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Herman Flegenheimer Jr.
A letra hebraica ב (Bet, também conhecida como Bais) é a segunda letra do alfabeto hebraico e tem um valor numérico de dois. Ela é frequentemente associada ao princípio criativo da manifestação, seja o útero, o receptáculo sagrado que dá origem à vida ou a mesa de ofício do artista onde as ferramentas e elementos são dispostas em operação. No Sepher Yetizirah ב é associada a Lua (Levanah), um corpo celeste usualmente relacionado a gestação e conhecido por levar a Luz do Sol ao período noturno por sua reflexão da mesma maneira como a alma humana reflete a luz divina em suas criações materiais.
Além disso, a letra ב também está relacionada ao conceito de “Bereshit”, que significa “no começo” ou “na origem”. Essa palavra é a primeira do livro do Gênesis na Bíblia hebraica, onde é descrita a criação do mundo. Assim, ב está ligada à noção de início, de gênese e de potencial. Ela representa o ponto de partida, o momento em que algo é concebido e começa a se manifestar no mundo material.
Podemos dizer que ב é o início do trabalho criativo no mundo da dualidade. Essa dualidade que na letra א (Aleph) só existia em potencialidade agora está colocada na esfera da manifestação. O trabalho pode começar.
A forma como a letra ב é desenhada é o primeiro ponto a ser examinado. Sua semelhança com um retângulo aberto evoca a dualidade entre proteção e abertura. Na Cabala, a letra ב está associada ao conceito de “bahir” ou “bahirut”, que significa “clareza” ou “transparência”. Essa relação entre a forma retangular da letra e a clareza é fundamental para compreender seu simbolismo.
A grafia da letra é feita com duas linhas horizontais e uma linha vertical. Essas três linhas representam as direções leste, sul e oeste. A linha horizontal superior representa o leste, enquanto a linha vertical representa o sul e a linha horizontal inferior representa o oeste. O desenho do beis segue o caminho do sol, que nasce no leste e se põe no oeste. O nascer e o pôr do sol estão sujeitos às nossas ações durante o dia. A linha vertical, por sua vez, simboliza a conexão entre a Terra e os Céus, as mãos humanas apontando para cima e para baixo, reforçando a ideia de iniciativa na criação.
O Mundo Incompleto
O mundo foi criado incompleto, conforme afirma o Midrash. O norte, que simboliza o mal, está “aberto” e vazio, ao contrário das massas de terra a leste, oeste e sul da Terra. Geólogos ilustram essa ideia ao observarem a Antártida abaixo da calota de gelo do Pólo Sul, enquanto o Pólo Norte não apresenta uma massa de terra correspondente. Essa incompletude nos ensina que a humanidade tem a responsabilidade de completar a Criação através de boas ações, contribuindo para aperfeiçoar o mundo em que vivemos.
O mal é associado ao norte, como indicado pela declaração divina citada: “Do norte o mal será lançado sobre todos os habitantes da terra”. Essa afirmação responde diretamente à visão de Jeremias, que viu uma panela borbulhante com uma abertura ao norte, prenunciando a destruição do Primeiro Templo Sagrado. Curiosamente, foi a partir do norte que a nação da Babilônia, responsável pela destruição do Templo, lançou seu ataque.
Entender que o norte simboliza o mal não é suficiente; também temos o dever de combater esse mal. Devemos reconhecer que a natureza “aberta” do norte existe tanto dentro de cada indivíduo quanto fora dele. No âmbito pessoal, isso é conhecido como yetzer hara, a inclinação para o mal, que nos tenta e persuade ao pecado. O antídoto para isso é o esforço contínuo em nos aperfeiçoar, contribuindo assim para aperfeiçoar o mundo como um todo. Essa correção, chamada tikkun, é incorporada ao design da letra beis.
A Dualidade
A dualidade essencial é representada numericamente pela letra ב, que possui o valor de 2. Vimos que o Sepher Yetzirah relaciona ב a Lua que também é vista como um símbolo da dualidade posto que passa por fases diferentes, desde a lua nova até a lua cheia e, em seguida, novamente para a lua nova. Isso representa a dualidade inerente à existência humana, com os ciclos de luz e escuridão, crescimento e declínio. Ciclos que são em essência oportunidades de crescimento espiritual e transformação.
A Cabala ensina que o universo é formado pela interação de forças opostas e complementares, e a ב simboliza essa dualidade. Ela pode representar o céu e a terra, o masculino e o feminino, o espírito e a matéria. Essa dualidade é vista como expressão do equilíbrio necessário para a existência harmoniosa de todas as coisas, destacando que nós, seres humanos, não somos Deus. Somente Deus pode ser Uno, mas para a humanidade criar e reproduzir, são necessários dois. Além disso, ב também representa o nível do intelecto, em contraste com o alef, que simboliza a fé.
Os comentários sobre a Torá frequentemente questionam por que ela começa com a letra ב ao invés do alef, considerando que o Zohar afirma que א é a letra mais sagrada. O Rebe oferece a seguinte explicação: quando alguém lê o início da Torá, surge a pergunta: “Por que a Torá começa com um ב, a segunda letra do alef-bet? Por que não começa com a primeira letra, o alef?” A resposta é desdobrada da seguinte forma:
No livro de Jeremias, é feita a pergunta: “Por que a terra de Israel foi destruída?” A resposta divina é: “Porque o povo judeu abandonou Minha Torá.” O Talmud contesta: “O que você quer dizer com eles não aprenderam a Torá? [O povo judeu estava constantemente estudando a Torá.]” O Talmud conclui, então, que a razão pela qual a terra foi destruída foi porque os judeus não recitavam a bênção antes de começarem a estudar a Torá:
“Bendito sejas Tu, Deus nosso Eterno, Rei do universo, Que nos escolheu dentre todas as nações do mundo, e nos deu Sua Torá, bendito és Tu Deus que dá a Torá.”
