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“Quando um bebê ri pela primeira vez, sua risada se quebra em um milhão de pedaços e todos eles saem pulando por ai. É assim que nascem as fadas.”
– J.M Barrie, Peter Pan
Quando queremos dizer que alguém é ingênuo, dizemos que esta pessoa acredita em Fadas. Quando contamos histórias de fantasia para crianças chamamos de “Contos de Fada”. Elas estão presentes nas histórias da Cinderela e do Peter Pan entre outras e seu fascínio não diminuiu com o passar dos séculos figurando ainda em obras ,contemporâneas como Harry Poter, na qual aparecem como humanóides diminutos de natureza mágica. Mas a idéia central por trás da figura folclórica das fadas é muito mais profunda e intrigante do que as maravilhas das histórias infantis e a frieza que nosso ceticismo cotidiano deixa transparecer. O que é uma fada? De onde surgiram suas lendas? O que há por trás dos relatos destas fascinantes criaturas? Estas e outras dúvidas foram o alvo da pesquisa que apresentaremos agora no presente artigo.
Mesmo que não constituam prova de sua existência as pessoas vêem ou pensam que vêem coisas estranhas como fantasmas, lobisomens, discos-voadores e, é claro, fadas. O primeiro testemunho escrito sobre este seres é de Pompônio Mela, um geógrafo euro-asiático que viveu durante o século I d.c. Desde então muitas são as lendas que descrevem estas criaturas ou contam suas façanhas. Estes relatos são sempre esporádicos e isolados na vida de uma pessoa, mas persistentes e constantes na história da humanidade. As fadas não existem portanto apenas nas histórias, mas antes disso existem também naquilo que as pessoas chamam de experiências. Mas falta de precisão científica atribuída aos relatos populares, além do preconceito que julga que qualquer relato popular é baseado sempre em ignorância e crendices tolas, tornam-se uma desculpa para a má-vontade acadêmica de pesquisar estes assuntos. assim, em vez de estudar o que estas experiências realmente trazem de verdade, descarta-se previamente todo o testemunho e assim livra-se do problema. Este é um erro histórico da Ciência, foi essa rejeição da livre observação que retardou em séculos a descoberta “científica” do calamar gigante, do celacanto, da paralisia no sono, dos meteoros e pasmem até dos gorilas, só para citar alguns exemplos.
Isso não significa que devemos acreditar em todo relato que ouvimos sobre qualquer coisa, isso seria tão precipitado como descartar tudo. Ao contrário, nossa postura deve ser de exploração. Não é um absurdo completo considerarmos que as algumas pessoas e sociedades tradicionais acreditem em fadas, no mínimo porque parcialmente alguma coisa que eles não sabemos explicar foi vista. Como escreveu o criptozoólogo irlandês Douglas Hyde: “O conto folclórico não deve ser confundido com a crença no folclore. a história é coisa muito mais intrincada complicada e elaborada do que a crença. É muito fácil distinguir um do outro. A crença é curta e oral, relacionada a pessoas reais e não contêm uma extensa seqüência de incidentes; já o conto folclórico é comprido, complicado mais ou menos convencional e, acima de tudo, tem o interesse agrupado em torno de uma figura tradicional em particular. O que Hyde chama de crenças podemos chamar de aparições.
Existem basicamente três formas de lidar com essa questão. Para alguns folcloristas, como Stewart Sanderson e Katharine Briggs, ambos notadamente cristãos, as “aparições” são descartadas e passadas adiante sem qualquer reflexão. Para os parapsicólogos em geral o assunto têm despertado interesse zero. Por fim para autores como Evans-Wentz (Autor de The Fairy-Faith in Celtic Countries) e o poeta W.B Yeats (o mesmo que escreveu extensamente sobre as tradições e aparições dos duendes irlandeses em The Celtic Twilight) e para a historiadora ocultista Leslie Shepard, os avistamentos de fadas pela história são indícios fortes da existência de um mundo paralelo, localizado numa espécie de dimensão alternativa.
