

Tal como Baal, a deusa de Vênus era conhecida pelo mundo antigo sob muitos nomes e epítetos diferentes, e associada com muitos diferentes atributos. Ela era Vênus Caelestis, a senhora celestial, Vênus Genetrix, a deusa da maternidade e domesticidade, Vênus Erycina, a padroeira das prostitutas, Vênus Verticordia, a transformadora de corações, etc. Como Vênus Libertina “a mulher livre”, ela presidia sobre as questões de amor e sexualidade feminina. Ela incorporava beleza, sedução, paixão, e desejo sexual, e era similar à sua equivalente Grega, a deusa Afrodite. Como Vênus Libitina, ela era a padroeira dos funerais e agentes funerários e presidia sobre os ritos de sepultamento e luto. E ela era também Vênus Victrix, a feroz deusa da guerra que dominava os campos de batalha e regozijava-se no derramamento de sangue.

Na antiga mitologia Romana, Vênus é o princípio feminino complacente, aquático que é equilibrado através da força de sua contraparte masculina, Vulcano ou Marte – ambos os deuses ativos e ígneos, patronos do fogo e ferozes deuses da guerra e guerreiros. Ela absorve sua força ígnea e une os opostos do macho e da fêmea, provendo equilíbrio para essas duas correntes. Ela é a deusa sensual das prostitutas e preside sobre os prazeres da carne, mas ela também sublima os impulsos sexuais em virtudes superiores, o carnal em espiritual. Como a deusa de A’arab Zaraq, ela continua o trabalho iniciado pelos mistérios de Lilith nos outros reinos astrais: transformação de carne em espírito. Esta transformação é essencial para continuar a jornada espiritual no coração da Árvore, o reino de Thagirion, onde o Adepto é confrontado com a completa manifestação do seu próprio lado sombrio, o Daimon pessoal.

Se as iniciações no plano astral não tiverem sido devidamente completadas, o adepto será devorado por esta força, que é equivalente à infame Besta 666, a aterrorizante e devoradora força do Sol Negro. No sentido microcósmico, este processo corresponde à ativação e domínio dos três primeiros chakras: Muladhara, que representa tudo o que é mundano e físico, e governa sobre os instintos básicos de sobrevivência, Svadisthana, que é a força motriz da reprodução – sexual, artística, intelectual, etc., e Manipura, que governa emoções, sentimentos, vontade livre e a habilidade de manifestação. Esses três chakras inferiores são as fundações de toda a vida e existência para a maioria das pessoas. Muitas estão concentradas somente nos aspectos mundanos da vida: sono, comida, sexo, trabalho, etc., sem mesmo perceber que existe algo mais lá fora. O despertar da consciência espiritual, a necessidade de experimentar algo mais além daquilo que é geralmente percebido como “vida”, é um impulso que flui a partir dos chakras superiores. Este processo de despertar espiritual é iniciado nos três chakras inferiores, mas ativado no Anahata, o chakra do coração que também corresponde ao coração da Árvore Cabalística: Tiphereth no seu lado luminoso e Thagirion no lado negro da Árvore. A fim de atingir este nível, as energias de todos os reinos inferiores têm de ser confrontadas, absorvidas e sublimadas em força espiritual. Dominando estes princípios nós alcançamos o entendimento da força motriz por traz de todas as ações humanas e aprendemos como controlar esta energia e utiliza-la como um veículo de Ascensão espiritual. Se este processo for completado com sucesso, a força que nós enfrentaremos quando alcançarmos o coração da Árvore será o Sagrado Anjo Guardião, a consciência superior e a imagem individual de Divindade. Se falharmos em transformar “carne em espírito”, seremos ao mesmo tempo confrontados com tudo que rejeitamos, reprimimos ou deixamos de fora deste processo. Esta é a Besta devoradora de Thagirion.

Os preparativos para este encontro são iniciados na primeira Qlipha, quando o adepto entra no Lado Escuro e inicia o processo de transformação espiritual. O último estágio desta jornada é A’arab Zaraq, onde o adepto aprende como ser um guerreiro magista através do caminho de Baal e os mistérios da Vênus Escura. Quando nós entramos no Sol Negro de Thagirion, tudo muda, e iniciamos uma jornada completamente nova, que não é nada parecida com o que sempre foi antes. Coisas que pareciam importantes, agora parecem insignificantes; prazeres e passatempos que apreciávamos, parecem nada mais do que brincadeira de criança, metas que perseguíamos com todas as nossas forças agora são fáceis de alcançar e não mais importam. Formamos novas metas e aspirações, novas definições, novos vínculos e conexões com o mundo ao redor, e deixamos para trás tudo o que não é uma parte do caminho espiritual. Esta é uma experiência libertadora e extática. Mas ela pode ser também aterrorizante e traumática se nós não estivermos adequadamente preparados para o que nos aguarda quando atravessarmos o vociferante oceano que separa o reino astral do mundo mental da Árvore Cabalística. No reino de A’arab Zaraq entramos no último estágio dessa preparação. Somos arremessados no campo de batalha dominado por Baal, o próprio deus da guerra. Nós somos mortos e deixados para os carniceiros. Nossa carne é arrancada e devorada por aves de rapina sempre famintas e nossas almas são transportadas para o céu pelos corvos da dispersão e banhadas nas águas prateadas de Vênus, absorvidas e transformadas pelo seu poder unificador e rejuvenescedor.

