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Melquisedeque

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Jacques Bergier

Melquisedeque aparece pela primeira vez no livro Gênese, na Bíblia. Lá está escrito: “E Melquisedeque , rei de Salem , trouxe pão e vinho. Ele era sacerdote do Altíssimo . E ele o abençoou e disse : “Bendito seja Abraão , em nome do Altíssimo , senhor dos Céus e da Terra. E abençoado seja o Deus Altíssimo , que arrebatou o escuro dos teus inimigos e os entregou às tuas mãos”. E Abraão lhe deu o décimo de tudo.”(Gênese, XIV, 18-20).

Isso se passou por volta do ano 2.200 após a criação do mundo. Poderia ser uma indicação quantitativa útil, se soubéssemos o que os hebreus entendiam por ano e por “criação do mundo”. Mas séculos de discussão não conseguiram elucidar esses dois termos . O que faz com que seja absolutamente impossível determinar datas quanto a Melquisedeque. Entretanto , de qualquer forma as breves indicações da Bíblia já são curiosas . É a primeira vez na história da humanidade que se trata da questão dum Deus Único, todo-poderoso, criador das estrelas e mestre do Universo. 

Notemos de passagem , essa curiosa coincidência. Era realmente natural que puritanos , para batizar a cidade que acabavam de fundar numa colônia do continente norte-americano, escolhessem o nome de Salem. É menos natural que essa cidade fosse o centro de fenômenos de bruxaria, em seguida dos processos antifeiticeiros mais importantes de toda a América do Norte. No que concerne a Salem da Palestina, nada conhecemos , nem se existiu nem onde se encontrava.

Melquisedeque , desde a sua entrada em cena, possui um estatuto curiosos. Ele não é um profeta. Não é também um patriarca. Apareceu a Abraão , e coisa singular, continua a aparecer um pouco em todas as partes do mundo , mesmo em nossos dias. Assim, o Frances-Soir relata em 26 de novembro de 1973 uma das aparições , bastante burlesca, é verdade. Segundo o diário , o personagem , uma espécie de mago, estaria atualmente num hospital psiquiátrico.

“Êle se intitulou Príncipe Carlos Magno Esses. Mas nenhuma investigação permitiu a descoberta de
sua verdadeira identidade. Ignora-se quem é , de onde vem. Segundo um de seus discípulos, uma poetisa de cinquenta e dois anos chamada Cyna , que compareceu por violação dum selo judicial, esse misteriosos personagem não é outro senão um contemporâneo de Abraão, o rei de Salem, Melquisedeque, um messias imortal encarregado de reformar o mundo.”

Não é possível absolutamente, apesar do nosso desejo , ter conhecimento disso. Esse gênero de fenômeno é comparável à ponta de um iceberg. A totalidade da parte que permanece sob a água nos será sempre desconhecida. Aceito que haja uma confusão de personagens. Mas não é porque loucos pretendem ser Napoleão que Napoleão não existiu . Há um manicômio americano , atualmente, onde três alienados se tomam por Jesus Cristo . Tal coisa não nos faz duvidar da existência e da historicidade de Jesus Cristo. Observemos simplesmente que em novembro o mito de Melquisedeque ainda está presente entre nós e exerce ainda um poder carismático.

Eis um outro exemplo do retorno de Melquisedeque, este nada burlesco, mas ao contrário manifestando uma espécie de grandeza épica. Sua descrição nos foi feita por um grande repórter, que era também um grande escritor , Artur Machen.

A estória se passou em 1917 no país de Gales , num pequeno povoado de pescadores, Llandrisant.

