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Jacob Boheme nasceu em 1575 na pequena cidade de Alt Seidenburg, distante uma légua e meia de Gorlitz, na Alemanha. Seus pais, Jacob e Ursula, eram luteranos, simples e honestos. O primeiro emprego do pequeno Jacob foi de pastor de ovelhas em Lands-Krone, uma montanha nos arredores de Gorlitz. A única espécie de educação que teve foi recebida na escola da cidade de Seidenberg, que ficava a uma milha de sua casa. Aos catorze anos aprendeu o ofício de sapateiro. Em seguida, viajou pela Alemanha como artífice, sempre no mesmo ramo. Por volta de 1599, retornou a Gorlitz onde veio a ser um mestre em sua profissão. Casou-se com Katherine Kuntzschmann, com quem teve quatro filhos, a um dos quais ensinou seu ofício.
Relatou a um amigo que, durante o tempo de seu aprendizado, quando seu mestre estava ausente, viu entrar na sapataria onde trabalhava, uma figura de aspecto venerável, um estranho vestido de forma simples, querendo comprar um par de sapatos que já havia escolhido. Julgando-se incapaz de lidar com vendas, Böehme fez-lhe um preço muito alto, crendo que o estranho recusaria e ele não seria repreendido pelo dono, seu mestre. O comprador, entretanto, pagou o preço estipulado e se afastou. Após ter dado alguns passos para fora da oficina, chamou com voz alta e firme: ” Jacob! Venha cá! “. O jovem, a princípio assustou-se ao ouvir aquele desconhecido chamá-lo pelo nome de batismo, depois, decidiu atendê-lo. O forasteiro, com ar sério mas amável, disse-lhe: “Jacob, você é ainda muito pequeno, mas será grande e se tornará outro homem, e será objeto da admiração de todos. Isto porque é piedoso, crê em Deus e reverencia sua Palavra, acima de tudo. Leia cuidadosamente as Santas Escrituras, nas quais encontrará consolo e instrução, pois sofrerá muito; terá de suportar a pobreza, a miséria e as perseguições; mas seja corajoso e perseverante, pois Deus o ama”. Em seguida, fixando-o bem nos olhos, apertou-lhe a mão e se foi, sem deixar qualquer indício.
Voltando a si do espanto, Böehme renunciou os prazeres da juventude folgazã e nunca mais abandonou a leitura das Santas Escrituras, tornando-se mais austero e mais atento em todos os seus atos. Böehme era de natureza humilde, sensível e contemplativa. Além da Bíblia, estudou as obras de Paracelso e os tratados místicos de Kaspar Schwenkfeld e de Valentin Weigel. Schwenkfeld e Weigel foram dois teólogos luteranos que romperam com a ortodoxia luterana para se dedicarem a uma doutrina mística. O primeiro foi fundador da seita dos Schwenkfelders que posteriormente veio a adotar as idéias de Böehme. Weigel, que havia sido influenciado pelas obras de Eckartausen, Teuler, Paracelso e do pseudo Dionísio, divulgava uma doutrina gnóstica de caráter panteísta.
Desde cedo, Jacob Böehme entregara-se à crença em Deus com toda a simplicidade e humildade de seu coração. Ao mesmo tempo em que era combatido, lutava, inconformado, porque os outros não podiam conhecer a verdade. Seu coração simples solicitava e procurava, fervorosamente, praticar e aplicar-se ao amor pela verdadeira piedade, pela virtude, e a levar uma vida reclusa e honesta, privando-se de todos os prazeres da vida social. Por ser isto absolutamente contrário aos costumes de então, ele adquiriu vários inimigos.
Depois de ganhar a vida com o suor de seu rosto, como um laborioso trabalhador, no ano de 1600, quando tinha 25 anos, Böehme sentiu-se envolvido pela luz Divina. Estava sentado em seu quarto, quando seus olhos caíram sobre o prato de estanho polido que refletia a luz do sol com um esplendor maravilhoso. Isso levou Böehme a um êxtase inesperado e pareceu-lhe que a partir daquele momento podia contemplar as coisas na profundidade de seus fundamentos. Pensou que fosse apenas uma ilusão e, para expulsá-la de sua mente, saiu para o jardim. Mas aí observou que contemplava o verdadeiro coração das coisas, a autêntica grama, a verdadeira harmonia da natureza que havia sentido interiormente. Percebeu a sua essência, uso e propriedades, que lhe eram reveladas através das linhas e formas. Desta maneira compreendeu toda a criação e mais tarde escreveu um livro sobre os fundamentos daquela revelação, intitulado “De Signatura Rerum”. Böehme encontrou alegria no conteúdo daqueles mistérios, voltou para casa e cuidou de sua família, vivendo em paz e silêncio sem revelar a ninguém as coisas que lhe haviam sucedido.
