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Durante as trevas intelectuais da Idade Média, a Igreja Católica Romana era uma insituição patriarcal sedenta de poder e rigidamente machista. Mas, mesmo assim, alguns luminares femininos conseguiram se destacar, especialmente nos países germânicos. Entre estas mulheres, uma nos interessa especialmente: Hildegard von Bingen.
Hildegard von Bingen viveu de 1098 a 1179, na Renânia. Ela foi uma extraordinária pensadora, uma grande filósofa e teóloga. Ela era uma freira que – coisa raríssima na época – fazia sermões públicos, que, além de atrair pela riqueza de conteúdo o povo de sua época, atraia multidões pelo carisma e pela grande beleza física que possuia, como podemos ver pelas iluminuras que a representam e pelos relatos sobre ela. Dentre outras qualidades, ela era compositora (suas músicas foram recentemente gravadas), escritora, médica, botânica. Era muito dada ao estudo. De certa forma, durante o reinado das trevas, ela possivelmente tenha sido a primeira cientista após a destruição definitiva da biblioteca de Alexandria. Na totalidade da história ocidental, o século 12, na Alemanha, nos chama a atenção pelo profundo mergulho espiritual dos pensadores da época, na maior parte religiosos, que possibilitaram uma ambiente extremamente místico (no sentido transpessoal do termo), rico de insights, e que se refletiu na arte e cultura do tempo, e que ainda hoje exercem um fascínio mágico e racionalmente incompreensível ao homem de hoje, mas que emociona profundamente e enleva a alma: o estilo Gótico.
A Renânia possuia todo um clima espiritual mais sofisticado e evoluído que o resto da Europa. Lá nasceu Hildegard. Ela era a décima criança de uma família nobre que morava na cidade de Rhineland, próxima a Mainz, e onde ainda se podia respirar um pouco do ar celta e sentir um pouco do espírito da Antiga Roma Imperial. Com oito anos, sua família resolveu da-la aos cuidados de uma freira para que, posteriomente, segui-se a carreira religiosa.
Pelos registros que temos, Hildegard foi uma criança excepcional, apesar de ter uma constituuição física frágil e de ter suportado graves doenças. Desde cedo ela passou a ter visões místicas de cunho Transpessoal que lhe possibilitavam, entre outras coisas, demonstrar um alto grau de clarividência e de premonições; de início assustada com as possíveis conseqüências de suas visões, ela não costumava relatar suas experiências transpessoais. Quando a irmã que a criou no convento, e que era Abadessa, faleceu em 1136, Hildegard foi eleita a nova Abadessa. Anos depois, em meio a um longo tratamento de saúde, ela escrveu: “Quando tinha 42 anos e sete meses de idade, uma ardente luz de um intenso brilho veio do céu para se por por completo em minha mente, como uma chama que não queima mas que ilumina. Ela me preencehu totalmente, coração e alma, como um sol que esquenta algo com seus raios. E mais uma vez eu poderia ter o gosto de entender realmente o diziam e o que significavam os Sagrados Livros – Os Salmos, os Evangelistas e os demais livros do Antigo e Novo Testamento.”
Hildegard escrevia tudo o que lhe acontecia, e suas visões se transformaram num livro chamado Scivias (Conhecer o Caminho). Ela relatou sobre suas visões com grandes teólogos da época, como Bernard de Claivaux. Foi ele quem enviou uma parte dos manuscritos de Hildegard para o Papa Eugênio III, em Trieste. Profundamente impressionado, ele endossou os trabalhos de Hildegard bem como suas visões.