Fadas: definições e descrições
A própria definição do que é um fada é tão fugidia quanto as suas aparições. O folclorista Joseph Ritson, na sua dissertação On Faries, define fadas como uma espécie de seres parcialmente materiais, parcialmente espirituais, com o poder de mudarem a sua aparência e de, conforme a sua vontade, serem visíveis ou invisíveis para os seres humanos. Já Jorge Luís Borges e Margarita Guerrero em O Livros dos Seres Imaginários dá a seguinte descrição: “Seu nome se vincula ao vocábulo latino fatum (fado, destino). Intervêm magicamente no que sucede aos homens. Já foi dito que as fadas são as mais numerosas, as mais belas e as mais memoráveis das divindades menores. Não estão limitadas a uma única região ou a uma única época. Os antigos gregos, os esquimós e os pele-vermelhas narram histórias de heróis que alcançaram o amor dessas fantásticas criaturas. Tais aventuras são perigosas; a fada, uma vez satisfeita sua paixão, pode matar seus amantes. Na Irlanda e na Escócia atribuem-lhes moradas subterrâneas, onde confinam crianças e os homens que costumam seqüestrar. O povo crê que elas possuíam as pontas de flechas neolíticas que desenterraram nos campos e as quais dotam de infalíveis virtudes medicinais. As fadas gostam da cor verde, do canto e da música.”
Apesar de nos dias de hoje, principalmente por causa da mídia de filmes e desenhos infantis, as fadas serem retratadas como pequenas mulheres com asas, originalmente e até hoj em locais onde a crença nesses seres é forte, elas eram descritas de formas muito diferente, inclusive conflitantes: para alguns era seres altos, com mais de 3 metros de altura, canibais e violentos, para outros eram criatura deformadas e ignorantes, ainda existem aqueles que as descrevem como seres quase angelicais. Isso mostra que provavelmente Fada era um adjetivo usado para se descrever grande parte dos seres culturais que existiam em certas localidades, mesmo que se tratassem de criaturas muito diferentes entre si. Da mesma que eram descritas como seres pequenos, existem inúmeros relatos que lhes conferem a estatura de uma pessoa normal. Isso pode indicar também que sua estatura está associada a sua natureza sutil, o resultado de sua vontade e não de sua limitação física.
Suas asas se tornaram populares na era vitoriana, nos séculos XV e XVI, quando as fadas passarma a ser pintadas, mas elas são raramente mencionadas nas compilações folclóricas, onde mesmo quando voam o fazem através de mágica e não asas, ou então surgem voando nas costas de insetos ou pássaros.
Além de descrições antropomórficas, existem relatos de fadas descritas com a aparência de um animal, às vezes a fada tem a capacidade de assumir a forma de um animal, outras ela não muda de forma e o animal, como cachorros negros, por exemplo, mantém sua forma constantemente, mas se difere de um simples cão por ser uma fada.
Em alguns casos surgem como seres que apesar de confundir não podem dizer uma mentira, outras vezes como seres malignos e mentirosos por natureza.
A breve abordagem acadêmica
Um dos primeiros estudos importantes sobre as fadas é “A República Secreta dos Elfos, das Fadas e dos Faunos“, escrito em 1691 pelo pastor presbiteriano escocês, reverendo Robert Kirk de Aberboyle. Trabalhando nas Highlands da Escócia, ele tinha interesse vívido pelas crenças sobrenaturais da região e estava convencido da realidade das fadas. Ele mesmo pergunta no início do seu tratado: “Como seria possível a uma crença tão disseminada, mesmo que tenha apenas um décimo de verdade em suas histórias, brotar do nada?. Ele realizou suas investigações tendo em vista que quando tivesse informações sucifientes, poderia esmiuçar ao máximo a natureza da vida destas criaturas. Segundo ele as fadas são de uma “natureza intermediária entre os homens e os anjos, como eram os daemons descritos pelos antigos”. Esta definição não é muito diferente da dada pela teosofia. Dora Gelger em seu livro O mundo real das fadas e que as descreve como uma sorte de elemental.
