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Por António de Macedo (*)
Max Heindel (1865-1919), um investigador e místico dinamarquês emigrado para a Escócia e mais tarde para os Estados Unidos da América, tinha perfeita consciência desse sério escolho. Filho de pai alemão e mãe dinamarquesa, nasceu em Aarhus, Dinamarca, em 23 de Julho de 1865 e o seu nome de baptismo era Carl Louis Fredrik von Grasshoff. Aos 16 anos partiu para Glasgow, na Escócia, onde estudou engenharia; viajou pelo mundo na qualidade de engenheiro chefe dum vapor comercial e entre os anos de 1895 e 1901 foi engenheiro consultivo na cidade de Nova York. Em 1903 mudou-se para Los Angeles e pôde dar largas aos estudos e investigações que o fascinavam, de metafísica e gnose espiritual. Adoptou o pseudónimo de Max Heindel e quando decidiu viajar de regresso à Europa, em 1907, para tentar descobrir os misteriosos Irmãos da Rosacruz, já tinha concluído que não servia de nada ler dezenas ou mesmo centenas de livros e estudar todos os rituais iniciáticos se quisesse atingir a iluminação.
Começara por se deixar cativar pelos ensinamentos de Helena Petrovna Blavarsky (1831-1891), e durante dois anos – 1904 e 1905 -, chegou a ser vice-presidente da Loja de Los Angeles da Sociedade Teosófica. Depressa porém se deu conta do confuso sincretismo das doutrinas «teosófica»(1) e da inextricável mistura de tradições que propugnam, como se Judaísmo, Cristianismo, Budismo e Hinduísmo se pudessem harmonizar rasteiramente na «base da Montanha». Insatisfeito com esta amálgama, Max Heindel pressentiu que o caminho do ocidente (a Via, a Verdade e a Vida») estaria traçado a partir do Alto da Montanha Sagrada na linhagem da Sabedoria Cristã, quer mística quer iniciática, e não numa mescla de tradições; abandonou a Sociedade Teosófica e empenhou-se numa nova busca.
Teve conhecimento que na Alemanha se evidenciava então um instrutor cujas conferências e cujos ensinamentos pareciam coincidir com a senda que aspirava percorrer: tratava-se de Rudolf Steiner (1861-1925), cientista, escritor e mais tarde fundador do movimento espiritual e filosófico conhecido por Antroposofia (2). Também Rudolf Steiner fora atraído pelas doutrinas de Madame Blavatsky, que ao contrário do que propalam os seus muitos detractores, e apesar da notória falta de sistematização dos seus escritos – de que sobressaem Isis Unveiled (1877) e The Secret Doctrine (1888) -, vislumbrou verdades e conotações tradicionais com assinalável argúcia e desenvolveu pontos de vista audaciosos – comprováveis em muitos casos pelo seu copioso conhecimento das fontes – que justificam a considerável influência que exerceu na sua época e bastante depois.
Muito erros espalhou, sem dúvida, e as verdades que enuncia apresentam-se, por vezes, «disformes pelas turvações duma alma agitada de paixões diversas, de tal sorte que essas verdades assim reflectidas criam o efeito duma paisagem maravilhosa num espelho convexo», conforme observou Édouard Schuré na sua introdução à edição francesa de Das Christenthum als mystische Thatsache de Rudolf Steiner(3), mas não é totalmente correcto dizer-se, como faz Umberto Eco pela boca duma personagem de O Pêndulo de Foucault, que Madame Blavatsky se limitou a repetir, sob a falaz roupagem de coisa oculta, conhecimentos e pseudoconhecimentos que andavam por aí ao alcance de qualquer um (4).
Steiner contactou em 1897 uma filial da Sociedade teosófica, mas tal como Max Heindel, não prosseguiu essa via ao reconhecer que a senda da Sabedoria Ocidental não estaria em doutrinas budistas ou hinduístas, mas sim na tradição Cristã. Entretanto conseguira chegar ao alcance dos Mestres da Rosacruz, cujos ensinamentos absorveu preparando-se para empreender a magna tarefa de constituir uma Escola de Ocultismo a fim de ser transmitida, aos eleitos, a Iniciação Rosacruciana.
E é em Berlim que Max Heindel o encontra, no Outono de 1907, na sequência da viagem que empreendera, desde a América, arrastado pela sua ânsia de conhecimento místico e pela fama internacional de que já desfrutavam nessa época os cursos de Rudolf Steiner. Max heindel frequentou esses cursos e teve várias entrevista com Steiner mas logo se deu conta de que os ensinamentos deste não acrescentavam nada ao que já sabia. Entre a desilusão e uma inequívoca admiração pela personalidade e pelos conhecimentos daquele instrutor, Max Heindel decidiu-se pelo regresso à América, e foi então que, ainda em Berlim e quando se aprestava a partir, recebeu inesperadamente a visita de um dos Irmãos (Fratres Seniores) da Ordem Rosacruz, um dos Hierofantes dos Mistérios, que se prontificou a transmitir-lhe os ensinamentos desde que se comprometesse e mantê-los em segredo.
