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Os Mistérios da Cabala – Ísis sem véu

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N. Compilador
AIN SOPH – O “Ilimitado” ou Infinito; a divindade que emana e se expande. Na Cabala, o Ancião dos Anciões; o Eterno; a Causa Primeira. Para os cabalistas caldeus primitivos, Ain Soph era “sem forma ou ser”, sem qualquer semelhança com outra coisa. A Divindade é Não-Coisa, é inanimada e, portando chamada Ain Soph, Ain significa Nada.

SEPHIROTH – [Plural de Sephira]. – São as dez emanações da Divindade; a mais elevada é a formada pela concentração do Ain Soph Aur ou Luz infinita e cada Sephira produz, por emanação, outro Sephirah. Os nomes dos dez Sephiroth são: 1º) Kether, a Coroa; 2º) Chokmah, Sabedoria: 3º) Binah, Inteligência; 4º) Chesed, Misericórdia; 5º) Geburrah, Poder; 6º) Tiphereth, Beleza; 7º) Netzach, Vitória; 8º) Hod, Esplendor; 9º) Jesod, Fundamento; 10º) Malkuth, Reino. (G. Teosófico de H. P. B.)

Os “Dez Membros” do “Homem Celeste” são os Dez Sephiroth, mas o primeiro “Homem Celeste” é o Espírito Não Manifesto do Universo, não devendo jamais ser desvirtuado e confundido com o Microposopo ou Microcosmo, a Face ou Aspecto Menor, o protótipo do homem no plano terrestre. O Microcosmo, como dissemos, é o Logos manifesto, e há muitos destes Logos. (A Doutrina Secreta de H.P.B.).

AS VÁRIAS REPRESENTAÇÕES DAS DIVINDADES, “AIN-SOPH E AS SEPHIRÔTH”.

Daremos atenção, agora, a alguns dos mais importantes mistérios da Cabala, e estudaremos suas relações com os mitos filosóficos de várias nações.

Na mais antiga Cabala oriental a Divindade é representada como três círculos em um, cercados por uma certa exalação caótica ou fumacenta. No prefácio do Zohar, que transforma os três círculos primordiais em TRÊS CABEÇAS, descreve-se sobre estas uma exalação ou fumaça, nem preta, nem branco, mas incolor, e circunscrita num círculo. Essa é a Essência desconhecida. A origem da imagem judaica pode ser talvez remetida ao Poimandres  de Hermes, o Logos egípcio, que aparece numa nuvem de natureza úmida, como fumaça que dela escapa. No Zohar, o Deus supremo é, como mostramos no capítulo anterior, e como no caso das filosofias hindus e budista, uma pura abstração, cuja existência objetiva é negada pelos últimos. É Hokhmanh, a “SABEDORIA SUPREMA”, que não pode ser compreendida pela reflexão, e que repousa dentro e fora do CRÂNIO de LONGO ROSTO (Sephirah), a mais elevada das três “Cabeças”. É o “Ain Soph infinito”, a Não-Coisa.

N. C. Acrescentamos a figura SEPHÎRÂ, criamos três triangulo, afim de que o leitor, tenha um ponto de referência para as explicações do texto.

As “três cabeças”, superpostas umas às outras, foram evidentemente tomadas dos três triângulos místicos dos hindus, que também aparecem superpostos. A “cabeça” superior contém a Trindade no Caos, da qual brota a trindade manifesta. Ain Soph, o eterno irrevelado, que é ilimitado e incondicionado, não pode criar, e por conseguinte parece-nos um grande erro atribuir a ele um “pensamento criador”, como o fazem habilmente os intérpretes. Em todas as cosmogonias, essa Essência suprema é passiva; se infinita, ilimitada e incondicionada, ela não pode ter nenhum pensamento ou idéia. Ela age não como resultado da volição, mas em obediência à sua própria natureza, e de acordo com a fatalidade da lei de que ela própria é a encarnação. Portanto, para os cabalistas hebreus, Ain Soph é não-existente, pois é incompreensível aos nossos intelectos finitos, e por conseguinte não pode existir para as nossas mentes. Sua primeira emanação é, Kether, a coroa. Ao ocorrer o momento para um período ativo, produz-se uma expansão natural dessa essência Divina de dentro para fora, obediente à lei eterna e imutável. Dessa Luz Eterna e Infinita (que para nós é trevas) se emite uma substância espiritual. Essa sendo a Primeira Sephirah, que contém em si as outras nove Sephiroth, ou inteligências. Em sua totalidade e unidade, elas representam o homem arquétipo, Adão-Cadmo, o que em sua individualidade ou unidade ainda é dual, ou bissexual, o Digamos grego, pois ele é o protótipo de toda a Humanidade. O temos, assim três trindades, cada qual contida numa “cabeça”. Na primeira cabeça, ou face (a Trimûrti hindu de três faces), encontramos Kether, o primeiro andrógino, no ápice do triângulo superior, que emite Hokhmah, ou Sabedoria, uma potência masculina ativa – também chamada Yâh – e Binah, ou Inteligência, uma potência feminina e passiva, também representada pelo nome Yahweh. Essas três formam a primeira Trindade, ou “face”, das Sephiroth. Essa Tríade emanou Hesed, ou misericórdia, uma potência ativa masculina, também chamada Eloah, da qual emanou Geburah, ou justiça, também chamada Pa’had, uma potência passiva feminina; da união de ambas produziu-se Tiphereth, beleza, clemência, o Sol espiritual, conhecido por seu nome divino Elohim; e a segunda Tríade, “face” ou “cabeça”, se formou. Essa emanaram, por sua vez, a potência masculina Netzah, Firmeza, ou Yehovah-Tsabaôth, que deu origem à potência passiva feminina Hod, Esplendor, ou Elohim-Tsabaôth; as duas produziram Yesod, Fundação, que é o poderoso existente, El Hay, propiciando assim a terceira trindade ou “cabeça”. A décima Sephirah é antes uma Díada, e é representada nos diagramas como o círculo inferior. É Malkhuth, ou Reino, e Shekhînah, também chamad’ Adonai e Cherubim entre as hostes angélicas. A primeira “cabeça” é chamada de mundo Intelectual; a segunda “cabeça” é o Sensual, ou o mundo da Percepção, e a terceira é o mundo material ou físico.

O UNIVERSO ANTES DE TER UMA FORMA. A PRIMEIRA RELIGIÃO SABEDORIA.

“Antes de ter dado forma ao universo” – diz a Cabala -, “antes de ter produzido qualquer forma, ele era só, sem forma ou semelhança com o que quer que seja. Quem, então, pode compreendê-lo, tal como era antes da criação, visto que não tinha forma? Por conseguinte, é proibido representá-lo por qualquer forma, similitude, ou mesmo por seu nome sagrado, por uma simples letra, ou um simples ponto. (…) O Ancião dos Ancião, o Desconhecido dos Desconhecidos tem uma forma, mas não tem nenhuma forma, porque ele não pode ser compreendido. Quando assumiu uma forma pela primeira vez em Sephirah, sua primeira emanação, nove luzes esplêndidas dele emanaram”.

Voltaremos agora à cosmogonia esotérica hindu e à definição daqueEle “que é e não é”.

“Daquele que É, desse Princípio imortal que existe em nossas mentes mas não pode ser percebido pelos sentidos, nasce Purusha, o masculino e o feminino divinos, que se torna Nârâyana, ou Espírito Divino que se move nas águas.”

Svayambhû, a essência desconhecida dos brâmanes, é idêntico a Ain Soph, a essência desconhecida dos cabalistas. Assim como para estes, o Nome Inefável não pode ser pronunciado pelos hindus, sob pena de morte. Na antiga Trindade primitiva da Índia, que pode com certeza ser considerada como pré-Védica, o germe que fecunda o princípio da mãe, o ovo mundano, ou o útero universal, chama-se Nara, o Espírito, ou o Espírito Santo, que emana da essência primordial. Tal como Sephirah, a emanação mais antiga, é chamada de ponto primordial, e de Cabeça Branco, pois é o ponto da luz divina que surge das trevas insondáveis e infinitas. No Manu é “NARA”, ou o Espírito de Deus, que movimenta “Ayana [Caos, ou lugar de movimento], e por isso é chamada de NÂRÂYANA, o que se move nas águas”. Em Hermes, o egípcio, lemos: “No início do tempo, nada havia no caos”. Mas quando o Verbo, que brotou do vazio como uma “fumaça sem cor”, fez sua aparição, então “este Verbo, se moveu sobre o princípio úmido”. E no Gênese [I,2], lemos o seguinte: E as trevas cobriam o abismo [caos], e o Espírito de Deus se movia sobre as águas”. Na Cabala, a emanação do princípio passivo primordial (Sephirah), dividindo-se em duas partes, ativa e passiva, emite Hokhmah-Sabedoria e Binah-Yehovah, em conjunto com esses dois acólitos, que completam a Trindade, torna-se o Criador do Universo abstrato, sendo o mundo físico a produção de poderes posteriores e ainda mais materiais. Na cosmogonia hindu, Svayambhû emite Nara e Nârî, sua emanação bissexual, e dividindo suas partes em duas metades, masculina e feminina, essas fecundam o ovo cósmico, no qual desenvolve Brahmâ ou antes Virâj, o Criador. “O ponto de partida da mitologia egípcia” – diz Champollion – “é uma Tríada (…) a saber, Kneph, Neith e Phtah; e Amon, o masculino, o pai; Mult, o feminino, a mãe; e Khonsu, o filho.”

AS DEZ SEPHIRÔTH, SÃO CHAMADOS DE “SENHORES DE TODOS OS SERES”.

As dez Sephiroth são cópias tomadas dos dez Prajâpatis criados por Virâj, chamados de “Senhores de todos os seres”, e correspondentes aos patriarcas bíblicos.

