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1225 – 1274
Tomás de Aquino foi uma figura destacada da Idade Média, nascido em 1225. Diferentemente de muitos de nós, Tomás teve o privilégio de nascer em um castelo. Sua família era notavelmente estabelecida, e seu “sobrenome”, Aquino, na verdade se refere ao local de onde ele veio. Ele nasceu a cerca de 8 quilômetros de Aquino, na Itália, daí o nome Tomás de Aquino, ou em inglês, Thomas Aquinas. Seu pai era o conde de Aquino e sua mãe, a condessa. Por meio de seus pais, Thomas fazia parte da nobreza, estando relacionado à dinastia reinante naquela época, do Imperador Romano Sagrado, e também ao infame Imperador Frederico Barbarossa, mas essa é uma história à parte. O imperador Frederico Barbarossa é uma figura bastante interessante, ilustrando os círculos de nobreza nos quais Tomás estava inserido. Ele vivia na Itália, mas mantinha laços com grandes dinastias europeias.
Desde jovem, sua família o preparou intensamente para a grandeza. Neste contexto, a família de Tomás cultivou suas habilidades naturais. Segundo ele mesmo mais tarde ensinou, a graça aperfeiçoa a natureza. Deus aprimora aquilo que já existe em nossa natureza humana, elevando, curando e aperfeiçoando. Seus pais reconheceram seu dom intelectual e viram nele um jovem religioso, puro e casto, dotado de grandes ideias e um intelecto impressionante. Com isso, almejavam colocá-lo na posição religiosa mais elevada da época: o abade de Monte Cassino. Este local era considerado a nave-mãe, o coração de todos os mosteiros da Europa e sede da ordem beneditina, fundada por São Bento. Ser abade de Monte Cassino era extremamente prestigioso, quase como ser o papa dos monges. Naquela época, as ordens franciscana e dominicana eram novidades, pouco conhecidas fora de seus círculos imediatos. Portanto, o estilo de vida beneditino predominava entre os votos monásticos e religiosos na Europa.
Movidos por essas ambições, a família de Tomás posicionou-o estrategicamente para alcançar esse prestigiado posto.
O tio de Tomás, Caldo, era o abade de Monte Cassino, o que representava uma excelente oportunidade para a transição do jovem para esse papel, considerando que já havia um membro da família ocupando o cargo. O pai de Tomás tinha toda a intenção de garantir que seu filho sucedesse o irmão e assumisse a posição de abade deste importante mosteiro, uma das mais prestigiosas da Europa na época. Essa posição poderia ser comparada, embora isso requeira a confirmação de um historiador medieval, quase ao papel do número dois do papa, pela quantidade de autoridade, terras e influência que conferia na igreja.
Neste contexto, a educação de Tomás assumiu um papel central, e uma lenda famosa, embora difícil de verificar, relata que ele era um menino calado e quieto. Tomás era fisicamente grande desde jovem, e muitos presumiam, por ele falar pouco e pelo seu porte físico, que ele era um “gigante estúpido”, ou seja, que não tinha muito a oferecer intelectualmente, podendo ser mais adequado para esportes do que para atividades intelectuais, como o xadrez. Certa vez, um colega de classe tentou enganá-lo dizendo: “Olha, Tomás, lá fora tem um porco voando, vem ver.” Tomás, ingenuamente, correu para a janela, e ao constatar que não havia porco algum, foi alvo de risadas. Ele respondeu: “Eu preferiria acreditar que porcos podem voar do que que meus próprios irmãos cristãos mentiriam para mim.” Essa anedota ilustra a pureza e a boa fé de Tomás, disposto a acreditar em seus amigos mesmo diante de algo absurdo, ao invés de supor que eles fossem mentirosos.
Durante a adolescência de Tomás, os conflitos entre o Papa Gregório IX e o imperador Frederico intensificaram-se, culminando em uma guerra. Devido à relação de sangue da família Aquino com Frederico, os pais de Tomás decidiram realocar o jovem para a Universidade de Nápoles para mantê-lo fora do perigo e das intrigas políticas que poderiam comprometer sua ascensão a abade de Monte Cassino. Nápoles, na época, era um centro acadêmico controverso, não necessariamente alinhado com os decretos da Igreja sobre currículo e ensino. A universidade expunha os estudantes às obras de Aristóteles, que estava se tornando cada vez mais popular, apesar das preocupações da Igreja de que a filosofia aristotélica, devido ao seu caráter pagão, pudesse afastar os jovens da fé.