“Durante anos Max Heindel buscara incansavelmente e suplicara aos céus que lhe fosse concedido algo que lhe permitisse mitigar a sede de luz espiritual que o mundo tanto anseia. Sabendo por experiência própria o que é sofrer devido à ânsia de conhecimento, foi incapaz de satisfazer o pedido do Irmão Maior, e recusou aceitar o que quer que fosse que não pudesse partilhar com os seus irmãos no mundo, que sabia tão animicamente famintos como ele.
O Mestre abandonou-o.
Podeis imaginar o que sente um homem que durante tanto tempo esteve privado de alimento, e repentinamente aparece alguém a oferecer-lhe uma côdea de pão, e logo se retira sem lhe permitir que a prove? […]
No meio do seu desespero e da frustração de ter perdido tempo e dinheiro numa viagem inútil, apareceu-lhe o Mestre de novo ao fim de cerca de um mês, e disse-lhe que tinha passado a prova do egoísmo: se tivesse aceite a oferta de guardar os conhecimentos sem os partilhar, ele, o Mestre, não teria regressado.
Disse-lhe também que houvera um primeiro candidato escolhido pelos Irmãos Maiores que recebera instruções durante vários anos mas que falhara a prova em 1905, e que sendo ele, Max Heindel, o segundo candidato em vista, os Mestres se haviam servido do primeiro – que não era outro senão o próprio Steiner – como isco para o atrair à Alemanha.” (5)
Após várias entrevistas, o Frater Senior deu-lhe as instruções necessárias para encontrar o Templo da Rosacruz nas imediações duma aldeia chamada Kirchberg, que nesse tempo se situava em território alemão, perto da fronteira com a Boémia. Max Heindel esteve durante mais de um mês, no Templo, em comunicação directa com os Mestres por quem foi iniciado, ficando encarregado de disseminar no Ocidente os respectivos Ensinamentos da Nova Era Cristã.
Quando entrou pela primeira vez no Templo da Irmandade Rosacruz, Max Heindel surpreendeu-se: na sua imaginação havia figurado esse centro como uma imponente e magnífica estrutura, e o que viu era exactamente o oposto. Foi convidado a entrar no que parecia ser a casa rural, modesta embora espaçosa, de um cavalheiro da província, residência que ninguém associaria à sede mundial de um tão antigo quão poderoso grémio de místicos. Centenas de homens e mulheres, levados pela curiosidade, têm percorrido a Alemanha na esperança de encontrar esse edifício e passam por ele sem o ver, porque, tal como Max Heindel, imaginam-no como um Templo grandioso de pedra e materiais nobres. E Heindel só o descobriu quando os seus olhos se abriram para vislumbrar o Templo espiritual a interpenetrar e a envolver a estrutura física (6).
o regressar aos Estados Unidos Max Heindel redigiu e publicou em 1909, em Chicago, um volumoso tratado sob inspiração directa dos Irmãos Maiores, The Rosicrucian Cosmo-Conception (7), e mais tarde fundou em Oceanside, na Califórnia, uma Escola preparatória, The Rosicrucian Fellowship a qual, convém deixar bem explícito desde já, não é a Escola de Mistérios Rosacruzes, é apenas uma escola no mundo visível que prepara todo aquele que aceite percorrer os progressivos e ordenados passos que o hão-de conduzir àquela elevada Escola de Mistérios. E interessante notar que Rudolf Steiner publicou em Leipzig, em 1910, um dos seus livros mais importantes, Die Geheimwissenschaft im Umriss («A Ciência Secreta em Esboço»), com desenvolvimentos doutrinários e passagens inteiras que parecem extraídos para não dizer copiados de The Rosicrucian Cosmo-Conception, publicado como vimos no ano anterior. Pessoalmente não creio que tenha havido plágio, incluso de Max Heindel que poderia ter aproveitado os apontamentos dos cursos e das conferências de Steiner a que assistira em Berlim: e não creio que isso tenha acontecido não só atendendo à estatura moral, espiritual e intelectual dos dois homens, como também ao que sobressai do conjunto das respectivas obras. Por muito estranho que pareça esta é também a opinião, ainda que relutante, do avinagrado René Guénon (8) que tinha um ódio vesgo contra tudo o que lhe cheirasse a “teosofismo” – termo que utiliza para o distinguir da autêntica teosofia tradicional e lhe serve de rótulo a um estendal de concepções e doutrinas de que discorda e vão de Madame Blavatsky a Alice Bailey, passando pelos ditos de Heindel e Steiner. Se Guénon reconhece que nenhum deles plagiou, podemos estar seguros de que assim foi. A única explicação plausível, portanto, e que só pode ser a verdadeira, é que tendo tido ambos os mesmos Mestres Rosacrucianos, as suas obras e respectivos ensinamentos hão de apresentar determinadas semelhanças, mas ao passo que Max Heindel se manteve fiel à tradição Cristã e Rosacruz, Steiner a breve trecho se desviou introduzindo no seu sistema elementos espúrios.