Desconhecidos haviam aparecido já desde há vários dias e proclamavam que faziam parte do Feiriadwyr Malcisidec , isto é, ao sacerdocio de Melquisedeque . Celebraram em junho de 1917 a missa do Santo Graal na igreja protestante de Llandrisant . Os assistentes dessa missa ouviram e repetiram palavras do grego antigo, o que ninguém em Llandrisant conhecia. Em seguida houve milagres , atestados mesmo por quem não era habitante do povoado . Uma gigantesca rosácea de chamas, que tinha a igreja por centro, iluminou a região e atraiu particularmente a atenção do Alto Comando Inglês , o qual a tomou primeiramente por um sinal luminoso dirigido aos submarinos alemães . Militares , marinheiros , habitantes dos povoados vizinhos testemunharam o fenômeno , que começou por volta de meia-noite e vinte.

Nessa noite, diversos doentes , num raio de cinquenta quilometro , foram curados. Merece atenção o caso duma jovem, Olwens Phillips, de Croeswen, próximo a Llandrisant , que morria de tuberculose. Ela estava à beira da morte e o médico que tinha vindo naquela manhã a fim de assinar o atestado de óbito , encontrou-a completamente curada. Ele declarou que se tratava duma impossibilidade científica e escreveu a respeito ulteriormente numa revista médica: “Era impossível, seu corpo estava completamente doído pela tuberculose”. Ora, naquela noite, a jovem Olwen teve a visão de três homens que portavam um objeto que conforme a descrição feita por ela correspondia ao Graal. E ela nunca ouvira falar do Graal. Uma mulher total e irremediavelmente surda foi igualmente curada escutando os sinos da igreja badalar enquanto os sacerdotes de Melquisedeque lá celebravam a sua missa.

Arthur Machen observa que todos os enfermos curados declaram ter experimentado visões comparáveis àquelas que produzem a mescalina ou o Anhelonium Lewinii . Mas , em 1917, faltavam quarenta anos para Aldous Huxley escrever “As portas da Percepção” ; é pouco provável que alguém em Llandrisant pudesse dispor de mescalina; quanto ao LSD não havia ainda surgido.

Os marinheiros e os elementos da policia marítima não estavam certamente sob o efeito da mescalina e portanto viram a rosácea flamejante . Ouviram também um sino – não o pequeno sino da igreja , mas um grande sino, que segundo testemunhas “era como o coro perpétuo dos anjos”.

As testemunhas ouviram na própria igreja o pastor , um protestante racionalista da pior espécie, declarar: “Estes são os sacerdotes de Melquisedeque, os três pescadores de almas sagradas estão entre nós. Glória! Glória! “. E durante essa oração viram os três personagens : silhuetas humanas tão luminosas que não podiam manter o olhar nelas . E esses três personagens seguravam um objeto sem forma precisamente discernível, mas que correspondia às descrições do Graal.

Escutaram ser pronunciadas várias vezes a palavra Melquisedeque e palavras em grego antigo.

Artur Machen nada conclui e se contenta em lembrar a existência de alucinações telepáticas coletivas, mas que também certos fenômenos estão além e acima de nossa ciência . E acrescenta:

“Os personagens que o Sr. Kipling chama de Senhores da Vida e da Morte tomam o cuidado de impedir que vejamos o que vejamos o que não temos o direito de ver.”

Em 1972, a Flyng Saucers Review, retomando a história de Llandrisant em 1917, e recordando uma história análoga em 1905. dá-nos enfim uma explicação racional: nada mais era senão discos voadores! “Como em Fátima” , acrescenta a revista com uma ingenuidade tocante!

Por que não? Mas por que não também o juízo final!

Geoffrey Ashe, o arqueólogo inglês que descobriu a Távola Redonda do Rei Artur e outras relíquias de Avalon , observa com muita justeza em seu livro , Le doigt et la Lune que o racionalismo moderno pode ser definido como “a filosofia do ora, é apenas isto …”

As aparições de Melquisedeque se repetem em todas as épocas da história. Na Idade Média , no Irã, no Oriente Próximo. Desde a Idade Média o mito se estabeleceu . Foi dito que Melquisedeque não reside sobre a terra, mas alhures com os profetas Elias e Enoque. E que está “fora do tempo” ; a expressão é repetida dezenas de vezes nos textos judaicos.

