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Hassan bin Al Sabbah

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Hassan bin Al Sabbah, “o velho da montanha”, líder da “Ordem dos Asāsiyyūn” é uma figura lendária, mas quase tudo o que se fala sobre ele não tem base na história real. Sua realidade contudo não é menos estranha. Para entendê-lo de verdade é necessário primeiro enriquecer o vocabulário com alguns termos que soarão estranhas aos ouvidos ocidentais. Hassan foi um xiitas ismaelitas nizaritas. Palavras estranhas, eu sei, mas vamos entendê-las antes de continuar.

Um xiita é  um muçulmano que acredita que depois do profeta Muhammad (saw) Allah continua guiando a humanidade por meio de uma linhagem de Imãs que nascem a partir de Ali bin Talib, primo e cunhado do profeta. O nome xiita vem de “Shiat Ali” ou “Partido de Ali”. Como é ainda hoje, o xiismo foi desde o início uma minoria dentro do universo islâmico.

Mas Hassan não era apenas xiita, era também Ismaelita. Para entender o significado disso é preciso saber que seguindo a sucessão do imanato chegaremos em algum momento no Imã Jaffar, cujo sucessor natural seria seu filho Ismail. Mas Ismail morre quase no mesmo momento que Jaffar e surge uma disputa na sucessão. Os Ismaelitas acreditam que a linhagem deveria seguir pela família de Ismael considerando Maomé bin Ismail, seu filho como novo Imã enquanto que a maioria dos xiitas optou seguir a linhagem de seu irmão mais novo Muça Alcadim. Os ismaelitas são, portanto, uma minoria dentro de uma minoria.

O Califado Fatímida

O que torna essa minúscula parte do islam importante é que ela deu origem ao Califado Fatímida. Fatímida porque defendia justamente esta linhagem de pai para filho desde Fátima, filha do profeta e esposa de Ali. Habitando o norte da África onde hoje temos Tunísia, e Marrocos este califado era odiado por todos os lados. Ainda assim em seu ápice este reino dominou boa parte do mundo islâmico, incluindo as cidades de Meca, Medina e Jerusalém. Foram eles que fundaram a cidade de Cairo, no Egito onde levantaram a segunda universidade mais antiga da história e hoje a mais antiga ainda em funcionamento. 

Mas o sucesso político e cultural durou pouco. Visto como separatistas apóstatas pela maioria xiita mas também como hereges pelo califado Abássida sunita dominante. Em particular, o conflito na Basílica do Santo Sepulcro é tido por alguns como um fato decisivo para o início das Cruzadas. A partir de então, os xiitas ismaelitas passaram a ser odiados também pelo ocidente e o Califado Fatímida desmoronou.

Em meados de 1073 a partir de um golpe de estado no Cairo e surge uma nova divisão. Acontece que para proteger sua linhagem o califa dispersou seus filhos pelo mundo islâmico. Era esperado que seu filho mais velho, Nizar bin Al-Mustansir, assumisse, mas o vizir al-Afdal Shahanshah aproveitou a oportunidade para tomar o poder, nomeando seu irmão mais novo. Deste momento em diante o califado fatímida passou a ser governado por vizires até ser destruído por Saladino em 1171.

Nizar tornou-se um califa sem território, com súditos espalhados e escondidos em toda parte e parece ter encontrado em Hassan bin All Sabbat seu grande defensor. Assim finalmente podermos entender o que significa ser um xiita ismaelita nizarita, ou seja, uma minoria, dentro de uma minoria, dentro de uma minoria. Pessoas como eles deveriam se manter anônimos, pois onde quer que se revelassem estariam rodeados de inimigos.

A tomada de Alamut

Ruinas de Alamut, Irã

Hassan bin al Sabbah reconheceu o Imanato de Nizar, cortou relações com o califado dominante e decidiu fundar uma comunidade independente. Decidiu que a fortaleza de Alamut seria um lar seguro para os fiéis da linhagem nizarita viverem em paz. A fortaleza escolhida foi construída duzentos anos antes e já tinha fama de ser impenetrável por estar a 2100 metros de altura e só ser acessível por um íngreme penhasco. Não apenas isso, mas era preciso também cruzar o rio Shirkuh que só podia ser atravessado no verão durante a estiagem. Mas Hassan tinha um problema, a fortaleza já estava ocupada. Seu dono era o líder militar Mahdi.