Rev. Kirk detalha a aparência das fadas em seu tratado diz que elas possuem corpos de espíritos fluídos, capazes de mudar a cor da luz que emanam, mais ou menos da mesma natureza de uma nuvem condensada e que podem ser mais facilmente observadas durante o crepúsculo do anoitecer. Seu corpo é de uma matéria tão sutil que elas parecem poder aparecer e desaparecer ao seu bel prazer. Elas guardam costumes e idioma como o do povo do país em que vivem. Certas fadas possuem uma natureza tal que podem ser vistas em trânsito, mas nunca estacionárias. Outras nunca ficam paradas estando sempre em algum tipo de movimento. Outras ainda podiam ser ouvidas mas não vistas. Viajam muito, amiúde pelos ares, podiam roubar o que quisessem (desde alimentos até bebês humanos) e não tinham religião particular. Os mortais dotados de clarividência tinham maior probabilidade de vê-las, já que eram geralmente invisiveis ao olho humano. Diz a lenda que o Rev Kirk foi arrebatado para o mundo das fadas pouco depois de publicar seu tratado, as fadas o teriam levado embora por ter revelado seus mistérios. Em 1815, Sir Walter Stooth Scott ( Não confundir com o famoso literato de mesmo nome) fez publicar esse manuscrito, e surpreendentemente também sumiu do dia para noite.
O assunto só ganhou interesse acadêmico um século depois quando o já citado W. Y Evans-Wentz publicou em 1911 seu livro “A Crença nos duendes nos Países Celtas“. Evans era antropólogo especializado em religião e doutorado pela Universidade de Oxford. Ele percorreu as ilhas britânicas e a Bretanha na costa oeste da França e publicou o resultado de suas viagens em um espesso livro que permanece um clássico dos estudos de criptozoologia. Além de documentar o que restava da tradição oral da crença Wentz concluiu que “Podemos postular cientificamente que, diante dos dados da pesquisa a existência dessas inteligências sutis. Se são deuses, gênios, demônios, ou como alega o próprio povo que o descreve fadas legítimas este é um trabalho inconcluso que o futuro nos reserva.”
Como vimos, a influência das fadas em escolas iniciáticas ou em grupos ocultistas se desenvolveu criando-se uma cultura igualmente rica à folclórica, mas focada para um aspecto menos cotidiano: a busca pela sabedoria. Inlfuencidos pelo cristianismo esotérico muitos esotéricos, como a própria Gelder, dividem os seres invisíveis da criação em grupos, os seres superiores seriam os anjos ou devas, que além dos próprios afazeres teriam também a supervisão dos seres “inferiores” em sua lista de tarefas. Então, tomados pela mesma sanha de catalogar e dividir, esses esoteriastas separam os seres invisíveis e os associam com os diferentes quatro elementos da cultura mística ocidental. De acordo com essa divisão as fadas seriam elementais do ar.
Embora com o tempo tenham sido comparadas com anjos, ou colocadas sob sua guarda e sejam vistas em sua maioria como seres benignos que gostam de ajudar as pessoas, uma compilação folclórica sobre costumes em relação a fadas mostram que grande parte do que se sabe a respeito de fadas são maneiras de se proteger se sua magia e sua malícia. Além disso uma crença comum era a de que fadas eram conhecidas por roubar recém nascidos, muitas vezes substituíndo-os por crianças fadas ou outro tipo de criaturas que se assemelhavam ao bebê, mas com o tempo iam revelando sua origem não humana.
No Brasil as fadas também não são desconhecidas, existem várias histórias, algumas até paralelos de contos europeus como o da Cinderela, batizada de Bicho de Palha, onde para fugir dos maus tratos de uma madrasta que se casou com seu pai, um rico comerciante, e possuía uma filha com a sua idade, uma jovem foge de casa e busca viver a vida em outro lugar. Ao passar perto de um rio encontra uma senhora de cara bondosa que a instrui a criar um manto de palha que lhe deixasse à mostra apenas os olhos e buscasse emprego em um castelo, lhe deixando de presente uma vara de condão. Bicho de Palha consegue o emprego e fica no castelo até que o belo príncipe decide se casar e prepara uma festa que durará três dias para escolher a futura esposa. Como todas as mulheres do castelo estão ocupadas se preparando para a festa todo o trabalho sobra para Bicho de Palha, de quem ninguém conhece a identidade. Eventualmente ela apela para a vara de condão e faz suas roupas de palha virarem um belo vestido e ganha seus sapatos de cristal. O resto da história todos conhecem, mas o curioso é que no final da história a velha senhora volta a encontrar ela para pegar de volta sua varinha e Bicho de Palha descobre que ela uma fada. Com o tempo e com a evangelização do pais, a figura da fada foi substituída pela de Nossa Senhora, mas o elemento da magia e da vara de condão permanecem presentes.