A respeito desse problema como a respeito de outros, espera-se que os Manuscritos do Mar Morto tragam precisões. E na verdade trazem , mas muito difíceis de ser interpretadas.

E eis a razão disso. A Bíblia , como todos os livros de história , segue uma cronologia linear : o passado precede o presente, o qual precede o futuro. Ao contrário, os Manuscritos do Mar Morto seguem uma cronologia cíclica . Os ciclos se repetem ssendo diferentes dos ciclos precedentes . O derradeiro ciclo será o da vingança, o qual terminará com uma guerra de quarenta anos entre os Filhos da Luz e os Filhos das Trevas. Por três vezes , os Filhos da Luz estarão a ponto de vencer, por três vezes os Filhos das Trevas quase conseguirão vencer. Numa sétima vez os Filhos da Luz triunfarão definitivamente “no espaço constelado de estrelas ao redor da terra”.

Depois disso virá a hora do favor divino: Deus renovará a aliança com seu povo e os ciclos serão findos.

De forma que as diversas alusões a Melquisedeque , “o Mestre dos Mestres da Justiça” não nos são muito úteis porque não são situáveis numa história linear.

Do mesmo modo , as tentativas de interpretar os Manuscritos do Mar Morto no sentido de um pré-cristianismo , fracassaram. O estranho abade Tritemio apresenta Melquisedeque como um “eldil” , isto é , uma criatura inferior a Deus mas superior aos anjos. Reencontramos essa categoria no século XVII com Natuilius , depois no século XX com C.S. Lewis , citando Natuilius , precisa que um “eldil” não pode ser situado nem no espaço e nem no tempo.

A Idade Média judaica relata numerosas aparições de Melquisedeque a rabinos ou mesmo aos investigadores da Cabala, aparições que se situam entre os séculos VII e XVIII da era cristã . Cada vez sublinha-se o fato de Melquisedeque vir de outra parte e retornar a sua vontade.

É preciso aproximar esse fato do fato de que a ideia duma viagem ao passado é de origem judaica; voltaremos a isso.

É tentador comparar a história de Melquisedeque do Livro de Enoque. O problema é que não estamos absolutamente seguros da autenticidade do livro. Com referencia a isso apresentamos uma versão oficial dada por Edmond Fleg em sua Antologia Judaica, pg. 597:

“ENOQUE (LIVRO DE) , obra pseudo-epigráfica, cujas diversas seções foram redigidas em hebreu pelos juízes judeus entre 170 e 64 A.C., e que chegou a nós numa tradução etíope. Vê-se aí a Queda dos Anjos , Enoque transportado à morada da tempestade e da luz, a nova Jerusalém onde os Gentios convertidos adorarão o verdadeiro Deus, a danação dos Maus e a alegria dos Eleitos, etc. Essa obra exerceu uma influencia profunda no cristianismo nascente e nos Padres da Igreja. Conta-se mais de 70 textos do Livro de Enoque dos quais encontramos os equivalentes nos escritos no Novo Testamento, sem considerar os traços numerosos que foram deixados nas obras de São Irineus, São Clemente de Alexandria , Tertuliano, Orígenes, Lactâncio , São Hilário, São Jerônimo, Santo Agostinho, etc. ( p. 109,110,11,112) V. Pseudo-epigrafias, Messianismo, Cristianismo.”

Em contrapartida , numerosos historiadores acham que a tradução etíope original jamais existiu e que a versão inglesa que possuímos é algo falso do século XVIII D.C. Caso em que o Livro de Enoque perde todo seu interesse.

Todavia, se é tão antigo assim como se diz, narra um fenômeno muito curioso. Enoque viaja durante períodos que não lhe pareceu exceder alguns meses, e , quando retorna, vários séculos se passaram. Viu-se nisto uma prova do conhecimento da contração relativa do tempo. Constitui em particular a tese de muitos pesquisadores russos. Pode-se ver ai também uma primeira descrição duma viagem através do tempo, do passado para o futuro.

Mas voltemos a Melquisedeque.