Está claro, hoje, que Hildegard possuia uma facilidade ímpar para adentrar nos chamados “Estados Alterados de Consciência”. Muitas vezes ele diria que suas visões e as sensações a elas vinculadas eram difícies de serem postas em palavras. Eram experiências que transcendiam o nosso modo convencional de perceber as coisas. Mas ela tinha de descrever suas experiências de alguma forma, sentia uma grande necessidade de comunicá-las. Por isso não é de se estranhar que toda a riqueza de suas experiências místicas tenham sido relatadas sob uma forte capa cultural típica dos escritos da época. Durante mais de 25 anos, ela escreveu um número extraordinário de documentos e trabalhos sobre a relação humana com o plano divino da criação. Também produziu fascinates estudos sobre botânica e medicina. Compôes 77 canções litúrgicas para uso do convento, e algo como um oratório dramático intitulado Ordo Virtutem. Já com uma idade avançadíssima para a época, aos 72 anos ela voltou a Rhineland para pregar aos clérigos e aos leigos da necessidade de reformas urgentes na Igreja, que estava visivelmente corrompida por assuntos nada espirituais. Por toda a vida, ela escreveu centenas de cartas para as pessoas das mais diversas classes e níveis sociais.
Sua incansável energia e grande vitalidade argumentativa tornaram-se suas principais marcas de personalidade, juntamente com suas experiências místicas: frequentemente ela se erguia de seu leito, muitas vezes em meio a inúmeras dores, após ter tido uma nova visão que imediatamente lhe estimulava a ir a uma nova cruzada de conscientização pública sobre os rumos que a religiosidade estava tomando, e que dibergia da mensagem de Cristo. Ela foi implacável ao denunciar a corrupção clerical de sua época.
Por conta de sua coragem, Hildegard foi muito atacada por toda a sua vida. Mas o pior ainda viria no último ano de sua vida. Ela havia caridosamente enterrado um jovem revolucionário que havia sido excomungado, quebrando assim com uma das mais rígidas leis eclesiásticas da Igreja. Os bispos exigiram que ela exumasse o corpo, considerado indigno de repousar em terra santa. Ela recusou-se, dizendo que o jevem morrera em graça e em comunhão com Deus. Seu convento foi interditado e ela e suas irmãs foram proibidas de participarem da missa.
Apenas alguns meses antes de sua morte, seus direitos foram restaurados. Ela pode, enfim, descansar um pouco. Em 17 de setembro de 1179, Hildegard, ao 81 anos, sofreu um colapso; pouco antes de morrer, duas listas de luz surgiram no céu e adentraram em seu quarto. Hildegar foi, a partir de então, cultuada como uma mensageira de Deus entre os homens.
Entre o povo mais simples da época, talvez devido aos resquícios da tradição pagã, como a dos druidas, acreditava-se que Deus não seria apenas homem, não teria apenas caraceterísticas masculinas, Deus seria Pater-Mater. O Ser Supremo teria também um lado feminino, ou uma “natureza feminina” (a Deusa, adorada pelos druidas). Afinal, a mulher teria sido também criada à Sua imagem e semelhança, ainda que os padres torcessem o nariz para tal pensamento e culpassem a mulher pela vinda do pecado ao mundo. Em grego, a palavra para o lado feminino de Deus é Sophia, e significa sabedoria.
A crença sobre a natureza materna de Deus também estava presente entre os cristãos primitivos, antes de Roma obter a hegemonia sobre os rumos da Igreja. Mas ela manteve-se na Igreja do Oriente, a chamada Igreja Ortodoxa, e entre os judeus durante a Idade Média, mas caiu em completo esquecimento na Europa ocidental (graças ao machismo romano). Só com Hildegard von Bingen é que é que ela teve um rápido lampejo de retorno. Em vários de seus êxtases místicos, ela conta que viu Sophia a andar ricamente vestida, procurando um meio de se dar à conhecer ao mundo. Quando Hildegard morreu, conta-se que seu espírito, rejuvenescido, foi visto várias vezes andando e cantado pela capela, com uma expressão de doce júbilo no rosto. Ela cantava a sua mais conhecida canção: O Virga Ac Diadema.
texto de Carlos Antonio Fragoso Guimarães
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