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Sokushinbutsu: quando os budistas eram machos

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Pense em um budista. A imagem que se formara na sua mente provavelmente é a de um monge vestido de laranja com o cabelo raspado e um doce sorriso no rosto. Ou talvez você imagine a face amigável do Dalai Lama espalhando sabedoria em pequenos livros que não sabem se ficam na estante de filosofia, religião ou auto-ajuda. Mas por trás desta atual imagem de serenidade existe uma história tétrica que faria muitos góticos de hoje voltarem correndo para a casa dos pais.

O que pouca gente sabe é que o Budismo teve seu início entre os séculos VI e IV a.C. na Índia fundada pelo até então príncipe Sidarta Gautama. O que menos gente sabe é que diferente de muitas religiões, o Budismo não prega a existência de Deus. Hoje ela é considerada a 5a maior religião do mundo com cerca de 500 milhões de seguidores. Além de serem sempre bem humorados e vegetarianos, os budistas baseiam suas práticas nas Três Jóias: o Buda, o Dharma e a Sangha, ou respectivamente o Mestre, os seus Ensinamentos e a Comunidade Budista.

Lendo o parágrafo acima você pode se considerar um conhecedor mediano sobre o assunto. Já tem mais ou menos o conhecimento que grande parte do ocidente tem sobre essa prática. Mas agora vamos falar de um aspecto do budismo que muita pouca gente conhece, e desses poucos vários não conseguiram dormir depois de descobrir o que estamos prestes a revelar.

Buda, o príncipe sem medo

O caminho de Buda até a iluminação não foi nenhum mar de rosas. Ele passou uma série de praticas severas, austeridades, auto-flagelações e auto-mortificações. Inicialmente ele fazia parte de um grupo que sustentava que a mente poderia ser liberta de toda escravidão se o corpo fosse afligido com dor e humilhações além dos níveis tidos como aceitáveis.  O Canon Pali cita, por exemplo, o caso de Punna, o asceta que vivia como um boi, pastando e dormindo ao relento e de Seniya o asceta canino que comia comida do chão e nunca tomava banho. Mas isso não bastava para Sidarta, no Sutta Pitaka ele relata:

Eu vivia nu, fazendo pouco das decências da vida, lambia minhas mãos. Eu me alimentava uma vez por dia ou uma vez em dois dias. Arrancava os cabelos e a barba com as próprias mãos. Nunca me sentava ou deitava, ficava sempre de pé.

Em outras palavras, se você tivesse a sorte de encontrá-lo nas ruas hoje, é bem provável que atravessaria para não chegar perto dele. Sidarta usava a si mesmo como cobaia de suas experiências psicológicas. Mas dado o seu avançado estado de libertação, as coisas que causariam desconforto a uma pessoa normal, para ele tornaram-se triviais. Quando percebia que isso estava acontecendo, ele não parava, pelo contrário avançava ainda mais em seus próprios limites.

Naquela época por exemplo haviam terrenos baldios que eram verdadeiros cemitérios a céu aberto nos quais alguns hindus jogavam os corpos de criminosos para serem presas de aves de rapina e animais selvagens. Obviamente não era um lugar agradável para se passear, mas noite após noite Sidarta dormia nesses cemitérios. Algumas pessoas ficam espantadas quando ouvem que alguns góticos gostam de passear nos cemitérios nas tardes de domingo, mas Sidarta não apenas dormia lá como, segundo o Canon Pali, dormia abraçado aos cadáveres.

Após alguns anos Buda abandonou estas práticas, mas a influência destas permaneceu forte na comunidade budista por muito tempo. Além de acabar com o sofrimento e buscar a iluminação, os monges budistas cultivavam diferentes práticas, uma delas conhecida como Sokushinbutsu. E o que é o Sokoshinbutsu exatamente? A resposta é simples. É uma prática que combina duas das coisas mais legais do mundo.

Múmias e Monges Fodões

Num primeiro momento você pode ter tido uma imagem errada disso. Não são monges usando técnicas secretas de caratê para lutar contra múmias que voltam para atormentar os vivos. São monges que usam sua sabedoria para se tornar múmias. E aí a coisa começa a ficar interessante. Para se fazer uma múmia você precisa de um ingrediente importante: um cadáver. E aí você pode aplicar sua sabedoria para transformar esse cadáver em uma múmia. Mas como você usaria a sua sabedoria para tornar a si mesmo uma múmia?

É agora que as coisas deixam de ser interessantes e se tornam… bem, leia e decida o que elas se tornam.