A própria Vênus é uma força altamente ambivalente. Ela é branda e amorosa e ao mesmo tempo é feroz e cruel. Ela preside os ritos de magia feminina, sedução, manipulação, tentação sexual, e ela é a padroeira dos assuntos do coração, sexo e casamento. Mas ao mesmo tempo é a orgulhosa deusa da guerra e ela pode dar vitórias militares, boa fortuna e sucesso em batalha. Neste sentido ela se assemelha à irmã e consorte de Baal, Anath, a senhora da guerra e conflito. Raphael Patai escreve em The Hebrew Goddess que não existe deusa do antigo Oriente Próximo mais sedenta de sangue do que Anath. Ela é facilmente provocada para a violência e irá frenética, ferindo e matando a torto e a direito: ela pune os povos do Leste e do Oeste, então os decapitando e cortando seus braços e pernas. Não satisfeita com isto, ela prende as cabeças cortadas em suas costas e as mãos em seu cinturão, e mergulha até os joelhos no sangue das tropas e até os quadris no sangue coagulado dos heróis. Agora seu fígado se dilata com o riso e seu coração se enche de júbilo. Essa descrição nos lembra de que quando enfrentarmos Vênus Escura, nós não encontraremos somente a deusa sensual das paixões, mas também a belicosa e sanguinária consorte do deus da guerra. Eles presidem sobre o processo iniciático de A’arab Zaraq e ambos são os iniciadores e guias através dos ferozes mistérios dessa Qlipha.

Sua iniciação é o começo do caminho do guerreiro, quando o adepto tem de superar fraqueza, hesitação, medo da morte e deixar tudo isto para trás a fim de sair e enfrentar o desafio. Isto libera uma grande quantidade de emoções – indo de ansiedade, impulso de fuga, desistência, negação e medo – até agressão, fúria, violência e desejo de infligir dor. Todas estas são desequilibradas e fluem como uma corrente de força desenfreada. Uma vez que essas emoções são liberadas, a alma é transportada pelos corvos, os pássaros de A’arab Zaraq, em voo extático entre mundos e dimensões. Lá, o adepto captura vislumbres dos planos superiores, mas não pode acessa-los até que o processo iniciático desta Qlipha esteja completado e ele próprio se torne o corvo da dispersão, forjado nos ferozes fogos do vulcão, pronto para o voo solitário em direção ao Sol Negro.

Esta iniciação envolve a experiência de morte. Nós podemos dizer que cada iniciação o faz, e sempre morremos em um nível para renascer no outro. Aqui, entretanto, estamos falando sobre uma experiência real, tangível que vai além do mero simbolismo. É claro, ela pode ser a morte de uma maneira simbólica, quando a alma é despojada de todas as suas camadas, até o puro núcleo da existência, e renasce novamente, nas águas unificadoras da Vênus Escura, através do Amor e Desejo que são as forças de ligação por trás de toda a criação. Mas ela também pode ser a morte física ou uma experiência de quase morte, em um sentindo literal, quando a alma é separada da carne e transportada nas asas dos corvos, através do plano astral e para dentro da esfera solar no coração do universo. Aqueles que viveram uma experiência de quase morte frequentemente falam sobre encontros com guias espirituais, deuses, santos, ou vários seres enquanto permaneciam fora do corpo. Algumas vezes essas entidades pertencem ao plano astral, onde também podemos encontrar as almas dos falecidos, mas encontros com deuses e seres superiores pertencem ao plano mental, e é normalmente a experiência de Tiphereth – se eles são brilhantes e tranquilizadores, ou da sua contraparte escura – se são assustadores ou traumáticos. Isto tudo é uma parte do processo iniciático de A’arab Zaraq e do caminho de auto sacrifício que é iniciado aqui. A iniciação deste reino é atravessar da consciência corporal para a espiritual, que ocorre quando a alma é livre para deixar o corpo. Alguns adeptos são bem sucedidos nesse processo através de técnicas magísticas, outros são confrontados involuntariamente com a experiência de quase morte física. Se quisermos ou não, é uma parte natural do caminho iniciático Qlifótico. Não por acaso, o caminho que conduz da Qlipha anterior, Samael, para A’Arab Zaraq, é Parfaxitas que está associado com o conceito da Torre (XVI) no simbolismo do Tarot e inclui os trabalhos de ira e vingança. A corrente mágica aqui é conectada com o conceito de ira divina e sua natureza marcial é expressa pelo símbolo da espada – o emblema do caminho do guerreiro que é iniciado aqui. Kenneth Grant observa em Nightside of Eden que a espada como arma mágica está associada com deidades tais como Mentu, Marte e Hórus, o deus flamejante que se enfurece pelo firmamento. Ele também aponta que a ira é uma parte da corrente purgativa conectada com o ciclo feminino e o sangue derramado pela fêmea no momento da puberdade: o primeiro sacrifício e o primeiro sacramento. O sangue derramado em batalha é uma forma secundária deste simbolismo e pertence a Marte e à corrente Marciana. Esta observação também é relacionada ao papel de Baal e Vênus Illegitima como os primeiros iniciadores deste reino Qlifótico: Os dois representam as forças combinadas de Marte e Vênus, o macho e a fêmea, ambos ferozes e dinâmicos, iniciando mudança e transição – a travessia da consciência carnal para o êxtase do espírito.