Justino, o Mártir, explica algumas das “heresias” de sua época, mas de maneira bastante insatisfatória. Ele assinala, contudo, a identidade de todas as religiões do mundo em seus pontos de partida. O primeiro início se abre invariavelmente com a divindade desconhecida e passiva, que produz de si mesmo um certo poder ou virtude ativa, “Racional”, que às vezes é chamada de SABEDORIA, às vezes do FILHO, e ainda de Deus, Anjo, Senhor e LOGOS. Este último termo se aplica às vezes à primeira emanação, mas em vários sistemas ele procede do primeiro raio andrógino ou duplo produzido no início pelo invisível. Fílon descreve essa sabedoria como masculina e feminina. Mas embora sua primeira manifestação tenha um início, pois procede de Olam (Aiôn, tempo), o maior de todos os Aeôns, quando emitidos dos Pais, ela permanece com ele antes de todas as criações, pois é parte dele. Por conseguinte, Fílon, o Judeu, chama Adão-Cadmo de “mente” (a Ennoia de Bythos, no sistema gnósticos). “Que a mente seja chamada de Adão.”

O LIVRO DO GÊNESE UMA COMPILAÇÃO DAS LENDAS DO MUNDO ANTIGO.

Estritamente falando, é difícil conceber o Livro do Gênese judaico como outra coisa que uma chispa do tronco da árvore cósmica da Cosmogonia universal, traduzida nas alegorias orientais. Assim como todo ciclo é sucedido por um ciclo, e uma nação após outra vem ao placo do mundo para representar o seu breve papel, no majestoso drama da vida humana, cada novo povo deriva das tradições ancestrais à sua própria religião, dando-lhe uma cor local, e assinalando-a com suas características individuais. Embora cada uma dessas religiões tenha os seus traços distintos, pelos quais, na falta de outros vestígios arcaicos, a categoria física e psicológica pode ser estimada, todas preservam uma vinculação comum a um protótipo. Esse culto primordial não era outro senão a primitiva “religião da sabedoria”. As Escrituras israelitas não são exceção. Sua história nacional – se podem elas reclamar qualquer autonomia antes do retorno da Babilônia, onde não eram mais do que seitas migratórias dos párias hindus – não pode remontar a antes de Moisés; e se esse sacerdote anteriormente egípcio deve, por causa da necessidade teológica, ser transformado num patriarca hebreu, devemos insistir em que a nação judia seja retirada dos juncos do Lago Moeris. Abraão, seu pretenso pai, pertence à mitologia universal. É bastante provável que ele seja um dos numerosos aliados de Zeruan (Saturno), o rei da idade de ouro, que é também chamado de Ancião (emblema do tempo).

Está agora demonstrado pelos assiriólogos que nos antigos livros caldeus, Abraão é chamado de Zeru-an, – um homem rico em ouro e prata, um príncipe poderoso. Ele é também chamado de Zarouan e Zarman – um velho decrépito.

A TORRE DE BABEL, CONSTRUÍDA PELOS DESCENDENTES DE SEM.

Diz Eupolemos que Abraão nasceu em Camarina ou Ur, uma cidade de arautos da Verdade, e que inventou a Astronomia. Josefo afirma o mesmo de Terah, pai de Abraão. A Torre de Babel foi construída tanto pelos descendentes diretos de Sem como por aqueles “malditos” Cam e Canaã, pois naqueles tempos os povos eram “um só” e a “terra inteira falava a mesma língua”; Babel era apenas um Torre astrológica e seus construtores eram astrólogos e adeptos da primitiva religião da sabedoria, ou ainda do que nós chamamos de doutrina secreta.

Sibila de Berosian diz: Antes da Torre, Zeru-an, os Titãs e Yapetosthes governavam a Terra; Zeru-an queria ser o supremo, mas os seus dois irmãos resistiram, até que sua irmão Astlik interveio e os apaziguou. Ficou combinado que Zeru-an deveria governar, mas os seus filhos homens seriam condenados à morte, e os fortes titãs foram designados para cumprir essa tarefa.

OS MISTÉRIOS DO ESPÍRITO HUMANO, E A COROA IMORTAL.

Elam, outro dos filhos de Sem, é Olam, e se refere a uma ordem ou ciclo de acontecimentos. No Eclesíastes, III, 11, é denominado “mundo”. Em Ezequiel, XXVI, 20, de “dos velhos tempos”. No Gênese, III, 22, a palavra tem o sentido de “para sempre”; e no cap. IX, 16, de “eterno”. Finalmente, o termo é completamente definido, no Gênese, VI, 4, com as seguintes palavras: “Havia Nephilim (gigantes, homens caídos ou titãs) na Terra”. A palavra é sinônimo de Aeôns. Em provérbios, VIII, 23, se lê: “Fui construído de Olam, de Rosh (sabedoria)”. Com essa sentença, o sábio rei cabalista se refere a um dos mistérios do espírito humano – a coroa imortal da natureza trina do homem. Ao mesmo tempo que deve ser entendido como está acima, deve ser interpretado cabalisticamente significado que o eu (ou o meu eterno Ego imortal) ou a entidade espiritual foi fundido desde a eternidade infinita e inominável, por meio da sabedoria criativa do Deus desconhecido. Na tradução canônica se lê: “Desde a eternidade fui constituída e desde o princípio, antes de a Terra ser criada”, o que é um contra-senso ininteligível, sem a interpretação cabalística. Quando Salomão é levado a dizer que era “desde o início… enquanto Ela (a Divindade Suprema) ainda não tinha feito a Terra… nem a parte mais elevada da poeira do mundo… eu estava lá, “e” quando Ele lançou os alicerces da Terra… então eu estava com Ele, como alguém criado com Ele” o que os cabalistas significam com o Eu, a não ser o seu próprio espírito divino, uma gota derramada daquela fonte eterna de Luz e Sabedoria – o espírito universal da Divindade?

O facho de glória emitido por Ain Soph da mais alta das três cabeças cabalísticas, através do qual “todas as coisas brilham na Luz” o facho que sai através do Primus Adão, é o Espírito Individual de todo Homem. “E cada dia me deleitava com (Ain Soph) ele brincando o tempo todo diante dele… e as minhas delícias eram `estar com os filhos dos homens’, acrescenta Salomão no mesmo capítulo dos Provérbios (30-1). O espírito imortal se compraz nos filhos dos homens, pois, sem o espírito nada mais havia do que dualidades (corpo físico e alma astral, ou aquele princípio de vida que anima até mesmo a menor das formas do reino animal). Todavia, vimos que a doutrina ensina que esse espírito não pode se unir ao homem quando há matéria e tendências muito grosseiras de sua alma animal, que sempre o estarão expulsando devido ao seu grande número. Por essa razão, Salomão, que foi induzido a falar sob inspiração do próprio espírito que o possui durante toda a sua vida, proferiu as seguintes palavras de sabedoria: “Ouvi-me, meu filho” (o homem dual), “bem-aventurados os que guardam os meus caminhos… Bem-aventurado o homem que me ouve, e que vela diariamente à entrada da minha casa… Aquele que me achar, achará a vida, e obterás a salvação do Senhor… Aquele porém que pecar contra mim fará mal à sua alma… e ama a morte” (Provérbios, VIII, 32-6).

Este capítulo, como foi interpretado por alguns teólogos, aplica-se, como tudo o mais, a Cristo, o “Filho de Deus”, que repetidamente afirma que quem o seguir obterá a vida eterna e vencerá a morte. Mas até mesmo em sua tradução distorcida pode-se demonstrar que ele se refere a qualquer coisa que não o pretenso Salvador. Se aceitássemos isso nesse sentido, então a Teologia cristã de retornar, nolens volens, ao Averroísmo e ao Budismo; em suma, à doutrina da emanação. Pois Salomão diz: “Eu fui constituído de Olam e Rosh, sendo ambos parte da Divindade; e dessa forma o Cristo não seria, como a sua doutrina prega, o próprio Deus, mas apenas uma emanação Dele, como o Cristo dos gnósticos. Donde, o sentido da personalidade gnóstica da eternidade, palavra que significa ciclos ou determinados períodos da eternidade e, ao mesmo tempo, representa uma hierarquia de seres celestiais – os espíritos. Portanto, o Cristo algumas vezes é denominado de a “Eternidade”. Mas a palavra “eterno” é errônea com relação aos Aeôns. Eterno é o que não tem começo e nem fim; no entanto, as emanações ou Aeôns, embora tivesse sido absolvidas na essência divina da eternidade, uma vez emanadas individualmente, têm princípio. Podem, portanto, ser infindáveis em sua vida espiritual, mas nunca eternas.

Essas emanações intermináveis da única Causa Primeira, que foram todas transformadas pela imaginação popular nos diversos deuses, espíritos, anjos e demônios, eram consideradas tão pouco imortais que a todas se atribuiu uma existência limitada. E essa crença, comum a todos os povos da Antigüidade, aos magos caldeus bem como aos egípcios, e mesmo até hoje é mantida pelos bramanista e pelos budista, mais gloriosamente evidencia o monoteísmo dos antigos sistemas religiosos. Essa doutrina chama o período de vida de todas as divindades inferiores “um dia de Parabrahman”. Depois de um ciclo de quatro bilhões, trezentos e vinte milhões de anos humanos – diz a tradição – a própria Trindade, com todas as divindades menores, será aniquilada, juntamente com o universo, e deixará de existir. Em seguida, gradativamente, um outro universo emergirá de pralaya (dissolução), e os homens sobre a Terra serão capazes de compreender SVAYAMBHÛ como ele é. Isoladamente, a causa primordial existirá para sempre, em toda a sua glória, enchendo o espaço infinito. Que prova melhor poderia ser acrescentada, do profundo sentimento de reverência com o qual o “pagão” considera a única Suprema causa eterna e todas as coisas visíveis e invisíveis?

A CRENÇA NA ETERNIDADE, E A INDESTRUTIBILIDADE DA MATÉRIA.