Dez anos mais tarde, no ano de 1610 viu-se novamente invadido por aquela luz. Todavia, aquilo que nas visões anteriores lhe havia aparecido de modo caótico e multifacético, pode agora ser reconhecido como uma unidade, tal como uma harpa em que cada uma de suas cordas fosse, por si só, um instrumento separado, enquanto que o todo constitui a harpa. Agora reconhecia a ordem divina da natureza. Sentiu necessidade de por em palavras o que havia visto, para preservar suas recordações. Descreveu, então, o fato da seguinte maneira:
“Abriu-se para mim um largo portão e em um quarto da hora vi e aprendi mais do que veria e aprenderia em muitos anos de universidade. Por essa razão, estou profundamente admirado e dirijo a Deus minhas orações, agradecendo-lhe por isto. Porque vi e compreendi o Ser dos seres, o Abismo dos abismos e a geração eterna da Santíssima Trindade, o descendente e origem do mundo de todas as criaturas, pela divina sabedoria: Soube e vi por mim mesmo os três mundos, ou seja, o divino (angelical e paradisíaco), o das sombras (que deu origem e natureza ao fogo) e o mundo exterior e visível (sendo à procriação ou o nascimento exterior tanto do mundo interior como do espiritual). Vi e conheci toda a essência do trabalho o mal e o bem original e a existência de cada um deles; e também como frutificou com vigor a semente da eternidade. E isso de tal forma que dela fiquei desejoso e rejubilei-me”.
Para não esquecer a grande graça que acabara de receber e para não desobedecer a um mestre tão santo e consolador, decidiu escrever em 1612, embora sua situação, financeira não fosse boa e não possuísse um livro sequer, com exceção da Bíblia. Surgiu então seu primeiro livro: “Die Morgenrotte im Aufgang” (O vermelho Matutino), que foi posteriormente chamado por um de seus seguidores, o Dr. Balthazar Walter, de “Aurora”. Este livro não foi mostrado a ninguém, a não ser a um cavalheiro muito conhecido, Karl von Endern, que se encontrava por acaso em sua casa. Era desejo de Böehme que este livro jamais fosse impresso. Todavia, acabou por ceder à insistência de Endern, e lhe emprestou o livro. Mas este, desejando possuir esse tesouro oculto, separou e distribuiu as folhas a alguns amigos que se puseram a copiá-lo. Deste modo começaram a correr rumores que acabaram por chegar aos ouvidos do pastor de Gorlitz, Gregor Richers. Este, mesmo sem ter lido ou examinado o livro, condenou-o do púlpito quando pregava e, esquecendo completamente a caridade cristã, caluniou e injuriou seu autor, a ponto de o magistrado de Gorlitz ser forçado a intimar Böehme a comparecer com o manuscrito.
Böehme compareceu, e perante os magistrados recebeu ordem de deixar a cidade imediatamente, sem mesmo ver a família e colocar os negócios em ordem. Submeteu-se a essa determinação, porém, desejava saber o que havia de errado com ele. Em resposta o pastor declarou que desejava vê-lo preso e longe da cidade. Posteriormente, a ordem do magistrado foi revogada e notificaram Böehme de que poderia morar em Gorlitz e trabalhar em sua profissão, contanto que não escrevesse mais sobre assuntos teológicos, acrescentando: “Sutor ne ultra crepidam”, isto é “O sapateiro não vai além das sandálias”.
Böehme esperou pacientemente que cessassem as denúncias (de 1613 a 1618), o que não aconteceu; muito pelo contrário, recrudesceram; mas nem por isso deixou de orar por aqueles que o condenaram. Sentia-se infeliz em seu silêncio forçado. Tempos depois, referindo-se a esse período diria que se comparava a uma semente que, oculta no seio da terra, desenvolvia-se apesar do mau tempo e das tempestades.