Foi em Nápoles que Tomás encontrou dois mentores que mudariam sua vida. O primeiro era João de São Julião, um membro da então nova e zelosa ordem dos dominicanos, que viviam uma vida austera e pregavam itinerantemente, em contraste com o estilo de vida monástico e territorial dos beneditinos. Impressionado com o zelo e a personalidade carismática de João, Tomás decidiu tornar-se um dominicano, uma decisão que marcaria uma significativa mudança de trajetória em sua vida.
O segundo mentor foi Pedro da Irlanda, um dos maiores estudiosos da época, que introduziu Tomás aos fundamentos da educação medieval e ao estudo aprofundado de Aristóteles. Tomás de Aquino tornou-se conhecido como o grande sintetizador entre a filosofia pagã de Aristóteles e a tradição bíblica do cristianismo, criticando e reformulando aspectos do pensamento aristotélico que conflitavam com a teologia católica e integrando outros que poderiam reforçar a fé cristã. Esse foi o verdadeiro gênio de Tomás de Aquino, moldado significativamente durante seus anos em Nápoles.
Aos 19 anos, um evento significativo marcou a vida de Tomás de Aquino. Durante um intervalo escolar, ao retornar para casa, ele anunciou à sua família que não seguiria o caminho que haviam planejado para ele — tornar-se monge beneditino e, eventualmente, o Abade de Monte Cassino. Em vez disso, Tomás revelou seu desejo de se tornar um dominicano. Para sua mãe, a condessa, essa declaração soou como se ele estivesse optando por uma vida de hippie, mendigo e fanático — um verdadeiro pária social. Ele estaria renunciando a todo o luxo, usando a mesma roupa todos os dias e jamais ocuparia um posto oficial prestigioso. Ele não estava apenas rejeitando um legado familiar, mas também uma posição elevada e influente na sociedade.
A família, particularmente a mãe, tentou dissuadi-lo, argumentando que não era necessário adotar um estilo de vida extremista, dormindo em estábulos e pregando para os iletrados. No entanto, Tomás possuía um zelo apostólico; ele estava determinado a salvar almas e ensinar a fé cristã de maneira nova e poderosa. Seu objetivo era convencer hereges a retornarem à verdade e ensinar doutrinas controversas, como a transubstanciação, de forma convincente e lógica. Ele estava disposto a utilizar todo o conhecimento intelectual disponível para construir um sólido argumento em defesa do cristianismo.
Diante da resistência familiar, Tomás fugiu para Roma para juntar-se aos dominicanos. Contudo, sua mãe organizou um plano para capturá-lo: seus irmãos foram a Roma, encontraram-no próximo a um riacho e o arrastaram de volta ao castelo. Tomás foi mantido como prisioneiro em sua própria casa por dois anos.
Durante esse período de reclusão, ocorreu um dos eventos mais célebres da vida de Tomás de Aquino: o cingimento por anjos. Segundo relatos, em uma tentativa de seus irmãos de corrompê-lo, uma prostituta foi enviada ao seu quarto para seduzi-lo. Tomás, percebendo a armadilha, reagiu pegando um tronco em brasa da lareira e ameaçando a mulher, que fugiu aterrorizada. Após o incidente, ele riscou o sinal da cruz na parede com o tronco ainda fumegante e ajoelhou-se para rezar pela pureza. Durante a oração, dois anjos apareceram e ataram uma corda milagrosa ao redor de sua cintura, simbolizando sua libertação das tentações carnais. A partir de então, Tomás jamais enfrentou pensamentos ou ações luxuriosas.
Eventualmente, a família percebeu que não poderia mantê-lo confinado indefinidamente. Tomás conseguiu escapar, e sua família, talvez para preservar a própria imagem, organizou sua fuga de forma a sugerir que fizeram tudo que podiam para impedir sua adesão aos dominicanos, mas ele fugiu mesmo assim.