O estudo da Torá começa com uma bênção, que deve ser verbalizada diariamente antes de começar os estudos. Rabi Yoel Sirkis explica que o propósito desse estudo é nos conectar a Deus por meio da santidade de Sua palavra, permitindo que a Divina Presença de Deus, a Shechiná, habite entre nós. Existe um relacionamento de dois níveis com a Torá: o primeiro é a crença absoluta de que a Torá é divina e transcende o intelecto humano; o segundo é compreender intelectualmente a Torá, concedida por Deus por Sua compaixão e amor pelo Seu povo.
Aqueles que negam a divindade da Torá não podem compreender adequadamente seus conceitos divinos, uma vez que o intelecto humano sozinho não pode alcançar o verdadeiro significado da Torá. Portanto, é significativo que a Torá comece com a letra “ב”. Isso nos indica que, ao buscar compreender a Torá apenas com nosso intelecto, estamos perdendo o propósito central da Torá, que é nos tornarmos um com Deus – o “א”.
Com base nessas ideias, as palavras do Talmud de Jerusalém se tornam claras. A razão pela qual a Torá começa com a letra “beis” é que ela está associada à bênção, a “berachá”. Ao iniciar o estudo da Torá com a letra “א” seguido pela “ב”, somos abençoados com o intelecto e a compreensão necessários para assimilar seu conteúdo de maneira significativa.
No começo…
Conta a lenda que o rei Ptolomeu II (283-246 aC) queria uma tradução grega da Torá (a Septuaginta). Ele reuniu 72 anciãos de Israel e os isolou em 72 casas diferentes. Ele visitou cada um deles e disse: “Traduza para mim o livro de Moisés, seu mestre”.
Os anciãos judeus sentiram que, se dessem as palavras literais de Ptolomeu a Moisés, ele poderia ser enganado ou usá-las contra o povo judeu. Significativamente, todos os sábios alteraram o primeiro verso da Torá. Em vez de escrever “Bereishit, (no) princípio, criou D’us…” eles escreveram “Elokim (D’us) criou, (no) início”, iniciando assim a Torá com a letra alef em vez da letra beit.
O rei Ptolomeu II não poderia ter entendido a mensagem do beit. Ele teria dito que, desde que beit representa o intelecto, então o intelecto deve ser adorado. Ao começar a Septuaginta com um alef – “D’us criou” – os rabinos estavam refletindo de fato que D’us – e não o homem – é a força primária no mundo.
Além disso, a letra beit também está relacionada ao conceito de “bereshit”, que significa “no começo” ou “na origem”. Essa palavra é a primeira do livro do Gênesis na Bíblia hebraica, onde é descrita a criação do mundo. Assim, a letra beit está ligada à noção de início, de gênese e de potencial. Ela representa o ponto de partida, o momento em que algo é concebido e começa a se manifestar no mundo material.
Outra interpretação cabalística da letra ב é sua associação com a palavra “bayit”, que significa “casa”. Nesse contexto, ב simboliza o santuário interno, o espaço sagrado dentro de cada ser humano onde a divindade reside. Essa interpretação ressalta a importância de cultivar a conexão com o divino em nosso interior, buscando aprofundar nossa espiritualidade e compreender nossa própria natureza essencial.
Deus criou o mundo porque desejava um lar, como nos conta o Midrash. Uma casa é o lugar onde nos refugiamos depois de cumprir nossas responsabilidades terrenas. É um local onde podemos nos despir das formalidades e relaxar, sem precisar impressionar ou nos vender para ninguém. É onde nossa verdadeira essência se manifesta. Deus também desejava um lugar onde Ele pudesse ser Ele mesmo e se unir ao Seu povo judeu, Sua noiva. Esse foi o propósito da Criação, o ב, representa este projeto.
Ao analisarmos a palavra “Bereishis” (בְּרֵאשִׁית) – que significa “no início” -, percebemos que sua raiz é “rosh”, que significa “cabeça”. O prefixo é “beis”. As duas últimas letras da palavra são “yud” e “tav”. Juntos, “beis”, “yud” e “tav” formam a palavra “bayis”, que significa “casa”. No começo, quando D’us criou o mundo, Seu desejo (taavah) era que a Cabeça (Deus) habitasse nas casas (bayis). Como podemos construir um lar para Deus?
Aqui retornamos ao assunto do formato da letra. As três linhas do “beis” são também frequentemente interpretadas como representando os três pilares que sustentam o mundo: Torá, Oração e Caridade. Quando uma pessoa ora, estuda a Torá e pratica a caridade diariamente, ela está construindo um lar para Deus.
Como ב também contém a direção aberta, (o norte, que representa o mal) a própria estrutura da letra incorpora uma tensão interna. Sua abertura física representa tanto um convite quanto um potencial perigo, ambos apontando para a obrigação de completar a criação de Deus, finalizar Seu lar e aperfeiçoar o mundo. Fazemos isso trazendo a Divindade para o mundo agindo de acordo com o “ב”, a casa. Cumprimos nossas obrigações por meio do estudo da Torá, da oração e da prática da caridade. Somente então Deus habitará em Seu lar.
Alimente sua alma com mais:
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