Essa é novamente a fonte de onde os antigos cabalistas tiraram as suas doutrinas idênticas. Se os cristãos entendem o Gênese a seu modo, e ao aceitar literalmente esses textos impõem a crença da criação do mundo a partir do nada à massa inculta, atribuindo além disso a esse mundo um começo, certamente não são os tannaim, os únicos intérpretes do sentido oculto da Bíblia que merecem ser censurados. Eles nunca acreditaram, mais do que qualquer outro filósofo, nas criações espontâneas, limitadas ou ex nihilo. A Cabala sobreviveu para mostrar que a sua filosofia era precisamente a dos modernos budistas do Nepal, os Svâbhâvikas. Eles acreditam na eternidade e na indestrutibilidade da matéria e, a partir disso, em muitas criações e destruições anteriores de mundos, antes do nosso próprio. “Existiram mundos que pereceram.” “A partir disso podemos ver que o Único Sagrado abençoado seja o Seu nome, criou e destruiu sucessivamente diversos mundos, antes de criar o mundo atual; e quando Ele criou este mundo disse: `Isso me agrada; os anteriores não me agradaram.” Além disso, eles acreditavam, da mesma forma que os svâbhâvikas, agora chamados ateístas, que tudo procede (é criado) de sua própria natureza e que logo que o primeiro impulso é dado pela Força Criativa inerente na “Substância autocriada”, ou Sephirah, tudo evolui de si mesmo, segundo o seu modelo, o mais espiritual protótipo que precede na escala da criação infinita. “O ponto indivisível que não tem limite e não pode ser compreendido (porque é Absoluto), se expande do íntimo, e forma uma grandeza que serve de veste (de véu) para o ponto indivisível. … Ele, também, se expande do interior…

Portanto, tudo foi originado através de uma constante agitação elevadora, e dessa forma finalmente o mundo se originou.”

A TRINDADE CABALISTA, UM MODELO DA TRINDADE CRISTÃ.

A trindade cabalística é um dos modelos da Trindade Cristã. “A Secular, cujo nome é santificado, tem três cabeças, que perfazem uma só.” Tria capita exsculpta sunt, unum intra, et alterum supra alterum. “Três cabeças estão introduzidas uma na outra, e uma sobre a outra. A primeira cabeça é a Sabedoria Oculta (sapientia abscondita). Embaixo dessa cabeça está a SECULAR (Mônada Pitagórica), o mais secreto dos mistérios; uma cabeça que não é cabeça (caput quod non est caput); ninguém pode saber o que existe nesta cabeça. Nenhum intelecto é capaz de compreender esta sabedoria.” Esse Senior Sanctissimus é envolvido pelas três cabeças. Trata-se da eterna LUZ da Sabedoria; e a sabedoria é a fonte de onde se originaram todas as manifestações. “Essas três cabeças incluídas em UMA CABEÇA (que não é cabeça); e essas três são curvadas para baixo (protegidas) por PEQUENA FACE (o Filho) e através delas todas as coisas brilham na Luz.” “Ain Soph emite um raio de Luz a partir de El ou Al (o mais elevado Deus da Trindade), e a Luz segue com o raio, entra, passa através e sai do Primus Adão (Cadmo), que está oculto até que o plano das disposições (statum dispositionis) esteja pronto; esse raio passa por ele da cabeça até os pés; e nele (não Adão oculto) está a imagem de UM HOMEM.”

“Quem quiser ter assim um vislumbre da unidade sagrada, deve considerar uma chama surgindo de um carvão em brasa ou de uma lâmpada acesa. Em primeiro lugar, verá uma Luz dupla – uma branco e brilhante, uma preta ou azul: a luz branco está acima, ascendendo uma Luz direta, enquanto que a Luz azul ou preta, está abaixo e se parece com a base da precedente, ainda que ambas estejam tão intimamente interligadas que constituem uma única chama. A base, entretanto, formada pela Luz azul ou preta, está ligada novamente com a matéria ardente que está embaixo dela. A Luz branco nunca muda de cor, sempre permanece branco; no entanto, são observadas várias sombras na Luz mais baixa, ao mesmo tempo que na Luz que está mais abaixo de todas, além de tudo se observa que ela toma duas direções: acima, ela está unida com a Luz branco e embaixo com a matéria ardente. Ora, essa está constantemente se consumindo, perpetuamente ascende à Luz superior, e assim tudo se funde numa só unidade.”  Essas eram as idéias seculares da Trindade na unidade, como se ela fosse uma abstração. O homem, que é o microcosmo do macrocosmo, ou do arquetípico homem celestial, Adão-Cadmo, é igualmente  trino; pois ele se constitui de corpo, Alma e Espírito.

“Tudo que é criado pelo `Ancião dos Anciões’ pode viver e existir apenas por meio de um macho e uma fêmea”, diz o Zohar. Apenas Ele, de quem ninguém pode dizer “Tu”, porque ele é o espírito da CABEÇA BRANCO em que as “TRÊS CABEÇAS” estão unidas, é Incriado. Do fogo sutil, um dos lados da Cabeça Branco, e do “ar sutil”, do outro lado, emanar Shekhînah, o seu véu (o Espírito Sagrado tornado feminino). Esse alento, “diz Idrah Rabbah” é o mais secreto (occultissimus) atributo do Ancião dos Dias. O Ancião dos Ancião é o Oculto do Oculto. Todas as coisa são Ele, Ele está oculto de todos os lados. O cranium da CABEÇA BRANCO não tem começo, mas o seu fim tem um reflexo brilhante e uma perfeição que é o nosso universo.”

OS GNÓSTICOS E OS NAZARENOS PERSONIFICAM O PRIMEIRO E O SEGUNDO HOMEM.

Os gnósticos, bem como os nazarenos, fazendo a alegoria da personificação dizem que o Primeiro e o Segundo homem amaram a beleza de Sophia (Sephirah), a primeira mulher, e dessa forma o Pai e o Filho fecundaram a “Mulher” celestial e de sua primordial escuridão procriaram a luz visível (Sephirah é a Luz Invisível ou Espiritual), “a que chamaram de CRISTO UNGIDO, ou Rei Messias”. Este Cristo é o Adão de Barro que antes de sua queda, com o espírito de Adonai, seu Pai,   e Shehinah Adonai, sua mãe, sobre ele; porque o Primus Adão é Adonai ou Adónis. A primordial existência se manifesta por sua sabedoria e produz o Logos Inteligível (toda a criação visível). Essa sabedoria foi venerada pelos Ofitas na forma de uma serpente. Até hoje, nós vemos que a primeira e   a segunda vida são os dois Adões, ou o primeiro e o segundo homem. No presente jaz Eva, ou a ainda não nascida Eve espiritual, e ela está dentro do Adão Primordial, pois ela é uma parte dele mesmo, que é andrógino. A Eva de barro, ela que será chamada de “a mãe de tudo o que vive” no Gênese, está dentro de Adão, o segundo. E agora, a partir do momento de sua primeira manifestação, o SENHOR MANO, A sabedoria Ininteligível, desaparece da cena da ação. Ela se manifestará apenas como Shekînah, a GRAÇA; pois, a CORONA é “a mais íntima Luz de todas as Luzes”, e portanto é a própria essência das “trevas”.

Na Cabala, Shekhînah é a nona emanação de Sephirah  (Na Cabala Sephirah, ou a “Sagrada Anciã”, é a Inteligência Divina), que contém todos os dez Sephiroth dentro de si mesma. Ela pertence à terceira Tríada e é produzida juntamente com Malkhuth ou “Reino”, do qual ela é a contrapartida feminina. Além disso, assegura-se que ela é mais elevada que qualquer desses, pois ela é a “Glória Divina”, o “véu”, ou “a veste” de Ain Soph. Os Judeus, cada vez que ela é mencionada no Targumin, dizem que ela é a glória de Jeová, que mora no tabernáculo, manifestando-se como uma nuvem visível; a “Glória” que descansa no assento sagrado do Sancta Sanctorum.

No sistema nazareno ou bardesiano, que pode ser denominado de Cabala dentro da Cabala, o Ancião dos Dias – Antiquus Altus – que é o Pai do Demiurgo do Universo, é chamado a Terceira Vida, ou Abathur; e ele é o Pai de Pthahil, que é o arquiteto do universo visível, que ele chama à existência pelos poderes de seu génio, sob ordem do “Maior de Todos”; o Abathur corresponde ao Pai de Jesus na posterior Teogonia cristã. Então, essas duas Vidas superiores são a coroa dentro da qual mora o maior Ferho. “Ferho existia antes que qualquer criatura viesse à vida.” Esta é a Primeira Vida, em forma e invisível, em que existe o vivente Espírito da Vida, Mais elevada GRAÇA. São UM a partir da eternidade, pois são Luz e a CAUSA da Luz. Portanto, correspondem à Sabedoria cabalística oculta e à oculta Shekhînah – o Espírito Sagrado. “Essa Luz que se manifesta é a veste do Oculto Sagrado, “diz Idrad Zutah. E o “homem celestial” é o Adão Superior”. Ninguém conhece os seus caminhos, exceto Macroprosopus” (Face longa) – o deus superior ativo. “Não como eu estou escrito quero ser lido; neste mundo o meu nome será escrito Jeová e lido Adonai”, diz acertadamente o Rabino. Adonai é Adão-Cadmo; ele é ambos, PAI E MÃE. Por essa dupla meiação, o Espírito do “Ancião dos Anciães” desce sobre Microprosopus (Pequena Face) ou o Adão do Éden, e o “Senhor Deus assoprou em suas narinas o alento vital”.