A via do auto sacrifício que é iniciada aqui, também é o caminho do deus Nórdico Odin que se sacrificou, ficando dependurado na Árvore Cósmica por nove dias e noites, perfurado com sua própria lança, a fim de aprender os segredos das runas. O próprio Odin é um deus guerreiro que conduz os soldados para a batalha e festeja nos salões do Valhalla com os heróis que morreram na luta. Ele é associado com guerra, batalha e vitória, e sua iniciação é o caminho da morte e do auto sacrifício. Dentre seus animais simbólicos estão os corvos, Hugin (pensamento) e Munin (memória) que voam pelos céus, como os corvos da dispersão associados com A’arab Zaraq. Ele também é conhecido como o deus corvo e frequentemente retratado com dois corvos pousados em seus ombros. Acredita-se que eles são seus mensageiros, voando pelo mundo e coletando informações de todas as ações e todos os eventos.

Os corvos de Odin são também símbolos da alma e seus aspectos particulares, o fylgja e o hamingja. Estes dois conceitos estão relacionados à tradição xamânica e à ideia de animais totem e animais espíritos. O fylgja era um espírito guardião e guia, amiúde imaginado em uma forma animal. Também era a origem de contos e lendas sobre poderes de metamorfose de bruxas e feiticeiros e seus animais mágicos. O hamingja era uma entidade pessoal, bem como uma parte da alma que podia ser separada. Quando uma pessoa morria, seu hamingja podia ser reencarnado em um de seus descendentes. Os corvos de Odin, contudo, possuem um simbolismo mais profundo e não são somente seus mensageiros, mas também seus olhos e ouvidos no mundo, uma parte de sua divina essência mágica.

O próprio corvo tem um amplo simbolismo ao redor do mundo. Ele é uma ave de mistério, magia, alquimia, o mensageiro dos augúrios, bons e maus. Ele é uma criatura de metamorfose, representando mudança e transformação. Acreditando-se que voa entre os mundos, o corvo é o portador de mensagens de além do tempo e do espaço, da terra dos mortos e o reino dos espíritos.  Associado com carniça, ele é o emblema da morte que se regala sobre a carne podre, o mensageiro da escuridão e destruição. Na alquimia, o primeiro estágio do processo alquímico, o nigredo, “escurecimento”, era também conhecido como “o corvo”, ou “a cabeça do corvo”. Ele era o estágio da putrefação e decomposição, o primeiro passo na obra da Pedra Filosofal. Em termos espirituais, era a “noite negra da alma”, quando o adepto tem de enfrentar a sombra interior, o tempo de crise, depressão, sofrimento e medo. Era a fase negra que conduz à transmutação do Self, transição para um nível de Ascensão espiritual completamente novo.

