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1. Todos os estudantes da religião comparada a de seu ramo pobre, o folclore, concordam em que o homem primitivo, quando observa os fenômenos naturais que o cercam a tenta analisá-los, os atribui à ação de seres semelhantes a si próprio quanto à natureza a ao tipo, mas superiores quanto ao poder. Como não os podia ver, ele os chamou, com certa razão, de “invisíveis”; a como não podia ver a sua própria mente durante a vida, ou a alma de seu amigo depois da morte, concluiu que os seres que produziram os fenômenos naturais eram semelhantes, quanto à natureza, à mente e à alma – invisíveis a ativas.
2. Eis uma concepção aparentemente primitiva, como afirmam os antropólogos, mas sua rudeza deve-se ao fato de que estes, ao traduzirem idéias selvagens, escolhem palavras de acepções rudes. Por exemplo, a tradução-padrão de uma das principais escrituras da China refere-se ao venerável filósofo Lao-Tsé como “0 Velhote”. Isso soa cômico para os ouvidos europeus, mas não está tão longe de outra escritura que teve a sorte de cair nas mãos de tradutores que a reverenciavam – “A menos que vos convertais numa criança”. Não sou sinóloga, mas creio que a tradução “eterna criança” teria sido igualmente apropriada a de melhor gosto.
3. Há um ditado nos Mistérios: “Cuida para não blasfemares o Nome pelo qual o próximo conhece seu Deus, pois, se não fazes tal coisa por Alá, também não o fazes por Adonai.”
4. E, ademais, estaria o homem primitivo tão longe da verdade quando atribuiu a causa dos fenômenos naturais a atividades da mesma natureza que a dos processos mentais da mente humana, mas num arco superior? Não é esse o ponto para o qual convergem gradualmente a física e a metafísica? Supondo que tivéssemos de reformular a afirmação do filósofo selvagem e dizer “A natureza essencial do homem é semelhante à de seu Criador”, receberíamos nós a pecha de blasfemos a tolos?
5. Podemos personificar as forças naturais nos termos da consciência humana; ou podemos abstrair a consciência humana nos termos das forças naturais; ambos os procedimentos são legítimos na Metafísica oculta, e o processo não só oferece algumas pistas muito interessantes, como também algumas aplicações práticas de muito valor. Não devemos, contudo, cometer o erro do tolo a dizer que A e B quando entendemos que A é da mesma natureza que B. Mas podemos também aproveitar legitimamente o axioma hermético “Como em cima, tal é embaixo”, porque, se A e B são da mesma natureza, as leis que governam A podem ser invocadas em relação a B. 0 que é verdade para uma gota é verdade para o oceano. Conseqüentemente, se conhecemos algo a respeito da natureza de A, podemos concluir que, tendo em conta a diferença de escala, esse ponto se aplicará a B. Esse é o método da analogia utilizado na ciência indutiva dos antigos, e, na medida em que é corroborada pela observação a pela experiência, pode oferecer-nos alguns resultados muito frutíferos, dispensando-nos de errar em inúteis divagações.
6. A personificação a deificação das forças naturais foi a primeira tentativa rude a arguta do homem para desenvolver uma teoria monística do universo a salvar-se da influência destrutiva a paralisante de um dualismo insolúvel. E, na medida em que aumentou seus conhecimentos a refinou seus processos intelectuais, pôde ele observar mais a mais significados nas primeiras a simples classificações. Não obstante, ele nunca descartou as classificações originais, porque elas eram fundamentalmente boas a representavam realidades. Ele simplesmente as refinou, desenvolveu e, finalmente, quando chegaram os maus tempos, misturou-as à superstição.
7. Não deveríamos, portanto, considerar os panteões pagãos como outras tantas aberrações da mente humana, nem deveríamos tentar compreende-los do ponto de vista do não-iniciado a do ignorante; deveríamos tentar, antes, descobrir o que podem eles ter significado para os sumos sacerdotes altamente inteligentes a de grande cultura que dirigiam esses cultos em seus tempos. Comparemos os textos da Sra. David-Neel a de W. B. Seabrook a propósito dos ritos pagãos com os relatos de um missionário médio. Seabrook mostra-nos o significado espiritual do vodu, e a Sra. David-Neel apresenta-nos o aspecto metafísico da Magia tibetana. Esses temas aparecem de outra maneira aos olhos do observador simpatizante, que sabe ganhar a confiança dos expoentes desses sistemas a consegue ser recebido em seus recintos sagrados como um.amigo, a que procura aprender em vez de meramente observar a ridicularizar. Muito diferente de como os vê o “zelote hipócrita”, que passeia pelo lugar sagrado com suas botas sujas, sendo apedrejado pelos indignados adoradores.
