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Gimel e seus significados

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Herman Flegenheimer Jr.

Gimel ג é a terceira letra do alfabeto hebraico é é um equivalente a letra G no alfabeto latino. Seus principais significados estão sempre associado a conceitos de crescimento, expansão e desenvolvimento como nos lembram às palavras גָּדוֹל (grande), גדילה (gidilah/crescimento), גידול (gidul/cultivo) e גיוסי (giyusi/expansivo). Por conta disso seu sentido está também sempre associado a caridade e generosidade pois nada cresce sozinho. Gimel deriva da palavra “Gemul” que representa a ação de dar e compartilhar com os outros, mas também a ideia de “punição” pois na Torá tanto a recompensa quanto a punição têm o mesmo objetivo final: a retificação da alma.

Seguindo às sequência das letras que já estudamos Gimel é o germinar da semente de Aleph no ventre de Beth. A forma desta letra nos diz isso de várias maneiras:

Podemos, por exemplo ver em ג a silhueta de um broto eclodindo ainda dentro do solo buscando seu caminho em direção ao Sol. Esta ideia de progresso também está na leitura que enxerga em ג uma pessoa caminhando. Mais especificamente a tradição judaica diz que esta pessoa sai de sua cabana, representada por ב e se apressa em direção de ד, de estrutura mais frágil, ou seja alguém avançando em direção dos mais necessitados.

Gimel significa literalmente “Camelo” e quando escrito por extenso podemos ver a forma do animal com o pescoço de Lamed e a corcova dupla em Men: גָמָל (talvez dai venha o mito de que os camelos acumulam água nas corcovas pois este é justamente o elemento ligado a letra mãe מָ. O Camelo além de nos trazer esta ideia de expansão de fronteiras nos remete a travessia de uma longa jornada em busca de algo maior, mais rico e mais completo. Curiosamente “Gamal” em aramaico significa ponte, um símbolo ainda mais universal de transposição.

A inclusive uma conexão entre a figura do camelo e a generosidade na tradição oral judaica. Conta o Midrash que em um período de fome um homem rico, porém egoísta, tinha uma grande quantidade de alimentos armazenados em seus celeiros. Em vez de compartilhar sua riqueza com os necessitados, ele decidiu esconder sua comida dentro de peles de camelos para protegê-la de ser roubada. No entanto, uma praga atingiu seus celeiros, e as peles dos camelos apodreceram, estragando toda a comida. Uma recordação de que não há verdadeira prosperidade sem a compaixão.

Voltando ao formato da letra se tentarmos decompor a letra ver que a letra ג veremos que tem uma aparência semelhante a de um ז (Zayin) com duas pernas, um ז (Vav) a esquerda e um ז (Yod) como perna direita. Essas três letras formam o acrônimo זיו (ZIV), que significa “brilho” em hebraico. É como se fossemos estrelas e o crescimento (principalmente compartilhado) a própria luz, esplendor ou brilho זיו divino em nós. Além disso quando juntamos novamente com ג com Zayi, Yod e Vav  podemos formar a palavra זיווג (zivug) que significa casamento ou união, nos dando outra valiosa lição sobre a relação entre o matrimónio, o crescimento e a doação.

Por fim a letra pode ser vista como uma pegada ou a sola de um pé. Andar mais do que qualquer outro ato físico expressa bem a ideia de liberdade e livre-arbítrio (a palavra hebraica para “correr” “ratz” tem a mesma  raiz de ratzon que significa “vontade”). Quando andamos nosso pé é firmemente posto em contato com o solo dela determinação de nossa vontade, exemplificando como a alma afeta diretamente a realidade física.

Gematria

O valor numérico de ג é 3, um número estritamente ligado ao desenvolvimento do povo judeu desde a época dos 3 patriarcas Abraão-Isaque-Jacó. Conta o Talmud que a própria Torah foi revelada no terceiro mês do ano a Moisés (o terceiro de três filhos) no terceiro dia de separação entre marido e mulher. A Torá foi emitida para um povo formado de três grupos: Cohanim,  Levitas e Israelitas. Finalmente, a própria Tanak é dividida em três segmentos: Toráh, Nevi’im e Ketuvim. Em todos estes sentidos vemos o número 3 como o grande símbolo do crescimento, expansão e desenvolvimento dos planos de Deus para o ser humano.