As Fadas de Cottingley
Muito do ceticismo atual em torno das fadas se deve a um episódio ocorrido em meados de 1917, o famoso caso conhecido como “As Fadas de Cottingley”. Nele, duas adolescentes inglesas Elsie Wright e Frances Griffiths ganharam fama ao alegar que conseguiram fotografias autênticas de fadas e duendes que habitavam o jardim da casa onde viviam. O caso ganhou atenção internacional, em especial do público espiritualista e foram publicadas no Strand Magazine em 1920. Confira algumas delas abaixo:
As duas primas de Cottingley ganharam um insuspeito advogado quando Sir Arthur Conan Doyle, criador do famoso personagem Sherlock Holmes chegou a escrever um livro The Coming of the Fairies (“A Vinda das Fadas”) para defender a veracidade das mesmas. De fato nenhum especialista até hoje conseguiu qualquer evidência de montagem fotográfica ou manipulação de imagens. Entrevistadas pela BBC muitos anos depois, em 1970 as duas senhoras continuaram defendendo sua história, mas Elsie declarou que “se você pensar seriamente em alguma coisa ela se tornará sólida, real. Acredito que as fadas eram invenção da nossa imaginação” e muitas pessoas viram nisso uma velada confissão de fraude. As suspeitas se confirmaram em 1982 quando numa entrevista a Joe Cooper as primas admitiram que haviam forjado as fotos. Sem nenhum talento para manipulação fotográfica, elas apenas posaram ao lado de recortes de papel.
Presente de Fadas
Independente de sua aparência ou motivação, as fadas são conhecidas por seus presentes. Geralmente após presentear uma pessoa, elas esperam um outro presente em troca, caso não recebam elas infernizam a vida e a calma da pessoa que teve a sorte de receber o que elas tinham para dar. Alguns consideram seus presentes um sinal de boa sorte, outros afirmam que nada que venha de uma fada é coisa boa, e deve ser evitado a qualquer custo e assim desenvolveram uma série de costumes para se afastar fadas, como o uso de amuletos, preces e o Ferro-Frio, que para uma fada é pior do que veneno.
Por outro lado, uma tradição que mostra como presentes de fadas são bem-vindos é a crença na fada-do-dente, disseminada para as crianças, onde os dentes de leite que caem são deixados deaixo do travesseiro para que a fada-dos-dentes o substitua por um doce, uma moeda ou um presente.
Acreditar em Fadas
Se o objetivo das fadas é esconder-se dos humanos nenhum golpe poderia ser mais certeiro. Desde então nenhum crédito científico ou acadêmico foi dado para qualquer relato envolvendo estes seres fantásticos. Se as fadas existirem de fato, estão hoje mais protegidas do que nunca. Porém, para sermos imparciais devemos admitir que mesmo aquelas pessoas que desejam dar um salto de fé e confirmar a existência delas se deparam com um problema que não é trivial: as tradições sobre as fadas quando consideradas em seu conjunto são complexas e variadas demais para constituírem um todo coerente. Quando lemos a vasta quantidade de relatos pensamos muito mais em divagações da imaginação do que em um misterioso mundo invisível no qual elas habitariam. De fato, a palavra fairyplain (o mundo das fadas) procede de uma palavra mais antiga fai-erie, que significava mais um estado de encantamento do que um lugar sobrenatural. No clássico Peter Pan, lemos ludicamente que cada vez que alguém diz “Não acredito em Fadas”, uma fada cai morta no chão em algum lugar. A título de hipótese talvez as fadas sejam dependentes de nossa imaginação, como sugere esta citação. Não por serem meras crenças, pois os relatos durante toda história nos proibe de achar isso, mas por serem centelhas de inteligências automonas que vivem em nossa imaginação. Vivem em nossa mente tal como as bacterias e microorganismos vivem em nossos corpos físicos e se revelam apenas quando nos tornamos receptivos a elas.
Dossiê de Criptozoologia de Herman Flegenheimer Jr.
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