Quando a mulher se separou de seu andrógino, e se tornou uma individualidade distinta, a primeira história se repetiu novamente. Ambos, Pai e Mãe, os dois Adões, amam a sua beleza; e, em seguida, seguem a alegoria da tentação e da queda. Está na Cabala, bem como no sistema dos ofitas, em que ambos, Ophis e Ophiomorphos são emanações emblemáticas de serpentes, as precedentes representando a eternidade, a sabedoria e o espírito (como no magismo caldeu do culto, a áspide e a Doutrina da Sabedoria, nos velhos tempos), e mais tarde em Cunning, Envy e Matter. Tanto o espírito como a matéria são serpentes; e Adão-Cadmo se torna Ophis que tenta a si mesmo – homem e mulher – a sabedoria da “Árvore do bem e do Mal”, a fim de ensiná-los nos mistérios da sabedoria espiritual. A Luz tenta as Trevas, e as Trevas atraem a Luz, pois as trevas são a matéria e “a Mais elevada Luz não brilha em sua Tenebrae”. Com a sabedoria sobrevem a tentação do Ophiomorphos e esta prevalece. O dualismo de qualquer religião existente é revelada pela queda. “Eu recebi um homem do Senhor” exclama Eva, quando o Dualismo, Caim e Abel – mal e bem – nasceu. “E Adão conheceu Hua, a sua mulher (astu), e ela engendrou e deu à luz Kin, e disse: Kanithi aish ath Yahveh – Eu recebi ou obtive um marido, por Yahveh (Ish-homem)”.

AS VISÕES APOCALÍPTICAS.

No Apocalipse de João, o Teólogo, se diz: “Eu voltei-me e vi… no meio dos sete candeeiros alguém semelhante ao Filho do Homem… sua cabeça e seu cabelo pareciam lá, brancos como neve; e seus olhos pareciam uma como chama de fogo… e seus pés eram semelhantes ao latão fino quando está numa fornalha ardente” (I,12,-5). João repete nessa passagem, como se sabe bem, as palavras de Daniel e de Ezequiel. “O Ancião dos Dias… cujo cabelo era branco como pura lã… etc.” E “a semelhança de um homem… acima do trono… e a semelhança do fogo, e ela tinha refulgência a toda a volta”. O fogo é “a glória do Senhor”. Pthahil é o filho do homem, a Terceira Vida, e sua parte superior está representada tão branca como a neve; enquanto está em pé perto do trono do fogo ardente, ele tem a aparência de uma chama.

Todas essas visões “apocalíptica” baseiam-se na descrição da “cabeça branca” de Zohar, em quem está unidade a trindade cabalista. A cabeça branca, “que oculta em seu crânio o espírito”, e que é rodeada pelo fogo sutil. A “semelhança de um homem” é aquela de Adão-Cadmo, através de quem passa o facho de luz representado pelo fogo. Pthahil é o Vir Novissinis (o homem mais novo), o filho de Abathur, sendo esse último o “homem” ou a terceira vida (A primeira Díada andrógina, considerada como uma unidade em todas as computações secretas, é, por conseguinte, o Espírito Santo.), agora o terceiro personagem da Trindade. João vê “alguém semelhante ao filho do homem”, segurando em sua mão direita sete estrelas, e de pé entre “sete candeeiros dourados (Apocalipse, I). Pthahil ocupa sua “posição no alto”, segurando a vontade de seu pai, “o mais elevado Aeon que tem sete cetros e sete gênios, que astronomicamente representam os sete planetas ou estrelas. Ele está em pé “brilhando nas vestes do Senhor, resplandecente por meio dos gênios”. Ele é o Filho do seu Pai, a Vida, e de sua mãe, o Espírito, ou Luz. No Evangelho segundo São João, Logos é representado como aquele em quem havia “Vida, e a vida era a Luz dos homens” (I, 4). Pthahil é o Demiurgo, e seu pai criou o universo visível da matéria através dele. N Epístola de Paulo aos Efésios (III, 9), diz-se que Deus “criou todas as coisas por meio de Jesus.” No Codex, a VIDA – Progenitora diz: “Levante-se, vá nosso filho ungido em primeiro lugar, ordenando para todas as criaturas”. “Assim como o Pai que vive me enviou”, diz Cristo, “Deus enviou o seu filho ungido para que nós possamos viver” (João, VI, 57; I João, IV, 9). Finalmente, tendo concluído a sua obra na Terra, Pthahil se eleva até o seu Pai Abathur. “Meu pai me enviou… Eu vou ao Pai”, repete Jesus.

Deixando de lado as disputas teológicas do Cristianismo, que tenta fundir o Criador Judaico do primeiro capítulo do Gênese com o “Pai” do Novo Testamento, Jesus a afirma repetidamente do seu Pai: “Ele está oculto”. Certamente ele não teria denominado desta forma o sempre-presente “Senhor Deus” dos livros mosaicos, que Se mostrou a Moisés e aos Patriarcas, e que finalmente permitiu que os anciãos de Israel olhassem para Ele (“Então subiram Moisés e Abraão, Nadab e Abiú, e os setenta anciãos de Israel. E eles viram o Deus de Israel”, Êxodo, XXIV, 9-10.). Quando Jesus se pôs a falar no templo em Jerusalém como da “Casa de seu Pai”, ele não se referia à construção física, que ele afirmava poder destruir e reconstruir em três dias, mas ao templo de Salomão, o cabalista sábio, que indicava em seus Provérbios que cada homem é o templo do Senhor, ou do seu próprio espírito divino. Este termo “Pai que está oculto”, nós também vemos tanto na Cabala como no Codex nazareus, e em outros lugares.

Nós podemos rastrear essa denominação de um Deus “secreto” ainda mais para trás. Na Cabala, o “Filho” do Pai oculto que reside na luz e na glória, é o “Ungido”, o Zeir-Anpîn, que une a si mesmo todas as Sephiroth, ele é o Cristo, ou o homem celestial. É através de Cristo que o Pneuma, ou o Espírito Sagrado, cria “todas as coisas”, (Efésios, III, 9), e produz os quatro elementos, o ar, a água, o fogo e a terra.

O “Filho do Homem” é um título que não deveria ser usado a não ser por cabalistas. Exceto, como verificamos acima, no Velho Testamento, ele é usado apenas por um único profeta – Ezequiel, o cabalista. Em suas relações mútuas e misteriosas, os Aeons ou  Sephiroth são representados na Cabala por um grande número de círculos, e algumas vezes pela figura de um HOMEM, que é simbolicamente formado a partir desses círculos. Este homem é Zeir-Anpîn, e os 243 números de que a sua figura se constitui, se relacionam com as diferentes ordens da hierarquia celestial. A idéia original dessa figura, ou antes, o seu modelo, pode ter sido extraída do Brahmâ hindu, e as várias castas, representadas por algumas partes do seu corpo, como sugere King em seu Gnostics. Em um dos maiores e mais bonitos templos – caverna, em Ellora, dedicado à Visvakarman, filho de Brahmâ, existe uma representação deste Deus e de suas qualidades. Para alguém acostumado com a descrição de Ezequiel da “semelhança das quatro criaturas viventes” cada uma das quasi possuía quatro faces e as mãos de um homem embaixo de suas asas, etc., a figura de Ellora deve certamente parecer absolutamente Bíblicas. Brahmâ é denominado o pai do “homem” bem como de Júpiter e de outros deuses elevados.

A REPRESENTAÇÃO BUDISTA DO MONTE MERU.

É na representação budista do Monte Meru, chamado pelos birmanises Myénmo, e pelos siameses de Sineru, que nós encontramos um dos originais de Adão-Cadmo, Zeir-Anpîn, o “homem celestial”, e de todos os Aeons, Sephiroth, poderes, domínios, tronos, virtudes e dignidade da Cabala. Entre duas colunas, que são unidas por um arco, cuja abóbada é em forma de meia-lua. Este é o domínio em que reside a Suprema Sabedoria do Âdi-Buddha, a Divindade Suprema e Invisível. Ao lado desse ponto central mais elevado, vem o círculo da emanação direta do Desconhecido – o círculo de Brahmâ segundo alguns hindus, do primeiro avatâra de Buddha, segundo outros. Isso corresponde ao Adão-Cadmo e às dez Sephiroth. Nove dessas emanações são circundadas pela décima, e ocasionalmente são representadas por pagodes, cada um portanto um nome que exprime uma das qualidades principais da Divindade manifesta. Abaixo, então, vêm os sete estágios, ou esferas celestiais, sendo esferas circulada por um mar. Essas são as mansões celestiais dos devatâs, ou desses, cada um deles perdendo um pouco de sua santidade e pureza, à medida que se aproximam da Terra. Em seguida vem o próprio Meru, formado por círculos inumeráveis dentro de três círculos maiores, representando a Trindade do homem; e para alguém familiarizado com o valor numérico das letras dos nomes bíblicos, como o da “Grande Besta”, ou o de Mithras, e outros, trata-se de um assunto fácil estabelecer a identidade dos deuses-Meru com as emanações, ou com as Sephiroth dos cabalistas. Também os gênios dos nazarenos, com as suas missões especiais, são todos eles encontrados nesses mitos mais antigos, numa mais perfeita representação do simbolismo da “doutrina secreta”, como era ensinada em eras arcaicas.

O conjunto é rodeado por Mahâ-Samudra, ou o grande mar – a luz astral e o éter dos cabalistas e dos cientistas; e dentro do círculo central aparece “a semelhança com um homem”. Ele é  o Akhamôth dos nazarenos, a unidade dupla, ou o homem andrógino: a encarnação celestial, e uma representação perfeita de Zei-Anpîn (pequena face) o filho de Arikh-Aripîn (face longa). Agora, essa semelhança é representada em muitas lamaserias por Gautama Buddha, o último dos avatâras encarnados. Ainda mais embaixo, sob Meru, fica a morada da grande Nâga (literalmente “serpente”, no Panteão hindu, é o nome dos espíritos dragão e serpente), que é chamada de Râjâ-Nâga, a serpente-rainha – a serpente do Gênese, a Ophis gnósticas – e a deusa da terra, Bhûmayî-Nârî, que receia o grande dragão, pois ela é Eve, “a mãe de tudo o que vive”. Ainda mais embaixo está a oitava esfera, as  regiões infernais. As regiões mais superiores de Brahmâ são rodeadas pelo Sol, pela Luz e pelos planetas, os sete astrais dos nazarenos e justamente dessa maneira são descritos no Codex.