Hassan tirou vantagem do anonimato de seus pares. Ele tomou o poder da fortaleza não por meio de uma invasão, mas sim infiltrando aos poucos servos e soldados fiéis ao imã Nizar.  Em seguida ele se fez ser contratado como professor das crianças da guarnição. Uma vez dentro da fortaleza, Hassan orquestrou uma gradual conversão dos soldados que ainda não conhecia, convertendo-os também a sua causa e por fim até o vice-regente de Mahdi estava ansioso em colaborar. Quando estava bastante seguro de sua posição, Hassan dirigiu-se calmamente até Mahdi e revelou sua identidade afirmando que a fortaleza agora estava sob seu controle. Irado, imediatamente o governante mandou que os soldados prendessem o professor, apenas para descobrir que às espadas não estavam mais sob seu comando. Hassan bin al Sabbah foi magnânimo e deixou Mahdi sair ileso e ainda pagou 3 mil dinares de ouro como pagamento pelo castelo.

Hassan então mandou trazer sua imensa biblioteca para a fortaleza e é consenso entre os historiadores que ele nunca mais saiu de lá, razão pela qual passou a ser chamado de “O Velho da Montanha”. Passava a maior parte de seu tempo estudando e planejando a retomada do imanato. Muitas pessoas acreditam que após isso Nizar bin Al-Mustansir foi também trazido às escondidas para Alamut de onde pode governar seus seguidores. Se assim for, é certo que tanto as obras de Hassan ib al Sabbah, como as de Naṣīr al-Dīn al-Ṭūsī e outros eruditos residentes em Alamut, tenham sifo redigidas com sua orientação. O fato é que a fortaleza tornou-se o quartel general manifesto de uma nação secreta com membros ocultos espalhadas por toda Pérsia, Arábia e Norte da África.

A Ordem dos Assassinos

A primeira providência de Hassan foi orquestrar o assassinato do vizir al-Afdal que havia tomado o poder do Califado Fatímida. Usando as mesmas técnicas de infiltração usadas em Alamut e tendo o segredo e a paciência como suas armas mais afiadas, os discípulos de Hassan se aproximaram do vizir e tiraram sua vida sem grandes dificuldades. Foi um choque para todos pois agora o inimigo era invisível.

Isso não significa que todos os residentes de Alamut eram assassinos bem treinados. Muito pelo contrário, a maior parte estava apenas se refugiando na fortaleza por temerem por suas vidas, mas como a morte de al-Afdal ganhou muita atenção, todo assassinato com qualquer relevância religiosa, política ou militar passaram a ser atribuídos aos seguidores de Hassan ib al Sabbah e isso fez com que o  ódio em torno dos xiitas ismaelitas nizaritas tomasse novas e duradouras proporções.

Era comum às obras sunitas fazerem um jogo de palavras entre o nome real dos seguidores de Hassan, Asāsiyyūn (que significa devotos da fundação) e a palavra “Hashishiyya” um termo pejorativa para falar de alguém cujo uso do haxixe prejudica as faculdades mentais e morais, algo próximo do “Nóia” entre os brasileiros. Em outras palavras, o termo foi usado como um trocadilho para rotular os ismaelitas como desencaminhados. Observadores ocidentais transformaram isso na ideia de que os assassinos eram obedientes e fiéis ao seu líder apenas porque eram viciados e drogados por ele. Em meados do século 12, quando o preconceito da maioria islâmica encontrou o ódio ocidental no ápice das Cruzadas estas duas ondas de ignorância se fundiram para criar a infame lenda da Ordem dos Assasinos.

Durante todo o período medieval, não só as maiorias muçulmanas criaram uma identidade herege para o ismaelismo e proliferou esta imagem em várias obras, mas também a Europa cristã começou a publicar suas próprias obras polêmicas identificando os ismaelitas como uma comunidade exclusiva de assassinos bem treinados. O principal responsável pela divulgação desta ideia foi Marco Polo, que hoje sabemos ser mais um colecionador de lendas do que um fiel observador dos fatos.

Polo sintetizou um relato no qual retratou Hassan como um manipulador que engana seus discípulos de maneira única. Após muito suspense e preparação o candidato a servi-lo era colocado para dormir com ópio e depois levado para um jardim secreto atrás da fortaleza de Alamut. As plantas, arquitetura e decoração exóticas deste jardim teriam sido criados para parecer muito com as descrições do Alcorão sobre o Paraíso. A recepção no jardim seria feita por lindas e sedutoras jovens bem ensaiadas para passar a ideia de serem virgens celestiais. Animais exóticos como o pavão podiam ser vistos enquanto vinho, proibido no islam, era servido. Por fim os soldados eram colocados de novo para dormir e ao acordar eram para sempre fiéis ao Velho da Montanha, convencidos de que ele poderia guiá-los para o Paraíso.