8. Ao julgar essas coisas, consideremos a forma pela qual veríamos o Cristianismo se nos aproximássemos dele da mesma maneira. Os observadores alheios concluiriam provavelmente que adoramos um cordeiro, e o Espírito Santo forneceria algumas interpretações espetaculares. Devemos conceder aos outros o direito de utilizar metáforas se não queremos que as nossas próprias sejam tomadas literalmente. A forma exterior das antigas fés pagãs não é mais rude do que o Cristianismo nos países latinos mais atrasados, onde Jesus é representado de cartola a fraque e a Virgem Maria, com calças de lacinhos. A forma interior das fés antigas suporta perfeitamente uma comparação com as nossas modernas metafísicas. Elas, pelo menos, produziram Platão a Plotino. A mente humana não muda, e o que é verdade para nós é provavelmente verdade para os pagãos. 0 Cordeiro de Deus que redime os pecados do mundo é apenas outra versão do Touro de Mithra, e a única diferença entre eles consiste no fato de que o iniciado antigo era literalmente “banhado em sangue”, ao passo que o moderno entende metaforicamente essa expressão. Autres temps, autres moeurs.
9. Se nos aproximássemos daqueles a quem chamamos de pagãos tanto antigos como modernos – com um espírito reverente a compreensivo, sabendo que Alá a Brama a Amon Rá são apenas outros nomes para aquilo que adoramos como Deus, aprenderíamos muitas coisas que a Europa esqueceu quando a Gnose foi arrasada e a sua literatura, destruída.
10. Descobriríamos, contudo, que as fés pagãs apresentam seus ensinamentos numa forma que não é imediatamente assimilável pela mente européia, a que, para compreender-lhes o significado, precisamos reformula-las em nossos termos. Devemos correlacionar a concepção pagã com o símbolo pagão; seremos, então, capazes de aplicar à primeira a enorme massa de experiências místicas que gerações de psicólogos contemplativos a experimentais organizaram em tomo do segundo. E, quando falamos de psicólogos experimentais, não devemos cometer o erro de pensar que eles são um produto exclusivamente moderno, porque os sacerdotes dos antigos Mistérios, com seus sonhos templários a suas visões hipnagógicas deliberadamente induzidas, eram nada mais nada menos do que psicólogos experimentais, embora a sua arte se tenha perdido, como muitas outras artes antigas que estão sendo agora, aos poucos, redescobertas nos laboriosos círculos mais avançados do pensamento científico.
11.0 método utilizado pelo iniciado moderno para interpretar a linguagem falada pelos antigos mitos é muito simples a eficaz. Ele descobre na Árvore da Vida cabalística um vínculo entre os sistemas pagãos altamente estilizados a os seus próprios métodos mais racionais; o judeu, asiático por sangue a monoteísta por religião, tem um pé em cada um dos mundos. 0 ocultista moderno extrai da Árvore da Vida, com suas Dez Sephiroth Sagradas, os fundamentos tanto de uma metafísica quando de uma magia. Ele utiliza uma concepção filosófica da Árvore para interpretar o que ela lhe apresenta à mente consciente, a recorre ao emprego mágico a cerimonial de seu simbolismo para unir esses conteúdos à sua mente subconsciente. 0 iniciado, conseqüentemente, tira o melhor partido de ambos os mundos, o antigo e o moderno, pois o mundo moderno, que é todo consciência superficial, esqueceu a reprimiu a subconsciência, para sua própria perda; e o mundo antigo, que era principalmente subconsciência, só recentemente desenvolveu a consciência. Quando os dois mundos se unem a operam de maneira polarizada, eles concedem a superconsciência, que é o objetivo do iniciado.
12. Tendo em mente as concepções anteriores, podemos tentar coordenar agora os panteões da Antigüidade com as Esferas da Arvore da Vida. Há dez Esferas, as Dez Sephiroth Sagradas, e, entre estas, devemos distribuir, de acordo com o tipo, os diferentes deuses a deusas de qualquer panteão que desejamos estudar; estamos, então, em posição de interpretar-lhe o significado à luz do que já sabemos a respeito dos princípios representados pela Árvore, a acrescentar ao nosso conhecimento da Árvore tudo que está disponível a respeito do significado das antigas divindades.