Estes são os sete demônios impostores que iludiram os filhos de Adão: O nome de um deles é Sol, do outro é Spiritus Venereus, Astro; do terceiro é Nebu, Mercurius, um falso Messias; … o nome  é Sin, Luna; o quinto é Khîyûn, Saturno; o sexto é Bel, Zeus; o sétimo Nerig, Marte.” Em seguida há “Sete Vidas procriadas”, sete bons Astrais, “os quais são de Kebar-Ziwa, e são aqueles brilhantes, que brilham com forma e esplendor próprios que provêm do alto… No portal da CASA DA VIDA, o trono está dignamente colocado para o Senhor do Esplendor, e há TRÊS habitações”. As habitações da Trimûrti, a trindade hindu estão colocadas ao lado da chave da abóbada – a meia-lua dourada, na representação de Meru. “E havia sob os seus pés [do Deus de Israel] como uma obra de pedra de safira.” (Êxodo, XXIV, 10). Sob a meia-lua está o céu de Brahmâ, toda pavimentada com safiras. O paraíso de Indra é resplandecente com mil Sóis; o de Shiva (Saturno) fica no nordeste; seu trono é feito de lápis-lazuli e o chão do céu é de ouro incandescente. “Quando ele senta no trono, ele arde em chamas até a altura dos rins.”

Nesse deus reconhecemos a descrição dada por Ezequiel, no primeiro capítulo de seu livro, de sua visão, em que ele apreende a “semelhança de um homem” nas quatro criaturas viventes, que têm  “quatro faces, quatro asas”, que têm um par de “pés retilíneos que cintilam como a cor do bronze queimado… e seus anéis estavam cheios de olhos em volta de todos os quatro”. Trata-se do trono e do céu de Shiva que o profeta descreve ao dizer “… e havia algo parecido com um trono, com a aparência de uma safira… e eu vi como a cor de âmbar [ouro] na aparência de fogo à sua volta… de seus rins e até mais para cima, e da aparência dos seus rins até mais para baixo, eu vi como aparência de fogo”. (Ezequiel, I, 26, 27). “E seus pés eram semelhantes ao latão fino quando está numa fornalha ardente” (Apocalipse, I,15). “E a semelhança do semblante deles era… uma tinha o rosto de um querubim, e o rosto de um leão… eles também tinham o rosto de um boi e o rosto de uma água” (Ezequiel, I, 10; X, 14). Essa aparência quádrupla, encontramos nos dois querubins de ouro, nas duas extremidades do arco; essas quatro faces simbólicas foram adotadas, mais tarde, pelos evangelistas, uma por cada um como se pode verificar facilmente nas figuras de Mateus, Marcos, Lucas e João, prefixadas em seus respectivos evangelhos, na Vulgata Romana e nas Bíblias gregas.

A identidade de Saturno com Shiva é mais corroborada ainda, se considerarmos o emblema deste último, o damaru, que é uma ampulheta, para mostrar a evolução do tempo, representada por esse deus na sua capacidade de destruição. O boi Nandi, o vâhana de Shiva e o mais sagrado emblema desse deus, é reproduzido no Ápis egípcio e no boi criado por Ormasde e morto por Ahriman. A religião de Zoroastro, baseada na “doutrina secreta”, foi mantida pelo povo de Eritene; era a religião dos persas quando eles conquistaram os assírios. Desde aí, é fácil delinear a introdução desse emblema de VIDA representado pelo boi, em cada sistema religioso. O colégio dos magos o aceitou com a mudança da dinastia; Daniel é descrito como um rabino, o chefe dos astrólogos babilônios e dos magos; e por essa razão vemos os pequenos bois assírios e os atributos de Shiva reaparecendo de forma pouco modificada nos querubins dos judeus talmudísticos, assim como detectamos o boi Ápis nas esfinges ou nos querubins do Arco Mosaico; e como os encontramos há alguns milhares de anos mais tarde, na companhia de um dos evangelistas cristãos, Lucas.

Quem alguma vez viveu tempo suficiente na Índia para se familiarizar, mesmo superficialmente, com as divindades nativas, deve verificar a semelhança entre Jeová e outros deuses, ao lado de Shiva Como Saturno, este último sempre foi muito respeitado pelos talmudistas. Ele foi reverenciado pelos cabalistas alexandrinos como o inspirador direto da lei e dos profetas; um dos nomes de Saturno era Israel, e nós mostraremos, em tempo, a sua semelhança de certa maneira, com Abraão, que Movers e outros sugeriram há muito tempo. Portanto, não deve nos causar espanto que Valentino, Basilides e os gnósticos ofitas colocassem a morada de seu Ialdabaôth, que também tanto é um destruidor, como um criador, no planeta Saturno; pois foi ele que ditou a lei no deserto e falou pela boca dos profetas. Se forem necessárias mais provas, nós as mostraremos no testemunho da própria Bíblia canónica. Em Amos, o Senhor se encolarizou com o povo de Israel. Ele rejeitou a queima de seus sacrifícios e ofertas e não ouviu as suas preces, mas indagou de Amos, “eles ofereceram sacrifícios e oferendas para mim no deserto por quarenta anos, ó casa de Israel? Porém, eles usaram o tabernáculo de teu Maloch e Chiun tuas imagens, a estrela de teu deus”(v. 25, 26). Quem eram Maloch e Chiun, a não ser Baal-Saturno-Shiva, e Chiun, Khîyûn, o mesmo Saturno cuja estrela os israelitas usaram para si mesmos? Parece não haver escapatória neste caso; todas essas divindades são idênticas.

O SALVADOR DA HUMANIDADE.

Saoshyant de Zoroastro é moldado no décimo avatâra bramânico, e o quinto Buddha dos seguidores de Gautama; e nós encontramos o anterior, depois de ter passado a parte integrante para o sistema cabalístico do rei Messias, refletido no apóstolo Gabriel dos nazarenos, e Hibil-Ziwa, o Legatus, mandado para a Terra pelo Senhor da Celsitude e da Luz; todos esses – hindus e persas, budistas e judaicos, o Cristo dos gnósticos e o Philonean Logos são encontrados combinados no “Mundo feito carne” do quarto Evangelho. O Cristianismo inclui todos estes sistemas, improvisados para se adaptar às circunstâncias. Se considerarmos o Avesta – encontraremos ali, o sistema dual que prevalece no esquema cristão. A luta entre Ahriman, as Trevas, e Ormasde, a Luz, tem continuado no mundo, desde o começo dos tempos. Quando chega o pior e parecer que Ahriman (trevas) conquistou o mundo, e corrompeu toda a Humanidade, então aparecerá o Salvador  da Humanidade, Saoshyant. Ele virá montado num cavalo branco e seguido por um exército de gênios bons, igualmente cavalgando corcéis brancos como leite. E isso encontramos copiado de modo fideligno do Apocalipse: “Eu vi o céu aberto, e eis que apareceu um cavalo branco; e o que estava montado em cima dele se chamava o Fiel e o Verdadeiro… E seguiam-no os exércitos que estão no céu em cavalos brancos” (Apocalipse, XIX, 11, 14) O próprio Saoshyant nada mais é que a posterior permutação do Vishnu hindu. A figura deste deus pode ser encontrada até os dias de hoje, representada como o Salvador, o “Preservador” (a proteção do espírito de Deus), no templo de Râma. O quadro o apresenta em sua décima encarnação – O Kalki-avatâra, que está por vir – como um guerreiro armado montado num cavalo branco. Agitando sobre a sua cabeça a espada [da] destruição, na outra mão segura um escudo formado de anéis concêntricos, emblema dos ciclos que revolvem de grandes eras, pois Vishnu assim aparecerá no fim de Kali-Yuga, correspondendo ao fim do mundo esperado por nossos adventistas. “E de sua boca saía uma espada de dois gumes… e na sua cabeça estavam postos muitos diademas” (Apocalipse, XIX, 12, 15). Freqüentemente, Vishnu é representado com algumas coroas superpostas na suas cabeça. “E eu vi um anjo de pé no Sol” (17). O cavalo branco é o cavalo do Sol. Saoshyant, o salvador persa, também nasceu de uma virgem, e no fim dos dias virá como um redentor para regenerar o mundo, porém será precedido por dois profetas, que virão para anunciá-lo. Em conseqüência, os judeus que têm Moisés e Elias estão agora esperando pelo Messias. “Em seguida virá a ressurreição geral, quando os bons entrarão imediatamente nesta morada feliz – a terra regenerada; e Ahriman e seus anjos (os demônios), e os maus, serão purificados por imersão em um lago de metal derretido… Daí por diante, todos gozarão de felicidade imutável e, liderados por Saoshyant, para sempre cantarão louvores para o Sempiterno.” O que acima é a perfeita repetição de Vishnu em seu décimo avatarâ, porque então ele arremessará os maus nas moradas infernais, nas quais, depois de se purificar, eles serão perdoados – mesmo aqueles demônios que se rebelaram contra Brahmâ, e foram violentamente derrubados no abismo sem fundo, por Shiva; como também os “abençoados” irão morar com os deuses, acima do Monte Meru.

Orígenes sustentava firmemente que a doutrina do castigo eterno era errônea. Acreditava que no segundo advento de Cristo mesmo os demônios que figuravam entre os condenados seriam perdoados. A condenação eterna é uma invenção cristã posterior (Cf. Orígenes, De principüs, I, V, II, X; III, VI.

Tendo traçado desta maneira as semelhanças de visões no que diz respeito ao Logos, ao Metatron e ao Mediador, como são encontrados na Cabala e no Codex dos nazarenos cristãos e dos gnósticos, o leitor está preparado para apreciar a audácia do esquema patrístico ao reduzir a figura puramente metafísica em forma concreta e fazê-la aparecer como se o dedo da profecia tivesse sido apontado para Jesus, como o Messias por vir, desde tempos imemoriais. Um theomythos que pretende simbolizar o dia por vir, perto do encerramento do grande ciclo, quando as “boas novas” dos céus proclamarem a irmandade universal e a fé comum da Humanidade, o dia da regeneração  – violentamente distorcido como se fosse um fato consumado.

