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A Mula-sem-cabeça é uma criatura típica do folclore brasileiro, oriunda de resquícios da mitologia de povos da Península Ibérica, trazida para a América pelos espanhóis e portugueses. Supõe-se ainda que a origem do mito provenha do início do uso privativo de mulas como animais de condução pelos padres do século XII.
Dentre os muitos nomes que recebe, Mula-sem-cabeça é certamente o mais comum. Mas chamam-na também de ‘Burrinha de Padre’ ou simplesmente burrinha. A frase comum é “anda correndo uma burrinha”. E todos os sertanejos logo entendem que o padre da paróquia está mantendo relações sexuais. Esta história também é conhecida entre os mexicanos como La Malora e entre os argentinos como ‘Mula Anima’.
Características
Baseia-se na lenda de uma mulher que pratica hábitos moralmente duvidosos, como manter relações sexuais com um padre, homens casados, e minoritariamente com animais ou com os próprios filhos. Uma vez caindo em pecado grave a mulher será castigada por Deus ou pelos espíritos da floresta que, todas as noites de sexta feira a transformariam em uma eqüina com uma chama no lugar da cabeça, ou literalmente soltando fogo pelas ventas.
A transformação da mulher em mula acontece também no campo psicológico. Sua mente é alterada de tal maneira que rapidamente enlouquece a noite e sai aos campos, matando gado, assustando as pessoas e causando destruição e confusão.
De fato existem diversas narrativas desta lenda ao redor da América Latina, mas entre todas elas podemos destacar as seguintes:
- O Corpo apresenta a cor marrom ou preta.
- A cabeça é parcial ou totalmente recoberta com um fogo constante que não a consome.
- Seus cascos ou ferraduras são de aço ou prata.
- Quando irritada seu relincho é muito alto e pode ser ouvido por muitos quilômetros.
- Quando mais quieta pode-se ouvir o choro e o soluçar como uma mulher.
- Costuma aparecer na madrugada de quinta/sexta, principalmente se for noite de Lua Cheia.
Segundo a lenda felizmente existem maneiras de acabar com o encantamento que fez a mulher virar Mula-Sem-Cabeça. Uma delas consiste em uma pessoa arrancar o cabresto que ela possui, outra forma é furá-la com algum objeto pontiagudo tirando sangue (como um alfinete virgem). Outra maneira de evitar o encantamento é de que o amante (padre) a amaldiçoe sete vezes antes de celebrar a missa. Quando morta por algum aventureiro volta ao seu formato humano, muitas vezes sem a cabeça.
Relatos
Em um dos mais populares livros de exemplos da Idade Média, o Scala Celi, de Johanes Gobi Junior, há o episódio em que a hóstia desaparece da mão do celebrante porque a concubina assiste a missa. Isso torna a figura desta criatura algo sempre demoníaco ou no mínimo essencialmente pecaminoso.
Em Piracaia, ramal da Bragantina, a mula-sem-cabeça resulta da falta de respeito entre compadres. Os dois homem e mulher, ligados por compadresco, tendo relações sexuais um com o outro, se transformam em mula sem cabeça, Esse duende é anima que tem uma tocha de fogo no lugar da cabeça e uma perna só, como o saci. O seu rastro é igual ao de um potro novo e tem um buraco fundo no centro, encontra-se um bicho branco, com quase três polegadas de tamanho. Tem muitas pernas e caminha de costas. Há um em cada rastro da mula. O buraco onde está não tem terra nas bordas, mas parece ter sido afundado, feito por compressão.
A antiga dona de uma fazenda no ramal bragantino se casou pela segunda vez com um homem que era compadre dela três vezes. Dizem que à noite ambos viram mula-sem-cabeça. Percorrem brigando e escoiceando o cafezal. Conta o caseiro da fazenda que à noite ele escuta um tropel de cavalos e tinir de freios de metal, como se tivesse chegado alguém a cavalo. Das primeiras vezes ao ouvir o barulho, ele se levantava e ia ver, mas não divisava ninguém. O tropel vinha de fora atravessava a porteira fechada mesmo, entrava no terreiro da fazenda, rodeava a casa grande, ouvia-se o tinir de rédeas e era seguido pela cachorrada latindo. os colonos confirmam, Ouvem o barulho de corrente e barulheira dos cães. Contam que vêem muitas vezes uma chama no chão.
Um homem certa noite acordou e levou um grande susto pois estava somente a cabeça da sua mulher na cama. Como havia tempos corria um zumzum pela cidade – que uma mula-sem-cabeça cumpria fado por ali , e era noite de sexta-feira, ele imaginou, logo que a mulher era tal mula. Levantou-se e trancou a porta que como supunha , estava apenas encostada. Antes do primeiro cantar do galo, ouviu um pacatá de cascos e o rumor cessou diante de sua casa. Cobriu a cabeça e esperou. O animal começou a bater com as patas violentamente na porta, de tal maneira que abalava toda a parede. Ao lado dele na cama, a cabeça da mulher pula de olhos escancarado. Por fim, depois que o galo cantou três vezes, ele ouviu um horroroso grito e um baque de corpo grande. Na manhã seguinte quando abriu a porta deu com o corpo de sua mulher, morta e sem cabeça. Juntou as duas partes separadas e as enterrou no quintal, Nunca mais se ouviu falar de mula-sem-cabeça neste lugar. ( Sul de Minas, 1929)
Um homem foi ao moinho trocar dois sacos de trigo por sacos de farinha, coisa muito usada em Portugal. Trazia-os nas costas, mas no meio do caminho encontrou uma burra parada. Olhou dos lados e não viu sombra do dono. Amarrou então os sacos um no outro e colocou-os em cima do animal. Deu um tapa na anca da burra para ela andar, mas ele não se mexeu. Bateu-lhe com um pau, mas não adiantou. Então ficou enfezado e a cutucou com a ponta da faca. Assim que saiu um ponto de sangue, a burra se transformou numa mulher. Aí o homem reconheceu nela, uma mulher muito conhecida na região, casada com um dos seus amigos. Ela o ameaçou de morte ele assustado veio para o Brasil, (Informante, trabalhador braçarl, Cachoreira,)
Fontes:
– Os Filhos do Medo, Ruth Guimarães
– Mula Sem Cabeça, Rosane Volpatto
– Dicionário de Folclore: Cascudo, Luis da Camara
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