Já como dominicano, Tomás foi enviado para Paris, o principal centro intelectual da Europa na época. Lá, ele encontrou seu mentor até a morte, São Alberto Magno. Os três homens mais influentes na vida de Tomás foram João de São Julião, que o levou à Ordem Dominicana; Pedro da Irlanda, que o introduziu a Aristóteles; e São Alberto Magno, que era não apenas um dominicano, mas também um grande erudito nas ciências, história, música, astronomia, Escrituras sagradas, filosofia e teologia cristã. Seguindo Alberto para Colônia, na Alemanha, Tomás tornou-se professor de Sagradas Escrituras, escrevendo comentários sobre os livros de Isaías, Jeremias e Lamentações.
Em 1252, Tomás retornou a Paris para completar seu mestrado em teologia, o grau mais alto naquela época, equivalente ou até superior a um doutorado hoje. No entanto, enfrentou resistência da Universidade de Paris, que relutava em conceder-lhe o título devido à antipatia pelos dominicanos e franciscanos.
Tomás de Aquino e seu contemporâneo, Boaventura, ambos santos e doutores da Igreja, enfrentaram um revés acadêmico quando não receberam seus graus de mestrado. Naquela época, para obter tal graduação, era necessário escrever um comentário sobre as “Sentenças” de Pedro Lombardo, uma tarefa que Tomás levou três anos para completar. Embora fosse esperado que ele se graduasse, sua formação foi adiada. Contudo, ele foi nomeado mestre regente de teologia em Paris. Durante esse período, os dominicanos e franciscanos estavam sendo criticados, e Tomás começou a defender a vida e a pobreza monástica dessas ordens mendicantes.
Tomás se destacou e se tornou o teólogo mais controverso do século XIII, enfrentando problemas com o clero local e confusões em Roma sobre suas atividades e ideias. Em Paris, ele foi encarregado de refutar aqueles que usavam a filosofia de Aristóteles para questionar a fé cristã, particularmente em relação à criação do universo e à imortalidade da alma. Os manuscritos de Aristóteles, que chegavam à Europa através de traduções do árabe feitas por muçulmanos, como o comentarista Averróis, provocavam crises de fé entre os estudiosos cristãos.
Tomás foi incumbido de demonstrar que razão e fé podem coexistir, pois ambas foram criadas por Deus. Ele iniciou um esforço de reconciliação mostrando que Aristóteles poderia ser integrado à teologia católica. Apesar do sucesso e do reconhecimento histórico por sua contribuição, em dezembro de 1270, o bispo de Paris, Étienne Tempier, condenou 13 proposições aristotélicas e averroístas como heréticas, levando à excomunhão de quem continuasse a apoiá-las. Mesmo sob risco de excomunhão, Tomás persistiu no uso de Aristóteles para defender a fé católica, embora isso fosse visto como extremamente controverso.
Em 1272, Tomás retornou a Nápoles para finalizar sua obra-prima, a “Suma Teológica”. Em 1273, durante uma missa no Dia de São Nicolau, ele teve uma visão mística após a qual afirmou que tudo o que havia escrito parecia “palha” comparado aos mistérios que viu, levando-o a cessar sua escrita.
O Papa Gregório X convocou o Segundo Concílio de Lyon em maio de 1274 e escolheu Tomás para ajudar na reconciliação entre a Igreja Ortodoxa Grega e a Igreja Católica Romana. No entanto, enquanto viajava para o conselho, Tomás sofreu uma lesão ao bater a cabeça em um galho. Ele foi levado ao mosteiro de Monte Cassino para recuperação, mas sua condição piorou ao chegar ao mosteiro de Fossanova, onde recebeu os últimos ritos e faleceu em 7 de março de 1274.
Tomás de Aquino foi canonizado apenas 50 anos após sua morte, um reconhecimento rápido na história da igreja. Dois séculos mais tarde, em 1567, o Papa Pio V, também dominicano, proclamou São Tomás de Aquino doutor da igreja. Sua obra continua a ser estudada mundialmente, transcendendo contextos religiosos e culturais, e ele é reconhecido como um dos maiores intelectuais da história.
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