“Por que me chamaste de bem? não há nenhum bem, a não ser um, que é Deus,” disse Jesus. É essa a linguagem de Deus? da segunda pessoa da Trindade, que é idêntica à Primeira? E se este Messias, ou Espírito Santo dos gnósticos e das trindades pagãs, vieram em sua pessoa, o que ele quis dizer com distinguir entre ele mesmo, o “Filho do Homem” e o Espírito Santo? “E quem quer que fale uma palavra contra o Filho do Homem, isso lhe será perdoado; mas àquele que blasfemar contra o Espírito Santo não será perdoado”, diz ele. E como considerar a maravilhosa identidade dessa linguagem própria, com os preceitos enunciados, séculos atrás, pelos cabalistas e pelos iniciados “pagãos”? Dentre vários exemplos, selecionamos alguns.

“Nenhum dos deuses, nem homem ou Senhor, pode ser bom, a não ser somente o próprio Deus”, diz Hermes.

“Ser um homem bom é impossível, apenas Deus possui esse privilégio”, repete Platão, com uma ligeira modificação.

Seis séculos antes de Cristo, o filósofo chinês Confúcio, disse que sua doutrina era simples e fácil de compreender (Lun Yü, cap. 5. inciso 15). Ao que um dos seus discípulos acrescentou: “A doutrina de nosso mestre consiste em ter sempre bondade no coração, e em fazer aos outros o que gostaríamos que eles nos fizessem”.

“Jesus de Nazaré, um homem aprovado por Deus entre vocês por seus milagres”, exclamou Pedro, muito tempo depois da cena do Calvário. “Havia um homem enviado por Deus, cujo nome era João” diz o quarto Evangelho, posicionando dessa forma (João) Batista em condições de igualdade com Jesus. João Batista num dos mais solenes atos de sua vida, o de batizar o Cristo, não pensa que vai batizar um Deus, porém usa a palavra homem. “Este é aquele de quem eu disse, depois de mim vem um homem.” Falando de si mesmo, Jesus disse, “Ele busca matar-Me, um homem que lhes contou a verdade, que eu ouvi de Deus”. Até mesmo o homem cego de Jerusalém, curado pelo grande taumaturgo, cheio de gratidão por seu benfeitor, ao narrar o milagre, não chama Jesus de Deus, mas diz simplesmente, “….. um homem que é chamado Jesus, fez o corpo”. (João, IX, 11).

Não encerramos a lista por falta de outros exemplos e provas, mas simplesmente porque o que dissemos agora já foi repetido e demonstrado por outros, muitas vezes e antes de nós. No entanto, não existe mal mais incurável que o fanatismo cego e irrazoável. Poucos são os homens que, como o Dr. Priestley, têm a coragem de escrever: “Nada encontramos parecido à divindade atribuída a Cristo antes de Justino, Mártir (A. D. 141), que, sendo um filósofo, transformou-se num cristão”.

O VERDADEIRO CRISTIANISMO ENCONTRADO NO BUDISMO, E EM OUTRAS RELIGIÕES PAGÃS.

Maomé (nasceu em 571 d.C.) apareceu  quase seiscentos anos depois do presumido deicídio (A denominação da morte que os judeus deram a Cristo). O mundo grego-romano ainda estava convulsionado por dissenções religiosas, resistindo a todos os editos imperiais do passado e ao Cristianismo compulsório. Enquanto o Concílio de Trento discutia a Vulgata, a unidade de Deus silenciosamente suplantou a Trindade, e logo os maometanos eram mais numerosos que os cristãos. Por que? Porque o seu profeta nunca procurou identificar-se com Allah. De outro modo, se pode afirmar, com segurança, que ele nunca viveria para ver florescer a sua religião. Até os dias de hoje, o Maometanismo fez e ainda está fazendo mais prosélitos do que o Cristianismo. Buddha Siddhârtha veio como um simples mortal, séculos antes de Cristo. A ética religiosa de sua fé é presentemente encontrada, excedendo de longe em beleza moral, qualquer coisa jamais sonhada pelos tertulianos e pelos agostinianos.

O verdadeiro espírito do Cristianismo pode ser encontrado totalmente apenas no Budismo; parcialmente, ele se revela em outras religiões “pagãs”. Buddha nunca fez de si mesmo um deus, nem foi endeusado por seus seguidores. Os budistas, no momento, são conhecidos por exceder em número os cristãos; eles são perto de 500.000.000. Enquanto isso, casos de conversão se tornaram raros entre os budistas, os bramanistas, os maometanos e os judeus, como para mostrar como são infrutíferas as tentativas dos nossos missionários; o ateísmo e o materialismo disseminam as suas úlceras gangrenosas e corroem mais profundamente, a cada dia, o próprio coração do Cristianismo. Não há ateus entre a população pagã, e aqueles poucos que existem entre os budistas e bramanistas, foram infectados pelo materialismo, e sempre podem ser encontrados nas grandes cidades densamente povoadas por europeus, e apenas entre as classes educadas. O Bispo Kidder, diz com muita veracidade: “se um homem sábio tivesse de escolher a sua religião a partir dos que a professam, talvez o Cristianismo fosse a sua última escolha”!

Desde os primórdios do Cristianismo, quando Paulo reprovou a Igreja de Corinto pelo crime “como isso é chamado entre os gentios – de alguém poder possuir a mulher do seu pai”; e por fazer da “anta Ceia” um motivo de deboche e de beberagem (1 Corintos V, 1), a profissão do nome de Cristo tem sido muito mais um pretexto do que a prova do sentimento sagrado. Entretanto, a forma correta deste Verso é: “Onde quer que se ouça falar dessa prática lasciva como a que se vê entre as nações pagãs – a de possuir ou mesmo se casar com a mulher do seu pai”. A influência persa poderia ser indicada nesta forma de linguagem. A prática não existiu “em nenhum lugar entre as nações”, exceto na Pérsia, onde foi estimada como especialmente meritória. Daí, também, as histórias judias de Abraão casando-se com sua irmã, Nahor com sua sobrinha, Amram com a irmã do seu pai, e Judah com a viúva de seu irmão, cujos filhos parecem ter sido legitimados. As tribos arianas valorizavam casamentos endógamos, enquanto que os tártaros e todas as nações bárbaras exigiam que todas as uniões fossem exógamas.

Havia apenas um apóstolo de Jesus, digno deste nome, e esse era Paulo. Entretanto, as suas Epístolas foram desvirtuadas por mãos dogmáticas antes de ser admitidas no Canon; a sua concepção da grande figura divina do filósofo que morreu por sua idéia ainda pode ser traçada em suas referências às várias nações Cristãs. Acontece apenas que quem quiser entendê-lo melhor ainda precisa estudar o Logos Philoneo, refletido de vez em quando no Sabda hindu (Logos) da escola Mîmânsâ.

Quanto aos outros apóstolos, aqueles cujos nomes estão antepostos no Evangelho, nós não podemos acreditar muito em sua veracidade quando os vemos atribuindo ao seu Mestre milagres envolvidos por circunstâncias lembradas, se não nos mais velhos livros da Índia, ao menos naqueles antedatados ao Cristianismo, e na própria fraseologia das tradições. Quem, em seus dias de simples e cega credulidade, não se maravilhou com a comovente história dada no Evangelho segundo Marcos e Lucas da ressurreição da filha de Jairo? Quem alguma vez duvidou de sua originalidade? E, ainda assim, a história é inteiramente copiada do Harivansa, e é lembrada entre os milagres atribuídos a Krishna. Nós traduzimos da versão francesa:

“O Rei Angashuma contratou os esponsais de sua filha, a bela Kalâvatî, com o jovem filho de Vâmadeva, o poderoso Rei de Antavedi, chamado Govinda, a ser celebrado com grande pompa.

“Mas quando Kalâvati estava se divertindo nos arvoredos com as suas amigas, ela foi picada por uma serpente e morreu. Angashuma dilacerou as suas roupas, cobriu-se de cinzas, e amaldiçoou o dia em que nasceu.

“De repente, um grande rumor se espalhou através do palácio, e os seguintes gritos eram ouvidos, repetidos mil vezes: ‘Pasya pitaram; pasya gurum!’ ‘Vejam o Pai! Vejam o mestre! Então Krishna se aproximou, sorrindo, apoiando-se no braço de Arjuna… ‘Mestre!’ gritou Angashuna, arremessando-se aos seus pés, inundando-os com as suas lágrimas: ‘Veja minha pobre filha!’ e ele mostrou-lhe o corpo de Kalâvatî, estendido sobre uma esteira…

“‘Por que se lamenta?’ replicou Krishna, com voz gentil. ‘Não vê que ela está dormindo? Ouça o som de sua respiração, semelhante ao do vento noturno que estremece as folhas das árvores. Veja, as suas faces ficando coradas, os seus olhos, cujos cílios tremulam como se estivesse para abrir os olhos; os seus lábios palpitam como para falar; ela está dormindo , estou lhe dizendo; e segure! veja, ela se move Kalâvatî! levante-se e ande!’

“Mal Krishna tinha falado, quando a respiração, o calor, o movimento e a vida retornaram pouco a pouco ao cadáver, e a pequena menina, obedecendo à ordem do semideus, levantou-se de sua esteira, juntando-se às companheiras. No entanto, a multidão maravilhada gritou: ‘Este é um Deus, uma vez que a morte para ele não mais que um sono’.

Todas essas parábolas são reforçadas pelos cristãos, como a adição de dogmas que, por seu caráter extraordinário, deixaram bem para trás as concepções selvagens do Paganismo. Os cristãos, a fim de acreditar numa divindade, acharam necessário matar o seu Deus, para que eles mesmo vivessem!