Poder-se-ia esperar que com a quantidade de escavações feitas em Israel , a critica racionalista moderna nos trouxesse ensinamentos importantes sobre esse personagem. Não foi assim.

Por exemplo, o Professor Helmer Ringgren que ensina na Universidade de Upsala não descobriu em parte alguma , no espaço e no tempo , qualquer vestígio da cidade de Salem. Isto o leva a uma pura e simples identificação de Salem e Jerusalem.

Quando se conhece o hebreu e o aramaico pode-se dizer que a semelhança não é de deslumbrar. O eminente Professor Rinngren pensa igualmente que a história de Mequisedeque foi imaginada no tempo do Rei Davi, no século X antes da nossa era, e que reflete a situação política da época . Segundo ele, Melquisedeque foi designado como sacerdote de El Elyon , divindade local.

No entanto , o Gênese descreve El Elyon como “o dono do céu e da terra”. Se não se trata do Criador das Estrelas , trata-se ao menos – a observação é de Anatole France – dum importante procônsul local galático!

Apesar de todo o respeito que merece o Professor Rinnggren , sua tese é tão razoável quanto pretender que Guilherme , o Conquistador que devemos os alinhamentos de Stonehenge. Se se falava de Melquisedeque à época do Rei Davi, falava-se também em 1917 e em 1973 . Não vamos concluir disso que Melquisedeque foi inventado pelo Frances-Soir!

A interpretação que H. Ringgren dá ( pag. 73 da obra citada ) do nome do Melquisedeque é própriamente delirante. Enquanto esse nome significa: o imperador dos sábios, ele o traduz por “meu rei é Sedeque”. Mark Twain diria assim que Mendelsohn deriva de Moisés já que é suficiente substituir oisés por endelsohn!

O racionalismo moderno não nos esclarece grande coisa, portanto, no que se refere a Melquisedeque . Particularmente , não insiste sobre os diversos textos judaicos onde está afirmado que Melquisedeque não era apenas o sacerdote do Altissimo , mas também o sacerdote de El Shadai. O que é, todavia, interessante: segundo o próprio Ringgren , Shadai é o deus da Força e da Energia.

Um texto alexandrino diz: “Em nome de Melquisedeque e de Shadai, o que está no alto é como o que está embaixo” Sempre segundo Ringgren, o nome de Shadai aparece desde o fim da idade do bronze. Infelizmente , ele indica numa nota que não dispomos de referencias precisas.

Melquisedeque aparece em todo caso, mesmo para a critica racionalista , como o homem que inventou Deus. Ringgren escreve ( pag 51) empregando as iniciais JHWH, que designam Deus e das quais ignoramos a significação: “JHWH estava presente , mas invisivel, e era o Senhor , e Israel não dispunha de poder sobre ele”.

O homem que teve uma ideia ou informações tão extraordinárias não era certamente de espécie comum. Rei de uma cidade inencontrável, profeta de um Deus novo e terrível deteve como característica , por outro lado, uma mobilidade no tempo bastante rara.

Mircea Eliade escreve com muita propriedade num capitulo de seu livro, intitulado “O tempo pode ser dominado”, as seguintes palavras:

Tocamos aqui um problema capital não somente para a inteligência do mito , mas sobretudo para o desenvolvimento ulterior do pensamento mítico. O conhecimento da origem e da história exemplar das coisas confere uma espécie de domínio mágico sobre as coisas. Mas tal conhecimento abre igualmente uma via para especulações sistemáticas sobre a origem e as estruturas do mundo. Voltaremos a esse problema . No entanto, é necessário desde já precisar que a memória é considerada como o conhecimento por excelência. Aquele que é capaz de se relembrar dispõe duma força mágica-religiosa mais valiosa ainda que aquele que conhece a origem das coisas.”

Como bem disse H.P Lovecraft: “A única atividade digna do homem é o combate contra o tempo”. –

Extraído do livro ‘Os Mestres Secretos do Tempo’

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