13. Obviamente, isso tudo é de grande valor intelectual. Mas há outro valor que o homem comum, que não teve nenhuma experiência das operações dos Mistérios, não percebe tão prontamente: o desempenho de um rito cerimonial que representa simbolicamente a atuação da força personificada como um deus tem um efeito muito marcante a mesmo drástico sobre a mente subconsciente de qualquer pessoa que seja pelo menos suscetível às influências psíquicas. Os antigos levaram esses ritos a um alto nível de perfeição, a quando nós, modernos, tentamos reconstruir a arte perdida da Magia Prática, podemos recorrer a essas práticas com grande proveito. A filosofia da Magia européia baseia-se na Árvore a ninguém pode esperar compreende-la ou utilizá-la inteligentemente se não foi treinado nos métodos cabalísticos. É essa falta de treinamento que possibilitou a degeneração do ocultismo popular em formas supersticiosas muito rudes. A sentença “Teu número em teu nome” torna-se uma coisa diferente quando entendemos a Cabala Matemática; as sortes tiradas nas taças de chá mudam de aspecto quando compreendemos o significado das imagens mágicas e o método de sua formulação a interpretação como um processo psicológico para penetrar o véu do inconsciente.
14. Falando claramente, então, temos de distribuir os deuses a deusas
de todos os panteões pagãos nos dez escaninhos das Dez Sephiroth Sagradas, deixando-nos guiar principalmente por suas associações astrológicas, porque a Astrologia é uma linguagem universal, visto que todos os povos vêem os mesmo planetas. 0 espaço corresponde a Kether; o Zodíaco, a Chokmah; os sete planetas, às sete Sephiroth seguintes; e a Terra, a Malkuth. Conseqüentemente, qualquer deus que tem uma analogia com Saturno será referido a Binah, assim como qualquer deusa que possa ser considerada como a Mãe Primordial, a Eva Superior, em oposição à Eva Inferior, a Noiva do Microprosopos, Malkuth. 0 Triângulo Supremo composto por Kether, Chokmah e Binah refere-se sempre aos Deuses Antigos, que todo panteão reconhece como sendo os predecessores das formas de divindades adoradas pela fé comum. Assim, Rea e Cronos seriam referidos a Binah a Chokmah, a Júpiter a Chesed. Todas as divindades do milho referem-se a Malkuth, a todas as deusas lunares, a Yesod. Os deuses da guerra a os deuses destrutivos, ou demônios divinos, referem-se a Geburah, a as deusas do amor, a Netzach. Os deuses da sabedoria iniciática referem-se a Hod, a os deuses do sacrifício e os redentores, a Tiphareth. Uma autoridade tão importante como Richard Payne Knight, em seu valioso livro Lhe Symbolic Language of Ancient Art and Mythology, menciona a “notável ocorrência das alegorias, símbolos e títulos da mitologia antiga em favor do sistema místico das emanações”. De posse dessa pista, podemos classificar os panteões, habilitando-nos a comparar e a esclarecer os aspectos semelhantes.
15. No sistema que formula em seu livro de correspondências, 777, Crowley atribui os deuses tanto aos Caminhos como às Sephiroth. Isso, em minha opinião, é um erro a motivo de confusão. Só as Sephiroth representam as forças naturais; os Caminhos são estados de consciência. As Sephiroth são objetivas a os Caminhos, subjetivos. É por essa razão que, no hieróglifo operacional da Árvore, utilizado pelos iniciados, as Sephiroth são sempre representadas numa certa Escala de Cores a os Caminhos em outra. Aqueles que possuem esse hieróglifo saberão a que me refiro.
16. Em minha opinião, os Caminhos estão sob o governo direto dos Nomes Sagrados, que regem as suas atribuições sephiróticas, a não deveriam ser confundidos com outros panteões, pois, embora possamos recorrer a outros sistemas para a iluminação intelectual, não é aconselhável tentar misturar os métodos de trabalho prático a desenvolvimento da consciência.
17. Por exemplo, o Décimo Sétimo Caminho, entre Tiphareth a Binah, é atribuído, pela Sepher Yetzirah, ao Elemento do Ar. É mais sensato opera-lo com o rito do Elemento do Ar a os Nomes Sagrados que lhe são atribuídos, a aproximar-se dele por meio do Tattva apropriado, do que confundir as tentativas com as associações de coleções combinadas de divindades incompatíveis como Pólux, Jano, Apolo, Merti a outras que Crowley lhe atribui – cujas correspondências, alias, apresentam um intrincado labirinto de associações.
18. As Sephiroth devem ser interpretadas macrocosmicamente, a os Caminhos, microcosmicamente; descobriremos, assim, a chave da Árvore, tanto no homem como na natureza.
A Cabala Mística – Dion Fortune
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