E agora, o Supremo, o desconhecido, o Pai da Graça e da Misericórdia e sua hierarquia celestial são manipulados pela Igreja como se fossem uns tantos astros teatrais e extras assalariados! eis séculos antes da era cristã, Xenófanes divulgou esse antropomorfismo, numa sátira imortal, relembrada e preservada por Clemente da Alexandria:

“Há um Deus Supremo acima de todos os deuses, mais divino que os mortais,
Cuja forma não é parecida com a dos homens, como também não é semelhante a sua natureza;
Mas os fúteis mortais imaginaram que como eles mesmos, os deuses são procriados
Com sensações humanas, com voz e membros corpóreos;
Dessa forma, se os bois ou os leões tivessem mãos e pudessem trabalhar à moda dos homens,
E pudessem esculpir com cinzel ou pintar a sua concepção da divindade
Então os cavalos retratariam os deuses como cavalos, os bois os representariam como bois,
Cada tipo de animal representa o Divino, com a sua forma e dotado com a sua natureza”.

E ouçam Vyâsa – o poeta panteísta da Índia que, como todos os cientistas podem provar, pode ter vivido, como Jacolliot, bem uns cinqüenta mil anos atrás – discursando sobre Mâyâ, a ilusão dos sentidos:

O CULTO AS DIVINDADES.

Todos os dogmas religiosos servem para ofuscar a razão humana. … O culto às divindades, sob as alegorias em que está escondido o respeito às leis naturais, afasta a verdade, em benefício das superstições mais desprezíveis” (Vyâsa-Maya) (Vyâsa – Literalmente “aquele que desenvolve ou amplia”, um revelador, porque o que ele explica, interpreta e amplia é um mistério para o profano.  Mâyâ – Ilusão. O poder cósmico que torna possível a existência fenomenal e as percepções da mesma.)

Deve-se à cristandade, a pintura de Deus Poderoso segundo o modelo da abstração cabalista do “Ancião dos Dias”. De antigos afrescos dos tetos das catedrais, de missais católicos, e de outros ícones e imagens, agora nós o encontramos representado pelo pincel poético de Gustave Doré. A Sua respeitável e desconhecida majestade, que nenhum pagão ousou reproduzir de forma concreta, figura na Bíblia Ilustrada de Doré, pertencente ao nosso século. Pisando nas nuvens que flutuam no meio do ar, atrás dele as trevas e o caos e o mundo sob os seus pés, um majestoso homem idoso está de pé, sua mão esquerda segurando suas roupas flutuantes em volta do corpo, a sua mão direita erguida num gesto de comando. Ele disse a Palavra, e de sua pessoa altamente emanava uma eflugência de Luz – O Shekinah. Como uma concepção poética, a obra honra o artista, mas valorizará ela a Deus? Melhor o caos atrás Dele, do que a Sua figura; pois no caos, ao menos, temos um mistério solene. De nossa parte, preferimos o silêncio dos antigos pagãos.

No seu imoderado desejo de encontrar provas da autenticidade do Novo Testamento, os melhores homens, os mais eruditos estudiosos, até mesmo entre os protestantes divinos, freqüentemente caíram em deploráveis armadilhas. Não podemos acreditar que tão culto comentarista como Cônego Westsott, poderia ter-se mantido na ignorância dos escritos cabalísticos e talmudístico. Como então, o vemos citando, com serena certeza, apresentando “as notáveis semelhanças com o Evangelho de São João”, das passagens da obra O Cordeiro de Hermes, que são máximas completas da literatura cabalística? “A visão que Hermes dá da natureza e do trabalho de Cristo não é menos harmoniosa que a doutrina apostólica, e ela oferece notáveis analogias como o Evangelho de São João… Ele (Jesus) está uma pedra mais alto que as montanhas, capaz de manter o mundo inteiro, secular, e ainda tendo um portão novo!… Ele é mais velho que a criação, assim ele pode aconselhar-se com o Pai sobre a criação que ele fez… Ninguém pode chegar até ele a não ser através do seu Filho”.

“Deus”, diz Hermes, “plantou um vinhedo, isto é, Ele criou os povos e lhes deu Seu Filho; e o Filho. … ele mesmo redimiu os seus pecados, etc.”; isto é, o Filho lavou-os em sangue, e comemorando isto, os cristãos bebem vinho em sua comunhão. Na Cabala revela-se que o Ancião dos Anciães ou o “Face Longa” plantou um vinhedo, significando o último a Humanidade; e a vinha simbolizando a Vida. O Espírito do “Rei Messias” é, portanto, mostrado lavando as suas vestes no vinho que vem de cima, da criação do mundo. Adão, ou A-dão é “sangue”. A vida da carne está no sangue (nephesh-alma). E Adão-Cadmo é o Único-Criado. Noah também plantou um vinhedo, o viveiro alegórico da futura Humanidade. Como uma conseqüência da adoção da mesma alegoria, nós a encontramos no Codex nazareno. Sete vinhas são procriadas, que surgem de Kabar-Ziwa, e Ferho (ou Parcha) Raba as rega. Quando os abençoados subirem entre as criaturas de Luz, eles verão Kabar-Ziwa, Senho da Vida, e a Primeira VINHA! Essa metáfora cabalísticas são, dessa forma, repetidas naturalmente no Evangelho segundo São João (XV, 1); “Eu sou a verdadeira videira, e o meu Pai é o agricultor.” No Gênese (XLIX, 10-1), o moribundo Jacó é levado a dizer: “Não se tirará o cetro de Judah [os filhotes de leão], nem general que proceda de sua coxa, até que venha Shiloh… Amarrando à vinha, o seu jumento e o chicote do seu jumento na vinha escolhida; ele lavou as suas vestes no vinho, e o seu manto no sangue das uvas”. Shiloh é o “Rei Messias” assim como o Shiloh de Efraim, que se tornou a sede e o lugar do santuário. No Targum de Onkelos, o babilônio, lê-se as palavras de Jacó: “Até que venha o Rei Messias”. A profecia falhou, tanto no sentido cristão, como no judaico-cabalista. O cetro partiu de Judah, quer o Messias há tenha vindo ou esteja por vir, a menos que acreditemos, como os cabalistas, que Moisés foi o primeiro Messias, que transferiu a sua alma para Joshua – Jesus. (Devemos lembrar ao leitor, a esse propósito, que Josué e Jesus são um único e mesmo nome. Nas Bíblias eslavas Josué lê-se – Iessus (ou Jesus) Navin.)

Hermes diz: “E, no meio da planície ele me mostrou uma grande pedra branca que aparecera na planície, e a rocha era mais alta que as montanhas, retangular de forma a poder sustentar o mundo inteiro; mas aquela rocha era velha, tendo um portão esculpido nela, e a escultura do portão me parecia recente”. No Zoar, nós encontramos: “Para 40.000 mundos superiores o branco do crânio de Sua Cabaça (do mais Sagrado Ancestral in abscondito) se estende… Quando Zeir [a primeira reflexão e imagem do seu Pai, o Secular dos Seculares] abrir, através do mistério dos setenta nomes de Metratron, descendo em Yetzîrah (o terceiro mundo), um novo portão… o Spiritus Decisorius cortará e dividirá as vestes (Shekinah) em duas partes… Na vinda do Rei Messias, da sagrada pedra cúbica do Templo uma luz branca surgirá durante quarenta dias. Essa se expandirá, até encerrar o mundo inteiro… Nessa ocasião o Rei Messias permitirá a sua revelação e será visto saindo do portão do jardim de Odan [Éden]. Ele será revelado no país de Galil. Quando os pecados de Israel forem expiados, ele levará o povo através do novo portão para o lugar do julgamento. “No Portão da Casa da Vida, o trono está preparado para o Senhor do Esplendor.”

E, “Esta pedra e este portão são o Filho de Deus. `Como, Senhor’, eu disse, à pedra é velha e o portão é novo?’ Ouça’, Ele disse, `e entenda, ó homem ignorante. O Filho de Deus é mais velho que toda a Sua criação, assim, foi o conselheiro do Pai em Sua obra de criação; e por isso ele é velho'”.  Ora, essas duas afirmativas não são apenas puramente cabalísticas, sem nem mesmo uma mudança de expressão, mas são igualmente bramânicas e pagãs. “Vidi virum excellentem, coeli terraeque conditore natu majorem. … Eu vi o mais excelente (superior) HOMEM, que é mais velho por nascimento que o criador do céu e da Terra”, diz o Codex cabalista. O Dionísio Eleusiano, cujo nome particular era Iacchos (Iaccho, Iahoh) – o Deus de quem se esperava a liberação das almas – era considerado mais velho que o Demiurgo. Nos mistérios de Anthesteria e Limnae (os lagos), depois do costumeiro batismo pela purificação com água… os Mystae eram induzidos a passar através de outra porta (portão), um portão específico para esse propósito, que era chamado de “portão de Dionísio” e “portão dos purificados”.

No Zohar, conta-se aos cabalistas que o mestre de obras, o Demiurgo, disse ao Senhor: “Deixe-nos fazer o homem à Sua imagem”. Nos textos originais do primeiro capítulo do Gênese, está: “E o Elohim (traduzido como o Supremo Deus), que era o mais elevado dos deuses e dos poderes, disse: Deixe-nos fazer o homem à nossa (?) imagem, segundo a nossa semelhança”. Nos Vedas, Brahmâ se aconselhou com Parabrahman, sobre o melhor modo de criar o mundo.

Citando Hermes, Cônego Westcott, mostra-o perguntando: “e por que o portão é novo, Senhor?” eu disse. Ele respondeu: “porque ele foi manifestado no último dia da Providência; por essa razão o portão novo foi feito, a fim de que, os que forem salvos, possam entrar no reino de Deus”.