Para se transformar em múmia você tem que morrer, certo? Mas se morrer não vai ser você o responsável pela sua mumificação. Um bando de monges budistas de Yamagata, no norte do Japão, conseguiram solucionar esse problema. Depois de décadas dedicadas a estudar os ensinamentos de Buda o monge chegava em um momento de iluminação interior e iniciava o ritual. Acompanhe o raciocínio deles:

Budismo: do básico ao extremo

A primeira nobre verdade budista postula que tudo o que vive sofre, a vida em si é sofrimento regada de carências, doenças e na melhor das hipóteses, velhice e morte.

A segunda nobre verdade budista ensina que todo este sofrimento é consequência inevitável do desejo. Embora velhice, doença e morte sejam inevitáveis o sofrimento que elas causam é no fundo opcional. Sofremos não porque estamos doentes ou com fome, mas porque queremos estar ricos e saudáveis.

A Terceira Nobre Verdade Budista é a conclusão inescapável das duas anteriores: eliminando o desejo eliminamos o sofrimento. Todas estas afirmações não são senão um encadeamento lógico de fatos observáveis, o pulo do gato está em como eliminar o desejo. Para isso Buda propôs um caminho chamado o Nobre Caminho Óctuplo.

O Nobre Caminho Óctuplo recebe este nome porque ensina que para nos livramos do desejo devemos ter:

1. Visão Perfeita
2. Emoção Perfeita
3. Fala Perfeita
4. Ação Perfeita
5. Trabalho Perfeito
6. Esforço Perfeito
7. Atenção Perfeita
8. Concentração Perfeita

O que exatamente seria uma visão perfeita ou um esforço perfeito está dentro do corpo doutrinário budista. Para alguns isso se reflete em meditação e uma vida ética e equilibrada. Mas os monges de Yagamana tinham uma idéia bem diferente do que seria perfeição.

Morto vivo e iluminado

A primeira parte do ritual faria um tremendo sucesso em revistas femininas de hoje em dia e consistia em começar uma dieta apenas a base de nozes, sementes e água. Durante o tempo de dieta o praticante deveria realizar exercícios físicos vigorosos e exaustivos. Essa fase da preparação tinha como objetivo eliminar a maior quantidade de água do corpo e queimar a maior quantidade de gordura possível e deveria durar 666 dias. Ok, talvez as revistas femininas não gostassem tanto assim deste sistema pois poderia acabar espantando as leitoras crentes.

Passados os 666 dias o monge mudava a dieta e passava a comer apenas raízes e cascas de árvore e permanecia nesta dieta por mais 334 dias.

Nesses últimos meses da dieta a água era substituída por chá. O chá era preparado com a seiva de Urushi, uma árvore famosa por conter Urushiol em sua seiva. O Urushiol é utilizado até os dias de hoje para se impermeabilizar objetos. O chá era utilizado para tornar o corpo do monge tóxico para vermes e micróbios, claro que como efeito colateral ele também provocava vômitos e outras disfunções corporais que ajudavam na expulsão de qualquer líquido que ainda não tivesse sido eliminado. Esse envenenamento era lento e terminava por debilitar o monge.

A fase final desta parte do ritual consistia no monge rumar para uma pequena tumba, que é o lugar de múmias, e se sentar na posição de lotus. Ele levava consigo apenas as roupas do corpo, um tubo para respirar e um sininho. O tubo servia para ventilar o interior da pequena tumba. O sino deveria ser tocado por ele em intervalos regulares, como uma vez por dia, por exemplo, assim quando o sino parasse de tocar os monges que estavam do lado de fora da tumba saberiam que o monge que estava do lado de dentro estava morto. Eles então retirariam o tubo de ventilação e selariam a tuba.

A segunda parte do ritual era simples. Bastava esperar mais 1000 dias, abrir a tumba e retirar a múmia.

Mas espere, isso é suicídio!

SIM!

Mas também é inegavelmente uma forma de acabar com todo o sofrimento e segundo a cultura em que surgiu, atingir a iluminação. E você achava que ser vegetariano era radical.

Os  monges múmias eram venerados como se tivessem atingido o estado de iluminação e se tornado Buda. Eles eram colocados em plataformas dentro do templo onde podiam ser vistos por todos. Claro que havia aqueles que não acertavam da primeira vez e se decompunham, mas como o Sokoshinbutsu não pode ser praticado mais de uma vez eles eram venerados por sua dedicação.

Até começarem a encontrar tais múmias recentemente, essa prática era considerada um conto de fadas japonês. Uma antiga lenda sobre pessoas que desejavam se iluminar via ligação-direta. Hoje, acredita-se que centenas de monges devam ter tentado entrar para a história como múmias iluminadas, mas como só foram encontradas 23 múmias dessas não há como saber com certeza.

Hoje, e aparentemente pelos últimos séculos, essa prática é considerada ilegal, e não é praticada por nenhuma das vertentes existentes do budismo. Pelo menos não abertamente.

Fnordboy


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