O trabalho alquímico em si mesmo é o processo de transformação, o veículo de mudança, um recipiente onde podemos confrontar nossa própria natureza primordial, nos tornar reconectados ao nosso núcleo, obter o conhecimento e entendimento de nosso próprio lado sombrio, absorvê-lo, e fazer dele uma ferramenta de desenvolvimento espiritual. Tudo isto acontece no plano astral, através das sucessivas iniciações de Lilith, Samael e A’arab Zaraq, os três reinos que nos confrontam com instintos, pensamentos, sentimentos e emoções. A crise é um convite ao crescimento. Nós temos de crescer e enfrentar nossa sombra interior a fim de nos libertarmos de sua influência. Como adeptos do caminho Qlifótico, aprendemos como controlar nossa sombra interior, ao invés de deixar que ela nos controle. A maioria das pessoas é governada pelos seus instintos e emoções básicos, mesmo que eles não possam perceber isto ou vivam em uma ilusão de que é de outro modo. Também, as estruturas do mundo em que vivemos não nos ensinam como transcender a nós mesmos, como pensar e agir independentemente. Isto é para nós descobrirmos e aqui é onde as técnicas antinomianas do Caminho da Mão Esquerda são úteis. Leis, tradições e instituições reforçam a condição sonambúlica do homem comum, cuja vida é governada por tudo exceto sua Vontade consciente. O que é pior, somos constantemente ensinados a acreditar que estamos no controle e isto é tudo nossa escolha consciente. Através do caminho antinomiano do lado esquerdo aprendemos a ir além do consenso programado e nos recolhemos em nós mesmos, no núcleo, que é a verdadeira fonte de Vontade e poder espiritual. Nós estamos continuamente expostos a padrões condicionados de como agir, pensar, sentir, e viver, e qualquer transgressão desses padrões é vista como algo errado, enquanto de fato é uma parte natural do processo iniciático Qlifótico. Uma vez que nos libertamos desses padrões de pensamento, emoções programadas, estruturas de comportamento condicionadas, eles não mais terão poder sobre nós. Isto, entretanto, não é feito através de repressão, fuga ou negação, mas através de confrontação ativa, entendimento, integração e transformação desses princípios em um veículo de Ascensão. A completude deste processo é o trabalho de A’Arab Zaraq, o último posto avançado no caminho para o coração da Árvore.

Do ponto de vista Qlifótico, todo o plano astral é o recipiente do nigredo, a putrefação e separação alquímica, quando a alma é sucessivamente despojada de todas as suas camadas e reconstruída, em preparação para o renascimento no reino do Sol. Neste estágio o adepto reconstrói seu mundo, redefine o caminho mágico e decide o quê fortalecer e o quê deixar para trás. Este processo é severo, traumático e nós frequentemente sentimos como se nosso mundo estivesse desmoronando contra a nossa vontade e a despeito de nossas escolhas e esforços. Aqui é onde a maioria dos magos fracassa no caminho, consumidos pelo medo, depressão, desespero, dúvida e descrença – ou cedendo às obsessões, ilusões, violência, narcisismo, ou dilatação do ego. Muitos magos se tornam fascinados com o poder em si mesmo e se concentram em utiliza-lo para ganhos materiais, ficando assim emperrados em seu desenvolvimento espiritual. Outros não são capazes de lidar com a quantidade de poder e sofrem toda a sorte de desordens mentais, frequentemente resultando ou em suicídio ou em tratamento psiquiátrico. Os testes e desafios do plano astral são mais difíceis do que qualquer um pode esperar. Ele não é somente um reino de sexo astral, rituais extravagantes, e viagens oníricas, um parque de diversões para um mago aventureiro. É também um labirinto de túneis negros, desprovido de qualquer luz, com monstros e demônios espreitando na escuridão, prontos para picar e envenenar a alma com todo o tipo de negatividade. O propósito das iniciações no plano astral é preparar o adepto para sobreviver no caminho. Não há nada seguro aqui e nada pode ser tomado como certo. Isto, é claro, não significa que não pode ser também uma aventura fascinante, mas somente se nós estivermos abertos para a experiência e prontos para aceitar o que ela trouxer, sem fugir em pânico quando realmente nos confrontarmos com o que nós invocamos.

Seguindo a fase negra de decomposição, a experiência do reino astral, o adepto sofre uma purificação no albedo, que é a ablução da alma, a lavagem das impurezas. Isto acontece no momento de atravessar as águas astrais que separam o plano astral do reino do sol. Entrando na esfera solar, a alma experimenta uma transição para o próximo estágio alquímico, o citrinitas, que é a transmutação da consciência lunar e a integração do Anjo e a Besta, o lado brilhante e o lado sombrio do indivíduo.  A esfera solar prepara o adepto para a experiência do Abismo e o último reino na Árvore, a Qlipha Thaumiel que existe no plano espiritual. Este é o estágio final no Magnum Opus alquímico, o rubedo, que significa a completude e o sucesso da obra. O único passo que resta é para o próprio Vazio, o verdadeiro Ventre do Dragão.

Asenath Mason. Traduzido do texto original “Ravens of Dispersion” por Robert Pereira


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