Neste trecho há duas particularidades dignas de nota. Para começar, ele atribui ao “Senhor” uma afirmação falsa, do mesmo caráter daquela enfatizada pelo apóstolo João e que trouxe, num período posterior, tantas disputas inconvenientes à totalidade dos ortodoxos cristão, que aceitavam literalmente as alegorias apostólicas. Como o Messias, Jesus não foi manifestado no último dos dias; pois o último estava ainda por chegar, contrariando um grande número de profecias divinamente inspiradas, seguidas consequentemente de esperanças frustradas, do testemunho de sua vinda imediata. A crença de que os “últimos dias” viessem, era natural, uma vez que a vinda do Messias fosse conhecida. A segunda peculiaridade é encontrada no fato de que a profecia não poderia ser aceita, pois mesmo em sua determinação aproximada ela constitui uma contradição direta de Marcos, que fez com que Jesus atestasse distintamente que nem os anjos, nem o próprio Filho, conheciam tal dia e tal hora. A isso podemos aduzir, que como a crença inegavelmente se originou com o Apocalipse, isso deveria ser uma prova evidente por si mesma, de que isso pertence aos cálculos peculiares dos cabalistas e dos santuários pagãos. Foi o cômputo secreto de um ciclo, que, de acordo como o seu cálculo, deveria se encerrar na parte final do primeiro século. Também deve ser aceito como prova concludente, o fato de que o Evangelho segundo São Marcos, bem como o atribuído a João, e o Apocalipse, foram escritos por homens, nenhum dos quais estava bastante familiarizado com o outro. Primeiramente, o Logos foi definido definitivamente como petra (rocha) por Fílon; a palavra, além disso, como mostraremos em outro lugar do livro, significa na língua dos caldeus e dos fenícios “intérprete”. Justino, o Mártir, o chama em suas obras de “anjo” e faz uma nítida distinção entre o Logos e o Criador. “A Palavra de Deus é Seus Filho… e ele também é chamado Anjo e Apóstolo, pois declara tudo o que devemos saber (interpretar), e é enviado para declarar tudo o que está à vista.”

“Aedan Inferior é distribuído em seus próprios caminhos, em trinta e duas margens de caminhos, embora ainda não sejam conhecidas de ninguém exceto de Zeis. Mas ninguém conhece o AEDAN SUPERIOR nem Seus caminhos, exceto o Face Longa” – o Deus Supremo. Zeir é o gênio nazareno que é chamado Hibil-Ziwa, e Gabriel Legatus – também de “apóstolo Gabriel”. Os Nazarenos sustentavam, aos lado dos cabalistas, que mesmo o Messias que tinha de vir não conhecia o “Aedar Superior”, a Divindade oculta; ninguém a conhecia exceto o Deus Supremo. Dessa forma, mostrou que acima da Suprema Divindade Inteligível, há uma ainda mais secreta e não revelada. Zeir-Anpîn é o terceiro Deus, enquanto o “Logos”, segundo Fílon, o Judeu, é o segundo. Isso é revelado nitidamente no Codex. “O falso Messias dirá: Eu sou Deus, filho de Deus, meu Pai me enviou para cá. Eu sou o primeiro Legate, eu sou Hibil-Ziwa, eu vim do alto! Mas desconfie dele; pois ele não será Hibil-Ziwa, Hibil-Ziwa não permitirá que o vejam nesta era.” Daí o fato da crença de muitos gnósticos, de que não foi Hibil-Ziwa (o Arcanjo Gabriel) quem “ofuscou” Maria, porém Ialdabaôth (o criador do mundo), que formou o “corpo material de Jesus; Cristo se uniu a essa corpo, apenas na hora do batismo, no rio Jordão.

Podemos duvidar da afirmação de Nork, segundo a qual “o Berêshîth Rabbah, a parte mais antiga do Midrah Rabboth, era conhecido dos padres da Igreja numa tradução grega”?

Mas se, por um lado, eles estavam suficientemente familiarizados com os diferentes sistemas religiosos de seus vizinhos a ponto de erigirem uma nova religião que se pretendia ser distinta de todas as outras, sua ignorância do Velho Testamento, deixando de lado a questão mais complicada da metafísica grega, parece-nos hoje deplorável. “Assim, por exemplo, em Mateus, XXVII, 9 e s., a passagem oriunda de Zacarisas, XI, 12, 13, é atribuída a Jeremias”, diz o autor de Supernatural Religion. “Em Marcos I, 2, uma citação de Malaquias, III, 1, é atribuída a Isaías. Em I Coríntios, II, 9, uma passagem citada como Escritura
Sagrada não se encontra no Velho Testamento, sendo tomada, como afirmam Orígenes e Jerônimo, de uma obra apócrifa, A Revelação de Elias, sendo esta passagem de igual modo citada pela chamada Primeira Epístola de Clemente aos Coríntios (XVI, 8),” Quando se pode confiar nos piedoso padres em suas explicações de diversas heresias podemos ilustrá-lo no caso de Epifânio, que tomou erroneamente a Tétrada sagrada de Pitágoras, chamada na Gnose valentiana de Kol-Arbas, por um chefe herético. O que devemos pensar das fraudes involuntárias e das falsificações deliberadas dos ensinamentos daqueles cujas concepções diferiram das deles; a canonização da Aura Placida (brisa gentil) mitológica; no par das mártires cristãs – Santa Aura e Santa Plácida; a deificação de uma lança e de uma capa, sob os nomes de São Longinus e Santo Amphibolus; e as citações dos profetas, que não se acham em nenhum profeta; e poderíamos muito bem perguntar se a chamada religião de Cristo jamais foi outra coisa que não um delírio incoerente, desde a morte do Grande Mestre.

Tão maliciosos eram os santos padres em sua tenaz perseguição às pretensas “heresias”, que os veremos contar, sem hesitação, as inverdades mais flagrantes, e inventar narrativas inteiras, no propósito de convencer os ignorantes com argumentos que de outro modo careceriam de qualquer base. Se o erro em relação à Tétrada teve origem, de início, como simples conseqüência de uma fraude não premeditada de Hipólito, as explicações de Epifânio e outros que caíram no mesmo erro absurdo têm uma aspeto mais inocente. Quando Hipólito denuncia gravemente a grande heresia da Tétrada, Kol-Arbas, e afirma que o imaginário chefe gnóstico é “Colarbasus, que tenta explicar a religião por medidas e números”, podemos simplesmente rir. Mas quando Epifânio, com abundante indignação, elabora sobre o tema “que é a Heresia XV”, e, pretendendo estar perfeitamente a par do assunto, acrescenta que “um certo Heracleon segue os passos de Colarbasus, o que é a Heresia XVI”, então à acusação de fraude deliberada.

Se esse zeloso Cristão pode se vangloriar sem rubor de ter “feito exilar, graças à sua informação, setenta mulheres, mesmo de alta estirpe, por meio das seduções de almas que ele havia conseguido convencer a participar de sua seita”, ele nos fornece boas razões para condená-lo. Assinala C. W. King, muito habilmente, a esse respeito, que “podemos suspeitar que esse digno renegado se salvou nesse caso do destino de seus companheiros de religião denunciando seus cúmplices, na abertura da perseguição”.

E assim, um após outro, pereceram os gnósticos, únicos herdeiros dos poucos restos da verdade não adulterada do Cristianismo primitivo. Tudo era confusão e desordem nesses primeiros séculos, até o momento em que todos esses dogmas contraditórios foram finalmente impingidos ao mundo cristão, e a discussão foi proibida. Por vários séculos, tornou-se um sacrilégio, punível com severas penalidades, e mesmo com a morte, procurar compreender aquilo que a Igreja havia tão convenientemente elevado ao nível de mistério divino. Mas como os cristãos bíblicos se havia devotado a “pôr a casa em ordem”, os papéis foram invertidos. Os crentes pagãos acorrem agora de todas as partes do globo para reclamar o seu quinhão, e a Teologia cristã começa a ser suspeita de bancarrota. Tal é o triste resultado do fanatismo das seitas “ortodoxas”, que, para emprestar uma expressão do autor de The History of the Decline and Fall of teh Roman Empire, jamais foram, como as gnósticas, “as mais polidas, as mais sábias e as mais dignas do nome cristão”. E, se nem todos “sentissem o cheiro do alho”, como Renan o disse, nenhum desses santos cristãos, por outro lado, jamais teria hesitado em derramar o sangue de seus vizinhos, se as concepções destes últimos não estivessem de acordo com as suas.

E assim todos os nossos filósofos foram arrastados pelas massas ignorantes e supersticiosas. Os filaleteus, os amantes da verdade, e sua escola eclética pereceram; e lá, onde a jovem Hipatia ensinava as doutrinas filosóficas superiores’ e lá, onde Amônio Saccas explicara que “tudo o que Cristo tinha em mente era reinstalar e restaurar em sua primitiva integridade a sabedoria dos antigos – de pôr um limite ao domínio predominante da superstição (…) e exterminar os vásios erros que haviam se enraizado nas diferentes religiões populares”. Não mais os preceitos saídos da boca do “filósofo instruído em Deus”, mas outros expostos pela encarnação de uma superstição cruel e diabólica.

“Se teu pai” – escreve São Jerônimo – “se deita em tua porta, se tua mãe descobre a teu olhos e seio que te nutriu, esmaga o corpo sem vida de teu pai, esmaga o seio de tua mãe, e, com os olhos secos, refugia-te no Senhor que te chama”!!

Essa sentença é igualada, se não superada, por esta outra, pronunciada num espírito semelhante. Ela emana de outro pai da Igreja primitiva, o eloqüente Tertuliano, que espera ver todos os “filósofos” no fogo infernal do Gehena. “Como seria magnífica essa cena! (…) como eu riria! Como eu regozijaria! Como eu triunfaria ao ver tantos reis ilustres que passam por ter subido ao céu gemendo com Júpiter, seu deus, nas trevas inferiores do inferno! Queimariam então os soldados que perseguiram o nome de Cristo num fogo mais cruel do que aquele que acenderam para os santos!”

Essas expressões sanguinárias ilustram o espírito do Cristianismo até o presente. Mas ilustram elas os ensinamentos de Cristo? De modo algum. Como diz Éliphas Lévi: “O Deus em nome do qual esmagaríamos o seio de nossa mãe, nós o veremos no futuro, um inferno largamente aberto a seu pés, e uma espada exterminadora em suas mãos (…) Moloch queimava as crianças por apenas uns poucos segundos; estava reservado aos discípulos de um deus que se pretendia ter morrido para redimir a Humanidade na cruz, criar um novo Moloch cuja pira é eterna!”

Isis Sem Véu – VOLUME III – TEOLOGIA I


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