Esta lenda elaborada foi tida como uma fiel descrição do Ismaelismo Nizarita por muitos anos e não foi questionada nem no oriente, nem no ocidente até o século 18. Um romance esloveno a tornou ainda mais popular em 1938 ao publicar o romance “Alamut” no qual Hassan bin Al Sabbah é descrito como um niilista manipulador. No romance, um dos assassinos percebe o truque do falso Paraíso e a resposta de Hassan vem com sua famosa frase “Nada é verdadeiro, tudo é permitido”.

O misticismo de Hassan bin al Sabbah

Mas no que os Asāsiyyūn, realmente acreditavam? O que os historiadores concordam em unanimidade é que Hassan de fato orquestrou o assassinato de al-Afdal  sem nunca sair de Alamut e que gastava boa parte de seus dias lendo livros, estudando e escrevendo sobre misticismo islâmico. A doutrina que Hassan de parece ter sido bem diferente da imaginação ocidental e possui uma veia sufi bastante forte. Ela esteve principalmente registrada em um tratado que ele escreveu de nome “Chahar fasl” (As Quatro Estações), mas que chegou até nós apenas de forma fragmentada.

Dos fragmentos e de citações feitas em outras obras podemos verificar parte do conteúdo deste livro onde cada uma das quatro estações é uma proposição defendida em um capítulo.

A primeira proposição é que o ser humano deseja e precisa conhecer Allah. Ele faz isso demonstrando a universalidade do sentimento religioso e que a ideia de divindade faz parte da própria natureza humana.

A segunda proposição é que apenas a razão humana é inadequada para conhecer Allah. Aqui seus argumentos lembram os da obra “A Incoerência dos filósofos”” do mestre sufi Al’Ghazali e o ceticismo epistêmico europeu de René Descartes e David Hume.

A terceira proposição é uma conclusão das duas anteriores e diz diante desta situação a única solução é Allah enviar um professor autorizado (mu‘allim-i sadiq) para ensinar às pessoas sobre sua realidade e mandamentos.  A tese geral é que, desde o início da humanidade, Allah enviou para a humanidade seus mensageiros. Abrãao trouxe sua revelação para a Mesopotâmia e sua família deu continuidade aos seus ensinamentos. Moisés foi o mensageiro que trouxe a Torá e Israel teve muitos profetas. Jesus revelou o Evangelho e seus apóstolos perpetuaram sua mensagem. Hoje, entre os ismailitas inclusive Confúcio, Krishna e Buda são também considerados mensageiros que trouxeram a mensagem que seus povos precisavam ouvir. O mesmo aconteceria com Muhammad (saw), com a diferença é O Alcorão é a revelação final é para toda humanidade e não para um povo específico. 

A quarta proposição diz que uma revelação contínua e progressiva se faz necessária. Isso porque embora a revelação de Muhammad (saw) seja definitiva, também é inalterável a natureza humana. Assim, com o passar das gerações as pessoas se desviam dos ensinamentos originalmente recebidos e o interpretam de modo  deturpado. Além disso, as próprias condições do mundo se alteram e é necessário extrair adequadamente da revelação as respostas para as perguntas de cada época. Foram os filhos de Abraão que perpetuaram sua mensagem. Foi o irmão de Moisés que liderou Israel depois de sua partida. Mesmo Jesus, que não deixou filhos, deixou Thiago, seu irmão, como principal liderança após sua missão. Da mesma forma hoje esta incumbencia caberia aos descendentes do profeta Muhammad (saw).

Todas estas proposições são acompanhadas de uma série de versos do Alcorão e relatos de ditos e feitos da vida do profeta Muhammad (saw) na esperança de convencer o leitor a colocar sua confiança nas mãos dos Imãs da casa de Fátima. A lenda, estimulada pela paranoia dos inimigos, é que o documento foi deliberadamente destruído pois qualquer pessoa que o lesse por feitiço imediatamente se convenceria a se unir aos Asāsiyyūn.

Os Asāsiyyūn no mundo de hoje

Aga Khan IV, 49º Iman do Xiismo Ismailita Nazarita

Hassan bin Al Sabbat morreu em 1224 e Alamut foi tomada trinta anos depois quando o próximo líder dos Asāsiyyūn rendeu-se sem batalha, na esperança dos mongóis serem misericordiosos. Não foram.  Os ismailitas nazitiras sofreram um genocídio e passaram as próximas gerações em oculto.

De qualquer forma o Velho da Montanha teve sucesso em preservar o imanato que existe até os dias de hoje. Eles ainda são uma minoria e compõem apenas 0.8% da população de muçulmanos e 0.19% da população mundial. Existem mais judeus do que nizaritas no mundo. Espalhados em pelo menos 25 países, após descerem de Alamut e voltarem a luz do dia criaram uma comunidade dinâmica e pluralista.