Lendo e estudando The Rosicrucian Cosmo-Conception e outros livros que Max Heindel escreveu, como Letters to Students, The Rosicrucian Mysteries, Gleanings of a Mystic, Web of Destiny, Mysteries of the Great Operas, Teachings of an Initiate, etc, dei-me conta duma sensação nova, muito forte e muito real, depois de tanto tempo andar errante à procura da Fonte ou de quem quer que dela directamente tivesse haurido: eis-me pela primeira vez em contacto – admirável, ardente e afectuoso contacto! – com alguém que «tinha lá estado».(9)
O que Max Heindel descrevia possuía o incontestável cunho da sinceridade, era a expressão apaixonada e genuína de quem fora admitido aos Mistérios e subira os luminosos degraus, as observações eram autênticas, plenas, nada de palavreado vazio e inane, era a voz revelada e reveladora dum surpreendente rol de «reportagens» vividas e cheias de emoção mística… – não à maneira do filósofo-visionário Emanuel Swedenborg (1688-1772), que descreve miudamente as suas explorações pelas inúmeras moradas invisíveis e pelos graduais planos dos céus e dos infernos por onde o seu espírito andou (teria andado?), com a clínica frieza do médico legista a dissecar corpos peça a peça -, mas à maneira quase duma criança a relatar em tom cândido e fácil, sem surpresas e com aceitação, uma deslumbrante, diáfana, experiência nova. Não deixa de ser elucidativo o primeiro parágrafo, na primeira página, com que abre The Rosicrucian Cosmo-Conception:
O fundador da Religião Cristã proferiu uma máxima oculta quando disse: «Em verdade vos digo, quem não receber o Reino de Deus como uma criancinha nele não entrará» (Mc 10, 15). Todos os ocultistas reconhecem a imensa importância deste ensinamento de Cristo e esforçam-se por vivê-lo dia a dia.
Sobretudo é quase comovente senti-lo ansioso, a ele Max Heindel, por partilhar, com quem esteja disposto ao esforço ascensional, o segredo dos caminhos que se hão-de sofrer e seguir e que se revelam afinal tão claramente traçados nas Escrituras cristas. Aceitei o convite, embora – ai de mim! – a lonjura do horizonte e a vastidão da esfera sejam tão de mais para a minha pequenez.
Mas toda a jornada começa sempre por um primeiro dia, infante, de escola.
E por falar em escola, volto um pouco atrás para frisar que aquela Escola preparatória – The Rosicrucian Fellowship, conforme citei -, fundada por Max Heindel por inspiração dos Irmãos Maiores, representa um arranque inteiramente novo na obra da Ordem Rosacruz (10) , e é dirigida invisivelmente pelos mesmos Irmãos Maiores da Ordem sob a direcção de Christian Rosenkreuz, ou do Grão-Mestre incógnito que adoptou este nome simbólico, sendo assim a referida Escola como que uma «reencarnação», no mundo visível, da antiga Ordem Rosacruz instituída por Rosenkreuz. Trata-se portanto duma ressurgência decidida a partir dos Planos Superiores: por outras palavras, apareceu mediante renascimento num local inteiramente novo, a fim de transmitir os Ensinamentos da Sabedoria Ocidental às populações do Ocidente. Não pretende descender em linha recta ou oblíqua – tal como outras sociedades se arrogam – de quaisquer lojas rosacrucianas anteriores, existentes na América, na Inglaterra, em França, no Egipto ou em outros locais, por muitos antigas que sejam . The Rosicrucian Fellowship está em permanente ligação directa com o Templo etérico da Ordem Rosacruz em virtude de ser o canal ou instrumento autorizado da Ordem para a Era actual (11).
«Tanto Helena P. Blavatsky como Max Heindel ofereceram as suas vidas em serviço às necessidade espirituais da raça.
Cada um deixou como legado às gerações vindouras uma literatura metafísica que sobreviverá ás vicissidades dos tempos».