Esta história contrasta fortemente com o caráter do rabino Akiva12 e a Torá que ele incorporou. O rabino Akiva costumava ser convocado pelo oficial romano Tinus Rufis para um debate animado.13 No final, o rabino Akiva sempre o superava. Um dia Rafina, a esposa de Tinus Rufis, decidiu vingar a honra de seu marido. Sabendo que o D’us dos hebreus proibia a imoralidade, ela ganhou a permissão de Tinus Rufis para seduzir Rabi Akiva e assim levá-lo a pecar. Na vez seguinte em que Rabi Akiva foi chamado ao palácio, Rafina se escondeu atrás de uma das árvores do jardim. Quando Rabi Akiva se aproximou, ela saiu na frente dele, vestida de forma provocante. Ora, Rafina era uma mulher muito bonita e tinha certeza de que Rabi Akiva se renderia aos seus encantos. Mas o Sábio passou a fazer o seguinte: primeiro cuspiu, depois riu, depois chorou. Rafina ficou completamente atordoada. Ela pediu que ele explicasse suas ações. O rabino Akiva respondeu: “Dois eu vou te dizer, e o terceiro eu não vou. Cuspi por causa de suas ‘ações desprezíveis’.14 Chorei porque sei que um dia sua bela forma jazerá no pó e se decomporá. Por que eu ri, talvez um dia você entenda.

Tese-Antítese-Síntese

Como disse o pré-socrático Heráclito a ordem natural do universo é o a mudança e o conflito. De fato, buscar uma nova morada, deixar a cabana, rasgar a semente ou sair do ninho não são coisas fáceis. As mães sabem que não é fácil desmamar a criança ( e veja só “desmamar” é outro significado possível da palavra gimel). Pelo contrário crescer é um tipo de batalha. O andar de ג é mais uma marcha do que um passeio. Para atravessar o deserto com um camelo é preciso traçar um plano, seguir um mapa (ou guiar-se pelas estrelas) e garantir provisões exatamente como em uma guerra. Então não é surpresa que no Sepher Yetzirah ג esteja associada a Madim (Marte) o planeta ligado a Geburah.

Aqui aparece mais uma vez a relação com o número 3. No relato da criação  a passagem do tempo só começar no terceiro dia após a dualidade da Terra e do Céus, das Águas de Cima e de Baixo e do Sol e da Lua. Na unidade não há conflito, na dualidade há divisão, mas na tríada é preciso escolher um lado, ainda que seja o seu próprio lado (tese-antitese-sintese) e do conflito se inicia toda uma corrente de desenvolvimento onde a síntese se torna uma nova tese e assim por diante. Este é um conceito chave na compreensão da cabala.

A primeira trindade é Kether, Chokmah, Binah, (Pai, Filho e Espírito Santo para os cristãos). A segunda trindade se forma a partir da dualidade de Binah. A ação inicial de Binahe sua divisão é representado pelas letras יה (Iod e He) e esta dualidade quando em união produz o número três da segunda trindade ו (Vav), uma nova unidade, Gedulah “bondade”, também chamada Chesed “misericórdia”. Novamente inicia-se uma nova trindade do resultado da anterior formada por Gedulah, Geburah e finalmente Tipheret. Esta terceira triade é invocada na Torá sempre que se fala em Abraão-Isaque-Jacó.

Gimel e intuição

Gimel é também uma letra relacionada ao saber intuitivo. Há varias histórias no Midrash que usam a figura do camelo para falar do conhecimento que nos chega sem passar pelos processos da dedução dos sentidos e do raciocínio. Sabemos por esta tradição oral que Abraão tinha um camelo que podia identificar água no deserto. Quando o animal se aproximava de um local onde havia água subterrânea, ele se ajoelhava e começava a balançar a cabeça indicando onde cavar. Também foi um camelo que levou Rebeca até onde Isaque estava permitindo que ela se cobrisse antes de encontrar seu futuro marido.

A questão é: como essa ideia de intuição se relaciona com os outros sentidos de Gimel: desenvolvimento, compaixão crescimento, etc.. Como vimos esta letra esta associada a manifestação do poder divino no mundo material, em outras palavras, a evolução. ג representa a energia dinâmica e criativa de Deus, que se expressa através da criação e do desenvolvimento do universo. É por isso que ג está associada a intuição: na maioria das vezes não sabemos o objetivo de todo esse crescimento e desenvolvimento. Com a mente puramente humana não temos uma resposta verdadeiramente satisfatória para justificar o nascimento do Sol, o desabrochar de uma rosa ou uma missão de vida. Mas de alguma forma sempre sabemos quando estamos fazendo a coisa certa. Quando “brilhamos” ao ponto de nosso crescimento resultar em frutos não apenas para nós mas para todos os demais sabemos intuitivamente quer estamos caminhando na direção certa.

Gimel é portanto o inicio da jornada da alma divina como alma humana, o celacando saindo da água, o macaco descendo da árvore e percebendo que pode andar ereto, os humanos tocando as estrelas. Gimel é a contração do primeiro de todos os mandamentos dados por Deus a humanidade quando ainda estávamos no paraíso: Crescei e multiplicai.


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