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Eduardo Berlim[1]
Recentemente fui lembrado do conceito que correlaciona a Luz Divina com o prazer dentro da Qabbalah. Esse conceito nos aponta a bondade do Deus Criador através da percepção de que sua Luz emana prazer e pode ser encontrada em todos os atos de todos os seres. Por mais efêmero que seja, todo ato está atrelado, a priori, a algum tipo de prazer e é através deste prazer que recebemos as motivações necessárias para prosseguir em determinados atos.
Preciso aqui reiterar que a Qabbalah aponta para diferentes tipos de prazer, separados em categorias próprias. Neste texto estou me referindo aos sentimentos negativos ligados diretamente aos prazeres – os que são chamados de categorias vegetal e animal; prazeres que esses seres são capazes de compartilhar conosco. Não quero dizer com isto que são categorias inferiores ou menos nobres de prazer, pois não cabe a mim o julgamento do prazer individual de cada um. Devo destacar, contudo, que os prazeres encontrados nestas categorias possuem tendência à efemeridade quando comparados a outras categorias de prazer.
É inegável que sentimentos negativos (no tom mais popular possível) sejam vistos como maus para o observador externo, mesmo quando são justificados ou aceitos. Acredito que seja inegável observarmos o prazer presente em alguns deles e será através disso que pretendo aprofundar cada vez mais no prazer presente no desprazer.
Inicio com o prazer contigo na revolta (com ou sem causa), na vontade de xingar e amaldiçoar aquele vizinho que permite ao seu cão urinar na porta da tua casa. Há um momento ali entre o “revoltar-se” e o “xingar a mãe do vizinho amaldiçoando mil gerações de descendentes dele” em que há um prazer claro e genuíno ali – que muitas vezes se perpetua durante o ato de xingar e reclamar. É só após o encontro com o chamado ‘pão da vergonha’ que nos atemos à simples solução de ir conversar com ele –, mas caso ele seja um “completo babaca” retornaremos com fúria o prazer de xingar, reclamar, se enfurecer e planejar um contra-ataque.
É fácil perceber que há prazer neste sentimento tão simples e grosseiro, certo? Um sentimento que cães e gatos podem possuir, dividido por nós com qualquer animal territorialista e que, ao mesmo tempo, proporciona prazer. Com esse breve caso fica fácil encontrar o prazer nos pecados óbvios da gula e da luxúria, mas… e se analisarmos o prazer da inveja? E se começarmos a perceber que há um prazer genuíno em odiar o próximo por aquilo que ele tem e que você gostaria de tomar para si?
Não estou me referindo (ainda) ao prazer de realmente tomar para si o que é do outro, mas ao simples fato de desejar seu mal por ter aquilo que você sente que “deveria ser seu por direito”. É evidente que (até certo ponto) o invejoso sabe que é falso o seu merecimento, que é falso o seu querer, mas isso não o impede de sentir prazer no ato desejoso de desdenhar no outro aquilo que se quer para si mesmo sem que seja pago o preço necessário. O ódio retroalimentado por aquilo que não se pode ser e que o outro é certamente possui prazer o suficiente para viciar o ser humano. E a fofoca que o diga…
E se há prazer na inveja, como não haveria prazer na ansiedade?
Talvez eu tenha começado a pesar a mão aqui, certo?
Mas alguém realmente negaria que há um prazer óbvio no estado de adrenalina?
Pular de paraquedas não parece extremamente prazeroso?
E não seria esse prazer desencadeado por um estado de medo e pânico causados pelo extremo desconforto de não ser capaz de predizer o que irá acontecer a cada segundo subsequente?
É certo que existem aqueles com medo absoluto de um salto de paraquedas, mas ouso dizer que nunca conheci alguém que não tirasse prazer de um estado de absoluta adrenalina. Pode ser uma montanha russa num parque, um filme de suspense ou terror, uma viagem louca com os amigos ou até mesmo a adrenalina adolescente de fazer algo tolo escondido dos pais (como fingir que vai dormir na casa de um amigo para ir a uma festa ou mesmo fazer uma tatuagem ou piercing sem que os pais saibam).
A adrenalina constante é parte de um sistema alerta natural e o seu descontrole é um estado de ansiedade – que chegando a níveis crônicos pode se tornar o mal do nosso século atual. Certamente esta descarga de adrenalina é uma das grandes responsáveis por permitir que a nossa espécie esteja viva até aqui através do seu estado de alerta total em um mundo selvagem, mas quando a coisa mais selvagem com que você convive é a tua samambaia e o chefe cobrando um relatório enfadonho, não me parece que a ansiedade possa ser proveitosa. E ainda assim ela traz certo prazer…
E decerto que se a ansiedade produz prazer por conta da incidência da Luz Divina, é natural que outros sentimentos tidos como negativos incorram pelo mesmo caminho. Nós vemos monstros em forma de gente nos filmes e documentários, pessoas que tiram um grande prazer na execução de crimes nefastos como assassinato, tortura e até canibalismo e não percebemos que nós começamos a tirar prazer da figura metafórica destas mesmas atrocidades: quem se vangloria de assassinar a reputação alheia na internet está tirando prazer de um homicídio “sem cadáver”. Não é tão à toa que chamamos esse de ato de “lixamento virtual”; a turba enfurecida agride e ataca tirando prazer da situação, para que somente mais tarde possa provar do pão da vergonha.
Inclusive não é incomum vermos incitações ao suicídio…
O que tragicamente nos faz pensar que há um prazer tirado de um lugar ainda mais amargo para o Si: o prazer da depressão.
Existe um conforto estranho na depressão, quase um sentimento de que somos diferentes e especiais por conta do nosso sofrimento. A busca pela validação em ser diferente ao mesmo tempo em que se busca um grupo de iguais entrega uma potência ainda maior para esta parca e efêmera Luz do Criador: é como se tentássemos resolver uma luz fraca juntando-a com muitas outras luzes fátuas e sem brilho. Tentamos buscar mais e mais desta luz, tal qual um viciado parece se pôr em um estado de miséria tamanha para consigo mesmo que só se vê capaz de tirar prazer do mesmo ato que lhe destrói.
E veja que não estou dizendo que quem recai a um estado desses é fraco ou incompetente, mas que é na compreensão de que há um prazer divino ali presente que talvez possamos conhecer a ferramenta certa para retirar alguém do sofrimento, pois para todos nós há um prazer maior disponível e às vezes precisamos de ajuda para traçar o caminho até lá…
Se for o seu caso, não hesite.
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Eduardo Berlim é músico, tarólogo e estudante de hermetismo com vasta curiosidade. Tem apetite por uma série de correntes diferentes de magia e se considera um eterno principiante. Assumidamente fanboy dos projetos da Daemon e das matérias do Morte Súbita inc.
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