– Manly P. Hall (33.º Rito Escocês)
Notas:
(1) Os termos «teosofia» e «teosófico» devem com legitimidade aplicar-se a uma corrente espiritual que abrange século de existência e conta com nomes tão diferentes e tão profundos como Meister Eckehart, Nicolau de Cusa, Paracelso, Giordano Bruno, Jacob Bohme, Johann Georg Gichtel, Swedenborg, Eckartsusen, Friedrich Schelling, entre outros, além dos mais conceituados autores do Iluminismo Rosacruz a que me referi mais atrás. A expressão «teosofia» (sabedoria de Deus) foi usada pela primeira vez no século II por Ammonio Saccas de Alexandria, mestre de Orígenes, que a foi buscar a Paulo: «Nós prègamos um crucificado; para os judeus, escândalo; para os gentios, escultícia; mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, fortaleza de Deus e sabedoria de Deus [gr. Theou sophian]» (1Cor 1, 24), e também: «Sabedoria, sim, falamos entre os perfeitos; não sabedoria deste mundo nem dos chefes deste mundo, condenado a perecer, mas sabedoria de Deus [gr. theou sophian] em mistério, a oculta, que Deus predestinou dos séculos para glória nossa»(1Cor. 2, 7). – A sociedade que Helena P. Blavatsky fundou em Nova York em 1875 começou por ser uma sociedade espírita, e o nome The Theosophical Society foi-lhe dado pelo seu tesoureiro, Henry J. Newton, que na verdade ignorava o real significado daquela palavra. Registe-se, como curiosidade, que a Igreja católica condenou a Sociedade Teosófica em 1919.
(2) É possível que Steiner se tenha inspirado no título duma obra do Rosacruciano Eugenius Philalethes, pseudónimo de Thomas Vaughan: Anthroposophia Magia, Oxford 1650.
(3) Édouard Schuré, «Introduction» apud Rudolf Steiner, Le Mystère chrétien et les Mystères antiques (Das Christenthum als mystische Thatsache, Berlim 1902), trad. e introd. de E. Schuré, Paris 1908, pp. 28-29.
(4) O lâma Kazi Dawa Samdup (1868-1923), mestre tibetano que atingira um elevado grau de conhecimentos e que em 1919 traduziu para inglês com colaboração com Prof. W.Y.Evans-Wentz o Bardo Thodol («Livro dos Mortos Tibetano»), considerava que a despeito das críticas que lhe eram dirigidas, H.P.Blavatsky teria incontestavelmente recebido um ensino lamaico superior, tal como ela prendia (cf. a introdução de Evans-Wentz a The Tibetan Book of the Dead, nota de rodapé na p. vi). – Fernando Pessoa já suspeito o mesmo escreveu: «Os caminhos do simbolismo, sobretudo desde que se entra na estrada mística ou interpretativa, são cheios de ilusões, de devaneios e de fraudes. […] É fora de dúvida que Madame Blatsky era um espírito confuso e fraudoso; mas também é fora de dúvida que recebera uma mensagem e uma missão de Superiores Incógnitos» (Yvette K. Centeno, Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética – Fragmentos do espólio, Lisboa 1985. pp. 51-52).
(5) Augusta Foss Heindel, Memoirs about Max Heindel and The Rosicrucian Fellowship, Oceanside, 1997.
(6) Augusta Foss Heindel, op.cit., p.7. – Gostaria de salientar que a Autora utiliza a expressão Templo espiritual no sentido anagógico ou transcedental, referindo-se ao conteúdo; quando à matéria, o Templo é etérico. Sabe-se que esse templo, invisível aos olhares profanos, se situa a 50º de Lat-Norte e 13º de Long-Este, ou seja, na actual república Checa, alguns a Nordeste de Marianske Lazne (antiga Marienbad) e a Sueste de Karlovy Vary.
(7) Existe em português com o título: Conceito Rosacruz do Cosmo.
(8) René Guénon, Le Théosophisme: Histoire d’une Pseudo-Religion (1921), nova ed. aumentada Paris 1986, p. 221.
(9) Além do Conceito Rosacruz do Cosmo, os livros mencionados estão traduzidos em português com os títulos: Cartas aos Estudantes, Os Mistérios Rosacruzes, Colectâneas de um Místico, A Teia do Destino, Mistérios das Grandes Óperas, Ensinamentos de um Iniciado, etc.
(10) Cf. «Rosicrucian Societies in America», in Rays from the Rose Cross, vol. 88, n.º 4, July/August 1996.
(11) Max Heindel, The Rosicrucian Cosmo-Conception or Mystic Christianity (1909), reed. Oceanside 1977, pp. 530-532.
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(*) Escritor e cineasta, nascido em Lisboa em 1931.
Bibliografia: António de Macedo, Instruções Iniciáticas. Editores Hugin, Lisboa, 1999.
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