Santa e pacientemente, submeteu-se ao veredicto que recebeu e permaneceu sete anos sem escrever. Entretanto, um novo impulso de seu interior veio despertá-lo. Além disso, pessoas crentes e versadas nas ciências da natureza estimularam-no a continuar sua obra e a “não esconder a lâmpada debaixo da cama”. Decidiu-se, então, a recomeçar a escrever e muitas obras surgiram: “Von der Drei Principien Gottliches Wesens” (Os Três Princípios da Natureza de Deus) em 1619; “Vom Dreifachem Lebem des Menchen” (A Vida Tríplice do Homem), “Vierzig Fragen von der Seele” (Quarenta Questões da Alma), “Von der Menschwerdug Jesu Christi” (A Encarnação de Jesus Cristo), “Von Sechs Theosophischen Punkten” (Seis Pontos Teosóficos), “Grundlicher Bericht von dem Irdischen und Himmlischen Mysterio” (Relato Metódico do Mistério Terrestre e Celeste) em 1620; “Von der Geburt und Bezeichnung Aller Wesen” (O Nascimento e a Marca de Todas as Coisas), mais conhecido como “Signatura Rerum”, em 1621; “Von der Gnadenwahl” (A Escolha da graça) em 1623; “Betrachtung Gottlicher Offenbarung” (Os Três Princípios da Revelação Divina) e “Der Wegzu Christo” ( O Caminho Para o Cristo) em 1624.
Cada livro que Böehme escreveu marcou nele, segundo suas próprias palavras, o crescimento do “lírio espiritual”, ou seja, o amadurecimento da vida, sempre para a Luz do Espírito, o “novo nascimento de Cristo”. O “crescimento do lírio” está acontecendo sempre, é a triunfante auto-realização da perfeição de Deus; Böehme via o universo como um grande processo alquímico, uma retorta destilando perpetuamente os metais para transmutá-los em ouro celestial.
O Dr. Balthazar Walter, que fez numerosas viagens durante sua vida, permanecendo inclusive seis anos entre os árabes, os sírios e os egípcios, para aprender com eles a verdadeira sabedoria oculta, sustentava que havia encontrado alguns fragmentos dessa ciência aqui e ali, mas em nenhuma parte ela era tão profunda, tão pura, como a de Jacob Böehme, este homem simples, esta pedra angular rejeitada pelos sábios dialéticos e pelos doutores metafísicos da Igreja. Por isso deu-lhe o nome de “Philosophus Teutonicus” (Filósofo Alemão) tanto para distingui-lo das outras nações, como para evidenciar suas eminentes qualidades entre seus compatriotas, tendo em vista que fora sempre muito austero em sua conduta e sempre levara uma vida cristã, humilde e resignada.
A morte de Böehme ocorreu em um domingo, 20 de novembro de 1624. Antes de uma hora, Böehme chamou Tobias, seu filho, e perguntou-lhe se não havia escutado uma maravilhosa música. Pediu-lhe, então que abrisse a porta do quarto, para que a canção celestial pudesse ser melhor ouvida. Mais tarde perguntou que horas eram, e quando lhe responderam que o relógio havia soado as duas horas disse: “Ainda não chegou a minha hora, mas dentro de três horas será a minha vez”. Depois de uma pausa, falou de novo: “Ó Deus poderoso, salva-me, de acordo com Tua Vontade”. E outra vez disse: “Tu Cristo crucificado, tem piedade de mim e leva-me contigo ao teu reino”. Deu então, à sua esposa certas instruções com referência a seus livros e outros assuntos temporais, dizendo-lhe também, que ela não sobreviveria por muito tempo (como de fato ocorreu e, despedindo-se de seus filhos, disse: “Agora entrarei no Paraíso”. Então pediu a seu filho mais velho, cujos olhos pareciam prender Böehme a seu corpo, que se virasse de costas e, com um profundo suspiro, sua alma abandonou o corpo, indo para a terra à qual pertencia; entrando naquele estado que só é conhecido por aqueles que fizeram da Iniciação, o motivo de sua existência.
FONTE: Sociedade das Ciências Antigas – Biografias: Jacob Boheme
1575 – 1624
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