Se não quiserem, os homens não são chamados a usar barba nem às mulheres a usar véus. Rituais como a peregrinação para Meca e o jejum do Ramadã são opcionais. Isso porque a orientação dos imãs com o passar dos anos foi substituir as formas esotéricas do Islam por suas formas esotéricas. O jejum, por exemplo, tem um significado maior do que apenas não comer e beber por um mês, mas sim controlar a si mesmo e manter-se distante dos impulsos descontrolados todos os dias de sua vida. A peregrinação a Meca é uma peregrinação de toda uma vida da alma em direção à guia de Allah. As formas externas das obrigações religiosas não foram abolidas, mas tornaram-se superogatórias.

A típica oração ritual com prostrações feita cinco vezes por dia voltados para Meca deu lugar a súplicas retiradas do Alcorão, que podem ser feitas sentado apenas três vezes ao dia. Quando em conjunto essas orações rituais podem ser lideradas tanto por homens como por mulheres de qualquer idade. A própria visão do significado de Paraíso e Inferno como lugares de prazer e sofrimento deram lugar a uma visão pragmática onde ambos são expressões da percepção de uma vida bem vivida ou desperdiçada e que, portanto podem ser experimentados aqui mesmo na terra, mas serão intensificados no pós-vida. 

Diante de tudo isso não é preciso dizer que para a maioria dos muçulmanos os xiitas ismalilitas nizaritas continuam sendo grandes hereges e assassinos da tradição. Em sua defesa, os que compartilham a mesma fé de Hassan bin al Sabbah dirão que muito do que é considerado sagrado pela maior parte dos muçulmanos não veio de fato de Muhammad (saw), mas sim da perpetuação de costumes árabes, de construções intelectuais de eruditos sunitas ainda que bem intencionados e no pior dos casos deturpações deliberadas e erros cometidos por muçulmanos que não possuem a guia do Imã de sua época.

Em termos práticos, o efeito de ter guia responsável em interpretar o Alcorão frente às novas realidades que a história desdobra fez destes ismaelitas um grupo bastante afinado com os desafios da modernidade. A corrente majoritária do xiismo por exemplo acredita que o 12º Imã ocultou-se e governa a humanidade em segredo. Já os nizaritas continuam a linha sucessória até os dias de hoje com o atual 49.º imã sendo Sha Karim al-Husayni. Aga Khan IV como também é chamado nasceu na Suíça seu pai era indiano, foi criado no Quênia e se formou em Harvard. Ele tem cidadania britânica e portuguesa e atualmente mora na França. 

É realmente difícil reconhecer um nizarita sem conversar com ele, pois ele não tenta parecer um árabe e se veste e se comporta de forma muito idêntica aos seus conterrâneos. O processo de conversão é simples e não envolve rituais exteriores como a circuncisão, mas apenas o testemunho público afirmando:

lā ʾilāha ʾillā -llāh
“Não há deus senão Allah”

muḥammadun rasūlu -llāh
“Muhammad é o mensageiro de Allah”

wa aliyan amirul-mumineen aliyullah
“e Ali é o comandante dos crentes, Ali de Deus.”

wa mawlana shah karim al-husayni al-imam al-hazir al-mawjud
“e Mawalana Shah Karim al-Husayni é o Imã, o manifesto, o vivo.”

Depois disso o novo Asāsiyyūn vai se dedicar em conhecer cada vez mais profundamente o Alcorão, a casa profética de Fatima e as orientações do Imã atual sobre o islam. E as principais bandeiras de Aga Khan IV para os dias de hoje são a a forma esotérica da religião, o pluralismo e o desenvolvimento social.

O pluralismo é visto como principal solução dos conflitos dentro e fora da civilização islâmica, não a toa há sempre uma delegação ismaelita na parada gay de Toronto. O Desenvolvimento Social por sua vez é promovido principalmente pelo fomento ao acesso universal de saúde e educação. Por essa razão Aga Khan IV fundou a Aga Khan Development Network, uma rede de agências de desenvolvimento que atua nas comunidades carentes da da Ásia e da África com o objetivo de melhorar as condições de vida e as oportunidades entre as pessoas mais pobres do mundo independentemente de suas escolhas, etnia, gênero ou religião. Nada mal para uma ordem de assassinos.

Fontes:

https://ask.ismailignosis.com/

https://www.iis.ac.uk/encyclopaedia-articles/hasan-sabbah

https://www.iis.ac.uk/reading-guides/assassin-legends-myths-ismailis

https://iranicaonline.org/articles/ismailism-1

https://shafeenali.com/recognition/

https://ismaililiterature.org/

https://the.ismaili/

https://ismaili.imamat/

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